José Mário Leite

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Autárquicas 21

O processo eleitoral já começou. Já se vão conhecen - do os candidatos e recandidatos aos lugares autárquicos em disputa, todos, é certo, mas especialmente o de Presidente de Câmara pois é nele que se centram todas as atenções do próximo processo eleitoral. Apesar do estranho ambiente, perturbador, sem dúvida, dificultador, sobretudo nas zonas rurais onde o contacto pessoal é de alta importância, já são visíveis, no terreno, as movimentações de todos os putativos atores, especialmente os oponentes ao poder estabelecido. Substituir quem está sentado na cadeira do poder não é, reconhecidamente, tarefa fácil, tanto assim que é assumido como verdadeira a afirmação, vulgarizada, precisamente, quando aplicada às eleições autárquicas que, normalmente ninguém as ganha, quando muito, perde-as quem detém o poder. As várias edições já ocorridas vieram dar razão a tal proposição que aumentando a dificuldade dos aspirantes, igualmente acrescenta a responsabilidades dos atuais detentores se, igualmente, forem contendores. Por uma razão simples de que ninguém pode assegurar melhor a continuidade do que aquele que já está ao comando na máquina municipal. Embora, na maior parte das vezes, o pleito eleitoral se cinja à discussão de personalidades é um erro cair nessa armadilha. Porque o que está em litígio não é propriamente um emprego, bem ou mal remunerado, isso agora não é relevante, mas o futuro de toda uma comunidade que dependerá, é verdade, da vontade, querer e determinações do que encabeçar a lista vencedora. Quem pensar que para que tudo mude basta mudar o cabeça de cartaz, está muito enganado. É preciso que a mudança, quando e se acontecer, traga inerente um novo roteiro, uma agenda inovadora e, provavelmente, uma estratégia de rutura. Só analisando todas as propostas em debate será possível decidir em consciência e optar, livremente, pelo rumo que cada um acha melhor para o trajeto comum que reveste a vida em sociedade. Entristece-me sempre que, perante alguém que surge com ideias inovadoras, sejam mais ou menos valiosas, em vez de as ver rebatidas, porque não, ser imediatamente alvo de acusações de caráter. A estratégia de ataque ao mensageiro, quando a mensagem não agrada é muitíssimo mais velha que a Sé de Braga, mas nunca contribuiu para melhorar a vida de ninguém. Parecendo serem “apenas” mais umas eleições autárquicas, não é exatamente assim, no caso presente. A nível local porque o momento histórico que vivemos que, sabemos, antecede volumosos investimentos destinados à recuperação da desastrosa situação para onde fomos arrastados pela tremenda pandemia que se abateu sobre o mundo, pede-nos a escolha de quem podendo decidir os investimentos certos e necessários, pode, igualmente, desperdiçar esta oportunidade agravando ainda mais a situação depauperada atual. A nível nacional vai haver um foco, inevitável, na contenda da capital. Com certeza que não foi com a cadeira municipal como último horizonte que Carlos Moedas abandonou o tranquilo e prestigiante lugar na administração da Fundação Gulbenkian, afastando- -se da possibilidade que, não sendo certa, era apontada como muito provável, de ascender ao melhor lugar executivo do território lusitano, a fazer fé nas palavras atribuídas a Marcelo Caetano, quando foi indigitado para presidir ao Conselho de Ministros.

Confinar e desconfinar (entre o oito e o oitenta)

O confinamento, total ou parcial, sendo uma arma poderosa contra a Covid 19, tão mais eficaz, quanto mais rigoroso, não é, contudo, a solução milagrosa nem pode ser a única nesta guerrilha contra a pandemia. Imaginemos que havia uma estrada que, subitamente, começou a ser inundada, por consecutivas e frequentes enxurradas provocando enormes prejuízos, imensos feridos e muitos mortos. Obviamente que a primeira e mais segura medida, imediata é a interdição da mesma. Total quando a violência e frequência dos acidentes for elevada, parcial quando houver “apenas” um risco moderado. Esta proibição resulta, sem dúvida, numa diminuição dos incidentes e seria suficiente se houvesse a certeza que, o fenómeno natural era passageiro. Sendo assim não seria preciso fazer mais nada. Mas se estas inundações se mantiverem, no futuro, mais ou menos frequentes, mais ou menos violentas, para além da interdição será necessário fazer muros de contenção para controlar o fenómeno natural. O problema com a Covid está precisamente aí. Por maior e mais restritivo que seja o confinamento não será suficiente, mesmo com a ajuda da vacina, para erradicar o agente patogénico do meio de nós. Depois do mais violento e restritivo confinamento o vírus não desaparece. Vai continuar. Com mais ou menos variantes, com maior ou menor incidência mas vai continuar a andar por aí, vai continuar a infetar, causar doenças e mortes. A ideia de manter a reclusão até se atingir um valor suficientemente baixo de contaminações e, se possível reduzir o número de mortes residual, ou mesmo levá-los a zero, é tentadora, parece acertada, mas não pode ser vista apenas em valores absolutos. Por duas razões. Não é possível impedi-las no futuro e, por outro lado, queiramos ou não, há outros doentes graves que o combate à Covid relegou para segundo plano e, entre estes também há mortes, algumas delas provocadas pelo isolamento. Diretamente. Mas também haverá, no futuro, falecimentos por doenças de agora que não foram tratadas de todo, ou de modo adequado. Mas também como resultado da paralisação da economia, da atividade produtiva e social. Sendo útil e necessário, é necessário saber dosear o confinamento e, igualmente, o desconfinamento. Tal como um garrote que sendo eficaz na contenção da hemorragia, não pode exagerar na intensidade e no tempo, sob risco de provocar a perda do membro que se pretende salvar. A cada momento é necessário ponderar benefícios e prejuízos de cada uma das ações. Não podem ser ações baseadas em indicadores de um dos lados apenas. É certo que o facto de as ações só começarem a produzir efeitos, duas semanas depois poderia complicar a decisão. Felizmente há indicadores que dão, antecipadamente, uma indicação para o futuro. É o caso do Rt que deveria ter sido levado em boa conta antes do desconfinamento natalício. E é bom reconhecer que o vírus não tem qualquer convicção moral. Por isso é absurdo pautar a ação pelo calendário religioso. Finalmente, não posso deixar de referir que tendo estado, esta semana, em Vila-Flor a acompanhar um familiar na ação de vacinação dois aspetos. O primeiro é a humanidade, profissionalismo e cuidado de todo o pessoal do Centro de Saúde. O segundo é a completa incompreensão pela teimosia, insensata e incompreensível de levar a cabo esta complexa operação nas exíguas instalações da unidade de saúde em vez de a fazer num pavilhão que, sei de fonte segura, o senhor Presidente da Câmara disponibilizou, e bem!

Vacinar, testar e... saber comunicar

A disseminação da Covid19 depende, provavelmente, mais dos comportamentos individuais e voluntaristas de cada um do que das regras, imposições, proibições e limites impostos legalmente pelo Governo, com as propostas do Presidente da República, aprovadas no Plenário da Assembleia da República. Portanto, motivar os portugueses assume uma importância enorme que não pode ser negligenciada. Os confinamentos vieram provar que, aparte algumas exceções, que existem e existirão sempre, os portugueses são sensíveis e ordeiros e cumprem, satisfatoriamente, as exigências e recomendações. Desde que devidamente comunicaVacinar, testar e... saber comunicar das. E aí é que está, tem estado, um dos busílis. A vacinação, se se olhar apenas aos números, às médias e à comparação com os nossos parceiros europeus, estando lenta, não está a correr mal. Mas, contudo a perceção que a população tem do processo é má! Fica-se com a impressão que as falcatruas são imensas, que o processo está inquinado e os chico-espertos são quem está ao comando do processo e as distorções são mais do que muitas. Havendo-as, não têm a dimensão que a comunicação social lhes dá. É verdade que a notícia faz-se mais do escândalo e da exceção do que da norma e do cumprimento mas... a gravidade e a importância desta maldita pandemia justificava bem um pacto que a todos beneficiaria. Mas não! O episódio do teste positivo do Presidente da República, intercalado entre outros negativos e a dimensão que a imprensa falada e escrita lhe deu é disso um triste exemplo. Não deixa de ser irónico que os políticos que o que, normalmente melhor fazem é comunicar (o seu sucesso depende disso) neste caso claudicam grosseiramente. Basta ver o resultado da comunicação errada, de todos, Governo, Oposição, Presidente, Assembleia e jornalistas, por ocasião do “interregno” natalício. Ora quando se pensava que a lição tinha sido aprendida... nada! As notícias chegadas das últimas reuniões no Infarmed são disso exemplo. Manuel Carmo Gomes veio dizer o óbvio: o pior deste combate está no desconhecimento do inimigo. Por isso é essencial testar, a par da vacinação. Mas houve outros investigadores que fizeram outras afirmações, seguramente fundadas, válidas e valiosas, mesmo que não coincidentes. A imprensa explorou, até ao limite, as várias divergências encontradas por bem pequenas que fossem. O Primeiro-Ministro, na sua cada vez maior desorientação resolveu vir reclamar o consenso dos cientistas. Ora isto não faz o menor sentido! A força da ciência e a sua maior eficácia e segurança nasce precisamente na diversidade de ideias, na multiplicidade de propostas e na sua discussão livre e sem constrangimentos! Obviamente que não é possível atender a cada uma das diferentes e fundadas razões e teses levadas às célebres reuniões do INFARMED que, diga- -se, a propósito, foi muito má ideia abri-las à imprensa e a políticos sem capacidade de decisão e que só lá vão para papaguearem a teoria que mais lhe agrada. Mas, entre a multiplicidade de cientistas há, e são conhecidos, os que têm capacidade e competência para, ouvindo todos os seus colegas, sabem ponderar, sem ignorar, cada uma das opiniões e, fazendo a adequada síntese, recomendar ao poder político a melhor opção. Essa, e só essa, deve ser adotada.

Do Milagre à Catástrofe

Um amigo e reput ad íssi mo cientista dizia-me, recentemente: “Zé Mário, isto de sermos o pior país do mundo em número de casos e em mortes não é por maldição, mas por pura incompetência das autoridades.” No meu entender, o Princípio de Peter no que toca à progressão de categoria até atingir a incompetência, obtém a sua maior eficácia e realização, na classe política. Qualquer sucesso, casuístico ou natural, é imediatamente apropriado para benefício e glória própria, para a autopromoção e para, lamentavelmente, o desleixo subsequente, resultante do autoconvencimento de uma suposta genialidade natural e inata. Há pouco tempo a ministra da Saúde referiu, e bem, as dificuldades na cooperação europeia para atender os doentes, em rede internacional, por causa da situação geográfica portuguesa, na “cara da Europa”. Não seria natural ver e perceber que o tal “milagre” português, o da primeira vaga pandémica, também é devido, em muito, à geografia? A autossatisfação do “acerto” dos decisores políticos dessa altura está na origem deste cenário dramático, agora que a pandemia piorou a sério, por todo o lado, caiu-nos em cima de forma desastrosa e com os deploráveis resultados, sobejamente reconhecidos. Não se entende que, na situação excecional de emergência, se tenha adiado, até ao limite do absurdo, a cooperação com a componente privada do sistema nacional de saúde. Queiram ou não, a procura e obtenção de lucro, não é crime, nem tão pouco imoral. Criminoso é condenar à morte centenas de cidadãos em nome de dogmas ideológicos, anacrónicos, estúpidos e inconsequentes. Se o lema “a saúde não é negócio” fosse levado até ao limite (como no caso do recurso aos hospitais privados, infelizmente, aconteceu) estaríamos agora afastados dos planos europeus de vacina, pois as farmacêuticas vão, naturalmente, registar lucros fabulosos com esta pandemia. Se uma parte significativa desses proventos for reinvestida em investigação e desenvolvimento, como é natural, então é muito bom que sejam gordos. Se o governo andou mal, muito mal, deixando-se manietar pelas peias ideológicas da extrema esquerda, o principal partido da oposição não andou melhor pois, em plena crise pandémica, empurrou o governo para esse beco (que o próprio procurou, reconheça-se) sem qualquer razoabilidade. Rui Rio que em coisas comezinhas e miudinhas, inexplicavelmente, se colou a António Costa, para diminuir a democraticidade parlamentar, reduzindo a frequência da prestação de contas do Governo, não precisava de perder a face pois podia ter-se abstido, permitindo uma negociação à esquerda descomplexada e sem pressões inultrapassáveis. A cegueira ideológica do PC e do Bloco, neste assunto em concreto é inexplicável. O diabolizado lucro numa das mais nobres atividades profissionais, é aceite com normalidade se resultar da atividade legítima, da realização da Festa do Avante. E o mesmo Bloco que não aceita, de forma nenhuma a remuneração natural do capital investido nos Hospitais Privados, defendeu, até ao limite do razoável, a legitimidade do lucro fabuloso e obsceno obtido pelo seu vereador na Câmara de Lisboa, Ricardo Robles, com um edifício da Segurança Social cuja aquisição por valor tão baixo deveria ser devidamente investigada. De pouco adianta andarem à procura de explicações para a ultrapassagem que a extrema-direita lhes está a fazer. A causa não está só nas quimeras vendidas pelos populistas, reside também na incapacidade de autoanálise e respetiva correção dos chamados partidos do sistema.

Do Baton

No Programa “Radicais Livres”, da Antena 1, Pedro Tadeu recordou Dolores Lebrón Sotomayor, ativista porto-riquenha que ficou celebrizada como Lolita Lebrón, a revolucionária do bâton. Esta evocação é muito apropriada pois a militante do Partido Nacionalista Porto-Riquenho, liderando um pequeno grupo do correligionários, invadiu o Capitólio americano para chamar a atenção do mundo, sobretudo dos países americanos, reunidos em Caracas, na Conferência Interamericana, para a situação de ocupação colonial de Porto Rico, pelos Estados Unidos. Alegam terem disparado para o teto, depois de terem rezado o Pai Nosso e os cinco congressistas feridos terão sido atingidos pelo ricochete das balas. Lolita terá dito: “Não vim matar ninguém, vim para morrer por Porto Rico”. A somar à recente invasão do Capitólio pelos apoiantes do derrotado Trump, a campanha eleitoral para a Presidência da República Portuguesa foi esta semana animada precisamente pelo bâton de uma das candidatas. Baton vermelho. Como vermelhas devem ser as linhas de separação de determinados grupos e ideologias. Vermelho este que não pode ser o da censura e muito menos o da proibição. Tem de ser o da decência, da exclusão, da não cooperação, seja a que título for, do desprezo mas igualmente da tolerância e do respeito. Por muito assustador que possa ser o crescimento de forças cuja existência nos afronta e “agride”. Ana Gomes esteve muito bem no debate com André Ventura ao recusar discutir as suas amizades pretéritas e presentes com personalidades da vida política portuguesa. Devia, na minha opinião, manter essa linha vermelha no debate com Marcelo Rebelo de Sousa. Ao fazer alusão à amizade do Presidente-Candidato com o banqueiro caído em desgraça, Ricardo Salgado, não só viajou para lá da fronteira traçada por si, como deu ao seu oponente a oportunidade, imediatamente aproveitada, para se vitimizar. Se outras razões não houvesse, e há!, para votar em Ana Gomes, garantir-lhe o segundo lugar é razão suficiente. Mas a própria tem de colaborar ativamente! E, para além da gafe das amizades, a ideia de ilegalizar quem, à face da Lei está legal, não é uma ideia brilhante para quem quer conquistar o voto do eleitorado maioritário moderado. Até porque a linha vermelha, traçada à esquerda, é de pouca utilidade. A distância para a extrema-direita é tanta que não há necessidade de qualquer separação adicional. Era como colocar uma cancela alfandegária no meio do mar para impedir a chegada dos americanos. A linha divisória para os novos movimentos de ideologia ultradireitista tem de ser desenhada à direita. Como clara, distinta e inequivocamente fez Tiago Mayan Gonçalves. O candidato da Iniciativa Liberal apontou bem a sua oposição aos extremismos, de direita e de esquerda, em alinhamento com a sua ideologia realçando porém que à esquerda não há, e isso faz toda a diferença, ideologia racista e xenófoba. Também assim deveriam declarar e atuar, em conformidade, Rui Rio e Francisco Rodrigues dos Santos. Em política, como em muitas outras situações da vida, ganhar não é tudo e, muito menos, pode ser a justificação para se “vender a alma".

De fraca memória (E, no entanto...)

Não é possível olhar para este final de ano, de fraca memória, sem ser abalroado, por dois acontecimentos, um no início e geral, outro, no fim e mais particular. Não é possível começar a escrever mais um texto de opinião neste jornal sem ser constante e permanentemente perturbado pelo inesperado, brutal e desolador desaparecimento do seu diretor Teófilo Vaz. Outros, mais qualificados, lhe farão a justa e merecida homenagem. Para além do amigo, bom, desinteressado e valioso, de várias décadas, o Teófilo foi um companheiro certo, empenhado e competente de todos quantos pretendem fazer da nossa terra um lugar cada vez melhor para estar, viver e visitar. Ao saber da sua morte súbita, num gesto simples de pequena homenagem póstuma, fui reler alguns dos seus muitos e bons editoriais. Está lá tudo! A sabedoria que os anos e o estudo lhe conferiram, a inconformidade que o caráter lhe moldou, a crítica que a vivência lhe impôs e as propostas que a competência e visão futurista lhe proporcionaram. Inconformado com a condição nordestina que conhecia tão bem, não poupou críticas a quem identificava responsabilidades nem elogios aos que reconhecia mérito. Que o seu espírito continue a pairar na nossa terra e o seu exemplo inspire os vários e bons jornalistas da nossa terra. O ano de 2020 fica indelevelmente marcado pelo ensombramento a que a Covid a todos condenou. Sentimo-nos, em muitos aspetos, atirados para a Idade Média, confinados em casa e nos concelhos, para tentar conter a primeira peste deste milénio, como fizeram os nossos antepassados. Mas igualmente sentimos a contemporaneidade ao assistir, quase em direto, ao processo científico de obtenção de várias vacinas, diferentes nos princípios de atuação mas idênticas na eficácia, na segurança, na base científica e, também, na rapidez. Foi um ano notável para a Ciência e para muitos cientistas, quer a nível mundial quer, a nível nacional. Senti a alegria natural de “rever” amigos de há muito, como o Pedro Simas e a Maria Mota, confirmar o reconhecimento de alguns, mais recentes, como o Henrique Veiga Fernandes e o Markus Maeurer, e afirmação de muitos outros como o Miguel Soares, a Gabriela Gomes e a Maria João Amorim, moncorvense por adoção. É nos tempos de crise que os melhores se destacam. Exemplo disso foi, sem dúvida, a liderança europeia onde a competência e capacidade de Ursula von der Leyen nos conduziu com sucesso e a tranquilidade possível, ao processo delicado, mas urgente e necessário de vacinação global de todos os europeus e ainda “descalçou”, a contento, o imbróglio do Brexit onde o irrequieto e extravagante Boris tinha empurrado a inédita separação do Reino-Unido, sem esquecer a coragem, pertinência e sensatez que mostrou ao lograr obter o consenso necessário para a importante “bazuca” financeira com que a União pretende relançar a destroçada economia europeia. Foi, sem dúvida, o ano de Úrsula. É igualmente nos tempos de crise que, outros, não resistindo à penumbra que a pandemia lançou, deixaram vir à superfície visível, propósitos e hábitos menos aconselháveis. Desde a arrogância do quero posso e mando, sobretudo quando posso fazê-lo fora do alcance visual de quem se encontra confinado à incompetência inata ou adquirida para liderar processos complexos e exigentes, mas necessários. Desses, esperamos, se há de esquecer a história e, como tal, não há qualquer conveniência em nomear e particularizar, nesta altura. Um Bom Ano de 2021 para todos nós, especialmente para todos falantes da língua de Pessoa e Camões e muito particularmente todos os naturais, residentes ou, de alguma forma, ligados ao nordeste transmontano.

O tremedouro

Pedro Nuno Santos celebrizou-se, enquanto jovem deputado por ter colocado as pernas dos banqueiros alemães a tremer sob a ameaça de não pagarmos a nossa dívida externa. Hoje prepara-se para ir a Bruxelas pedir autorização para injetar milhares de milhões de euros na TAP que serão pagos, com juros, até ao último cêntimo. Fá-lo porque não existe alternativa para o salvamento de uma empresa que esteve a um passo de deixar de ser nossa. Evitou-se, com grande custo, há cinco anos, revertendo a privatização. Não na totalidade mas apenas na medida de se poder mandar nela embora, na verdade, nem assim foi possível suster os elevados prémios de gestão em ano de grandes prejuízos. Que acabaram por exigir largos investimentos públicos se bem que o Ministro veio logo avisar, com a voz de fazer tremer os nórdicos ricos, que pagar implica mandar. Muito embora não se tivesse percebido bem porque é que, na prática, nem é bem assim, porque quem vai pagar a conta é o Zé Povinho, que ali manda zero, a maioria nem de avião anda. Mas, para consolidar o mando do senhor Ministro e dos eleitos do senhor Ministro e do senhor Primeiro Ministro tratou de, por um lado, entregar cinquenta e cinco milhões a quem verdadeiramente mandava e, por conta, disponibilizou mais uns milhares de milhões porque o mando em gaveta vazia é fraco e pouco apetecível. Não chegou. É preciso mais. É preciso salvar os postos de trabalho, assegurar a companhia de bandeira (esta característica deve ser muito importante e valiosa pois anda toda a gente a falar nisso e custa muito dinheiro!), de outra forma arriscamo-nos a perdê-la. E qual o risco de perdermos a companhia? 1. Se ela for privatizada o dinheiro que gera sairá do país, em vez de ficar cá. Mas se ela gera prejuízos... será mau exportá-los? 2. Há milhares de empresas portuguesas que fornecem a TAP que se ela for privatizada deixarão de a fornecer. Porquê? Porque servem mal? Porque não são competitivas? Se fosse exatamente assim, quando passou metade do capital para mãos privadas... perto de metade dessas empresas teria deixado o negócio... e não foi isso que aconteceu. 3. Se a TAP fosse tomada por outra companhia, perder-se-iam muitos postos de trabalho... A sério? E assim, não? 4. Porque o “HUB” é importantíssimo para a soberania nacional e não podemos dar-nos ao luxo de o perdermos. O luxo de o manter, mesmo à custa de milhares de milhões de euros, é aceitável? E, em boa verdade, o que é o HUB? Não hão de ser os aviões que esses, com bandeira ou sem bandeira, tanto estão cá como noutro lugar do mundo. Também não hão de ser os pilotos nem os assistentes de bordo, pelas mesmas razões. O pessoal de terra, não julgo que o seja pois o “handling” pertence à Ana e essa já é francesa. Aí é que está... O HUB depende mais da Ana (propriedade da Vinci e que dá lucro!) do que da TAP (portuguesa e que dá prejuízo). Mas se o HUB é tão importante e sendo, como não pode deixar de ser, um misto de operações no ar e em terra, então quando se reverteu a nacionalização da TAP deveria ter sido feito o mesmo com a Ana... O Ministro Pedro Nuno Santos, já veio explicar que a austeridade do anterior governo era, ao contrário desta, inaceitável. Qualquer perda de regalias, diminuição de salário ou mesmo a perda de emprego, nas empresas, como resultado das medidas do Governo, para superar a crise nacional era, foi e ainda será, injusta e prepotente. Coisa bem diversa é a diminuição de regalias, corte salarial e despedimentos, decretados numa empresa onde o Governo manda e não tem outra saída para tentar sair da crise em que caiu. Quem quer que seja que venha a perder o emprego, ficar sem regalias ou receber menos ao fim do mês saberá muito bem ver as enormes diferenças entre estes dois cenários. Ficará confortado por saber que o HUB fica cá (ninguém vai levar o Aeroporto Humberto Delgado!) e a TAP continua nossa (...enquanto pagarmos o prejuízo!)

Parabéns à câmara de Moncorvo

A partir de dezembro, a Câmara de Moncorvo vai atribuir um vale no valor de cinco euros a cada munícipe que acumule cinquenta euros de compras no comércio local. Até ao máximo de mil euros de compras por família, dez por cento das suas compras, no concelho, são devolvidos pela autarquia moncorvense para serem, obviamente, gastos no comércio tradicional ou nos produtores concelhios. Cem euros não é muito dinheiro, nos tempos de crise que vivemos e, pior que isso, na época sombria que se avizinha. Não chega para compensar a falta de faturação no comércio, a escassez de vendas de quem não tem outra fonte de rendimento para além das vendas dos produtos cultivados ao longo de um ano inteiro. Não substitui a lacuna salarial de quem viu os rendimentos mensais diminuídos e, pior que isso, quem ficou desempregado ou viu desaparecer o contrato de prestação de serviços. Mas é melhor que nada. É dar um contributo no bom sentido e, ao mesmo tempo que se aplicam corretamente os recursos comuns, convocar e envolver todos os munícipes numa tarefa que, por muito grande, penosa e difícil, será sempre menor, menos dolorosa e menos custosa se levada em cooperação. O montante de recursos disponibilizado pela Câmara vai ser multiplicado porque não se tratando de um subsídio, implica uma atividade económica muito superior ao valor reservado no orçamento municipal. Seria ideal usar a totalidade do montante que esta operação permite que numa conta rápida coloca ligeiramente abaixo dos quatrocentos mil euros. Se o dispêndio camarário for de trezentos mil euros pode-se considerar que a operação será um sucesso. Apesar disso, não duvido que o Executivo Camarário (Presidente e vereadores) gostaria de ter um valor superior que colocasse a fasquia mais acima, quer no montante máximo, quer, seguramente, na percentagem de comparticipação. Mas ninguém ignora que as verbas municipais são escassas e estão longe de assegurarem a satisfação das carências diárias, urgentes e prementes. Tenho a certeza que o Executivo gostaria de poder dispor de uma verba superior e que este desejo é, antes de mais ninguém, incorporado pelo Presidente da Câmara. De tal forma que nem me passa pela cabeça que, por sua própria iniciativa, numa época destas fosse estragar este quadro atirando cento e cinquenta mil euros para fora do concelho para organizar e levar a efeito a sua defesa num processo que já asseverou, garantiu e jurou ter sido levado a cabo, na posse de todos os pareceres, na estrita observância da Lei e com a aprovação dos respetivos órgãos municipais. A contratualização com o escritório de advogados lisboeta, AAMM, apesar de ter sido feita, segundo o texto contratual, para aconselhamento jurídico indefinido, há de ter por objeto um assunto complexo, delicado e, sobretudo, tão grave que não haveria em Moncorvo, nem na região, ninguém capaz de o levar a bom porto. É absolutamente impensável que se possa, nestas circunstâncias, esbanjar tal verba para se opor à questão da deslocação do busto do escritor Campos Monteiro

A Saúde Primeiro

Com agravar da pandemia, o Sistema Nacional de Saúde ficou pressionado até aos limites começando a apresentar já, em vários locais, sinais de saturação e com dificuldade em dar a resposta adequada às exigências da população a quem cabe dar a devida assistência. Não só no atendimento ao crescente número de doentes Covid mas também e sobretudo a todos os outros enfermos cujos cuidados médicos estão a ser descurados na exata proporção em que cresce, diariamente, o número de infetados. A Ordem dos Médicos garante que, este ano, vários milhões de consultas presenciais e intervenções cirúrgicas, vão ficar por realizar! É uma enormidade, se levarmos em linha de conta que muitas deles são urgentes e a sua não realização pode significar mazelas permanentes e irrecuperáveis e, nalguns casos, a própria morte! Em tempo de guerra não se limpam armas nem se selecionam aliados. Este é um desígnio comum. De todos. Do SNS, sem dúvida, mas igualmente do setor social e dos privados. Todos temos de contribuir na exata medida das capacidades e possibilidades de cada um. Se não houvesse dinheiro sem dúvida que havia o dever da requisição civil, sem quaisquer contrapartidas. Mas há dinheiro! Havendo (a tão falada bazuca europeia, para lá da elasticidade adicional conferida ao deficit orçamental) não faz sentido não ser aplicado onde é mais preciso e em primeiro lugar. Há quem tema pelo “enriquecimento indevido” (preocupação que deveria ser estendida a outras áreas) e é justo que assim seja. Mas tal não pode ser razão para boicotar, impedir ou dificultar o acesso aos cuidados de saúde “garantidos” na Constituição. Se o Governo tem receio de negociar no fio da navalha e sob pressão, então que opte por outros mecanismos, por exemplo, o cheque saúde, como existe em França, que permite que o Mercado funcione e, sobretudo, alarga o leque de soluções. Mesmo que o cheque só por si não chegue para o preço total do serviço pretendido pode ser a ajuda suficiente para os muitos milhares que não tendo recursos para suportar o custo integral, podem, contudo, com algum esforço, complementar eficazmente o valor em causa. Não pode é haver dúvidas sobre a real prioridade: A saúde! É para aí que devem ser encaminhados, em primeiro lugar, o sobrante de todas as outras necessidades básicas. É bom que ganhem juízo, ou que alguém lho faça ganhar, todos os que, com o cheiro a dinheiro parecem ter ensandecido. Custa a acreditar que alguém, no seu perfeito juízo, em plena pandemia e escassez de meios, venha jurar e prometer, publicamente, gastar vários milhões de euros em projetos megalómanos e de utilidade mais do que questionável, como pendurar uma ponte, no céu, com o único e ridículo intento de ver o seu nome reportado no estafado, parolo e burlesco Livro dos Recordes! Estou certo que haverá outras maneiras e formas, bem melhores, de promover turismo de qualidade e com valor acrescentado, do que pretender encaixá-lo, entre a alarvidade do maior comedor de cachorros-quentes, do mundo e a insalubridade do maior saco do lixo de comida, do planeta! Bom, raramente é sinónimo de grande! Maior, nem sempre condiz com melhor! Mas é claro que cada um é livre de escolher o que melhor combina consigo!

Juris_ prudência (O dever e o temor)

A Associação de Municípios do Douro Superior (AMDS) não tem nenhum jurista nos seus quadros. Invocou, a “ausência de recursos próprios” para entregar 74.500 euros à sociedade de advogados, AAMM, de Lisboa, em 6 de julho de 2017, para ser juridicamente assessorada e aconselhada. Invoca como justificação da opção pelo ajuste direto, a alínea a) do n.º 1 do art.º 20º do Código dos Contratos Públicos (CCP) que, estranhamente, versa sobre o Concurso Público e o Concurso Limitado por prévia qualificação. Daqui se depreende a necessidade de aconselhamento. E que aconselhamento é este? O contrato diz apenas que é “geral”. Perante um caso concreto, logo se vê. Pode ser, por exemplo: “Contrate um bom escritório de advogados!” É bem provável que tenha sido, exactamente essa a recomendação, pois o Presidente da AMDS, que é também Presidente da Câmara de Moncorvo, obediente e diligentemente, tratou de, nesse mesmo dia, entregar mais 74.500 euros ao mesmo escritório de advogados, para representar a AMDS no processo 181/16.1BEMDL, o que quer que isso seja! Convém notar que qualquer um dos dois contratos foi celebrado por doze meses e com renovação automática, até ao limite de duas vezes! Com uma interessante particularidade: feito em julho, era válido a partir de janeiro do mesmo ano! Ou seja, ao colocar a assinatura, e sem mais nada fazer, o escritório alfacinha ficou, imediatamente, credor de metade do montante contratualizado!!!! Satisfeitos, em 2019 entregaram, de novo à AAMM, mais um cheque de 90.000 euros para continuarem a usufruir da assessoria jurídica geral! O Presidente da Câmara de Municipal de Moncorvo (CMM) aproveitando o sucesso desta contratualização, conseguiu arrancar-lhes um generoso desconto: ainda em 2017, a mesma consultoria genérica, igualmente por um ano, custou à CMM, apenas 74.000 euros! É obra! Apesar de haver no quadro um licenciado em Direito e de ser jurista o autarca, a justificação continuou a ser a ausência de recursos próprios! Obviamente que ninguém deve substituir-se à liderança autárquica eleita, e é a ela que compete avaliar as necessidades correntes do município. Mas não é fácil fazer entender, ao comum dos contribuintes (que são eles, em última análise, quem paga a fatura) que os recursos próprios existentes necessitem de tamanho reforço para fazer face à reconhecida baixa conflitualidade e litigância. Tanto assim que o próprio autarca, aceitando a justeza de tal juízo, apesar da prevista renovação, deixou terminar o contrato, sem o renovar! É assim mesmo! Porém, em meados de agosto, deste ano, alegando, de novo, a ausência de recursos próprios, foi celebrado com a AAMM um contrato de assessoria por um ano, no valor de 149.000 euros!!!! A justificação para o ajuste direto advém da impossibilidade de se poderem precisar as especificações contratuais. Ou seja, quem contrata não sabe, com exactidão, o que pretende. Deve ser algo grande e grave, a avaliar pelo valor envolvido. Não é crível que seja por causa da trasladação do busto do Campos Monteiro, porque apesar do alarido feito por “meia dúzia de agitadores”, o Presidente já garantiu ter agido na total e integral observância da Lei. Quem não deve, não teme!