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José Mário Leite

Moncorvo Digital

No Dia Mundial do Livro, 23 de março, o Município de Torre de Moncorvo apresentou uma plataforma dupla, com a digitalização da sua Biblioteca Municipal e do seu Arquivo Municipal. São produtos de grande qualidade desenvolvidos por uma empresa nacional incubada na Universidade do Minho. A transição digital é um dos grandes desafios das várias instituições, por todo o mundo e, obviamente, as autarquias não podem alhear-se deste desígnio, inevitável, inelutável. Ao surpreender-nos, de supetão, a demolidora COVID19 atirou-nos para a dependência crescente das tecnologias digitais para assim minorar os imensos transtornos. Dificilmente haveria melhor altura para implementar esta ferramenta. Pode argumentar-se que teria sido mais útil há um ano quando, por um lado, ainda andávamos estonteados, à procura de soluções e alternativas para as rotinas diárias e de outra periodicidade e, por outro, era incerta a duração do período negro que agora já se apresenta menos escuro e se vislumbra o dealbar do regresso à normalidade ou ao que dela mais se aproxima. Sem dúvida que sim. Mas, sendo verdade, igualmente é uma realidade que este desenvolvimento, pela sua importância e pelo impacto que pode e deve provocar, tem uma importância que ultrapassa, temporalmente, esta e outras possíveis epidemias que possam surgir. É uma ferramenta de futuro que adequa o município à modernidade e que, sendo útil para nós, será, não tenho qualquer dúvida, necessária para as gerações vindouras a que já é hábito chamar de “nativos digitais”. Mais do que a urgência deveria ser a qualidade a nortear o seu projeto, desenho, implementação e manutenção. E assim foi. A escolha da Keep, uma “spin-off” da Escola de Engenharia da Universidade bracarense foi adequada e acertada. Os engenheiros minhotos colocaram à disposição dos interessados uma plataforma de grande qualidade e, sobretudo, de fácil utilização, intuitiva e poderosa, no que diz respeito ao seu uso e benefício para o utilizador que é, neste caso, o que mais interessa. Sendo de iniciativa municipal, dada a riqueza e importância do acervo, é de utilidade muito mais alargada, ultrapassando as fronteiras concelhias, regionais e, mesmo, nacionais. Por isso é importante realçar a característica bilingue do aplicativo. O facto de, por razões profissionais, trabalhar com um computador com definição do inglês como linguagem por defeito, permitiu-me verificar que a opção do idioma, pela plataforma, é automática o que valoriza e facilita a sua utilização por utentes de paragens mais longínquas. O Catálogo da Biblioteca tem a informação necessária e suficiente. Já no que respeita ao Arquivo, a apresentação da digitalização de muitos dos seus documentos (pretendendo que, no futuro, o sejam, na sua totalidade) é uma mais-valia assinalável. Estão de parabéns, a Autarquia, os colaboradores e dirigentes da Biblioteca Municipal e, principalmente, os utentes destas estruturas, com destaque, óbvio, para os moncorvenses.

O Julgamento de Sócrates sob a luz do Direito

No final de 2013 ou princípio de 2014, não sei precisar bem, João Araújo, depois de almoçarmos em Mogadouro, mostrou-me o livro que andava a ler: “O Julgamento de Sócrates, sob a luz do Direito” de um conhecido autor brasileiro. Tinha-lhe sido oferecido pelo antigo Primeiro-Ministro. Nenhum de nós viu, no título, qualquer premonição. Pouco mais de um ano depois, fizemos viagem, juntos de Lisboa para o Nordeste. O advogado era reconhecido e abordado, com palavras de apoio e incentivo, em todos os lugares onde parámos. Falámos do assunto, de forma ligeira, respeitando o sigilo profissional. Retive uma frase do causídico: “Não há, nem vai haver, na acusação, uma única prova de corrupção!” Na altura “apenas” se falava no grupo Lena e, como mais tarde escrevi, a própria contabilização dos concursos ganhos pela construtora, dificilmente suportavam a teoria da compra dos mesmos, pelos milhões “garantidos” pelo ministério público. Ao ouvir o despacho de pronúncia do juiz Ivo Rosa, lembrei-me do falecido advogado que tive o privilégio de conhecer pessoalmente. Mas também me lembrei do filósofo grego e, igualmente e por arrasto, do juiz espanhol Baltazar Garzón que garantiu que o maior erro da justiça acontece quando, em vez de se focar nos factos, se concentra no homem e faz dele o seu alvo. O filósofo grego foi acusado de corromper a juventude e desrespeitar os deuses. Mas, o seu julgamento demonstrou que o que incomodava a elite ateniense era o próprio Sócrates em si e não os “factos” que lhe eram imputados. A atuação do juiz madeirense foi e continua a causar perplexidade. Mas, analisando- -a cuidadosamente, o maior espanto é o espanto que ela causa. Ivo Rosa diz que não há nenhuma prova de corrupção. Mas isto não é uma convicção. É um facto! Não há, apesar de sete anos de intensa e dedicada investigação. Perante a valorização de alguns testemunhos, o magistrado foi acusado de parcialidade. Teria valorizado algumas declarações, em detrimento de outras. É verdade. Mas, perante afirmações opostas, umas incriminando o acusado (de Hélder Bataglia) e outras ilibando-o, o juiz optou por valorizar estas últimas. Pois bem, não podendo aceitá-las todas, por incompatíveis, seguiu o princípio de “in dúbio pró reo”. Devia fazer de forma diferente? Provas indiretas? “Se a rua está molhada, é porque choveu!”. Ou porque orvalhou? Não me pronuncio sobre a PT, nem o Vale de Lobos, porque não tenho dados fiáveis e contabilizáveis para tal. Mas não é fácil aceitar que os concursos ganhos pelo grupo Lena lhe tenham proporcionado lucros superiores aos aceitáveis (e justos) num montante tal que pudessem justificar o pagamento de dezenas de milhões de euros de luvas! Mas se formos por caminhos de indícios, fica algo que não cola: José Sócrates foi genial a construir um esquema de corrupção que não deixou qualquer rasto, nem a mínima ponta concreta por onde pegar... mas foi totalmente inepto para recolher o produto da sua ação... quando essa seria a parte mais fácil de concretizar recorrendo a offshores, valorizações de participações e outros artifícios legais usados por tantos a quem a justiça, sabendo, não consegue criminalizar. Continuo sem ter a certeza se José Sócrates é ou não corrupto, embora simpatize com a teoria do João Araújo que o apresentava como arrogante megalómano servindo-se da vaidade do seu amigo Carlos Santos Silva, para quem a amizade com um homem que ele idolatrava e a quem reconhecia genialidade e capacidade, cuja inteligência e poder os deslumbravam, justificavam as centenas de milhares que lhe “emprestava”. Não descarto que o Ministério Público esteja convencido das acusações que faz. Mas não concordo que prenda para investigar e não posso aceitar que se possa querer condenar alguém sem exibir provas dos crimes que se lhe imputam.

O Corso Orçamental

Na década de noventa, do século passado, quando convivia de perto com vários autarcas, um deles, candidato a novo mandato explicou-me o fundamento dos milhões de contos de reis que apresentava no seu programa para que não pudesse ser desmentido pelos seus opositores, coisa que temia. “Reuni todos os projetos que estando já aprovados ou, pelo menos candidatados e somei o valor total, global, independentemente dos anos em que se vão realizar. São projetos de futuro. É verdade que os eleitores vão induzir que serão realizados no próximo ano, ou, os mais cautelosos, no próximo mandato. Mas, isso não está explícito no que digo... embora a forma como o anuncio possa, efetivamente, induzir que assim seja entendido”. Não há memória que tenha sido contraditado. Outra via, menos avisada e muito menos inteligente, foi adotada por um autarca, em exercício. Em vez de falar de futuro resolveu glorificar o passado e apresentou na página do município o que ele chama de “investimento” o que, sendo verdadeiro, seria mais convincente e de maior impacto. O problema é que os milhões publicitados não aderem facilmente à enorme carência de realização nessa área... o que, obviamente, convida a visitar os dados oficiais contabilísticos certificados. A primeira nota que surge de imediato é a ausência de Contabilidade Analítica, apesar de ser obrigatória desde há muitos anos. Esta situação ilegal ou resulta da incompetência do autarca (que há vários anos que promete implementá-la no ano seguinte) ou, pior que isso, tem medo do que ela possa revelar e evita-a para poder mascarar a sua auto-elogiada gestão municipal. De qualquer forma, analisando a mais recente prestação de contas publicada verifica-se que o que é chamado de investimento resulta do somatório das verbas das despesas de capital que não são, nem de perto, nem de longe, a mesma coisa, como facilmente se pode verificar. Logo no resumo aparece uma verba significativa, quase vinte por cento, dizem respeito a amortização de empréstimos. Ora esta não representa, seguramente, qualquer investimento! Se a essa verba forem somados os montantes que se transferem para outras entidades, em rubricas de capital, mas que se destinam a despesas correntes, como a recolha e tratamento de resíduos, entre outros e, igualmente, o incompreensível, pelo astronómico valor total atingido, item de “outros”, exagerado em qualquer divisão da contabilidade geral, inaceitável na classificação de capital, o valor real do investimento efetivo desce para menos de metade do anunciado e, pasme-se, fica mais consentâneo com a perceção que se tem da atividade municipal. Dir-se-á que estas artimanhas são habituais e não são novas. É verdade que a habilidade de mascarar os números e alterar a realidade ajudou muitos autarcas a ganhar eleições, mas também houve quem as tivesse ganho sem romper com a verdade e a transparência. Mesmo que assim não fosse seria sempre boa altura para arrepiar caminho e nada como denunciar as dissimulações, começando, obviamente, pelas mais toscas e pouco inteligentes.

Borges a Muralha da China e a pseudopolítica

No seu livro “Outras Inquirições”, publicado pela primeira vez em 1952, Jorge Luís Borges, discorre sobre os dois “grandes” feitos de Shi Huang Ti: O começo da construção da Grande Muralha da China e a destruição, pelo fogo, de todos os livros anteriores a ele. Queria alcançar dois objetivos simples e concretos: Impedir a invasão do império chinês (que ele unificara), dificultando a transposição das novas fronteiras aos Bárbaros que a circundavam e abolir todo o passado para que a história começasse consigo já que, apropriadamente, se fez batizar com O Primeiro, ordenando que quem lhe sucedesse fosse O Segundo e por aí adiante durante dez mil gerações (o equivalente à eternidade, na cultura chinesa). Na história antiga não se fala em ditadores porque todo o poder era ditatorial ou pretendia sê-lo. A ambição ditatorial era consentânea com a chegada ao poder ou com a sua manutenção e os que “falhavam” este desígnio, normalmente claudicavam como aconteceu recorrentemente, mesmo entre os sucessores diretos do Primeiro Imperador Chinês. O regime democrático, concebido, desenvolvido e disseminado pela excelsa cultura grega veio alterar radicalmente os pilares do poder. Não acabou com as ditaduras, mas confinou-lhes a “legitimidade” e veio introduzir uma nova classe de liderança: a levada a cabo por tiranos que, podendo ser eleitos e jogando com as regras da democracia, para ascenderem ao poder, as usam de forma distorcida, enviesada e soez, para dela beneficiarem e cimentando-o se manterem no poder. Tal como antigamente, também há os que, pela sua capacidade e competência ascendem a essa categoria, por mérito próprio e há, igualmente, os que, por muito que se esforcem, não passam de aprendizes e não atingem o patamar cimeiro e estabilizador. Aqui surge uma nova diferença – os aprendizes de ditadores, têm vida curta porque o sustentáculo não admite meias-tintas; ou é ou não é. Já na classe dos tiranos existe uma variedade de gradações pois que, sustentando-se em eleições que, no exercício do seu poder conseguem condicionar, são capazes de se aí se irem mantendo, dando ares de grandes senhores mas que, na verdade, não passam de arrogantes executores das exceções que a lei democrática, imperfeita, como tudo o que é humano, lhes permite. Foi a eles que Montesquieu se referiu quando proclamou “Não há maior tirania do que a que é exercida sob o escudo da Lei” Não espanta pois que estes iniciantes, não podendo já fazer muralhas, modifiquem, abusivamente as que existem, para lhe dar cunho pessoal e que, sendo-lhes proibido queimar livros, ataquem a memória de quem os escreveu, para tentar alterar a história. Outra nota significativa e caracterizadora pode ser a forma como lidam com quem lhes contesta a atuação. Em vez de contestarem com razões, as razões que aos outros assistem, refugiam-se em classificações. Chamam- -lhes “pseudopolíticos”. Querendo dizer que são diferentes do padrão que, obviamente, tomam como certo, o seu e a sua atuação. Porém, as árvores conhecem-se pelos frutos. Um bom político, tendo dedicado grande parte da sua vida pública a combater quem lhe antecedeu deveria ter-lhe ganho pelo menos uma contenda direta ou, no mínimo, ter-lhe alguma vez, retirado a maioria absoluta... Ou, pelo menos, ter deixado, para memória futura, alguma obra de vulto, no ambiente, na formação superior...

Autárquicas 21

O processo eleitoral já começou. Já se vão conhecen - do os candidatos e recandidatos aos lugares autárquicos em disputa, todos, é certo, mas especialmente o de Presidente de Câmara pois é nele que se centram todas as atenções do próximo processo eleitoral. Apesar do estranho ambiente, perturbador, sem dúvida, dificultador, sobretudo nas zonas rurais onde o contacto pessoal é de alta importância, já são visíveis, no terreno, as movimentações de todos os putativos atores, especialmente os oponentes ao poder estabelecido. Substituir quem está sentado na cadeira do poder não é, reconhecidamente, tarefa fácil, tanto assim que é assumido como verdadeira a afirmação, vulgarizada, precisamente, quando aplicada às eleições autárquicas que, normalmente ninguém as ganha, quando muito, perde-as quem detém o poder. As várias edições já ocorridas vieram dar razão a tal proposição que aumentando a dificuldade dos aspirantes, igualmente acrescenta a responsabilidades dos atuais detentores se, igualmente, forem contendores. Por uma razão simples de que ninguém pode assegurar melhor a continuidade do que aquele que já está ao comando na máquina municipal. Embora, na maior parte das vezes, o pleito eleitoral se cinja à discussão de personalidades é um erro cair nessa armadilha. Porque o que está em litígio não é propriamente um emprego, bem ou mal remunerado, isso agora não é relevante, mas o futuro de toda uma comunidade que dependerá, é verdade, da vontade, querer e determinações do que encabeçar a lista vencedora. Quem pensar que para que tudo mude basta mudar o cabeça de cartaz, está muito enganado. É preciso que a mudança, quando e se acontecer, traga inerente um novo roteiro, uma agenda inovadora e, provavelmente, uma estratégia de rutura. Só analisando todas as propostas em debate será possível decidir em consciência e optar, livremente, pelo rumo que cada um acha melhor para o trajeto comum que reveste a vida em sociedade. Entristece-me sempre que, perante alguém que surge com ideias inovadoras, sejam mais ou menos valiosas, em vez de as ver rebatidas, porque não, ser imediatamente alvo de acusações de caráter. A estratégia de ataque ao mensageiro, quando a mensagem não agrada é muitíssimo mais velha que a Sé de Braga, mas nunca contribuiu para melhorar a vida de ninguém. Parecendo serem “apenas” mais umas eleições autárquicas, não é exatamente assim, no caso presente. A nível local porque o momento histórico que vivemos que, sabemos, antecede volumosos investimentos destinados à recuperação da desastrosa situação para onde fomos arrastados pela tremenda pandemia que se abateu sobre o mundo, pede-nos a escolha de quem podendo decidir os investimentos certos e necessários, pode, igualmente, desperdiçar esta oportunidade agravando ainda mais a situação depauperada atual. A nível nacional vai haver um foco, inevitável, na contenda da capital. Com certeza que não foi com a cadeira municipal como último horizonte que Carlos Moedas abandonou o tranquilo e prestigiante lugar na administração da Fundação Gulbenkian, afastando- -se da possibilidade que, não sendo certa, era apontada como muito provável, de ascender ao melhor lugar executivo do território lusitano, a fazer fé nas palavras atribuídas a Marcelo Caetano, quando foi indigitado para presidir ao Conselho de Ministros.

Confinar e desconfinar (entre o oito e o oitenta)

O confinamento, total ou parcial, sendo uma arma poderosa contra a Covid 19, tão mais eficaz, quanto mais rigoroso, não é, contudo, a solução milagrosa nem pode ser a única nesta guerrilha contra a pandemia. Imaginemos que havia uma estrada que, subitamente, começou a ser inundada, por consecutivas e frequentes enxurradas provocando enormes prejuízos, imensos feridos e muitos mortos. Obviamente que a primeira e mais segura medida, imediata é a interdição da mesma. Total quando a violência e frequência dos acidentes for elevada, parcial quando houver “apenas” um risco moderado. Esta proibição resulta, sem dúvida, numa diminuição dos incidentes e seria suficiente se houvesse a certeza que, o fenómeno natural era passageiro. Sendo assim não seria preciso fazer mais nada. Mas se estas inundações se mantiverem, no futuro, mais ou menos frequentes, mais ou menos violentas, para além da interdição será necessário fazer muros de contenção para controlar o fenómeno natural. O problema com a Covid está precisamente aí. Por maior e mais restritivo que seja o confinamento não será suficiente, mesmo com a ajuda da vacina, para erradicar o agente patogénico do meio de nós. Depois do mais violento e restritivo confinamento o vírus não desaparece. Vai continuar. Com mais ou menos variantes, com maior ou menor incidência mas vai continuar a andar por aí, vai continuar a infetar, causar doenças e mortes. A ideia de manter a reclusão até se atingir um valor suficientemente baixo de contaminações e, se possível reduzir o número de mortes residual, ou mesmo levá-los a zero, é tentadora, parece acertada, mas não pode ser vista apenas em valores absolutos. Por duas razões. Não é possível impedi-las no futuro e, por outro lado, queiramos ou não, há outros doentes graves que o combate à Covid relegou para segundo plano e, entre estes também há mortes, algumas delas provocadas pelo isolamento. Diretamente. Mas também haverá, no futuro, falecimentos por doenças de agora que não foram tratadas de todo, ou de modo adequado. Mas também como resultado da paralisação da economia, da atividade produtiva e social. Sendo útil e necessário, é necessário saber dosear o confinamento e, igualmente, o desconfinamento. Tal como um garrote que sendo eficaz na contenção da hemorragia, não pode exagerar na intensidade e no tempo, sob risco de provocar a perda do membro que se pretende salvar. A cada momento é necessário ponderar benefícios e prejuízos de cada uma das ações. Não podem ser ações baseadas em indicadores de um dos lados apenas. É certo que o facto de as ações só começarem a produzir efeitos, duas semanas depois poderia complicar a decisão. Felizmente há indicadores que dão, antecipadamente, uma indicação para o futuro. É o caso do Rt que deveria ter sido levado em boa conta antes do desconfinamento natalício. E é bom reconhecer que o vírus não tem qualquer convicção moral. Por isso é absurdo pautar a ação pelo calendário religioso. Finalmente, não posso deixar de referir que tendo estado, esta semana, em Vila-Flor a acompanhar um familiar na ação de vacinação dois aspetos. O primeiro é a humanidade, profissionalismo e cuidado de todo o pessoal do Centro de Saúde. O segundo é a completa incompreensão pela teimosia, insensata e incompreensível de levar a cabo esta complexa operação nas exíguas instalações da unidade de saúde em vez de a fazer num pavilhão que, sei de fonte segura, o senhor Presidente da Câmara disponibilizou, e bem!

Vacinar, testar e... saber comunicar

A disseminação da Covid19 depende, provavelmente, mais dos comportamentos individuais e voluntaristas de cada um do que das regras, imposições, proibições e limites impostos legalmente pelo Governo, com as propostas do Presidente da República, aprovadas no Plenário da Assembleia da República. Portanto, motivar os portugueses assume uma importância enorme que não pode ser negligenciada. Os confinamentos vieram provar que, aparte algumas exceções, que existem e existirão sempre, os portugueses são sensíveis e ordeiros e cumprem, satisfatoriamente, as exigências e recomendações. Desde que devidamente comunicaVacinar, testar e... saber comunicar das. E aí é que está, tem estado, um dos busílis. A vacinação, se se olhar apenas aos números, às médias e à comparação com os nossos parceiros europeus, estando lenta, não está a correr mal. Mas, contudo a perceção que a população tem do processo é má! Fica-se com a impressão que as falcatruas são imensas, que o processo está inquinado e os chico-espertos são quem está ao comando do processo e as distorções são mais do que muitas. Havendo-as, não têm a dimensão que a comunicação social lhes dá. É verdade que a notícia faz-se mais do escândalo e da exceção do que da norma e do cumprimento mas... a gravidade e a importância desta maldita pandemia justificava bem um pacto que a todos beneficiaria. Mas não! O episódio do teste positivo do Presidente da República, intercalado entre outros negativos e a dimensão que a imprensa falada e escrita lhe deu é disso um triste exemplo. Não deixa de ser irónico que os políticos que o que, normalmente melhor fazem é comunicar (o seu sucesso depende disso) neste caso claudicam grosseiramente. Basta ver o resultado da comunicação errada, de todos, Governo, Oposição, Presidente, Assembleia e jornalistas, por ocasião do “interregno” natalício. Ora quando se pensava que a lição tinha sido aprendida... nada! As notícias chegadas das últimas reuniões no Infarmed são disso exemplo. Manuel Carmo Gomes veio dizer o óbvio: o pior deste combate está no desconhecimento do inimigo. Por isso é essencial testar, a par da vacinação. Mas houve outros investigadores que fizeram outras afirmações, seguramente fundadas, válidas e valiosas, mesmo que não coincidentes. A imprensa explorou, até ao limite, as várias divergências encontradas por bem pequenas que fossem. O Primeiro-Ministro, na sua cada vez maior desorientação resolveu vir reclamar o consenso dos cientistas. Ora isto não faz o menor sentido! A força da ciência e a sua maior eficácia e segurança nasce precisamente na diversidade de ideias, na multiplicidade de propostas e na sua discussão livre e sem constrangimentos! Obviamente que não é possível atender a cada uma das diferentes e fundadas razões e teses levadas às célebres reuniões do INFARMED que, diga- -se, a propósito, foi muito má ideia abri-las à imprensa e a políticos sem capacidade de decisão e que só lá vão para papaguearem a teoria que mais lhe agrada. Mas, entre a multiplicidade de cientistas há, e são conhecidos, os que têm capacidade e competência para, ouvindo todos os seus colegas, sabem ponderar, sem ignorar, cada uma das opiniões e, fazendo a adequada síntese, recomendar ao poder político a melhor opção. Essa, e só essa, deve ser adotada.

Do Milagre à Catástrofe

Um amigo e reput ad íssi mo cientista dizia-me, recentemente: “Zé Mário, isto de sermos o pior país do mundo em número de casos e em mortes não é por maldição, mas por pura incompetência das autoridades.” No meu entender, o Princípio de Peter no que toca à progressão de categoria até atingir a incompetência, obtém a sua maior eficácia e realização, na classe política. Qualquer sucesso, casuístico ou natural, é imediatamente apropriado para benefício e glória própria, para a autopromoção e para, lamentavelmente, o desleixo subsequente, resultante do autoconvencimento de uma suposta genialidade natural e inata. Há pouco tempo a ministra da Saúde referiu, e bem, as dificuldades na cooperação europeia para atender os doentes, em rede internacional, por causa da situação geográfica portuguesa, na “cara da Europa”. Não seria natural ver e perceber que o tal “milagre” português, o da primeira vaga pandémica, também é devido, em muito, à geografia? A autossatisfação do “acerto” dos decisores políticos dessa altura está na origem deste cenário dramático, agora que a pandemia piorou a sério, por todo o lado, caiu-nos em cima de forma desastrosa e com os deploráveis resultados, sobejamente reconhecidos. Não se entende que, na situação excecional de emergência, se tenha adiado, até ao limite do absurdo, a cooperação com a componente privada do sistema nacional de saúde. Queiram ou não, a procura e obtenção de lucro, não é crime, nem tão pouco imoral. Criminoso é condenar à morte centenas de cidadãos em nome de dogmas ideológicos, anacrónicos, estúpidos e inconsequentes. Se o lema “a saúde não é negócio” fosse levado até ao limite (como no caso do recurso aos hospitais privados, infelizmente, aconteceu) estaríamos agora afastados dos planos europeus de vacina, pois as farmacêuticas vão, naturalmente, registar lucros fabulosos com esta pandemia. Se uma parte significativa desses proventos for reinvestida em investigação e desenvolvimento, como é natural, então é muito bom que sejam gordos. Se o governo andou mal, muito mal, deixando-se manietar pelas peias ideológicas da extrema esquerda, o principal partido da oposição não andou melhor pois, em plena crise pandémica, empurrou o governo para esse beco (que o próprio procurou, reconheça-se) sem qualquer razoabilidade. Rui Rio que em coisas comezinhas e miudinhas, inexplicavelmente, se colou a António Costa, para diminuir a democraticidade parlamentar, reduzindo a frequência da prestação de contas do Governo, não precisava de perder a face pois podia ter-se abstido, permitindo uma negociação à esquerda descomplexada e sem pressões inultrapassáveis. A cegueira ideológica do PC e do Bloco, neste assunto em concreto é inexplicável. O diabolizado lucro numa das mais nobres atividades profissionais, é aceite com normalidade se resultar da atividade legítima, da realização da Festa do Avante. E o mesmo Bloco que não aceita, de forma nenhuma a remuneração natural do capital investido nos Hospitais Privados, defendeu, até ao limite do razoável, a legitimidade do lucro fabuloso e obsceno obtido pelo seu vereador na Câmara de Lisboa, Ricardo Robles, com um edifício da Segurança Social cuja aquisição por valor tão baixo deveria ser devidamente investigada. De pouco adianta andarem à procura de explicações para a ultrapassagem que a extrema-direita lhes está a fazer. A causa não está só nas quimeras vendidas pelos populistas, reside também na incapacidade de autoanálise e respetiva correção dos chamados partidos do sistema.

Do Baton

No Programa “Radicais Livres”, da Antena 1, Pedro Tadeu recordou Dolores Lebrón Sotomayor, ativista porto-riquenha que ficou celebrizada como Lolita Lebrón, a revolucionária do bâton. Esta evocação é muito apropriada pois a militante do Partido Nacionalista Porto-Riquenho, liderando um pequeno grupo do correligionários, invadiu o Capitólio americano para chamar a atenção do mundo, sobretudo dos países americanos, reunidos em Caracas, na Conferência Interamericana, para a situação de ocupação colonial de Porto Rico, pelos Estados Unidos. Alegam terem disparado para o teto, depois de terem rezado o Pai Nosso e os cinco congressistas feridos terão sido atingidos pelo ricochete das balas. Lolita terá dito: “Não vim matar ninguém, vim para morrer por Porto Rico”. A somar à recente invasão do Capitólio pelos apoiantes do derrotado Trump, a campanha eleitoral para a Presidência da República Portuguesa foi esta semana animada precisamente pelo bâton de uma das candidatas. Baton vermelho. Como vermelhas devem ser as linhas de separação de determinados grupos e ideologias. Vermelho este que não pode ser o da censura e muito menos o da proibição. Tem de ser o da decência, da exclusão, da não cooperação, seja a que título for, do desprezo mas igualmente da tolerância e do respeito. Por muito assustador que possa ser o crescimento de forças cuja existência nos afronta e “agride”. Ana Gomes esteve muito bem no debate com André Ventura ao recusar discutir as suas amizades pretéritas e presentes com personalidades da vida política portuguesa. Devia, na minha opinião, manter essa linha vermelha no debate com Marcelo Rebelo de Sousa. Ao fazer alusão à amizade do Presidente-Candidato com o banqueiro caído em desgraça, Ricardo Salgado, não só viajou para lá da fronteira traçada por si, como deu ao seu oponente a oportunidade, imediatamente aproveitada, para se vitimizar. Se outras razões não houvesse, e há!, para votar em Ana Gomes, garantir-lhe o segundo lugar é razão suficiente. Mas a própria tem de colaborar ativamente! E, para além da gafe das amizades, a ideia de ilegalizar quem, à face da Lei está legal, não é uma ideia brilhante para quem quer conquistar o voto do eleitorado maioritário moderado. Até porque a linha vermelha, traçada à esquerda, é de pouca utilidade. A distância para a extrema-direita é tanta que não há necessidade de qualquer separação adicional. Era como colocar uma cancela alfandegária no meio do mar para impedir a chegada dos americanos. A linha divisória para os novos movimentos de ideologia ultradireitista tem de ser desenhada à direita. Como clara, distinta e inequivocamente fez Tiago Mayan Gonçalves. O candidato da Iniciativa Liberal apontou bem a sua oposição aos extremismos, de direita e de esquerda, em alinhamento com a sua ideologia realçando porém que à esquerda não há, e isso faz toda a diferença, ideologia racista e xenófoba. Também assim deveriam declarar e atuar, em conformidade, Rui Rio e Francisco Rodrigues dos Santos. Em política, como em muitas outras situações da vida, ganhar não é tudo e, muito menos, pode ser a justificação para se “vender a alma".

De fraca memória (E, no entanto...)

Não é possível olhar para este final de ano, de fraca memória, sem ser abalroado, por dois acontecimentos, um no início e geral, outro, no fim e mais particular. Não é possível começar a escrever mais um texto de opinião neste jornal sem ser constante e permanentemente perturbado pelo inesperado, brutal e desolador desaparecimento do seu diretor Teófilo Vaz. Outros, mais qualificados, lhe farão a justa e merecida homenagem. Para além do amigo, bom, desinteressado e valioso, de várias décadas, o Teófilo foi um companheiro certo, empenhado e competente de todos quantos pretendem fazer da nossa terra um lugar cada vez melhor para estar, viver e visitar. Ao saber da sua morte súbita, num gesto simples de pequena homenagem póstuma, fui reler alguns dos seus muitos e bons editoriais. Está lá tudo! A sabedoria que os anos e o estudo lhe conferiram, a inconformidade que o caráter lhe moldou, a crítica que a vivência lhe impôs e as propostas que a competência e visão futurista lhe proporcionaram. Inconformado com a condição nordestina que conhecia tão bem, não poupou críticas a quem identificava responsabilidades nem elogios aos que reconhecia mérito. Que o seu espírito continue a pairar na nossa terra e o seu exemplo inspire os vários e bons jornalistas da nossa terra. O ano de 2020 fica indelevelmente marcado pelo ensombramento a que a Covid a todos condenou. Sentimo-nos, em muitos aspetos, atirados para a Idade Média, confinados em casa e nos concelhos, para tentar conter a primeira peste deste milénio, como fizeram os nossos antepassados. Mas igualmente sentimos a contemporaneidade ao assistir, quase em direto, ao processo científico de obtenção de várias vacinas, diferentes nos princípios de atuação mas idênticas na eficácia, na segurança, na base científica e, também, na rapidez. Foi um ano notável para a Ciência e para muitos cientistas, quer a nível mundial quer, a nível nacional. Senti a alegria natural de “rever” amigos de há muito, como o Pedro Simas e a Maria Mota, confirmar o reconhecimento de alguns, mais recentes, como o Henrique Veiga Fernandes e o Markus Maeurer, e afirmação de muitos outros como o Miguel Soares, a Gabriela Gomes e a Maria João Amorim, moncorvense por adoção. É nos tempos de crise que os melhores se destacam. Exemplo disso foi, sem dúvida, a liderança europeia onde a competência e capacidade de Ursula von der Leyen nos conduziu com sucesso e a tranquilidade possível, ao processo delicado, mas urgente e necessário de vacinação global de todos os europeus e ainda “descalçou”, a contento, o imbróglio do Brexit onde o irrequieto e extravagante Boris tinha empurrado a inédita separação do Reino-Unido, sem esquecer a coragem, pertinência e sensatez que mostrou ao lograr obter o consenso necessário para a importante “bazuca” financeira com que a União pretende relançar a destroçada economia europeia. Foi, sem dúvida, o ano de Úrsula. É igualmente nos tempos de crise que, outros, não resistindo à penumbra que a pandemia lançou, deixaram vir à superfície visível, propósitos e hábitos menos aconselháveis. Desde a arrogância do quero posso e mando, sobretudo quando posso fazê-lo fora do alcance visual de quem se encontra confinado à incompetência inata ou adquirida para liderar processos complexos e exigentes, mas necessários. Desses, esperamos, se há de esquecer a história e, como tal, não há qualquer conveniência em nomear e particularizar, nesta altura. Um Bom Ano de 2021 para todos nós, especialmente para todos falantes da língua de Pessoa e Camões e muito particularmente todos os naturais, residentes ou, de alguma forma, ligados ao nordeste transmontano.