Em tempos idos e durante largos anos, as principais quintas da Vilariça (e de outros locais, suponho) eram administradas, em nome dos seus proprietários, por feitores que tinham, invariavelmente, largos poderes de gestão. Tão alargados e efetivos que, à vista de muitos dos seus trabalhadores, clientes e fornecedores eram, facilmente, confundidos com os seus verdadeiros donos. No que havia de gestão corrente, tudo decidiam, tudo faziam, tudo assumiam. E, obviamente, dessa alargada delegação de poderes, davam conta, periodicamente aos senhores que lhe haviam confiado a condução dos destinos da propriedade. Porém, por mais vastos que fossem os poderes em que eram investidos havia uma linha clara que a nenhum era permitido ultrapassar: a alienação do património familiar, fosse material ou intangível, fossem terrenos e casas ou marcas e direitos, sem a devida autorização e necessária delegação formal de poderes, para tal. Façam-se as devidas ressalvas, mudem-se os pormenores e as circunstâncias, adotem- -se as necessárias adaptações e temos aqui plasmado o modelo de governação das autarquias locais da nossa terra. Igualmente estão consagrados ao Presidente da Câmara muitas competências, tantas que muitas vezes são vistos como se fossem donos da edilidade, sendo, com grande frequência, o próprio a tomar e assumir atitudes condicentes com essa pretensa realidade. Não vem ao caso o que eu possa pensar sobre afirmações de abusiva apropriação dos haveres da fazenda pública nem da desadequação dos que, falando em nome do coletivo camarário usa os verbos na primeira pessoa: “eu dei, eu paguei, eu construi, eu candidatei...” Não é de grande monta pois o tempo há de trazer ao devido lugar tudo quanto o entendimento provisório distorceu pois, ao contrário da maioria dos feitores, o lugar de edil não é vitalício. Porém se a vontade do autarca passar pela alienação, troca ou alteração de forma irreversível do património comum, mandam as boas práticas de gestão (seria bom que todos as conhecessem) que tais atos sejam sujeitos a escrutínio geral de todos os donos, cada um dos munícipes. O ideal seria, obviamente, submeter qualquer pretensão deste tipo a referendo popular universal. Não quis ir tão longe o legislador mas, mesmo assim, deixou claro, na Lei que regula o funcionamento das Autarquias Locais, nomeadamente na alínea i) do número 1, do artigo 25.º da Lei 75/2013 de 12 de setembro que é necessária a aprovação da Assembleia Municipal para a oneração e alienação de património material de elevado valor e do património imaterial, independentemente do valor. Quando, recentemente, tive conhecimento da troca de pergaminhos e outros documentos históricos de grande valor entre os municípios de Vila Flor e Torre de Moncorvo, estranhei que o episódio tivesse vindo a público sem a conveniente discussão pública e análise popular. Seria possível que um ato deste tamanho, com esta implicação pudesse ter sido programado e combinado “apenas” entre os presidentes de Câmara e, eventualmente, os seus colaboradores mais próximos? Não era razoável. Não era crível. Não podia ser possível! Porém, os documentos oficiais publicados na internet, nada diziam de concreto sobre o tema. Recorrendo a pessoas que me merecem total confiança, fui informado que este não foi um assunto discutido na Assembleia Municipal de Torre de Moncorvo e, na de Vila Flor, nem a reunião de Câmara foi presente! Não me interessa saber quem ganhou ou perdeu com a tão propalada troca. O que é importante e necessário esclarecer é: quem investiu os edis respetivos de poderes para disporem, livremente, de algo que não lhes pertence?