NÃO MATARÁS!
São várias as imagens que nos ocorrem, ao falar de Itália. Aparte as pessoais, que não interessam para o assunto, Itália remete para a arte renascentista, o legado imperial, o cinema de autor, as belíssimas actrizes, os fabulosos lagos do norte e, claro, o cálcio. Mas também para a política agitada, fremente e instável, a governação efémera, mas agitada e frequentemente violenta, as jogadas de bastidores, a corrupção, o poder do Vaticano em convívio com a Fé e com a Esperança, a luta pelo progresso do sul e a contínua procura de maior enriquecimento a norte, os seus agentes ativos e passivos, enfim gente muito simples e gente muito poderosa, a procura do bem comum e a prossecução de interesses egoístas e nem sempre legítimos. A bela, piedosa e culta Itália de Florença, dos Lagos e do Vaticano é a mesma da Política, da Máfia, das Brigadas Vermelhas e dos Escândalos Financeiros. É desta última que nos fala Teresa Martins Marques no seu recente livro “Não Matarás – romance de um crime”! Mas não só. O relato minucioso, documentado, criteriosamente detalhado dos cinquenta e cinco dias que abalaram Itália e o Mundo no ano de 1978, vai mais longe mer- gulhando o leitor uma profundidade notável. Revela a Itália escondida, quase invisível, miserável, ao nível económico, mas também cívico e moral, disseca sentimentos nobres e canalhas, expõe verdades e mentiras, aponta pistas e questiona dúvidas. Sendo um romance de um crime não é, tal como vulgarmente se apreende, um romance policial. Aqui não há dúvidas de quem são os autores materiais nem qual a vítima concreta de tão horrenda conspiração. A forma como a autora prende o leitor não passa pela curiosidade do desfecho, amplamente conhecido, mas pelo enredo em si, pelo entretecer das linhas com que foi sendo cerzido o maior crime político da história moderna italiana. Depois de escalpelizar as motivações mesquinhas e altamente egoístas de grande parte dos atores, Teresa Martins Marques brinda o leitor com um final onde traz para o conhecimento público vários personagens, indubitavelmente bons e generosos, decalcados de pessoas reais e contemporâneas. É a forma de, justa e generosamente, os homenagear. Não Matarás, é um livro fundamental e imperdível para tutti quanti se interessarem por conhecer a forma como é possível, quando há boa fé e genuíno espírito generoso de serviço público, unir esforços para melhorar a vida de uma comunidade, mesmo que, ideologicamente haja um mar de diferenças entre os protagonistas. Mas é também um alerta para as enormes ciladas e dificuldades, tantas vezes inul- trapassáveis, para atingir tais fins porque, paradoxalmente, o bem de todos não rima com o bem de alguns, se poderosos, egoístas e de mau carácter. É, para finalizar, um livro para ler devagar. E, principalmente, fazer uma pausa longa e reflexiva, na página 180 onde a Teresa transcreve o melhor dos pensamentos do antigo primeiro-ministro Aldo Moro: “Datemi da una parte milioni di voti e togliete-mi dall’altra parte un attomo di Verita, ed io saro communque perdente” (Dai-me por um lado mi- lhões de votos e tirai-me, por outro lado, um átomo de verdade e eu ficarei per- dendo) e que deveria fazer reflectir todos os eleitos desta nossa terra. Não duvido que a autora partilha deste superlativo valor da verdade.