José Mário Leite

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NÃO MATARÁS!

São várias as imagens que nos ocorrem, ao falar de Itália. Aparte as pessoais, que não interessam para o assunto, Itália remete para a arte renascentista, o legado imperial, o cinema de autor, as belíssimas actrizes, os fabulosos lagos do norte e, claro, o cálcio. Mas também para a política agitada, fremente e instável, a governação efémera, mas agitada e frequentemente violenta, as jogadas de bastidores, a corrupção, o poder do Vaticano em convívio com a Fé e com a Esperança, a luta pelo progresso do sul e a contínua procura de maior enriquecimento a norte, os seus agentes ativos e passivos, enfim gente muito simples e gente muito poderosa, a procura do bem comum e a prossecução de interesses egoístas e nem sempre legítimos. A bela, piedosa e culta Itália de Florença, dos Lagos e do Vaticano é a mesma da Política, da Máfia, das Brigadas Vermelhas e dos Escândalos Financeiros. É desta última que nos fala Teresa Martins Marques no seu recente livro “Não Matarás – romance de um crime”! Mas não só. O relato minucioso, documentado, criteriosamente detalhado dos cinquenta e cinco dias que abalaram Itália e o Mundo no ano de 1978, vai mais longe mer- gulhando o leitor uma profundidade notável. Revela a Itália escondida, quase invisível, miserável, ao nível económico, mas também cívico e moral, disseca sentimentos nobres e canalhas, expõe verdades e mentiras, aponta pistas e questiona dúvidas. Sendo um romance de um crime não é, tal como vulgarmente se apreende, um romance policial. Aqui não há dúvidas de quem são os autores materiais nem qual a vítima concreta de tão horrenda conspiração. A forma como a autora prende o leitor não passa pela curiosidade do desfecho, amplamente conhecido, mas pelo enredo em si, pelo entretecer das linhas com que foi sendo cerzido o maior crime político da história moderna italiana. Depois de escalpelizar as motivações mesquinhas e altamente egoístas de grande parte dos atores, Teresa Martins Marques brinda o leitor com um final onde traz para o conhecimento público vários personagens, indubitavelmente bons e generosos, decalcados de pessoas reais e contemporâneas. É a forma de, justa e generosamente, os homenagear. Não Matarás, é um livro fundamental e imperdível para tutti quanti se interessarem por conhecer a forma como é possível, quando há boa fé e genuíno espírito generoso de serviço público, unir esforços para melhorar a vida de uma comunidade, mesmo que, ideologicamente haja um mar de diferenças entre os protagonistas. Mas é também um alerta para as enormes ciladas e dificuldades, tantas vezes inul- trapassáveis, para atingir tais fins porque, paradoxalmente, o bem de todos não rima com o bem de alguns, se poderosos, egoístas e de mau carácter. É, para finalizar, um livro para ler devagar. E, principalmente, fazer uma pausa longa e reflexiva, na página 180 onde a Teresa transcreve o melhor dos pensamentos do antigo primeiro-ministro Aldo Moro: “Datemi da una parte milioni di voti e togliete-mi dall’altra parte un attomo di Verita, ed io saro communque perdente” (Dai-me por um lado mi- lhões de votos e tirai-me, por outro lado, um átomo de verdade e eu ficarei per- dendo) e que deveria fazer reflectir todos os eleitos desta nossa terra. Não duvido que a autora partilha deste superlativo valor da verdade.

OH, DIABO!

O meu pai, que Deus tenha, falou-me, várias vezes de um rapaz do seu tempo, um afamado cantador de fado, que brilhava nas desgarradas que, antigamente, se organizavam em festividades e romarias. Vinha de uma das aldeias do sul da Vilariça, não sabia ao certo se da Foz, ou das Cabanas, fossem as de Cima ou as de Baixo. Diziam-lhe que can- tava bem como o diabo ao que o próprio respondia que cantava melhor e se o mafarrico tinha dúvidas que aparecesse pois ele não tinha receio de pedir meças ao príncipe das trevas. E tal era a fanfarronice que, uma noite de lua cheia, dirigiu-se, sozinho (não encontrou quem o acompanhasse) a uma encruzilhada onde, por tradição, aconteciam coisas estranhas e sobrenaturais, próprias de bruxas, lobisomens e outras forças maléficas. Nunca ninguém soube ao certo o que se passou. O que ficou para a história foi a perda completa dos dotes vocais do fadista e uma recusa terminante em abordar o assunto.

Como este há muitos outros relatos que atestam que, quando é desafiado, o diabo, normalmente, não falha. Pode demorar, mas aparece. E quem confundir a demora com uma pretensa desistência, normalmente arrepende-se!

António Costa devia estar avisado desta tradição milenar!

Quando Pedro Passos Coelho vaticinou que as dificuldades do PS começariam quando viesse o Diabo, os socialistas galho- faram com as “previsões” do ex-primeiro-ministro e não havia debate parla- mentar, discurso público ou comício eleitoral onde faltasse a graçola sobre a “falhada previsão” passista... até que o diabo se fez anunciar!
Pois não é que o Diabo veio mesmo? E, como é seu timbre, no melhor da festa, para ser mais notado e destruidor.
Primeiro, sob a forma de uma pandemia demolidora, destruindo as recentes “conquistas” no deficit e nas “contas certas”. De pouco valeu o combate exemplar à moléstia e a maioria absoluta ganha a um PSD, sem rei nem roque, pois o próprio SNS, que fora estrela na atuação governamental, entrou em colapso, a inflação entrou de rompante, em força, sem pedir licença e instalando-se com impacto e duração totalmente opostas às garantidas pelo primeiro-ministro. Os salários e, sobretudo, as pensões começaram a perder poder de compra levando a chefia do governo a utilizar truques e passes mágicos para tentar esconder as suas reais intenções que, na prática, desmentiam as garantias dadas sob palavra de honra (palavra dada é palavra honrada) durante as campanhas anteriores levando ao cúmulo de atirar para o governo de Passos Coelho o que fora obra do seu antecessor, quer enquanto governante quer enquanto primeiro negociador/subscritor do acordo que nos colocou sob o jugo da infame troika, de má memória.
O Diabo chegou e ainda aí está, assombrando o elenco governamental com as trapalhadas ministeriais aeroportuárias (se a TAP foi renacionalizada e reforçada com três mil milhões de euros para evitar que o famoso “HUB” fosse para Madrid, como se justifica a ausência desse risco ao ser privatizada?), as reduções de IRC, as (in)compatibilidades dos gabinetes ministeriais e com as impensáveis e injustificáveis pressões para apagar gravações e excluir de atas, de intervenções alheias. E a procissão, perdão, o mafarrico, ainda está no adro.
As intervenções recentes do arguto e implacável Marcelo assim o dão a entender.
 

CARVIÇAIS

No seu livro “Madrugada Suja”, que vai ser adaptado a uma série televisiva, Miguel Sousa Tavares alerta para a falácia dos pareceres negativos, condicionados, dos indeferimentos condicionados e do risco subsequente do deferimento tácito. O esquema do processo dissecado pelo jornalista/escritor versa sobre um empreendimento que não respeita todos os preceitos ambientais mas que o poder político quer fazer aprovar, porém, pretendendo resguardar-se das consequências políticas e legais. O processo é apresentado à Câmara Municipal que, reconhecendo-lhe importância económica e de fomento do desenvolvimento local, indefere as pretensões do requerente enunciando uma lista de requisitos que, em primeira instância e, no imediato, o projeto não contempla. Como tal, a estrutura técnica dá parecer negativo e o poder político, lamentando privar o concelho de tão impressionante e benéfico empreendimento, reprova o requerimento. Publicita esta decisão para que os eleitores saibam que a edilidade, procurando a melhoria económica e o aumento do bem estar dos cidadãos, não cede nem abdica dos princípios básicos de sustentabilidade nem está disponível para contornar a Lei. Com pena e com risco de perder o investimento que irá, quiçá, para outra localidade menos rigorosa na análise e mais condescendente para com a violação dos princípios enunciados, fez o que devia fazer, defendendo o interesse público e a legalidade instituída. Tudo bem. Aparentemente. Mas não. No caso ficcional, o requerente mais não fez do que resolver os tais “problemas inultrapassáveis” e remeter o processo. Os políticos sentem-se de mãos atadas: pois se todas as incompatibilidades foram resolvidas de acordo com o que lhes foi apontado... como poderiam agora dar o dito por não dito e apresentar novas exigências? “As entidades públicas são entidades de bem e têm de comportar-se como tal. Não seria ético defraudar as expectativas criadas!” Obviamente que o relato de Miguel Sousa Tavares é imaginário e não tem que espelhar o caso da fábrica de extração de bagaço de azeitona em Carviçais, mas é preocupante que o primeiro parecer da CCDRN, sendo embora negativo apresenta uma lista de peças documentais que o requerente deverá apresentar caso entenda solicitar uma reapreciação... No processo do romance, para obviar alguns aspetos que não tenham sido devidamente superados pelo empreendedor... o poder político entregou a reanálise a um técnico que... subitamente adoeceu, deixando expirar o prazo legal para dar uma resposta. Resultado: o requerimento acabou aprovado tacitamente. “Infelizmente” nada se pode, depois, fazer. Porém, caso aconteça que, por azar ou infortúnio, alguém adoeça ou fique impedido de dar o seu parecer em tempo útil, atente-se que o deferimento tácito tem de ser pedido e pode, eventualmente, ser negado. De qualquer forma, o promotor não pode começar a obra sem o licen- ciamento camarário. Ora, de acordo com o parecer jurídico elaborado pela jurista da CCDR Centro, Dr.ª Elisabete Maria Viegas Frutuoso, a 23 de janeiro de 2003: “a Câmara nesse momento, ao tomar conhecimento do início das obras pelo particular, deve proceder às medidas necessárias, nomeadamente através da revogação (conjugação dos arts. 136º e 141º do CPA) ou declaração de nulidade do referido deferimento tácito.”

EM MEU NOME, NÃO!

Marcelo Rebelo de Sousa, o nosso Presidente, foi,
nessa qualidade, ao Brasil participar nas comemorações dos 200 anos da independência daquele país. Foi, segundo o próprio, em representação do povo português. De todo o povo e, portanto, quer eu quer o leitor estivemos lá, por interposta pessoa. No que me toca, fiquei incomodado
ao sentir-me representado numa tribuna em que bandeira brasileira estava adulterada. O tradicional
globo azul tinha perdido as estrelas (representativas dos estados federais) e apresentando a imagem de um feto onde o lema “ORDEM E PROGRESSO” dera lugar ao slogan bolsonarista “BRASIL SEM ABORTO, BRASIL SEM DROGAS”.
Fiquei incomodado, mas Marcelo não.
Sorridente aplaude não o presidente da “Nação Irmã” mas o candidato que transformou as comemorações num comício de autoelogio com referências de mau gosto à sua virilidade. Justificou a sua presença dizendo ser institucional. O que é estranho pois foi numa visita institucional recente que foi destratado.
Marcelo Rebelo de Sousa é o Presidente de todos os portugueses e, nessa condição, não pode deixar-se manipular por quem o convida e logo desconvida para depois o arrastar para uma ação de campanha travesti- da de comemoração nacional, ao serviço de um candidato pouco escrupuloso.
Enquanto Marcelo presidenciava por terras de Vera Cruz o Primeiro Ministro presenteava-nos com um discurso estranho e descabido. Costa veio à televisão informar que a Lei da atualização das reformas ia ser contornada neste e no próximo ano, como primeiro passo para a sua alteração porque a ser aplicada “prejudicaria” o futuro da Segurança Social. Pois é, mas não o sendo... prejudica o futuro de todos os reformados (a prazo, todos nós, se lá chegarmos!). Ora, entre os portugueses e os cofres do governo... a opção de Costa foi clara. Com a agravante de que a Lei foi feita precisamente para proteger os contribuintes mais frágeis de decisões
como a que o Governo acaba de tomar.
E se, nunca foi usada antes é porque não foi necessário. Agora que é, não se usa? Muda-se? Imagine-se que as companhias de seguro adotavam a lógica primo-ministerial? Os contra- tos eram válidos enquanto eu não houvesse qualquer sinistro. Tudo iria bem e se o segurado fosse bem com- portado recebia prémios e bónus. Quando houvesse um azar, a companhia ale- gando prejuízos futuros incomportáveis, alterava os termos do acordo!
Esta rábula governamental é agravada por dois as- petos:
- A subtração permanente, a partir de 2024, de uma parcela devida por lei, aos pensionistas, é feita usando um subterfúgio enganador que pretende fazer passar por bónus um suposto “adiantamento” que mais não é que uma cortina sobre os perversos intentos de Costa e Medina
- A artimanha, de puro ilusionismo, é feita para
iludir e prejudicar os cidadãos menos informados e, igualmente, os que menos poder reivindicativo possuem!
António Costa é o chefe do Governo de todos
os portugueses e, nessa condição, não pode manipular os recursos públicos à margem da Lei, nem esta pode ficar refém da maioria absoluta.

COMER, LER OU RESPIRAR?

Há quarenta anos, altura em que co- mecei a demandar, com alguma regularidade, o Planalto, para ir de Moncorvo a Mogadouro, tinha de se passar por Carviçais e ainda bem. Fazía por ultrapassar a Serra do Robo- redo, a meio do dia e, antes de abandonar a longa fila de casario, encostava à direita, quase ao fim da última reta e franqueava uma porta rústica para me banquetear com a Posta do Artur, uma das melhores do nordeste. O restaurante, apesar de exíguo (em alturas de grande enchente, sobretudo no tempo da caça, prolongava-se para um quintal, as traseiras) era famoso, como o testemunhavam as inúmeras e criativas mensagens espalhadas pelas paredes. A notoriedade do estabelecimento confundia-se com a do seu proprietário, o Artur, e che- gava longe, tendo ficado célebre um dito do mesmo. Quando um comensal lhe solicitou a ementa o dono do estabelecimento olhou-o de frente e questionou-o: “O senhor veio aqui, para comer ou para ler?”. Para comer, sem dúvida, iam, vão e irão (espera-se) a Carviçais todos quantos apreciam a boa posta mirandesa. Esperemos que continuem a ir porque as nuvens que se vislumbram no céu são negras e pesti- lentas. Anuncia-se a construção, para breve, de uma fábrica de transformação de bagaço de azeitona que irá desfigurar a pacata e ecológica povoação de Carviçais. Seria dramático se o emblemático Artur tivesse de alterar o rifão que o notabilizou e, perante a reclamação de algum cliente, por causa da escuridão do ar e do insuportável cheiro tivesse de o questionar: “O senhor veio aqui, para comer ou para respirar?” O drama de Carviçais não se restringe ao restaurante O Artur, que se expandiu e mudou de lado da estrada que atravessa a aldeia. Os comensais podem escolher onde comer e o próprio estabelecimento pode mudar, mais uma vez, de lugar. Mas os habitantes, não! E o que dizem eles do que lhes está prestes a cair sobre a cabeça? Obviamente, estão con- tra! E, em consequência, contra a instalação de tal em- preendimento, estarão os seus legítimos represen- tantes. Não! Não estão! Vão dizendo que não estão a favor, que tal ativida- de não está alinhada com o programa com que foram eleitos mas... ninguém os ouviu dizer que estão total e inequivocamente, Contra! Pois bem, felizmente es- tamos num regime democrático e a oposição, de certeza que aproveitará o apoio popular para ma- nifestar a sua manifesta desaprovação de tal iniciativa! Pois é... Mas, inexplicavelmente, também não é assim! Como não? Não. Estão, obviamente, ao lado da população, mas também com grande compreensão para com os oli- vicultores cujo “problema” de destino final dos resí- duos dos lagares de azeite, é necessário resolver! Pro- blema esse que se agravou, nos últimos tempos, com o grande aumento da produção de azeitona. A produção de azeitona aumentou, muito. No Nordeste? Em Trás-os-Montes? No Norte? Não. No Alentejo de onde é, curiosamente, originária a empresa que se propõe vir poluir os ares e solos nordestinos. As estranhas “especificidades” deste processo não se ficam por aqui, mas não cabem, já, nesta crónica. Voltaremos ao assunto, brevemente!

DOUTORAMENTOS EM SAÚDE, NO NORDESTE

Foi público que os deputados eleitos pelo distrito de Bragança ultrapassaram as diferenças ideológicas e partidárias unindo-se em torno da proposta de lei que há de conceder aos Institutos Politécnicos
a capacidade de conferirem o grau de Doutor. É uma medida que pode trazer ganhos para o nordeste. Os reitores universitários estão contra. Claro! Não querem perder o monopólio.
Os doutoramentos, em Portugal, tradicionalmente eram feitos no seio das universidades, de forma restrita e endogâmica. Daí a dificuldade em evoluir e diversificar, crucial na investigação científica contemporânea. A “rutura” aconteceu em 1993 pela mão e, sobretudo, vontade e empenho de quatro homens: Vitor Sá Machado, Administrador da Gulbenkian, António Coutinho, Diretor do Instituto Pasteur, Alexandre Quintanilha investigador no ICBS e no IBMC, e Valente Oliveira, Ministro do Planeamento. Outros e outras vontades se lhes juntaram para concretizar o primeiro Programa de Doutoramento, lecionado fora das universidades, embora o grau fosse atribuído por uma instituição do ensino superior. Mariano Gago viria apoiar e reforçar este movimento.
O PGDBM - Programa Gulbenkian de Doutoramento em Biomedicina (mais tarde replicado no Porto e em Coimbra) formou dezenas de jovens investigadores, conhecidos então por “super-doutores”. Regressaram, na sua grande maioria a Portugal e, quando foram instituídas as “grants” milionárias da União Europeia, foram eles os principais beneficiários trazendo para Portugal, só nesse Programa, mais do triplo do dinheiro investido nos seus estudos. Algo parecido pode acontecer agora com a chegada deste grau académico aos Institutos Politécnicos. Vontades e empenho estão a ser reunidos à volta do IPB para iniciar em Bragança um programa exemplar.
O mentor do PGDBM, António Coutinho, está empenhado em contribuir com o seu conhecimento, experiência e influência e a Fundação Champalimaud já exprimiu o seu apoio a esta iniciativa. Coloca-se a pergunta óbvia: doutoramento, em que área?
Esta é, julgo eu, uma pergunta de resposta fácil: Doutoramento em Tecnologias de Saúde. Na Escola Superior de Saúde, certamente, mas também na Escola Superior de Tecnologia, dado o atual estado da arte dos cuidados médicos.
Fernando Araújo, Presidente do Hospital de S. João, afirmou recentemente que “pensar que o atendimento se faz apenas com médicos é não entender os princípios modernos na prestação de cuidados de saúde, em equipa”.
O antigo Secretário de Estado da Saúde sabe bem o papel dos técnicos de saúde e que será tão mais relevante e mais eficaz quão maior e melhor for a sua formação.
Cada vez mais. Numa altura em que a chegada da Inteligência Artificial aos hospitais é já uma realidade, a importância da formação avançada em tecnologias é cada vez maior.
Se é do conhecimento geral haver, de vez em quando, equipamentos sofisticados hospitalares, sem uso só pode ser devido à inexistência de quem os opere, adequadamente. É urgente formar quem o faça. Em Bragança, porque não?

A PÁTRIA E A LÍNGUA

Quem, em Bruxelas, chegando à Praça Eugène Flagey, procurar um pequeno espaço triangular e ajardinado na confluência da Rue des Cygnes depara-se com um monumento de homenagem ao grande poeta e pensador português, Fernando Pessoa. Por baixo do busto está uma das suas frases mais célebres: “A minha pátria é a língua portuguesa”. Quando Pessoa a enunciou, a pátria lusa estendia-se pelas sete partidas do mundo e o postulado pessoano acrescentava-lhe o Brasil. Já então não havia coincidência entre as fronteiras fonéticas e administrativas e muito menos as há agora. Mas, mesmo que nos limitemos ao atual retângulo ibérico, berço da pátria e da língua, estamos a falar de duas realidades diversas. Na atualidade, ao português falado e reconhecido dentro dos limites administrativos nacionais é necessário juntar mais duas formas de expressão oficialmente reconhecidas: a língua gestual e a lhéngua mirandesa. Mas não só. Tendo embora a mesma origem, no reino da Galiza de onde se destacou o Condado Portucalense e se autonomizou o galaico- -português, distinto do castelhano que tem vida e percurso autónomo como brilhantemente demonstrou Fernando Venâncio, a geografia e a fonética tiveram evolução bem diversa. A reconquista fez-se de norte para sul, sem grandes recuos, de forma consistente e persistente, indo à frente da língua. Já esta teve um percurso evolutivo, seguindo a rota aberta pela espada de D. Afonso Henriques e seus sucessores, expandiu-se mais lentamente e não resistiu à investida sulista que a condicionou e influenciou. Em conversa recente com o Administrador da Fundação Calouste Gulbenkian, Guilherme de Oliveira Martins, a propósito em um importante e relevante projeto lançado pela Associaçon de la Lhéngua i Cultura Mirandesa, o antigo Presidente do Tribunal de Contas fundamentava esta realidade com a forma diferente como em Portugal se pronunciam os “s”. Se a expansão linguística seguisse o mesmo trajeto que a conquista militar falaríamos todos “à maneira de Viseu” que é como, tradicionalmente, se fala no interior norte e na Galiza. Esta pronúncia não resulta de nenhuma simplificação ou “evolução” popular, antes, pelo contrário, sendo fiel à grafia, é erudita. A prová-lo a forma diferente como na região de Trás-os-Montes e das Beiras se diz o fonema “z” conforme resulta do z, propriamente dito ou do s entre vogais. Coser e cozer, não só têm significados diferentes, como diversa é a sua pronúncia. A propósito tive a oportunidade de lhe revelar como foi proveitoso, para resolver dúvidas de escrita, não só esse exemplo como outro, ainda mais óbvio: a forma como se diz o “x” e o “ch”. Neste caso sacho e enxada têm o mesmo significado mas a segunda sílaba, na nossa terra, pronuncia-se de forma bem diferente de acordo com o modo como se escreve.

GÉNIO BOM GÉNIO MAU

O Cientista Louco e Malvado que pretende dominar o mundo é uma personagem, nascida no mundo da Banda Desenhada, replicada em alguma fitas cinematográficas menores por argumentistas pouco argutos e aparece, episodicamente, na literatura secundária, com vida curta e pouco relevo, em romances de cordel. Mas é uma figura ficcional. Pura e exclusivamente. Não existe! Não quero dizer que não haja loucos, malvados e que queiram dominar o mundo. Há, sem dúvida. Mas não são cientistas. Porque essa putativa existência é uma impossibilidade! A Ciência é uma atividade desenvolvida e executada por mulheres e homens que tendo virtudes e defeitos, como todos os seres humanos, têm em comum pelo menos dois aspetos que são condições essenciais e não dispensáveis para que o que fazem e em que trabalham seja Ciência: o amor incondicional à verdade e um respeito absoluto e inquestionável pelos seus pares. Ora, quem quer que queira dominar o mundo, sendo louco e, sobretudo, malvado, não pode cumprir nenhuma dessas condições. Então, o resultado do trabalho dos cientistas, é, por natureza bom e dele resulta sempre benefício para a humanidade? Não! A forma como se chega às grandes descobertas é boa (tem de ser porque para ser reconhecida e validada), mas tal não impede, não invalida nem tão pouco induz sequer a que não possa, ser usada de forma diferente e diversa do espírito que esteve na sua origem. O que mais motiva o investigador é a descoberta, é o conhecimento, é o aproximar, tanto quanto possível, da verdadeira essência das coisas e dos fenómenos. E isso, em si, sem mais nada, só pode ser bom... mesmo que depois lhe possa ser dada uma má utilização. A descoberta da fissão nuclear foi notável. Usada posteriormente para o fabrico de bombas atómicas, é certo, mas também para a produção de energia alternativa à queima dos hidrocarbonetos e, quiçá, poderá propulsionar foguetões proporcionando aos homens descobertas cósmicas assinaláveis e impensáveis. A dinamite, inventada por Alfred Nobel, cujos prémios são os mais disputados do mundo atual, tanto serve para remover obstáculos em obras assinaláveis, como para usar em atentados à vida e bens de cidadãos inocentes… ou não. O plástico sintético foi, não haja dúvidas, uma das invenções mais importantes e marcantes do século passado, indutor de um salto enorme na economia, no bem estar e no desenvolvimento da humanidade. Mas foi também o início de uma onda de poluição que toma, atualmente, proporções assustadoras, contribuindo para as terríveis e temidas alterações climáticas, cujos efeitos nefastos estamos todos já a sentir na pele, com o aumento da frequência de fenómenos extremos, inundações, incêndios, calor excessivo e degradação, a raiar a irreversibilidade, dos solos e, sobretudo, dos mares. Ora bem, surgiu recentemente um projeto, Space Bubbles, que pretende colocar no espaço, entre a Terra e o Sol, num ponto Lagrange (L1), uma bolha gigante com a função de desviar do nosso planeta, pelo menos, 1,8% da radiação solar, suficiente para travar os atuais efeitos do aquecimento global. O mesmo plástico que nos arrasta para a emergência climática, em que vivemos, pode ser o caminho para a sua moderação. Ao cientista cabe a descoberta. À humanidade dar-lhe o melhor uso!

O ARMÁRIO DE BORODYANCA E AS SAPATILHAS VERDES

«Como vais?» É um cumprimento vulgar e natural o qual tem, na esmagadora maioria dos casos, uma de duas respostas: «Mais ou menos» ou «Cá vou andando». Será, imagino eu, identicamente, por esse mundo fora, mutatis mutandis. Terá sido assim, mais ou menos, que os naturais e residentes da Ucrânia se cumprimentavam até há pouco tempo. Ultimamente, porém, surgiu uma nova forma de responder à sudação «Como estás?» «Para já, estou bem. Vou-me aguentando, como o armário de Borodyanca!» Nesta altura e nesta fase do horrendo conflito que assola o oriente europeu, em que edifícios, bairros e zonas residenciais voltam a ser o alvo preferencial dos mortíferos mísseis russos, ganhou forma, fama e notoriedade, que persiste, uma imagem de um edifício habitacional de Borodyanca atingido, no início da guerra, totalmente esventrado pelas bombas do exército ocupante. Tal como em todos os outros, a destruição era total, porém, neste, uma fotografia, largamente divulgada e partilhada, mostrava uma parede que ficara incólume. Encostado a esse inesperado e imprevisto refúgio, um armário resistira, perfeito e sem qualquer arranhão. No meio da enorme destruição, de milhares de mortos e feridos, para trás dos milhões que abandonaram os seus lares, a sua cidade, a sua região, o seu país, há ainda milhares e milhares de ucranianos que resistem, com a aparência do agora célebre armário... porém com enorme e inevitável destruição interna. O horror, é sempre abominável para as suas vítimas. É verdade que um genocídio em massa causa um maior impacto na opinião pública e tem uma maior divulgação e persistência do que os crimes isolados mesmo os mais macabros e inumanos. Porém, para os pais e familiares, a perda de um filho causa o mesmo sofrimento independentemente de o seu desaparecimento acontecer de forma isolada ou integrada em ações mais alargadas. A forma e as circunstâncias que antecederam e que presidiram ao trágico acontecimento, sim, podem ser fatores que agravam a já incalculável intensidade da dor. No meio das dramáticas notícias da guerra russo-ucraniana, em maio deste ano, surgiu uma notícia, igualmente deplorável, do outro extremo do planeta. Em Uvalde, no Texas, um jovem armado entrou numa escola e abateu fria a sadicamente dois adultos e dezanove crianças. Qualquer bala, por mais minúscula, seria mais do que suficiente para ceifar aquelas vidas. Porém o autor da carnificina usou munições, de tal forma potentes e desproporcionadas que os corpos das suas vítima ficaram desfigurados, na zona de impacto. Maitê Yulena Rodriguez foi atingida na cabeça. Os pais reconheceram e identificaram o seu corpo pelas sapatilhas verdes que usava e nas quais desenhara, no que se converteu em macabro sinal identitário, um coração azul, na borracha da biqueira, sobre o dedo maior do pé direito. A fé na Democracia baseia-se na crença de que, apesar dos entorses e desvios que a ação governativa possa sofrer, genericamente, o exercício do poder há de refletir o pensar e o querer da maioria da população. Mas é difícil acreditar que um povo possa, em nome da defesa de hipotéticos e ainda inexistentes sonhos e planos de vida, retroceder, civilizacionalmente, mais de cinquenta anos e não seja capaz de dar um passo, por bem pequeno que seja, em direção ao futuro e à civilização, para proteger vidas concretas, sonhos reais, famílias constituídas.

VENTOS DO ORIENTE (DO EXÉRCITO DE TERRACOTA AO DEALBAR DA A.I.)

No final do século III antes de Cristo o primeiro imperador da China Qin Shi Huang mandou construir, em terracota, um autêntico exército composto por perto de dez mil soldados, mais de uma centena de carros de combate e meio milhar de cavalos. Ficaram enterrados, durante dois milénios, com a única função de “guardar” o túmulo do soberano de “possíveis” inimigos que, depois de morto, quisessem vigar-se das derrotas infligidas em vida. Não está feita, ainda, a contabilidade do gigantesco esforço humano, a desmesurada conta de horas de trabalho manual, a quantidade incomensurável de meios e recursos mobilizados para satisfazer o desejo de eternidade de quem, durante a sua existência, conquistou tudo quanto se propôs conquistar e venceu tantos quantos se lhe opuseram. A vontade do governante, teve início por sua iniciativa direta e prevaleceu muito depois do seu falecimento. Dois milénios depois, o novo senhor do Império do Meio veio empreender, trabalho ciclópico, mas de componentes, objetivos e mobilização humana de sentido completamente diversos do seu ancestral predecessor. A menos de mil quilómetros de Xian, na província de Shaanxi, onde foi erguido o mausoléu de Qin Shi Huang, está a ser construída a barragem Yangqu, no sopé do Tibete, sob o leito do rio Amarelo e que ficará concluída já em 2024. Para além da partilha da mesma nacionalidade, tudo o resto separa estas duas marcantes obras. Esta última não se destina a guardar o cadáver de nenhuma personalidade relevante, pelo contrário, irá fornecer água, fonte de vida, a uma população genérica e comum, de mais de cem milhões de habitantes. Se todos os guerreiros integrantes dos batalhões de barro cozido foram personalizados, individualmente, não havendo dois iguais, os módulos que vão ser sobrepostos para construir o paredão de 180 metros de altura de suporte à albufeira, serão totalmente padronizados, pela razão que a seguir se explicita. E essa é a maior diferença entre os empreendimentos em questão. Os engenheiros da Universidade de Tsinghua propõem-se levar a cabo o empreendimento hidroelétrico de forma totalmente automatizada, sem recurso a qualquer intervenção humana direta. Toda a atividade das escavadoras, camiões, tratores e demais equipamentos serão comandados e manobrados centralmente por competentes e poderosos computadores correndo algoritmos adequados de Inteligência Artificial. O muro que irá represar as águas crescerá por camadas colocadas por uma super-estrutura, em tudo semelhante a uma impressora 3D. É o futuro que, ainda há pouco assomava a ocidente, no continente americano mas que surge, pujante, na Ásia, onde o sol nasce. Nesta área que, inevitavelmente, marcará e condicionará o futuro próximo, Portugal tem já o seu lugar nas carruagens da frente do comboio do progresso. Dois investigadores de renome mundial, Joe Paton e Zachary Mainen organizaram, na zona ribeirinha do Tejo, um evento a que assistiu o Presidente da República e que irá marcar esta atividade nos próximos tempos. Pelas antigas instalações da Docapesca, a convite dos dois cientistas do Centro de Investigação da Champalimaud (que, recentemente apareceu, com inteira justiça, incluída no grupo dos dez centros mais importantes, a nível mundial, em Inteligência Artificial) passaram vários e importantes investidores internacionais em novas e imergentes tecnologias.