Os Sinais
Escrevo este texto, para publicação no Jornal Nordeste, ouvindo, na cristalina voz de Isabel Silvestre, a canção “A Gente não lê” da famosa dupla Carlos Tê/Rui Veloso. Retenho as palavras cantadas pela conhecida professora de Manhouce: “Falar o dialeto da terra, conhecer-lhe o corpo pelos sinais!” Não há outra solução para quem não conhece aprofundadamente alguns temas do que ajuizá-los e avaliá-los, pelos sinais. Conheço mal o Tribunal de Contas. Senti-me confortável na única vez que lá estive há perto de um quarto de século, a pedir apoio para o lançamento do concurso para a construção do Aterro Sanitário da Terra Quente. Conheço pessoalmente, desde que veio para a Gulbenkian, como administrador, o antigo Presidente, Guilherme de Oliveira Martins. Nada mais sei e, como tal, a minha opinião, a que tenho direito, formo-a, pelos sinais. E, confesso, os sinais que chegam não são claros. “Ai senhor das furnas, que escuro vai dentro de nós.” Insiste Isabel Sivestre. Haverá, não duvido, algumas razões que possam dar suporte à decisão de dispensar Vítor Caldeira do lugar de Presidente do Tribunal de Contas mas há, a avaliar pelas dezenas de opiniões de comentares e analistas, muitas mais para o manter no lugar para onde foi nomeado há quatro anos. Destas, sobressai, de entre as mais relevantes, a circunstância especial de estarmos em vésperas de receber da União Europeia uma contribuição avultada de verbas que carecem de execução célere para garantir a sua eficácia e a sua própria elegibilidade. É certo que a burocracia e as garantias de defesa da concorrência e do interesse público consomem muitos recursos e, sobretudo, tempo que pode, no caso corrente, prejudicar o objetivo principal. É essa a razão pela qual o Governo já anunciou um pacote legislativo para aligeirar os procedimentos e dispensar algumas formalidades. Ora se a complexidade do processo concursal foi instituída para prevenir e evitar “compadrios, clientela e corrupções” que têm, segundo o Presidente da República, de estar arredados da execução da chamada “bazuca” para combater a crise e se as alterações legais propostas irão, segundo Vitor Caldeira, fomentar o “conluio, cartelização e até mesmo corrupção”, não seria lógico aumentar e reforçar o Tribunal que controla e fiscaliza a atividade económica do setor público? Não se fortalece uma instituição de fiscalização decapitando-a de forma repentina e inesperada (toda a gente, incluindo o próprio, soube, já depois de expirado o prazo, que pela primeiríssima vez, o mandato de presidente se restringia a um único mandato), nem substituindo na sua liderança alguém com um vastíssimo curriculum nesta matéria, ao nível europeu, por alguém que, independentemente da sua competência e honorabilidade, não tem percurso profissional que se lhe compare. Justificam, o Primeiro-Ministro, repetente no cargo e o Presidente, preparando-se para o ser, que o cumprimento de um único mandato é a melhor forma de assegurar a independência dos altos dignitários. Dos que não são eleitos, acrescentam, temendo ficar mal na fotografia. Pois. Mas será que ignoram as dezenas e dezenas de posições de nomeação a que essa regra não se aplica, desde assessores, diretores gerais e regionais, chegando, inclusivamente a chefes de gabinete, secretários de estado e até ministros? Também não são eleitos para os cargos que ocupam e nem por isso estão sujeitos a tal regra! Para não falar dos “eleitos” que o são, já antes de o serem, como está a acontecer para as chefias das CCDR. E, que dizer dos que se vêm preteridos pelos escolhidos pelo governo, como aconteceu à magistrada Ana Almeida, classificada em primeiro lugar pela Comissão Independente para a Procuradoria Europeia e cujo lugar foi atribuído a José Guerra? Ecoa ainda a voz de Isabel Silvestre: “E do resto, entender mal, soletrar assinar em cruz, não ver os vultos furtivos, que nos tramam por trás da luz”