José Mário Leite

PUB.

Da Ferrovia e da Crise Energética

A recente crise energética veio demonstrar o evidente: o país está demasiadamente dependente da rodovia. A necessária atualização e modernização da rede viária nacional, iniciada no consulado de Cavaco Silva e prosseguida nos governos que lhe sucederam foi feita de forma distorcida e enviesada. Enquanto se multiplicaram as vias rápidas junto ao litoral ou na faixa longitudinal mais próxima (é possível ir do Montijo até ao Peso da Régua sempre em auto-estrada e regressar, igualmente por esse tipo de via, sem passar duas vezes pelo mesmo lugar, sem repetir nenhum troço, por mais pequeno que seja), no interior, continuam a existir ligações por fazer, estradas por terminar e itinerários principais incompletos. Em Trás-os-Montes, última região a ter acesso a uma auto-estrada, faltam as ligações nacionais previstas em Vinhais e Vimioso e os acessos internacionais a Puebla de Sanábria, a Gudiña e a Zamora. O IC5 parou em Duas Igrejas e não há forma de ligar a Junqueira ao Pocinho pelo IP2. Mas se este cenário desanimador e em contraciclo à anunciada (e repetida, pelo menos de quatro em quatro anos) vontade firme de diminuir o enorme fosso que divide o país, pelo lado da rodovia, no que toca à ferrovia, o panorama é ainda mais dramático. Se é verdade que muito ficou para fazer e se é mesmo possível admitir que na faixa junto ao mar, melhor fora desviar alguns recursos do alcatrão para o caminho de ferro, com melhor resultado, maior sustentabilidade e maior diversificação (veja-se o jeitão que tinha dado poder usar o comboio de forma mais eficiente, na recente “crise energética”), na banda territorial próxima do país vizinho a situação é escandalosa. Não houve qualquer tipo de melhoramento, absolutamente nenhuma expansão e, pelo contrário, foram encerradas, abandonadas e destruídas várias infraestruturas ferroviárias privando os transmontanos do acesso a um dos meios de transporte em expansão e com largos investimentos noutros países europeus. Todas as linhas de via estreita foram extintas e a própria linha do Douro se foi degradando tendo sido encerrada no Pocinho e quase abandonada da Régua para cima.
Esta situação é tão mais dramática quanto a história nos ensinou que foi precisamente o caminho de ferro que nos dois séculos passados rasgou o atraso rural de grande parte do país como, facilmente se pode verificar sobrepondo o mapa das antigas linhas do comboio com os vetores de desenvolvimento no tempo em que existiram. E se havia, só por isso, razões para a aposta imediata e adequada a crise ambiental que nos afronta contribui com acrescidas razões para essa estratégia urgente e necessária. São os comboios modernos movidos a eletricidade e, só por isso, a passagem de grande parte do serviço rodoviário para este tipo de transporte trará uma considerável diminuição da poluição do ar. O imparável aumento da digitalização da economia vai trazer vantagens acrescidas pois o teletrabalho é perfeitamente compatível com esta forma de viajar, em detrimento de todas as outras. Os canais associados serão, igualmente, um corta-fogo permanente e eficaz. 
Mas sabemos bem, do passado que, contrariamente aos naturais da beira-mar, dificilmente teremos o que nos é devido se o não soubermos reivindicar. Ora, acontece que aos autarcas que promovem ecopistas nas antigas vias de ferro, falta moral para reivindicar a reposição justa e devida. Mesmo, e principalmente, aqueles que apoiam os intentos perversos da CP (e do Governo) na sua casa e não têm vergonha de vir à rua defender a reabertura da ligação das carruagens nos concelhos vizinhos!

Dura Lex

Diz o ministro Santos Silva, em seu nome e, ao que consta, igualmente no do Primeiro Ministro que não se pode interpretar literalmente a Lei até porque, desde a sua publicação, ainda não houve qualquer caso conhecido de aplicação das sanções por violação do artigo 8.º da Lei 28/95 de 18 de agosto, tendo acrescentado que ele andou ou mandou estudar o caso. Foi pouco eficiente no seu estudo, como revelou recentemente o Jornal de Notícias dando conta que dos 79 casos para os quais o Ministério Público pediu a destituição, 64 já foram afastados, por ordem do tribunal, desde 2012.

Admitamos que o estudo do ministro estava correto e que efectivamente em nenhum caso tinham sido aplicadas as sanções previstas na Lei, até hoje. Obviamente que isso não é argumento nenhum para que não fosse legítimo e obrigatório aplicar o estipulado legalmente. Se isso fosse justificação para não se exercer, cega e independentemente a tramitação legal, como deve acontecer nos casos judiciais, então esta nunca aconteceria pois quando o primeiro ocorre, por definição, nenhum outro aconteceu antes dele. E se para o primeiro não houver qualquer atuação então também não poderá, justamente, haver para o segundo porque aí a justificação anterior, aplicar-se-ia com maioria de razão.

Consideremos ainda que o ministro tem razão quando afirma que não é justo penalizar alguém por algo que ele não fez ou influencia directamente. Convenhamos que, teoricamente, literalmente (para usar a terminologia ministerial) este conceito colhe simpatia. Mas, sendo verdade, não o é só agora, Sê-lo-á desde a publicação do diploma, em agosto de 1995. Porque é que há de ser reclamada tolerância e razoabilidade na aplicação de Lei, apenas agora, quase vinte e cinco anos depois da sua aprovação?  Porque não foi reclamada para as sessenta e quatro pessoas já atingidas por ela, desde 2012 e para as mais (que seguramente haverá) nos dezassete anos anteriores?

Mesmo que não tivesse havido nenhum caso transitado em julgamento, bastaria ter havido acusações com esse fundamento para que houvesse razão para reclamar injustiça pois seguramente que estes procedimentos causam grande incómodo e prejuízo à imagem dos atingidos que, a dar crédito ao ministro, aconteceria, indevidamente.

Vamos mais longe. Vamos mesmo admitir que ninguém foi condenado, nem tão pouco acusado. Vamos conceder que tal não se deveu a nenhum desconhecimento nem demasiada complacência do Ministério Público ou das autoridades judiciais. Em termos éticos, puramente, a justeza da não aplicação da Lei apenas poderia ser aceitável se fosse possível garantir que não houve, no passado, nenhum cidadão que não tivesse recusado integrar a Administração Pública, nos casos caracterizados no diploma, por entender que ao fazê-lo estaria a incorrer no ilícito descrito na legislação produzida e aprovada na Assembleia da República. E isso, estou certo, não será fácil fazer nem será nunca absolutamente conclusivo.

Resta a reclamação de que não se faça a interpretação literal da lei. Como? Que outra interpretação pode ser feita se a mesma só é aplicável, depois de publicada, em forma de letra?

Estou certo que o próprio Primeiro Ministro sabe isto muito bem e como tal “manda” que falem por ele. E que o pedido de parecer feito ao Ministério Público, acompanhado da rápida publicação da nova legislação, mais permissiva, mais não é que uma manobra de dilação para não ter de remodelar o Governo na antevéspera de eleições.

Isto eu entendo. Mas isto é política. Outra coisa é a Lei que, dura ou não, não deixa de ser Lei e não pode ter duas interpretações de acordo com quem ela atinge ou beneficia!

Greenwashing - O chá e a palhinha

O neologismo “greenwashing” derivado dos termos ingleses green (verde) e washing (lavagem) aplica-se a atividades, ações e produtos que se apropriaram de virtudes ambientalistas para, mediante técnicas de marketing e relações públicas se apresentarem como genuína e intrinsecamente alinhadas e empenhadas na defesa do meio-ambiente, sem que, em boa verdade, assim seja, de verdade. Tal como, sobretudo durante o anterior regime, em Portugal, se organizavam chás onde se recolhiam fundos e que eram anunciados e publicitados como valiosas e valorosas Ações de Caridade. Algumas damas, senhoras de bem (e muito bem na vida) organizavam frequentes reuniões onde serviam chá e recolhiam bens para entregar aos mais necessitados, assim lavando a alma, de forma chique e solidária. Era um jackpot de boas ações, em que todos ganhavam. Ganhavam desde logo os “pobrezinhos” porque sempre lhes tocavam umas croas, ganhava a elite religiosa e social, que intermediava a operação, ganhava a elite política que mostrava, à sociedade de então as senhoras modelo, legitimando o status quo, comprando favores e ganhando o céu, enquanto dominavam a terra. Mas era, toda a gente o sabe, puro fogo de palha que nada resolvia e, nalguns casos, branqueado o espírito, ainda contribuía mais para o aprofundamento da pobreza existente. Mas mascarava, remendava e servia, na perfeição e de forma barata, os objetivos de quem os promovia e sustentava.

Depois de abundantemente desmascarados e vigorosamente criticados, acabaram. Já não há. Agora, a prática da caridade deixou de ser elitista, democratizou-se e passou a chamar-se solidariedade. É séria, transparente e objetiva. Já não dá o jeito que deu.

Muito jeito deu uma fotografia de uma tartaruga com uma palhinha enfiada no nariz. Deu jeito aos paladinos ambientalistas pois a imagem é muito forte e serviu para abanar consciências! Tanta gente “acordou” para a grave crise ambiental que vivemos. Mas também deu muito jeito aos que, estando-se intrínseca e genuinamente borrifando para o ambiente, necessitam de parecer ecológicos, dos pés à cabeça por uma questão de sobrevivência no mercado ou por pura rentabilidade económica. Ser verde é hoje, também, uma moda! O que ainda há pouco tempo era tema que poucos levavam a sério, coisas de uns poucos idealistas que nem se vestiam de forma adequada, faz hoje parte relevante e indispensável dos programas partidários. Para muitos destes, o canudo plástico nas narinas do réptil foi uma bênção. A repulsa perante tal horror foi global e generalizada. A solução só podia ser a óbvia: Morte às palhinhas! Fim com elas. Nunca mais ninguém deverá beber qualquer líquido refrescante,  por um tubo plástico. E pronto. Missão cumprida.

O problema é que as ditas palhinhas representam uma infinitésima parte da montanha de plástico que consumimos, usamos, descartamos. A palhinha não é nada. É preciso acabar com ela, sim, mas também com os copos, as garrafas, os sacos, as embalagens e, sobretudo, é urgente e necessário deixar, definitivamente, de colocar plástico à volta do que já está “plastificado”.

Acabar com as palhinhas? Claro que sim! Mas de pouco adiantará se não tratarmos, adequada e atempadamente, do palheiro!

O burro e o cigano

Recentemente, neste mesmo jornal, escrevi que o PAN ainda não se tinha alcandorado ao Olimpo partidário português. Implicitamente fazia votos para que tal não acontecesse ou, a acontecer, fosse um caminho estreito e longo. Nada disso. Aprendeu rapidamente e ei-lo a dar cartas no “politicamente correto” como qualquer um dos alunos mais velhos da turma. 
Na Assembleia Municipal da Moita uma deputada deste partido teria apresentado uma moção a denunciar os maus tratos a que alguns animais da vila eram sujeitos. Pelos vistos a situação era lamentável e efetivamente muito penalizante para alguns equídeos “subnutridos, espancados a desfazerem-se em diarreias por não serem abeberados e alimentados sequer e que por vezes caem na via pública, não suportando mais...”
Na sequência desta “afronta” a deputada foi apupada, criticada e acusada por outros deputados e dessa acusação resultou a sua demissão, “forçada” pela Direção Nacional do PAN. Porque o que relatava era mentira? Não. Nada do que se sabe e apurou aflorou qualquer “desonestidade” de relato da eleita. Porque os demais deputados e a direção do partido por que foi eleita discordam da condenação aos conhecidos maus tratos? Também não. Muito pelo contrário. O crime da deputada foi ter identificado os presumíveis autores das ações denunciadas. Porque não é justo acusar os humanos que penalizam e molestam os animais? Ainda não. A única razão pela qual Fátima Dâmaso foi excluída e “crucificada” foi porque, ao que parece, os autores das atrocidades pertenciam a uma etnia minoritária e denunciar o que quer que seja que lhes esteja associado, pasme-se, é discriminação inaceitável, é xenofobia! 
Ou seja: maltratar animais, infligir-lhes sofrimento, molestá-los, atormentá-los é inaceitável, criminoso e recriminável... exceto se tais atrocidades forem cometidas por uma minoria!?
E isto, em nome do combate à xenofobia e à discriminação. Pois bem, tais comportamentos não defendem quem apregoam fazê-lo, muito pelo contrário são grandes e poderosos argumentos na boca dos atuais líderes de extrema-direita racista e chauvinista. São precisamente estas atitudes, este inimaginável argumentário que permite que os inimigos da democracia, da paz e da sã convivência entre povos e grupos culturais diferentes clamem: “vejam, como alguns apenas têm direitos e ficam isentos até dos deveres básicos que nos são exigidos e de cujo incumprimento somos severamente penalizados ao contrário deles a quem tudo é permitido. Só por serem quem são já tudo lhes é permitido, perdoado e quem combate tal injustiça é penalizado e ostracizado!”
Os maus tratos a animais são condenáveis, independentemente dos seus autores. Tolerar qualquer ação censurável, em abstrato, em nome da inclusão é o pior contributo para essa mesma inclusão! 
Incluir é tratar com equidade e igualdade. E isso compreende não só a aceitação de tudo o que é, genericamente, aceitável mas, também e, obviamente, a censura em tudo o que seja censurável! 
Sem qualquer exceção!

Indignado? Claro que fico indignado!

É claro que me indigna. Às vezes chega mesmo a provocar-me revolta. O juiz Ivo Rosa manda retirar do processo Marquês as declarações de Ricardo Salgado feitas no âmbito de outros processos? Porquê? O juiz acha que as mesmas são falsas, desprovidas de fundamento, fantasiosas ou induzidas? Não. Nada disso. O juiz alega que declarações noutros processos não podem ser usadas neste caso. É isso que determina a Lei e ele tem de cumprir a Lei. Mesmo que esteja convicto que as mesmas são verdadeiras, mesmo que outro juiz, em audiência as tenha declarado como boas e úteis, aqui não podem ser usadas. E este não é, sequer, um caso único. Qualquer cidadão comum, como eu, toma conhecimento de casos parecidos em que as provas apresentadas pela acusação (normalmente do Ministério Público) são consideradas inválidas pelo magistrado titular do processo. Mesmo quando parece óbvio que, se levadas à barra do Tribunal, constituiriam um factor sério e consistente para poder sustentar uma, mais que provável condenação… e, sem elas, o réu sai em liberdade sem qualquer pena! Mesmo quando o juiz tem e, muitas vezes declara no acórdão, opinião convicta da sua culpa.

Em Portugal não existe a figura da delação premiada. Toda a gente sabe que, apesar de ser um cancro social e de efeitos devastadores na credibilidade do Regime Democrático, as condenações por corrupção são poucas por ser um crime de contornos difíceis de provar em tribunal onde, obviamente, a colaboração dos envolvidos facilitaria a tarefa dos acusadores e, ainda mais, dos julgadores.

Em abstracto, tão injusto é condenar um inocente, como absolver um culpado. Ambas as acções constituem uma falta de aplicação de justiça.

Contudo…

A absolvição de um culpado, sendo injusta e, muitas vezes penosa para o queixoso, é reversível. Se não no todo, pelo menos em parte. O contrário não!

É certo que ninguém como o envolvido num crime sabe os trâmites e rastos do mesmo. A sua confissão pode carrear aspectos, factos e circunstâncias que de outra forma nunca chegarão a quem deles deva ter conhecimento. Mas, porque razão se há-de premiar um criminoso, por denunciar outro? E se o outro reclamar inocência, porque se há-de acreditar naquele que corrobora a tese de quem investiga? Em última análise podia até acontecer que o delator “colaborasse” num crime com intenções de incriminar outrem, sabendo que a sua pena iria ser atenuada porque, avisadamente, a iria denunciar no tempo adequado.

É verdade que é difícil aceitar que provas com aspecto robusto e evidências claras possam ser descartadas só porque não foram obtidas seguindo a praxis legal, mas nem quero pensar no que poderia acontecer se pudessem ser aceites excepções a esse normativo! Os meios colocados à disposição dos investigadores são muitos, poderosos e sofisticados. E bem. Mas não podem ser usados sem qualquer regra. Por muitas condenações que pudessem acrescentar, a possibilidade de invasão indevida da justa privacidade de cada um, a diminuição inaceitável das garantias de quem é acusado (justa ou injustamente) constituiria um retrocesso civilizacional intolerável!

Quando sei de notícias que podem ajudar criminosos a furtarem-se à mão longa da justiça, fico indignado. Às vezes, revoltado. Mas, depois penso um pouco e conformo-me. Se não fosse assim, era bem pior!

 

Pan pan mãos ao alto!

E pronto. Bastou que o Partido Pessoas Animais e Natureza subisse acima de um determinado patamar para se colocar no radar de “guardiões da democracia” que não se fizeram rogados para darem início a um autêntico festival de tiro ao alvo. O PAN (inicialmente PPA) foi fundado há dez anos e nunca mereceu grande atenção por parte dos comentadores políticos... até à altura em que os resultados nas Eleições Europeias vieram evidenciar um partido em crescimento e com um potencial capaz de, nas próximas Eleições Legislativas, alterar significativamente o atual status quo. Os que o olhavam com indiferença e com a bonomia de quem observa um fenómeno lateral, uma bizarria menor e, julgavam, passageira, de repente acordaram e assustaram-se com a possibilidade de ser algo mais do que isso. Não se deram por achados e, aqui d’El Rei que é necessário expor o que garantem serem imposturas, dissimulações e fingimentos nas propostas, princípios e até teses fundadoras! Que afinal não é um verdadeiro partido verde, que os seus fundadores já não lideram a coletividade e que, pasme-se, tem uma distribuição assimétrica no território nacional. E que isso é grave. Muito grave, garantem. A sério?

Não vale a pena abordar a questão da manutenção dos fundadores na liderança e a distribuição homogénea é um não-assunto. Mas a questão ecológica merece alguma reflexão numa altura em que se assiste, no panorama político nacional, não a uma revolução verde, como pode eventualmente parecer, mas antes a uma autêntica Greenwash que, de alguma forma, nos remete para os idos anos de 1975 em que todos os partidos eram, de uma forma ou outra, socialistas ou socializantes... A genuinidade de cada proposta há de vir ao de cima e o eleitorado irá, se não vai já, separar o trigo do joio.

Os fundamentos do sistema democrático baseiam-se no respeito pelas opções dos eleitores. Não há votos bons nem votos maus. São votos apenas. Independentemente da sua localização, cultura ou motivação. A regra é simples e qualquer um facilmente a entende, não é preciso ser um letrado e iluminado comentador: os partidos fazem as suas propostas e os eleitores escolhem. Se o seu desempenho agradar é natural que a sua posição seja reforçada nas eleições seguintes e o contrário também é verdade e natural.

Estou certo que o PAN não é um partido perfeito. Ora, nem de propósito, acabo de ouvir o inefável Carlos César, líder parlamentar do Partido Socialista, sorrindo cândida e sarcasticamente afirmar, a propósito da prestação do seu correligionário, Vítor Constâncio, na Comissão Parlamentar de Inquérito à recapitalização da Caixa Geral de Depósitos: “Eu não tenho o direito de fazer juízos de valor sobre a memória das pessoas...” enquanto enterrava, lentamente, pausadamente, satisfeitamente, a insidiosa viperina faca da insinuação pretensamente insípida no flanco do antigo Governador de Portugal.

Não há dúvida que o PAN tem ainda um longo caminho a percorrer até ascender ao Olimpo partidário português.

 

Administração Local Transparência e Qualidade

A Ordem dos Economistas publicou, recentemente, o Ranking Municipal Português da autoria de Paulo Caldas. O autor teve a amabilidade de me enviar cópia do documento síntese onde, os resultados dos municípios do nosso distrito, não são famosos, excetuando Bragança, o melhor município médio do país e com excelentes classificações nalguns critérios e ainda Alfândega e Vila Flor muito bons na Governação. Obviamente que estas listas ordenadas têm algumas fragilidades e não esgotam todas as análises possíveis. Levantam sempre comentários e justificações quer para as boas como para as más classificações. Mas será um erro minimizá-las e, muito menos, ignorá-las. É bem relevar que este Ranking está em linha com um estudo de 2018 da Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Não vou analisar em detalhe todas e cada uma das dimensões (não só porque não tenho qualificações para tal mas também porque não caberia numa crónica semanal), mas não quero deixar de olhar para esta avaliação à luz de um conceito que me é muito caro e pelo qual me bati, enquanto eleito e continuarei a fazer sempre que o ache útil para os eleitores: A Prestação de Contas da atividade municipal evidenciada pelos documentos da Contabilidade Analítica.

Sendo curioso que é com o argumento da prestação de contas e informação aos munícipes que os autarcas justificam a proliferação de propaganda e publicidade da “obra feita” não se entende que este mecanismo, obrigatório por lei, desde 2003, continue a ser ignorado, por alguns Municípios. Como é que é possível que um organismo público que tem, entre outras, funções de fiscalização e de imposição de normas legais aos cidadãos, possa auto-excluir-se do cumprimento integral e exemplar do normativo legal? Com que autoridade pode alguma instituição brandir a Lei quando não a cumpre reiterada e afrontosamente? 

Mas há mais.

Para além da imposição de obedecer ao desígnio do legislador, tem o poder executivo a obrigação de informação aos cidadãos. Que esclarecimento pode conter a apresentação, diretamente aos munícipes ou aos seus representantes na Assembleia Municipal, das várias listagens do Balanço e da Demonstração de Resultados com os valores agregados por rubricas onde, pasme-se, em vários capítulos, a de maior expressão tem a designação de “diversos”!!!!

As “justificações” para a não implementação da Contabilidade de Custos determinada no DL 54-A/99 de 22 de fevereiro sendo variadas, nenhuma convence.

Há quem alegue que vindo esta obrigatoriedade desde 2003 tal legitima a continuidade da ilegalidade. Será que o Presidente da Câmara também entende que quem se conseguir furtar ao pagamento das licenças municipais durante alguns anos, fica isento para sempre?

Também defendem que havendo vários municípios na mesma situação, tal situação, mesmo que ilícito, não seria grave. Incrível!!! Uma ilegalidade não perde a essa qualidade por ser cometida por vários. Além disso é muito estranho que quem se proponha liderar uma Câmara, querendo estar à altura da mesma, dos seus pergaminhos e da sua história, se dê por satisfeito a integrar a cauda do pelotão, desde que não esteja sozinho, nessa situação.

Para além disso reclamam que a execução prática dessa norma é complexa, consumidora de recursos e está dependente de requisitos ligados aos trabalhos para a própria entidade. Nada mais errado. Uma afirmação destas é reveladora de uma ignorância total, ou de uma tentativa grosseira de manipulação. Depois de vários anos à frente da Equipa de Gestão da Câmara só não se implementa a obrigatória Contabilidade de Custos por incompetência total ou então por um incompreensível, inexplicável e inaceitável medo da transparência resultante de uma verdadeira prestação de contas!

Tanto mar!

Mais um barco naufragou ao largo da Tunísia. Pelo menos 50 migrantes morreram. Dezasseis foram salvos. Tal tragédia já não chega para capturar as capas dos jornais, envolvidos nas manobras políticas do governo, oposição e campanha para as europeias. Desgraçadamente, estas ocorrências e as notícias das mesmas tornaram-se de tal forma “habituais” que a imprensa e demais meios de comunicação social remetem-nas para secção de pé de página das outras ocorrências. E afinal são cinquenta vidas perdidas num acidente de gravidade idêntica, em termos de perdas humanas, ao do despiste de um autocarro, descarrilamento de um comboio ou à queda de uma aeronave de tamanho médio. A única ou, porventura, maior diferença está no local onde aconteceu: no lado de lá do Mar Mediterrâneo. Não consigo evitar uma interrogação que me ocorre, naturalmente: E se não houvesse mar?

Se não houvesse mar, em primeiro lugar, não haveria naufrágio e a morte, por acidente, de cinquenta pessoas, a norte da Tunísia seria notícia, devidamente relevada por se tratar do desaparecimento dramático de meia centena de europeus. Ou, melhor dizendo, de atlantropeus!

Este cenário de alteração radical da alteração da meridional fronteira marítima do continente europeu, podendo parecer estranho foi estudado e proposto. O projeto do engenheiro alemão Hermann Soergel, se levado a cabo, transformaria o Mediterrâneo num lago de reduzidas dimensões aumentando a superfície europeia que, por tal razão passaria a ser chamada “Atlantropa”! A Tunísia e a Itália ficariam tão próximas que poderiam unir-se através de uma ponte. A ideia, absolutamente revolucionária, nunca foi levada a cabo mas era consistente e apresentava várias valias importantes em que a extensão continental não era, necessariamente, a mais importante de todas as outras.

O plano consistia em fazer baixar o nível atual das águas em várias centenas de metros, com a construção de várias barragens gigantes que fechariam os estreitos de Dardanelos e Gibraltar. Esta última faria o isolamento do Atlântico e a circulação de água permitira o aproveitamento hidroelétrico de cinquenta mil megawatts (oito vezes e meia superior à capacidade atual de todas as barragens portuguesas).

A estrutura mais importante seria o paredão de Gibraltar para conter as águas do Atlântico onde ficaria a principal estrutura de produção de energia, bem como uma rede de canais e eclusas, situadas do lado do oceano, com mais de 400 metros de altura. Para fugir às zonas de maior profundidade, a barragem, desenhada por Bruno Siegwart, teria a forma de cotovelo.

A outra grande barreira, em Dardanelos, iria isolar o mar negro e, igualmente, produzir energia elétrica, em larga escala. A Europa teria aqui uma fonte energética, renovável, de enorme dimensão.

O reverso da medalha seria o desaparecimento dos atuais portos costeiros do sul. Contudo, os mais históricos, como Génova e Veneza poderiam ser mantidos com o recurso à construção de diques projetados pelo arquiteto Peter Behrens. Os restantes seriam substituídos por novas estruturas a levantar de raiz.

O total da superfície conquistada ao mar seria superior a 200.000 quilómetros quadrados, equivalente à soma das áreas da França e da Bélgica, sendo a maioria, contígua à África.

Seria possível ligar, por ferrovia, as principais capitais europeias e africanas.

Os fluxos migratórios seriam muito mais facilitados e, principalmente, diminuiriam, drasticamente as mortes de tanta gente desesperada fugindo à fome, à seca, à guerra, procurando uma vida melhor e um melhor futuro para os seus filhos.

Das ervinhas da calçada

O Jornal Nordeste, na sua última edição, dá notícia de um projeto ibérico sobre o aproveitamento do lixo orgânico para integração em blocos de construção, filtros de substâncias poluentes, entre outros. Um dos parceiros, desta interessantíssima iniciativa, é a empresa intermunicipal Resíduos do Nordeste herdeira do projeto de recolha e valorização de resíduos urbanos, iniciado na Associação de Municípios da Terra Quente Transmontana de que fui dirigente operacional, entre 1993 e 1997. Foi um caminho longo que remonta à fundação da AMTQT, em 1982 mas que, há vinte e cinco anos, resolveu dar um salto qualitativo ao deliberar iniciar o processo de encerramento das quatro lixeiras a céu aberto e construir o Aterro Sanitário hoje gerido e mantido pela referida Resíduos do Nordeste. Aquilo que na altura parecia quase uma veleidade de difícil concretização (em crónicas vindouras irei abordar o tema desvendando algumas curiosidades e pormenores dos bastidores) é hoje a base sólida de outras veleidades como a maior valorização dos resíduos que chegam diariamente ao aterro. Longo e rico esse caminho, que foi evoluindo nas realizações e, felizmente, nas ambições crescentes fruto da liderança competente mas, igualmente e por isso mesmo, do desenvolvimento do conhecimento e dos avanços tecnológicos e científicos, nesta área. O que era na altura uma ambição de realização difícil e duvidosa, é hoje um dado adquirido e quase banal. Por outro lado, pormenores e situações banais na altura, conquistaram, para os dias de hoje, relevância e importância crescente. Mudaram, com o tempo, não só as mentalidades (é bom não esquecer a dificuldade com que se fez e conseguiu fazer aceitar a instalação do aterro), mas igualmente os conceitos e a forma como são vistos e aceites (ou não!).

Ainda há pouco tempo era sinónimo de progresso e urbanidade, sem qualquer censura ou recriminação, a limpeza total das ruas (e até caminhos) de toda a vegetação recorrendo, frequentemente e sem restrições a herbicidas e outros meios de eliminação de ervas e pequenos arbustos. Isso é, definitivamente uma ideia em mutação, não só pela condenação crescente do uso do glifosato e derivados (apesar de continuar a resistir à sua ilegalização), como inclusivamente é questionável a eliminação da vegetação rasteira, mesmo que por meios puramente mecânicos. Para quê e com que objetivo se “limpam” as ruas, caminhos, passeios e valetas da vegetação rasteira e natural? Para além de humanizar a paisagem, servem para manter a biodiversidade e restringem a erosão, com todas as consequências benéficas no controle das crescentes inundações recorrentes nos ambientes urbanos. Ao necessário combate contra a asfaltação massiva dos arruamentos urbanos impõe-se a nova luta pelo fim da remoção da vegetação daninha que nasce e cresce, de forma espontânea, por todo o lado com vantagens ecológicos de todo o género. 

 

Bem, não basta

Várias vezes ouvi autores, atores e artistas referirem-se a temas, obras e situações que se lhes impõem, que os perseguem, dos quais não conseguem fugir nem libertar-se. Tal foi o que me aconteceu com o tema que tem dominado a atualidade política destas últimas semanas. Por mais que tentasse evitá-lo, esperando que saísse de cena ou que fosse desvalorizado, mas, pelo contrário, a forma desajeitada com que foi tratado e, sobretudo, pelo jeito desastrado como se tentou justificar, acabou por se manter e afirmar. Estou, obviamente, a referir-me ao que já é conhecido como familygate!

Mais uma vez se cumpriu o postulado na popular Lei de Murphy: “Tudo o que havia para correr mal, correu mal, na pior altura”. Bem se esforçou o PS por desvalorizar o fenómeno, mas quanto mais desdenhava, mais a opinião pública (e publicada) o evidenciava e lhe valorizava a sua perniciosidade. Por várias e óbvias razões:

Tendo sido devidamente assinalado e condenado na sua primeira edição, aquando da formação do atual Governo, não valorizou a condescendência com que as atuações governamentais são olhadas e julgadas nos primeiros dias de exercício a que, por norma, se costuma, apropriadamente, chamar, período de graça... e repetiu a graça... quando já não havia graça que lhe valesse!

Depositar nas mãos (e voz) de Carlos César a defesa da “honra familiar” não foi, seguramente uma boa ideia, pelas razões conhecidas. A justificação sobre a apetência de determinadas famílias para o “serviço público”, enquadra-se no rifão popular: foi pior a emenda que o soneto! Esta questão da “legitimidade familiar” é uma tese monárquica e portanto não pode ser usada por um partido que se reclame da ética republicana! Acresce que essa justificação só indicia não existir outra melhor. Ora quem, em seu perfeito juízo, se doente, se entregaria nas mãos de alguém sem a devida qualificação, só por pertencer a uma família de médicos?

A elite socialista esqueceu que a “questão familiar” não só desperta a animosidade da oposição como, sobretudo, indicia a inveja e revolta dentro do próprio partido!

A, também desastrada e rancorosa, intervenção do ex-chefe de estado, mesmo errada e desajustada em nada ajudou o partido do governo porque não o legitimou, pelo contrário evidenciou que não soube aprender com os erros alheios... que atempadamente criticou.

A tentativa, dificilmente evitável, de tentar legislar sobre o assunto, é uma armadilha: se a nova legislação não condenar todas as situações atuais, como parece ser a opção do Largo do Rato, pode ser interpretada como um ato de hipocrisia; se por outro lado, condenar todas as ocorrências publicitadas resume-se a uma clara assunção de culpa, perigosa a poucos dias das eleições!

Por fim, a mais repetida e, quiçá, a mais valorizada razão para tentar justificar a discutível conduta, tendo, em si, alguma razão de ser, não basta. É verdade que não é justo nem correto que alguém possa ser prejudicado só pelos seus laços familiares. Mas o problema não é esse. Não é essa a questão relevante. Não é a competência de quem é nomeado que deve ser questionada, quando a sua escolha é feita por algum parente (ou com ligações partidárias ou cruzadas, na família). A verdadeira razão inquestionável passaria pela possibilidade de garantir que não há ninguém, fora desse grupo de influência, capaz de fazer melhor ou, mesmo, parecido. E isso é extremamente difícil de assegurar!