José Mário Leite

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Os Sinais

Escrevo este texto, para publicação no Jornal Nordeste, ouvindo, na cristalina voz de Isabel Silvestre, a canção “A Gente não lê” da famosa dupla Carlos Tê/Rui Veloso. Retenho as palavras cantadas pela conhecida professora de Manhouce: “Falar o dialeto da terra, conhecer-lhe o corpo pelos sinais!” Não há outra solução para quem não conhece aprofundadamente alguns temas do que ajuizá-los e avaliá-los, pelos sinais. Conheço mal o Tribunal de Contas. Senti-me confortável na única vez que lá estive há perto de um quarto de século, a pedir apoio para o lançamento do concurso para a construção do Aterro Sanitário da Terra Quente. Conheço pessoalmente, desde que veio para a Gulbenkian, como administrador, o antigo Presidente, Guilherme de Oliveira Martins. Nada mais sei e, como tal, a minha opinião, a que tenho direito, formo-a, pelos sinais. E, confesso, os sinais que chegam não são claros. “Ai senhor das furnas, que escuro vai dentro de nós.” Insiste Isabel Sivestre. Haverá, não duvido, algumas razões que possam dar suporte à decisão de dispensar Vítor Caldeira do lugar de Presidente do Tribunal de Contas mas há, a avaliar pelas dezenas de opiniões de comentares e analistas, muitas mais para o manter no lugar para onde foi nomeado há quatro anos. Destas, sobressai, de entre as mais relevantes, a circunstância especial de estarmos em vésperas de receber da União Europeia uma contribuição avultada de verbas que carecem de execução célere para garantir a sua eficácia e a sua própria elegibilidade. É certo que a burocracia e as garantias de defesa da concorrência e do interesse público consomem muitos recursos e, sobretudo, tempo que pode, no caso corrente, prejudicar o objetivo principal. É essa a razão pela qual o Governo já anunciou um pacote legislativo para aligeirar os procedimentos e dispensar algumas formalidades. Ora se a complexidade do processo concursal foi instituída para prevenir e evitar “compadrios, clientela e corrupções” que têm, segundo o Presidente da República, de estar arredados da execução da chamada “bazuca” para combater a crise e se as alterações legais propostas irão, segundo Vitor Caldeira, fomentar o “conluio, cartelização e até mesmo corrupção”, não seria lógico aumentar e reforçar o Tribunal que controla e fiscaliza a atividade económica do setor público? Não se fortalece uma instituição de fiscalização decapitando-a de forma repentina e inesperada (toda a gente, incluindo o próprio, soube, já depois de expirado o prazo, que pela primeiríssima vez, o mandato de presidente se restringia a um único mandato), nem substituindo na sua liderança alguém com um vastíssimo curriculum nesta matéria, ao nível europeu, por alguém que, independentemente da sua competência e honorabilidade, não tem percurso profissional que se lhe compare. Justificam, o Primeiro-Ministro, repetente no cargo e o Presidente, preparando-se para o ser, que o cumprimento de um único mandato é a melhor forma de assegurar a independência dos altos dignitários. Dos que não são eleitos, acrescentam, temendo ficar mal na fotografia. Pois. Mas será que ignoram as dezenas e dezenas de posições de nomeação a que essa regra não se aplica, desde assessores, diretores gerais e regionais, chegando, inclusivamente a chefes de gabinete, secretários de estado e até ministros? Também não são eleitos para os cargos que ocupam e nem por isso estão sujeitos a tal regra! Para não falar dos “eleitos” que o são, já antes de o serem, como está a acontecer para as chefias das CCDR. E, que dizer dos que se vêm preteridos pelos escolhidos pelo governo, como aconteceu à magistrada Ana Almeida, classificada em primeiro lugar pela Comissão Independente para a Procuradoria Europeia e cujo lugar foi atribuído a José Guerra? Ecoa ainda a voz de Isabel Silvestre: “E do resto, entender mal, soletrar assinar em cruz, não ver os vultos furtivos, que nos tramam por trás da luz”

O máximo e o mínimo

S egundo Máximo dos Santos, Vice-Governador do Banco de Portugal e Presidente do Fundo de Resolução, depois do esforço já feito no auxílio ao Novo Banco, seria dramático comprometer todo o encargo já suportado, recusando as últimas transferências a que, de acordo com o contrato de venda, a Lone Star pode ainda reclamar. Pôr em risco a estabilidade da entidade bancária, sucessora do tristemente célebre BES, seria um desastre total. Será razoável que, depois de milhares de milhões de euros entregues ao Fundo Financeiro norte-americano, colocar em risco a estabilidade do frágil (apesar de tantas notícias, num passado recente, a dizerem exatamente o contrário) sistema financeiro, por menos de uma injeção inferior a mil milhões? E que, ainda por cima, será a última? Porque não se entrega aos gestores do Banco a totalidade do valor acordado e se enterra de vez o problema? Porquê andar agora a levantar ondas, com a praia á vista e com a fundada expectativa de acabar de vez com a sangria com que os recursos públicos tem sido castigados nos últimos anos? Pois se o contrato de venda já previa essa possibilidade... Assiste alguma razão, a Máximo dos Santos... mas não toda! Por duas razões. Em primeiro lugar é preciso esclarecer que são coisas muito diferentes prever uma possibilidade e estabelecer uma inevitabilidade. Se o contrato de venda previa compensações que poderiam, no pior dos cenários, atingirem um determinado valor é porque ambos, comprador e vendedor, concordaram que, sendo esse um possível limite, havia várias outras perspetivas, inferiores a tal montante. Por outro lado, e bem mais importante, a “ameaça” ou mesmo perspetiva fundada de uma falha de pagamento, previsto e autorizado, provocar grave distúrbio ao Banco e ao sistema onde está inserido não pode servir de justificação para que tal seja aceite de forma imediata e acrítica. Seja dramático ou não, esteja previsto ou não, o pagamento só poderá ser devido se, devidamente justificado. É preciso estar seguro que as complexas operações e justificações que servem de base para a reclamação de mais uma e generosa injeção de capital, são verdadeiras, honestas e razoáveis. Seja qual for o risco associado à recusa de pagamento, o mínimo que o senhor Máximo deve fazer é garantir que a fiscalização do Fundo a que preside e cujo capital é suportado pelos contribuintes, é efetiva, adequada e exigente, independentemente das suas consequências. É certo que quer o Presidente do Banco, quer o próprio Lone Star já vieram garantir que todas as operações efetuadas, mesmo aquelas que custam a compreender, a entender e, sobretudo, engolir, foram visadas e autorizadas pelo Fundo de Resolução. Pois é, mas isso só serve de justificação válida se o tal Fundo, presidido pelo senhor Máximo, pelo menos assegura o mínimo, na defesa intransigente e completa dos interesses dos cidadãos. Se o faz, então que o demonstre... Porque também aqui se aplica o milenar aforismo da mulher de César... Principalmente depois de a pergunta mais óbvia e natural, que anda na boca de toda a gente, políticos, financeiros, estudiosos e especialistas, obtém do responsável pela fiscalização porque se não fiscaliza, então a aprovação é uma mera assinatura de cruz e não pode servir de justificação da justeza e adequação) obter como resposta um claro “não sei nem poderei saber, eu não sou o Sherlock Holmes...” Pois se não é, contrate quem seja. De outra forma que garantias temos que a solução proposta e cujo preço preenche, na totalidade, os requisitos do pior dos cenários... é adequada e inevitável, necessária a impedir o desastre total da operação que, desde sempre foi garantido ser a única que não traria qualquer encargo para os contribuintes?

Notícia, Boa ou Má?

Acaba de ser divulgada a notícia da suspensão dos ensaios clínicos de uma das mais promissoras vacinas contra o Coronavírus. Fica assim prejudicada a expectativa de ter no mercado, num espaço de tempo relativamente curto, o fármaco desenvolvido pela farmacêutica AstraZeneca em colaboração com a Universidade de Oxford. Parecendo ser uma má notícia, não o é, na verdade. Esta suspensão deveu-se ao aparecimento de uma séria reação adversa num dos voluntários que participam no teste. Não se sabe ainda se o problema de saúde que afetou o participante se deve ou não a um efeito direto ou secundário da inoculação a que foi sujeito. Pode acontecer que o que lhe aconteceu tenha outras causas e em nada seja devido ao novo medicamento. Nesse caso, logo que tal seja inequivocamente apurado, os testes podem prosseguir. Perde-se com isto algum tempo, precioso, é certo, para os investidores que podem ver outros concorrentes a passarem à frente e, igualmente, para os políticos que veem retardar o tão ansiado momento em que possam anunciar o início de uma nova era, progressivamente mais segura e de maior confiança. Quer uns, quer outros, hão de considerá-la uma má notícia. Mas para os utentes e destinatários esta é, sem qualquer dúvida, uma boa notícia. Qualquer que seja o desfecho deste incidente de percurso. Se o percalço foi estranho ao produto em desenvolvimento, o que se perde em tempo, ganha-se em confiança. Por maior que seja a pressão que quer os dirigentes quer os financiadores coloquem sobre os cientistas e técnicos, o que, em resultado do seu árduo e precioso trabalho, sair para o mercado, cumpre todas as regras e precauções. Se, pelo contrário, a nefasta ocorrência está de alguma forma relacionada com a vacina em desenvolvimento, então é bom parar para saber o quê, em concreto afeta, ou pode afetar, a saúde e a integridade dos que a vierem a tomar. É bom ter em conta que, mesmo que haja uma relação direta entre as duas situações, tal não implica, de imediato, o abandono dos estudos e testes. A grande maioria dos medicamentos têm efeitos secundários indesejáveis como, aliás, vem expresso na bula que, obrigatoriamente os acompanha. Não é dramático desde que se saiba quais são, em que medida e com que percentagem, acontecem. É essa, precisamente, a função dos ensaios clínicos de nível 3, como os que estão a ser levados a cabo, no caso em apreço. É para nossa segurança que as autoridades fiscalizadoras dos medicamentos só autorizam a comercialização, de qualquer um deles, depois de passadas todas as fases de desenvolvimento. Para que um fármaco chegue ao mercado tem de, primeiro, ser devida e exaustivamente testado em animais (fase pré- -clínica) só entrando no desenvolvimento clínico se nada de grave for detetado. Começam então os ensaios clínicos, de fase 1, para perceber a sua interação com o corpo humano. Na fase 2, ao mesmo tempo que se aumenta o conhecimento sobre a segurança, avalia-se a eficácia e determina-se a dose mais adequada. A fase 3, mais extensa e prolongada destina-se a comprovar a eficácia, em comparação com outros produtos do mercado. É também apurada a relação entre o benefício e o risco e só quando esta é claramente positiva é que se pede a autorização para introdução no mercado. A fase 4 é posterior e acontece com o medicamento já em uso embora se debruce também, entre outros, sobre a sua segurança. A suspensão dos ensaios, noticiada, para todos nós só pode ser uma boa notícia. Esperamos que a ela venha uma outra ainda melhor: a reação detetada não foi provocada pela inoculação da vacina ou, sendo-o, não é grave nem pressupõe um risco elevado. Entretanto, por maior que seja a ansiedade com que se espera a tão almejada vacina, devemos estar confiantes: há de vir quando for segura e eficaz, independentemente das eleições americanas, da propaganda russa ou da vontade de António Costa.

Senhora da Assunção

No verão, muito mais do que no inverno, chegam saudades da Terra Quente Transmontana. Este ano, por causa da Covid, são maiores, compreensivelmente, por ter feito muito menos visitas. A receita é clássica e tem já vários anos: aproveito os momentos de lazer para ler os bons autores do nordeste. João de Sá é um dos eleitos. 
A prosa do escritor vilaflorense é de leitura muito agradável e muito poética. A minuciosa descrição da paisagem, dos edifícios e dos vários intervenientes está recheada de metáforas e de várias considerações pessoais emocionadas e de enorme sensibilidade. Não lhe conheço (ainda) a obra toda mas as “Últimas Memórias” é, sem dúvida, das que li, a mais elaborada e envolvente. São variados os quadros vivos que desfilam pela pena do autor remetendo-nos para as suas lembranças de Vila Flor, desde a meninice até há poucos anos atrás, com uma sensibilidade realista, transportando-nos para o passado recente de muita gente da vila da Flor de Lis. Leio-o e sinto, inevitavelmente, nas minhas costas a presença do anterior autarca de Vila Flor, Artur Guilherme Vaz Pimentel, sussurrando-me ao ouvido: “Ó engenheiro, ora leia, ora leia... Isto é tão lindo!”. Foi ele que me deu a conhecer o poeta e narrador João de Sá, com os seus elogiosos e contagiantes comentários. O escritor faz-lhe justa homenagem, nas suas memórias, enaltecendo o genuíno e empenhado labor do saudoso Presidente da Câmara em prol da cultura. Porque esta, como muito bem refere, não se inventa nem se compra; vive-se e partilha-se. A memória de hoje versou a grandiosa romaria da Senhora da Assunção. Lembrei-me, a propósito, do livro “A Romaria do Cabeço” escrito pelo meu tio padre Joaquim da Assunção Leite, igualmente com o patrocínio da autarquia de Vila Flor. Complementam-se. O padre Leite relata-nos a participação na festividade, pelo lado de dentro, pelos olhos dos devotos e romeiros, enquanto João de Sá nos retrata a vila que, na véspera, saía à rua para ver a alegre, festiva e ruidosa chegada dos ranchos de populares, na madrugada seguinte assomava às janelas para lhes observar o cansado regresso e que, no próprio dia, ficava deserta pois todos os moradores, com raríssimas exceções, a 15 de agosto, rumavam ao monte sobranceiro a Vilas-Boas para homenagear a Virgem Maria. 
Por razões que não vale a pena esclarecer, conheço bem esta segunda visão. Durante muitos anos vi, nesse festivo dia, despovoar-se completamente a minha aldeia. A povoação acordava depois, languidamente e cansada, ao som das cornetas de plástico que os mais novos insistentemente tocavam, sem parar. 
Em conversa recente, com
o meu tio, soube da apreensão com que este ano se preparou a festividade. Soube, posteriormente, dos cuidados e das enormes restrições com que, apesar de tudo, se realizou a mais importante romaria transmontana. A Covid veio fazer a súmula dos dois textos, sem poesia, sem qualquer consideração pela fé do povo, sem qualquer pingo de humanidade. 
Sinais dos tempos.

 

O Problema

A propósito das inaceitáveis ameaças a deputadas e dirigentes de associações cívicas foram recordadas as recentes declarações de Rui Rio, sobre o Chega e de uma possível ou eventual coligação futura com o partido de André Ventura. Foram vários, aliás, os comentários, vindos de todo o lado, inclusive de dentro do seu próprio partido, sobre as afirmações do Presidente do PSD que, à luz da insinuação de Catarina Martins, questionado pela Comunicação social, alegou manter o que dissera a Vítor Gonçalves, na entrevista da RTP3. Há, nelas, três aspetos a considerar. Em termos políticos são, já ninguém duvida, um erro. Dar ao Chega o estatuto que não tem só pode beneficiar o partido da extrema-direita. Branqueia a atuação do seu líder e credita-lhe uma exagerada e inexistente importância eleitoral. Contudo, formalmente, na sua generalidade, as afirmações do antigo Presidente da Câmara do Porto, estão corretas. Diz que o PSD está onde está e não tem que se deslocar para lado nenhum e que, para haver qualquer entendimento, terá de ser o Chega a abandonar determinadas atuações e princípios. Rui Rio que veio para recentrar os sociais democratas não está a puxá-los, agora, para a direita. Não se entende esta referência explícita ao extremismo quando tem à sua direita um partido que ocupa essa área com prática e ideologia total e completamente compatível com o regime democrático saído do 25 de abril de 1974. É verdade contudo que, em entrevistas, nem sempre se diz tudo o que se quer e não se pode deixar de responder às questões colocadas pelo interlocutor. Admitindo a correção formal, genérica, da resposta de Rui Rio, há nesta, contudo, um pormenor que faz toda a diferença. E, para não ser injusto para com o líder do meu antigo partido, vi e revi a sua alegação final, sobre o assunto. Disse, ipsis verbis: “Se o Chega continuar numa linha de demagogia, de populismo, da forma como tem ido, está aqui um problema porque aí não é possível, efetivamente, um entendimento com o PSD”. O líder laranja deve esclarecer bem, afinal que problema é este. Se o PSD vai manter-se onde está e vai recusar qualquer diálogo com a sua direita mais radical, enquanto esta não mudar de discurso e de objetivos, é natural que não haja qualquer hipótese de entendimento. É a consequência expectável do percurso das duas formações partidárias. Não tem de ser um problema, mesmo que tal circunstância possa ser o único obstáculo para abrir, ao portuense, as portas do palácio de S. Bento. Há ainda quem, no PSD, venha reclamar que quem aceita acordos com a extrema esquerda não tem moralidade para criticar igual atitude à direita. Extremismos são extremismos, é verdade. Não são recomendáveis nem são, como é sabido, a opção da esmagadora maioria do povo português. Não são, igualmente, a minha opção. Não subscrevo nem apoio a organização política e social defendida pelos partidos marxistas muito menos a tomada de poder. Mas não receio a sua benéfica influência junto de quem governa. Apesar de não contarem com a minha militância política, são várias as iniciativas, missões e propostas que, vindas dessa área, merecem a minha total concordância. Não encontrei ainda nenhuma, na área do Chega, que me desperte qualquer simpatia.

Arrogância (grave e pouco inteligente)

A história é simples e descreve-se em poucas palavras. Começou alguns dias antes da chegada da pandemia e terminou em plena fase de confinamento. Não tendo importância bastante para se impor a outros assuntos que, entretanto, foram surgindo, contém em si matéria suficientemente grave para impedir o seu esquecimento. Havia, desde há mais de uma dezena de anos, uma regra do conhecimento de todos e nunca quebrada e que determinava que todas as edições literárias produzidas por munícipes de determinado concelho, tinham direito a apoio municipal. Naturalmente, o editor abordou o Presidente da Câmara solicitando a normal contribuição municipal para a divulgação de várias obras que preenchiam os requisitos. O autarca concordou, de imediato, com todas as propostas com exceção do livro escrito por um determinado autor. Ao saber do sucedido, o visado dirigiu-se por e-mail ao autarca pedindo explicações. Este mandou um responsável da autarquia responder que os apoios culturais estavam cancelados por causa da pandemia, entretanto instalada. Há, pelo menos, três aspetos e relevar desta situação. 1 – Como a recusa foi feita com base no nome do autor e não em qualquer análise da sua obra (ainda não tinha sido lançada, nessa altura) o gesto configura manifesta censura baseada em suposto delito de opinião. Queria, provavelmente, “prejudicar” o escritor, mas a penalização afeta sobretudo o editor, pequeno empresário do mesmo concelho. Peca, sobretudo, por falta de inteligência. Qualquer pessoa com dois dedos de testa facilmente concluiria que esta era uma oportunidade única de colocar nos ombros uma capa de democrata, mesmo não o sendo (até porque a promessa poderia ser deferida para a altura que mais lhe conviesse). Desperdiçar essa possibilidade revela, sobretudo, pouca esperteza mas, infelizmente, há pessoas para quem, qualquer avaliação positiva, mesmo que modesta, arrisca-se sempre a ser exagerado. 2 – Decidindo furtar-se a dar, na primeira pessoa, uma justificação, qualquer que ela fosse, sobre uma decisão pessoal a discricionária, mostra, não só o incómodo que a situação lhe causou mas, mais do que isso, evidencia a cobardia de quem não é capaz de assumir os próprios atos, escondendo-se atrás de quem não se pode deixar de obedecer às “ordens superiores”. Episódios passados denunciam não ser este um episódio fortuito. É bom não esquecer que o que foi questionado por e-mail não foi a recusa da concessão de apoio mas quais as razões para a exclusão com base apenas no nome do escritor. 3 – Mas, o pior de todo este episódio reside na exibição, sem pudor, nem recato, da determinação, por parte de quem ocupa um lugar de eleição democrática, de usar, a seu bel prazer, os recursos públicos que jurou gerir responsavelmente e com equidade. Se mesmo sabendo que o episódio dificilmente deixaria de vir a público (admitir o contrário seria diminuir-lhe a capacidade intelectual a um nível inimaginável), não se coíbe de assumir, que usará ou deixará de usar os fundos municipais em função dos seus humores pessoais e das suas considerações subjetivas e distorcidas é de uma gravidade enorme. Em qualquer altura. Muito mais no dealbar do ano de eleições!

Primeiro estranha-se

Há quase cem anos, Fernando Pessoa escrevia o célebre slogan com que a Coca- -Cola pretendia entrar em Portugal. O poeta dos heterónimos glosava com a capacidade adaptativa dos seres humanos perante as novidades, sejam adversas, benéficas ou nem uma coisa nem outra. Realidade que é extensível a todos os seres vivos, residindo nela o segredo e a maravilha da biodiversidade e da evolução. É bom não a esquecer, para o bem e para o mal. Após um período de bom comportamento generalizado, assistimos ao retrocesso em vários locais. Qualquer um de nós, antes de apontar o dedo a quem usa máscara com o nariz destapado, afastando-a da boca e empurrando-a para o pescoço, deveria fazer um pequeno exercício e lembrar-se de gestos que infelizmente se esqueceram rapidamente, com o avançar do desconfinamento, mesmo que, felizmente outros se tenham enraizado. O à vontade com que começamos a lidar com o vírus que, apesar de invisível, continua presente, é o novo risco, passada que foi a temporada das contaminações exponenciais com que nos apanhou de surpresa. O risco do relaxamento tão natural, quanto perigoso, contrasta com o avanço do conhecimento e das descobertas que a ciência continua, diariamente, a fazer, sobre este intruso que veio, de surpresa, para se instalar e reclamar o seu lugar, nas nossas vidas. Das muitas que vão surgindo e que, lembrá-las a todas seria desvalorizar cada uma, há duas que me mereceram devida e apropriada atenção, talvez, porque não?, por me chegarem através de instituições que muito me dizem, já há vários anos. Zachary Mainen, um dos investigadores de referência do Centro de Investigação em Neurociências da Fundação Champalimaud anunciou estar a coordenar em Portugal um amplo projeto internacional, liderado por uma equipa de cientistas israelitas, que tem por tema a avaliação da capacidade olfativa, sendo a sua diminuição ou perda, um alerta precoce para a infeção por COVID-19. Este programa acessível a todos permite que, por comparação diária dos cheiros de várias substâncias, se possa avaliar o estado dos interessados. Miguel Che Soares, do Instituto Gulbenkian de Ciência, em declarações à TVI veio esclarecer alguns aspetos fundamentais e há muito conhecidos da pandemia e, igualmente, descobertas recentes e preocupantes. O vírus, quando infeta uma pessoa, se não conseguir transmitir-se, morre. “Se pararmos a transmissão, matamos o vírus e ele desaparece.” – disse. Disse também que a transmissão se faz por partículas de 5 micrómetros expelidas quando alguém infetado fala ou tosse e que podem ser projetadas até dois metros de distância, antes de caírem no solo. Daí se ter fixado essa distância como padrão do afastamento social seguro. Porém, investigações recentes vieram demonstrar que as referidas partículas, em ambientes quentes (entre 25 e 35 graus celsius) e relativamente secos (entre 10% e 40% de humidade relativa) as mesmas gotículas dividem-se em outras mais pequenas que, sendo mais leves, permanecem no ar durante mais tempo, atingindo distâncias perto de dez metros, antes de caírem de vez. Como o vírus mede entre 0,8 a 0,9 micrómetros, há perto de cinquenta em cada uma das primeiras, permanecendo nas segundas em número suficiente para infetar quem as inale. Daí a perigosidade da concentração de pessoas em locais de fraca ventilação, temperaturas elevadas e baixa humidade, como os transportes públicos onde, precisamente, se aglomera mais gente!!! Como nota positiva, o investigador confirmou que o tratamento por ultravioletas tem apresentado bons resultados na eliminação do coronavirus pelo que seria bom dotar os sistemas de ventilação de equipamento com essa tecnologia.

A armadilha

Quando António Costa liderou com sucesso a formação da plataforma de apoio ao Governo Socialista que ficou conhecida por Geringonça, foi, repetidamente, afirmado que se havia ultrapassado uma linha vermelha de décadas. Foi sem dúvida um facto histórico ver a esquerda do PS a apoiá-lo, sem qualquer quebra (apesar das naturais e “necessárias” críticas), mesmo nas medidas operacionais de que discordava. Mas esta suposta linha estava marcada num caminho que não nascia ali; já vinha de trás. A verdadeira viragem, o início desta caminhada, aconteceu quatro anos antes quando o Bloco e o PCP abriram caminho para o acesso ao poder de Passos Coelho e Paulo Portas. Isso ficou claríssimo nas declarações quer de Jerónimo de Sousa quer de Catarina Martins na noite das Eleições Legislativas de 2015. A esquerda portuguesa estava refém de si própria, com sentimento de culpa por ter entregue o Governo da Nação ao extremo político oposto e desejosa de se redimir e, tanto quanto possível, sair da armadilha em que tinha caído. António Costa percebeu isso de imediato e tem usado esta situação da melhor forma, em seu proveito. Depois de ter aberto os corredores de S. Bento à Direita, a esquerda foge desse cenário como Maomé foge do toucinho. Foi por isso que o líder socialista os empurrou para a Geringonça, os dispensou no início desta legislatura e os vai recuperar agora e sempre que precisar do seu apoio. Costa, disposto a pagar o necessário para aceder à chefia do governo, como hábil negociador que é e talentoso político, não pretende despender um único cêntimo por algo que pode ter gratuitamente. Digam o que disserem, quer o PCP, quer o BE tudo farão para evitar a queda do governo, com receio de servirem, de bandeja, a presidência do Conselho de Ministros ao lado oposto do espetro político nacional. Evitará, inclusivamente, obrigar o governo a procurar apoio no PSD o que, com Rui Rio, não é uma impossibilidade. O facto de o PCP ter votado contra, não desmente o que atrás foi afirmado, antes pelo contrário vem confirmá-lo. Ao votarem contra, os comunistas sabiam bem que a aprovação não estava em risco; mostraram que não se revêm nas opções socialistas e quando as apoiam é por receio das consequências governativas e não por adesão ideológica; sinalizam (ficou claro nas justificação dada pelo líder parlamentar do PCP) o desagrado do apoio recolhido junto do PSD; tiveram o cuidado de, através do presidente do partido, avisarem já que não vislumbram qualquer crise política, no curto prazo (entenda-se, se for necessário, nós estamos cá e não falhamos)! Em termos gerais, nacionais, a situação não está fácil para o Governo que, atingido o primeiro superávite se preparava para surfar a onda da folga orçamental, arrumado Centeno, libertando o Primeiro Ministro para “fazer política” com os recursos públicos disponíveis, se viu mergulhado numa crise grave e profunda mesmo que ainda não seja totalmente conhecida, nem sentida a sua amplitude. Mas, politicamente está, dadas as capacidades e qualidades do Secretário Geral do PS, como peixe na água. A esquerda evitando a todo o custo o cenário de 2011 e o PSD, acossado pela sua direita, contentando-se em impedir o de 2015. De ambos os lados haveria disponibilidade para partilharem o poder com o atual detentor. Mas, o que poderiam oferecer, em troca, estabilidade política, tem-na António Costa, gratuitamente, por causa da teia enredosa em que se encontram.

Um tiro nas teorias da conspiração

Durante várias semanas escrevi sobre a pandemia provocada pelo SARS-Cov-2. Ansiando, tal como todos, pelo fim do confinamento para retomar a “normalidade”, era minha intenção fechar esse ciclo com uma crónica reservada ao tema que hoje vou abordar. Infelizmente, situações inesperadas e graves perante as quais não podia ficar calado, vieram adiá- -la. Mais valendo tarde do que nunca, como diz o nosso povo, eis-me aqui a prestar o devido tributo ao livro de Manuel Cardoso: “Um tiro na Bruma” A Covid-19 entrou-nos porta dentro, de forma inesperada e devastadora e, com ela, entre outras, várias teorias da conspiração. Entre todas, a mais divulgada foi a da intencionalidade do seu aparecimento. Defendiam, a exemplo do presidente norte-americano e da trupe da Casa Branca, que o coronavirus tinha sido planeado e criado em laboratórios chineses, concretamente em Wuhan, onde apareceu pela primeira vez e onde há um instituto de investigação que, naturalmente, se dedica a estudar este tipo de epidemias por razões óbvias. De pouco adiantaram as opiniões fundadas cientificamente, demonstrando a incapacidade tecnológica para realizar tal feito que, até hoje, não foi ainda possível levar a cabo: a fabricação de um organismo vivo diretamente na bancada em placas de Petri, ou reatores biológicos. Continuaram a insistir, teimando em atribuir causalidade a fenómenos que são naturais e, mais, não são inéditos. E, para além das evidências científicas, há o registo histórico. Para todos os que não queiram “lamber papel” à procura dos vários relatos, inseridos nos tratados de história, com especial enfoque, nos últimos séculos, melhor documentadas e factualmente suportadas, podem e devem ler, atentamente o romance do autor de Macedo de Cavaleiros. Manuel Cardoso, depois de uma exaustiva pesquisa, sabedor da história familiar, conta a saga do seu avô, o médico Amadeu Cardoso, no início de século XX a braços com a mais mortífera das pandemias causada igualmente por um coronavirus, vindo do oriente, potenciada e agravada pela crise política no Portugal Republicano, com o regime ainda à procura da estabilidade, pela crise social resultante desta e acrescentada pelas nefastas consequências económicas resultantes da Primeira Guerra Mundial e ainda aprofundada, no nordeste, pela miséria crescente, pelo afastamento do litoral e pela escassez de tudo, alimentação, medicação e liderança regional. Está lá tudo! Leia-se o romance, esquecendo-se a datação histórica e as condicionantes da época, atualize-se e modernizem- -se os diálogos, expurgados do contexto da sua época e facilmente se ficará confundido pois haveremos de julgar- -nos cem anos depois no meio da crise sanitária que acabou de nos atingir. As recomendações do médico Amadeu “lavar muito as mãos, manter o distanciamento social, cuidar da alimentação e arejar os espaços interiores” e os lamentos da sua esposa clamando pela descoberta e divulgação de uma vacina, bem como a dramática incidência maior e mais profunda junto das comunidades mais pobres e desfavorecidas adequam-se em tudo ao tempo atual. Ora, Manuel Cardoso não tendo nem assumindo capacidades proféticas não podia antever, em 2007 que, mais de uma dezena de anos depois poderia assistir, ao vivo, à réplica de muitas das cenas e, sobretudo, das observações e recomendações por si descritas com base nas suas investigações e aturados estudos. Todos os que seguirem a minha sugestão, que vivamente recomendo, serão brindados com um enredo adicional de uma morte misteriosa, com uma lição de história regional e ainda com a brutalidade do tempo revolucionário onde a própria demência pode ser confundida com secreta conspiração contra-revolucionária onde o eucarístico Kyrie, que quase titulava a obra, é dramaticamente castigado.

Campos Monteiro

O último fim de semana de maio,apesar de aliviante desconfinamento, surpreenedeu-me com uma notícia chocante e inacreditável: o busto do escritor moncorvense Abílio Adriano de Campos Monteiro tinha sido derrubado! No largo com o seu nome e no lugar onde honrados e gratos moncorvenses fizeram erguer uma justa homenagem ao grande vulto literário estava agora um montão de escombros “protegidos” por amarelas grades metálicas. Fiquei incrédulo e chocado! Era difícil acreditar no que me era mostrado. Resisti à tentação visceral de protestar, vociferando, à boa maneira transmontana, contra quem pudessem ter estado na origem de tal ato criminoso e lesivo, não só da memória do escritor, mas também da boa-fé de todos os que lhe reconhecem o inestimável contributo para cultura nordestina. Não podia ser o que parecia. Tinha de haver uma explicação razoável... ou então, de imediato, mãos diligentes haveriam de refazer o que, insensatamente fora mandado desfazer! Estava esperançado que a reunião de Câmara da segunda-feira seguinte, dia 1 de junho, iria esclarecer a situação e os seus fundamentos legais. O Castelo de Torre de Moncorvo, onde se insere o monumento em questão foi classificado, por decreto governamental, como imóvel de interesse público em outubro de 1955 de acordo com o que está publicado no PDM em vigor. Como tal está ao abrigo das disposições da Lei de proteção e valorização do património cultural. Nenhuma intervenção, mesmo limitada à conservação e restauro, pode ser efetuada sem autorização da entidade tutelar. Esta haveria de ser exibida na reunião municipal e tudo ficaria esclarecido. Era preciso ter paciência e aguardar. Afinal, de acordo com o testemunho da vereadora Maria de Lurdes Pontes, publicado e não desmentido, o único documento apresentado foi uma nota de serviço da autoria do Presidente da Câmara! Fiquei ainda mais incrédulo! Não podia ser! Não sei quando ouvi, pela primeira vez, falar de Campos Monteiro. Mas lembro bem a descoberta, no manual de leitura do ciclo preparatório, de um texto maravilhoso transcrito do livro “Ares da Minha Serra” sobre a Rebofa, fenómeno que, felizmente deixou de acontecer. A descrição realista e dramática avivara e recriara a observação recente e traumática das águas lodacentas do Douro a invadirem as canameiras, vinhas e pomares da Vilariça, espalhando o terror e a destruição. Mais recentemente, já como Presidente da Assembleia Municipal, tive o privilégio de propor para aprovação o regulamento que estabeleceu o Prémio Literário Campos Monteiro, dando substância a uma feliz ideia do saudoso moncorvense Rogério Rodrigues. E que, apesar de continuar anunciado na página do município, ao que me informaram, foi suspenso por decisão do Presidente da Câmara, num clamoroso desrespeito pela Câmara a que preside, (autora formal da proposta), pela Assembleia Municipal (que a aprovou), pelo seu patrono (mais uma vez!), por todos os autores, possíveis candidatos e, em resumo, pela cultura! Escrevo este texto esforçando- -me por manter o nível que o respeito pelas instituições municipais do meu concelho me merecem, apesar e independentemente de quem as preside. Não sei se Abílio Adriano Campos Monteiro teria os mesmos pruridos, depois da ofensa que reiteradamente lhe fazem. No fecho desta crónica, não resisto, à tentação de lhe dar a palavra na pessoa de Marcial Jordão, pseudónimo com que escrevia no Jornal de Notícias. Questionado se isto prenunciava o fim do mundo, o repórter tripeiro, provavelmente, haveria de responder, como o fez em novembro de 1919: “... o mundo não acaba ainda. Mesmo porque esse dia seria o dia do juízo, – e juízo é uma coisa que tarde haverá...