José Mário Leite

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SETE!

Este ano as vagas nos cursos de Medicina vão aumentar. Vai haver mais SETE! Se não fosse dramático, seria anedótico! Mais sete? A sério, senhora Ministra? Elvira Fortunato justifica a “frugalidade” com dois argumentos: o custo e a qualidade! Formar um médico é caro, sem dúvida mas a situação catastrófica do SNS é ainda mais, quer seja contabilizada pelo sofrimento indevido e adiado, pela deterioração da força de trabalho e até pelo custo adicional das horas extraordinárias (mais caras e menos eficiência por razões óbvias) bem como pelas verbas sistematicamente requeridas para as contratações em regime de prestação de serviços de empresas e médicos estrangeiros. O risco de diminuição de qualidade prende-se, paradoxalmente, pela “escassez” de enfermarias na proximidade das Faculdades de Medicina. Obviamente que as aulas práticas, em ambiente real, são importantíssimas mas esta constatação só vem evidenciar o óbvio: as novas vagas, necessárias e urgentes, devem ser abertas longe das atuais Escolas Médicas. Inexplicavelmente, a ministra do Ensino Superior veio dizer à RTP que é necessário avaliar se não haverá médicos mais do que suficientes e, como tal, advogou a constituição de uma comissão para analisar a situação. Oh senhora Professora Elvira, não quero crer que o desiderato advogado seja apenas a tristemente célebre maneira de adiar para as calendas um qualquer problema de difícil ou trabalhosa solução. A escassez de profissionais de saúde é uma realidade que resulta da circunstância de se estarem a reformar milhares de médicos em número substancialmente superior ao dos licenciados que, nos mesmos anos, vão sair das Faculdades Médicas. De tal forma previsível que vem sendo alertada por vários responsáveis, como recentemente avisou o especialista em gestão de saúde e antigo ministro da pasta, António Correia de Campos. Mas, mesmo que a investigadora da Universidade Nova, por estranho e inverosímil acaso, desconhecesse tais avisos à navegação, bastar-lhe-ia meter-se no carro e percorrer as várias urgências das regiões metropolitanas ou, melhor ainda, as Unidades de Saúde do interior. E, neste último caso, teria, como bónus, a evidenciação de que os Cursos de Medicina terão, por estas bandas, enfermarias suficientes e aptas a receber dezenas de estudantes clínicos. Portanto, senhora Ministra, a solução passa pela criação de novos Cursos, mas não nos locais do costume, antes, nas Unidades de Ensino de qualidade que também as há, longe do litoral, como é o caso mais do que provado do Instituto Politécnico de Bragança ou a Bragança Polytechnic University, como passou a denominar-se. E que, tal como as restantes instituições de ensino superior, passou a poder lecionar e atribuir doutoramentos o que, nos tempos que correm, já não é bizarria nenhuma, antes uma necessidade do ensino avançado de qualidade e, no caso concreto, a resposta aos avanços do conhecimento científico em biomedicina. O que desespera é a morosidade na tomada de decisão que agrava o problema e dramatiza o futuro. A formação de um médico leva seis anos até à conclusão da licenciatura e mais quatro a seis, de formação avançada. A formação de uma Escola de Medicina, “tradicional” demorará perto de uma dezena de anos a estabelecer dentro dos parâmetros aceitáveis e necessários. Tempo demasiado para ser útil na resolução da emergência que nos assola. Há que encontrar outras vias e outras soluções que seja capaz de “produzir” profissionais competentes e de qualidade em menor tempo. O IPB, ou seja a BPU, está a programar, para o final de maio, uma conferência onde estes assuntos serão abordados e onde se espera surjam boas soluções.

CRIME É CRIME- DEMOCRACIA É DEMOCRACIA

1. Crime e Castigo

Um crime é julgado como tal e tem a gravidade adequada, por si mesmo e não por quem o promove ou pratica. O Tribunal Penal Internacional condenou a deportação forçada de crianças ucranianas para a Federação Russa e acusou Vladimir Putin e Maria Lvova-Belova, contra quem emitiu um mandado de captura para os levar a julgamento. O facto de o primeiro ser o chefe de Estado eleito não pode, de forma nenhuma, servir de atenuante, muito menos álibi para tão horrível, desumana e condenável atuação. Uma investigação independente da ONU veio denunciar a tortura e morte de soldados ucranianos prisioneiros das tropas russas, mas também, e em maior número, de soldados russos capturados pelas forças armadas da Ucrânia. Tais comportamentos são criminosos e os seus autores têm de ser julgados e condenados, independentemente da sua nacionalidade e da justeza da causa que defendem e pela qual lutam. A invasão ilegal de território nacional pelo poderoso e belicoso vizinho não confere às forças de Kiev qualquer imunidade para poderem exercer sobre os seus opositores qualquer ação fora das convenções internacionais e violadoras dos direitos humanos reconhecidos e aceites. Pela mesma razão é condenável por desprezível e hediondo o que aconteceu em Abu Ghraib, não esquecendo as criminosas atuações americanas em Guantânamo sem deixar de fora o apuramento das responsabilidades de George Bush e, porque não, do próprio Obama, no último caso.

2. Liberté, Egalité, Fraternité

As razões de Emannuel Macron para defender o aumento da idade da reforma, tendo em vista a sustentabilidade da Segurança Social, adaptando o início da “retraite” à realidade demográfica, podem ser boas e justificadas. Porém, o recurso ao artigo 49.3 da Constituição Francesa, invocado pela Primeira-Ministra gaulesa, Élisabeth Borne, para impor a alteração pretendida sem a fazer passar pelo democrático crivo do Parlamento, sendo legal é imoral. Está nos antípodas do lema que guiou os revolucionários que tomaram a Bastilha para derrubar o despotismo que governava o franceses e foi na sequência da famosa e transformadora Revolução Francesa que se cavaram os alicerces que permitiram a Macron chegar ao Eliseu e a Élisabeth ser empossada para a chefia do executivo. A justificação dada pela senhora Primeira-Ministra é, em termos democráticos, arrepiante. O recurso ao mecanismo constitucional foi invocado por não conseguir obter, no Parlamento, apoio suficiente para a aprovação do diploma. Ora bem, a necessidade de obter apoio maioritário para as decisões governamentais, mesmo aquelas que podem ser tomadas por Governos e Presidentes legal e justamente eleitos, é o princípio básico da Democracia. Quer se goste ou não. É aliás mais útil quando, precisamente, esse princípio colide com a vontade dos governantes. Mesmo que o propósito de Macron seja justo e necessário, se não conseguir atingi- -lo dentro do justo jogo democrático, pois bem, só lhe resta uma de duas soluções: abandonar a obstinação da concretização dos seus intentos... ou devolver a questão ao povo pois é do povo (que o contesta) que lhe vem o poder que tem e não o contrário!

UMA ROSA AMARELA

As exéquias fúnebres respeitaram a sua vontade, tanto quanto foi possível. “Quero uma cerimónia simples e sem grandes manifestações de pesar”. Era impossível conter a comoção e tristeza de quantos estiveram na igreja matriz de Vila Flor, para um último adeus e a simplicidade das cerimónias religiosas não ultrapassaram a necessária solenidade da presença dos seus pares presididos pelos bispo auxiliar e arcebispo de Braga, D. Delfim Gomes e D. José Cordeiro. “Quero cânticos alegres, na hora da minha partida”. Com a direção do pároco, Francisco Pimparel, o coro, que tantas vezes orientou, entoou dez cânticos, quatro deles musicados por si. “Não pretendo grandes arranjos florais. Coisa simples e do quotidiano”. À riqueza arquitetónica do templo, nada de faustoso foi acrescentado. Junto da urna, pousada diretamente no solo, coisas simples, do quotidiano, onde sobressaía uma cruz de madeira rústica com o rosto de Cristo pintado, em singela alegoria a uma vida dedicada ao serviço da Igreja e, sobretudo, a todos quantos procuraram conforto, auxílio, orientação ou apoio moral e religioso. “Se calhar é uma pretensão descabida, um capricho despropositado, mas gostava de levar, na mão, uma rosa amarela”. Não, não é. Podia ser uma açucena trazida da Ermida da Senhora do Castelo, a cuja proteção se entregou, há tantos anos, sobretudo nos períodos mais críticos das várias doenças que ao longo da vida o afligiram e atormentaram; podia ser uma flor silvestre colhida nas encostas do Santuário da Senhora da Assunção a quem foi consagrado no batismo e de quem colheu o nome; podia ser um ramo verde originário das redondezas da capela da Senhora dos Anúncios que o protegeu durante a meninice, nas suas caminhadas para a escola distante; ou uma rosa qualquer vinda da Vilariça, da Senhora da Rosa, em Sampaio, de onde se podia ver a Santa Cruz... uma rosa sim, mas especial, sobretudo na cor: amarela, como homenagem a todas elas (afinal “TODAS AS NOSSAS SENHORAS SÃO A MESMA MÃE DE DEUS”) na figura tutelar da sua mãe, Felicidade do Céu, que, de todas as flores, preferia as rosas amarelas. Uma rosa, também como tributo a Vila Flor, terra que o viu nascer e que calorosamente o acolheu e que, segundo ele, deverá juntar à Flor de Lis, as rosas que se abrigam no regaço da Rainha Santa, recordada em estátua na Praça da República e a que o padre Joaquim da Assunção Leite quis dar vida e cujo projeto há de ser continuado e levado a cabo, com o apoio da Câmara Municipal de acordo com o compromisso assumido pelo seu presidente.

DIREITO DE PROPRIEDADE!

A putativa nova líder do Bloco de Esquerda deve parte da sua notoriedade à sua atuação nas Comissões de Inquérito à resolução do BES onde, efetivamente se evidenciou destapando os pés de barro das figuras relevantes da Sociedade portuguesa de então, mas que, em boa verdade, daí não resultou nenhum acréscimo visível para o bem estar ou melhoria das condições de vida dos portugueses por muito que tal tenha sido reivindicado pelo seu partido como alvíssaras pelo seu papel na chamada geringonça. Ficou ainda conhecida, não por qualquer subsídio ou benefício fiscal, para a classe média ou para os menos desfavorecidos, mas pelo imposto Mortágua. Igualmente célebre foi a seu “sound bite”: “Temos de perder a vergonha de ir buscar a quem está a acumular dinheiro”. É bem provável que a anunciada salvadora da espiral eleitoral decrescente em que o Bloco entrou, tenha, relativamente à sua antecessora, a “qualidade” de dizer o que pensa, mesmo quando não pensa no que diz. Disso não haveria de vir mal ao mundo não fosse dar-se o caso de António Costa, que pediu e obteve uma maioria absoluta para se livrar da “chantagem” inaceitável dos partidos à sua esquerda, pretenda, quando em apuros nas sondagens e na popularidade, repescar princípios e políticas aprendidas no seu primeiro mandato com a força política que lhe abriu a porta de S. Bento com o beneplácito do outro parceiro de coligação. Decretar o arrendamento compulsivo, assenhorar- -se do direito de propriedade de “fogos devolutos” seja isso o que for só pode ter chegado ao Largo do Rato por “inspiração” serôdia e requentada, do partido de Ricardo Robles. Não passa pela cabeça de ninguém com moderado discernimento e justo entendimento, perder a vergonha de ir buscar imóveis devolutos a quem os tem, seja por que razão for, na maior parte deles, porque o mercado de “arrendamento controlado” retirou a muitos aforradores o rendimento cada vez mais magro e que a inflação não pára de delir sem que a lei das rendas permita minimamente compensar. Ou mesmo de quem, com sacrifício (ou sem ele) optou por comprar uma nova casa (seja porque se deslocou por razões de trabalho, porque emigrou ou qualquer outra razão de for pessoal) sem se desfazer da anterior e, em vez de a alugar, mantê-la como para lhe servir de retaguarda de conforto de um posterior reforma ou qualquer outro uso próprio que lhe quiser dar. É bom não esquecer que quem alugou casa para compor os magros rendimentos mensais, arrependeu-se, na maioria dos casos pois a lei das rendas não lhe garante retorno actualizado e a mais valia do imobiliário só é devidamente aproveitada se a casa estiver devoluta. Eu sei que dos lados da extrema esquerda hão de vir juras de amor para com os pequenos proprietários (desde que dos seus magros rendimentos retirem o suficiente para a manutenção dos fogos dos arrendatários, não sendo inédito que alguns destes tenham modos de vida mais abastados que aqueles) virando toda a sua fúria para os fundos de investimento imorais e desumanos que, esses sim, exploram e desalojam, desapiedadamente famílias carenciadas e todas as que lhe apareçam na rede em nome do “malfadado” lucro injusto e imoral. Os fundos não sendo ninguém em concreto podem ser muita gente, alguns com poucas alternativas para rentabilizar algumas economias, mas nem quero ir por aí. Basta-me a constatação de que tais atores de mercado não existiam no ramo habitacional há algumas dezenas de anos e o seu aparecimento, bem como o seu florescimento, muito devem à canibalização de centenas de pequenos proprietários fragilizados e empobrecidos pelas regras hiperprotetoras do mercado de habitação enunciadas, promovidas e defendidas pela mesma franja ideológica que vitupera e invetiva quem veio recolher e valorizar os despojos da terra-queimada praticada há meia centena de anos.

OS TRÊS “R” E OUTROS TRIOS 2 - OS TRÊS JOSÉS II – SILVANO E SÓCRATES

J osé Silvano tinha um conhecimento da região, muito mais real do que José Gama. Acrescia que, naquela altura, a sua dedicação a Mirandela era maior e mais genuína que a do seu predecessor. A resolução do problema ambiental representava efetivamente uma maior valia para a cidade, a cujos destinos se preparava para presidir, e não uma escada para qualquer outro lugar, no curto prazo. A primeira reunião da Associação de Municípios, pós-Gama, deixou tudo isso muito claro, para descanso de todos quantos receavam pelo que a convivência entre o novo autarca e o recente deputado tivesse, de alguma forma, influenciado, negativamente, o novo ocupante do Palácio dos Távoras. Este, percebera a importância do projeto, não só para a região mas, sobretudo para o desenvolvimento da zona leste da sede concelhia. José Silvano era muito mais acessível que o Gama e tinha, já, uma maior proximidade aos Presidentes de Junta, nomeadamente os eleitos pelo PSD, todos escolha sua. O seu trabalho a esse nível foi fulcral pois o incidente na Freixeda, com a primeira apresentação pública do projeto, não aconteceria se já fosse este o Presidente da Câmara. A demonstrá-lo o cuidado, talvez exagerado, da Junta de Freguesia de Frechas que, estou certo, instruída por Silvano, ao primeiro indício de possível risco para mim e para o eng.º Carlos Aguiar do IPB e representante da Quercus, chamou a GNR para nos proteger no final de uma sessão de esclarecimento no Cachão onde recebemos várias ameaças que, parecendo graves, não era, estou certo, para levar à letra. José Sócrates era Secretário de Estado do Ambiente, havia ainda pouco tempo, quando lhe solicitámos uma reunião. Deslocámo-nos a Lisboa, eu, o João Sampaio, que presidia à Associação e Artur Pimentel que o conhecia pessoalmente. Recebeu-nos no seu gabinete, na rua do Século, simpático, sobretudo por rever o Presidente da Câmara de Vila Flor, mas com uma indisfarçável irritação. Obviamente que estava empenhadíssimo em resolver os graves problemas ambientais que atormentavam o país, recebido no seio da União Europeia, também para resolver essa questão, porém não tinha meios para resolver tão grande e delicada tarefa. As CCR (como se chamavam na altura) tinham aprovado projetos e mais projetos, em todas as áreas gastando em rotundas e quejandos, os fundos destinados ao ambiente. “Meus senhores, assim, é impossível!”. “Senhor Secretário de Estado, nós, na Terra Quente, reservámos na fatia que nos coube no Pronorte, uma verba considerável para financiar o encerramento das quatro lixeiras e a construção de um aterro sanitário!” Não foi fácil convencê-lo. Pediu-nos para confirmar, com tal insistência que eu receei estar a dizer algo que não fosse totalmente verdade, mas quer o João Sampaio, quer o Artur Pimentel, confirmaram pois assim o haviam verificado na última reunião do GAT que coordenava, localmente, a distribuição dos fundos europeus destinados às diferentes regiões. Tudo mudou, num ápice! A Terra Quente passou a ter, na Secretaria de Estado, um poderoso e empenhado aliado. Aos fundos existentes foram acrescentados mais alguns, para ir mais além do projeto inicial, nomeadamente na separação e reciclagem com o apoio enorme e decisivo do recém-criado Instituto dos Resíduos.

OS TRÊS “R” E OUTROS TRIOS 2 - OS TRÊS JOSÉS I - O GAMA

José Gama costumava dizer que o seu sucesso político se devia à sua arte e engenho de pegar num fósforo aceso e fazê-lo brilhar como um canhão. Desconte-se o exagero característico dos políticos e a trajetória do autarca nordestino justificava tal aforismo. Naquele tempo, no distrito de Bragança, ninguém dominava a arte da comunicação como ele. Sabia construir uma história, facilmente entendível pelo público alvo, acrescentava-lhe um bordão já devidamente estudado e testado e repetia-a até à exaustão. “Há verdades que existem e têm de ser respeitadas, há outras que se constroem e é preciso revelá-las”. Aos que lhe criticavam as “novidades” costumava rotulá-los como sendo do tempo do carro de bois em contraponto consigo próprio que se autointitulava de ser da era do TGV. E tudo lhe corria bem. Porém, é sabido, não há regra sem exceção! E o ambiente, nessa altura, sobretudo o tratamento dos resíduos sólidos não podia ser tratado como a construção de uma rotunda. Por alguma razão, até aquela data, em Bragança, não havia concelho que não tivesse rotundas, pavilhões, piscinas e terminais de camionagem... mas não havia nenhum aterro sanitário, nem tão-pouco a definição concreta da sua localização, a primeira e mais difícil de todas as etapas necessárias. Obviamente que a sua concretização, apesar de não haver ainda uma consciência ambiental parecida com a de hoje, seria um feito assinalável que caía como mel na sopa, ao autarca mirandelense, numa altura em que sonhava já com novos voos. Porém, a morosidade do processo não se compaginava com o “timing” das suas ambições. O verdadeiro feito seria a inauguração do equipamento, mas como não tinha tempo para esperar resolveu, imprudentemente, fazer da escolha do local de implantação, um “acontecimento mediático nacional” e resolveu convidar a televisão para o terreno para, em direto (outro erro crasso!) fazer o anúncio do arranque da obra. Para piorar, soube-se depois, tinha telefonado ao Primeiro Ministro de então, chamando- -lhe a atenção para a reportagem da recém-inaugurada delegação da RTP de Bragança. Uma pequena, mas aguerrida e ruidosa manifestação destruiu o efeito pretendido. Gama sentiu-se humilhado e ficou furioso. Obviamente que a culpa, não podendo ser sua, caiu-me em cima, apesar de ter ignorado os avisos que lhe fiz, no próprio dia sobre o risco elevado da sessão por causa do que então já se sabia. O projeto ficou ferido de morte e podia ter terminado ali! Tal como sabia fazer brilhar como um canhão, um simples fósforo, José Gama sabia bem que havia fogos cujo brilho, por ser prejudicial para a sua imagem, era melhor escondê-los, colocá-los debaixo de um alqueire por antítese ao que é recomendado pelo Evangelho (São Mateus 5:13) que Gama bem conhecia. A missão da Associação de Municípios, estava em risco, apesar de, entretanto, ter lançado o projeto MATER de modernização administrativa e informática das Câmaras associadas. Nesse tempo eu ainda presidia à Comissão Política do PSD de Moncorvo e, nessa qualidade, na disputada e “dramática” reunião distrital para indicação dos candidatos, propus e defendi, aguerridamente, o nome de José Gama para liderar a lista distrital para a Assembleia da República. Mais por causa do nome em si, do que da minha intervenção, a proposta foi aprovada por unanimidade. Em boa hora. As eleições de 1995 haveriam de trazer, para o palco ambiental do nordeste e que seriam decisivos na retoma da iniciativa que seria concluída, com sucesso, em 1997, dois outros Josés, de que falaremos na próxima crónica, a saber José Silvano e José Sócrates.

OS TRÊS “R” E OUTROS TRIOS 1 – TRÊS “M”

Recentemente fui convidado a elaborar uma comunicação sobre o processo de valorização ambiental da Terra Quente, a propósito da passagem de 25 anos da inauguração do Aterro Sanitário que aconteceu em setembro de 1997. De- veria ser apresentada numa sessão a realizar para celebração da data do evento.
Por razões que desconheço, na totalidade, tal celebração não se realizou.

Arredado há muitos anos da gestão dos resíduos, no nordeste, a minha interven- ção, para não me envergo- nhar, teria de ter um pendor histórico. E, assim sendo, para começar do início, teria de re- montar a 1993, altura em que me iniciei nessa atividade. Verifiquei que se cumprem agora, em 2023, três décadas e que foi nessa altura que sur- giu com particular importân- cia para o projeto que abraçava a política dos três “R” – Reduzir, Reutilizar e Reci- clar. De repente vi que havia, nesse processo, vários grupos de três palavras-chave com as mesmas iniciais. Pareceu-me ser de interesse, passados que são trinta anos, revisitar esses tempos, trazer para a luz do dia, episódios desconhecidos e revelar situações menos conhecidas e até, porque não, desfazer alguns equívocos e mitos criados à volta de uma instalação que, sabendo-se importante, à data, não se adivinhava a relevância que viria a assumir por ter sido o único aterro concluído, no distrito de Bragança, dos três então anunciados.

O primeiro trio é de palavras começadas por “M”: Mirandela, Moncorvo e Macedo.
José Gama, o autarca modelo de então, ganha- ra, surpreendentemente, o município mirandelense e propunha-se fazer da “prin- cesa do Tua” um jardim. Ob- tivera financiamento europeu para a ponte-açude, revolucionara a zona entre pontes com a construção do Parque do Império e a urbanização da antiga zona da feira, junto à Senhora do Amparo, cons- truíra o Parque de Campis- mo da Maravilha e iniciara a revitalização do espaço que, futuramente, haveria de ter o seu nome. Nas rotundas e ou- tros espaços públicos trans- plantara oliveiras e mandara plantar rosas. Alindara a cida- de, em toda a zona ocidental,
porém... a nascente, uma li- xeira a céu aberto, era o pior dos cartões de visita de quem chegava vindo de Vila-Flor ou Alfândega, impedia o cresci- mento para leste e empesta- va toda a zona da Reginorde,
sempre, mas muito especial- mente nos dias em que o ca- racterístico “capacete” de ne- voeiro aprisionava os fumos e cheiros libertados, cons- tantemente, pela combustão dos resíduos ali depositados. A minha entrada para a Asso- ciação de Municípios da Terra Quente Transmontana a que o edil mirandelense presidia, tinha como desafio primeiro, libertar Mirandela (e a região) deste cancro ambiental.Em Moncorvo, Aires Ferreira que disputava, a Gama, o título de melhor autarca re- gional, estava no final do seu segundo mandato e depara- va-se com um problema idên- tico que sendo, embora, de impacto inferior causticava os moncorvenses que subiam para a Terra do Ferro, vindos do IP2 junto do cruzamento da Foz do Sabor ou quando o vento empurrava fumos e cheiros para o centro da vila. Associar Moncorvo, onde eu, nesse ano, concorria contra o autarca pela disputa da Câ- mara, era um objetivo políti- co, mais do que técnico. Por óbvia razão política, foi rejei- tada a minha proposta. Apesar da mancha ambiental no centro da REN, na serra de Bornes, a lixeira de Mace- do não tinha os incómodos das duas anteriores. Contudo o aspirante Luís Vaz fez da inclusão do município ma- cedense, na Associação, para resolver, precisamente, os problemas de recolha e trata- mento de resíduos, o mote da sua campanha eleitoral que o haveria de levar ao poder, em dezembro desse ano de 1993.

PAF

PAF não é, aqui, o acrónimo da Coligação Política (PSD/ CDS) que em 2015, tendo ganho as eleições legislativas, acabou na oposição por causa do acordo que ficou conhecido como A Geringonça. Não é esse o objetivo deste texto, pese embora o ineditismo do sucedido. PAF, neste caso, refere-se a Pedro Álvares de Freitas, um ilustre transmontano, seiscentista, originário de Vilar de Nantes e abade em Torre de Moncorvo. Ernesto José Rodrigues escreveu no Jornal Nordeste (“Por um diálogo inter-religioso segundo a Formosa Pelicana), advogava a atribuição do nome de D. Luís de Portugal a uma das ruas da vila de Torre de Moncorvo. Subscrevendo a proposta deste velho e fiel amigo, acrescento a adequação de incluir na toponímia moncorvense o ilustre prelado que após um doutoramento em Salamanca veio para a Terra do Ferro, antes de seguir para Tomar, empossado como prelado, tendo sido igualmente Reitor de S. Nicolau, em Lisboa e desembargador do rei, desde 1595. Faleceu em 1599 tendo sido sepultado na cidade dos Templários, no Convento de Cristo, em notável e rico túmulo onde, a par com as suas armas, gravadas numa das faces da pirâmide que encima o seu caixão, tem o seguinte epitáfio: “Sepulcho de Pedro Alvares de Freytas Prelado q foi nesta v.ª de thomar deixou três missas cada semana com responso nesta sepultura para sempre...” As poucas referências encontradas sobre este enigmático personagem, apontam para um homem poderoso, no seu tempo. Em Tomar sucedeu a Pedro Lourenço de Távora, no ano de 1580, pouco depois da morte do Cardeal D. Henrique. Tendo tomado o partido de D. António I, ganhou, obviamente, o desagrado do soberano Filipe, Segundo de Espanha e Primeiro de Portugal. Porém, tal como o pretendente ao trono, filho da moncorvense Violante Gomes (A Fermosa Pelicana), afrontou, sem receio, o todo- -poderoso monarca. Filipe II, agastado com a defesa pública das aspirações do Prior do Crato quis livrar-se do prelado e, no mínimo, afastar a sua afrontosa influência. Incapaz de o depor do lugar que ocupava, nomeou para o seu lugar o Dr. João de Resende, cónego da Sé de Leiria, tendo promovido a elevação a bispo de Cabo Verde ou S. Tomé do rebelde transmontano. Porém, Pedro Álvares de Freitas não aceitou a promoção nem permitiu a substituição decidindo manter- -se no lugar que ocupava. A essa altura já era inquisidor do Santo Ofício tendo, nessa qualidade tomado, juntamente com Manuel Álvares Tavares e Heitor Furtado de Mendonça, a decisão, rara e corajosa, à época, de inocentar Aires Fernandes, o Dinga Dinga, levantando o sequestro que a Inquisição fizera da sua fazenda. Nas suas armas estão incluídos os motivos das dos Camões pois este personagem foi primo de Luís Vaz de Camões por ser filho de Álvaro Anes de Freitas e de Mécia Vaz de Camões, irmã do pai do grande poeta português. É razoável pensar que este influente religioso tenha exercido a influência suficiente para poupar o épico poema à sanha censória do Santo Ofício pois apesar de algumas exclusões, Os Lusíadas foram preservados no essencial, fenómeno tão estranho para quantos estudaram a época que deu origem à teoria, já abandonada, conhecida por “lenda dourada” defendendo que Frei Bartolomeu Ferreira (primeiro censor de Os Lusíadas) seria um censor benévolo, de grande tolerância, erudição e apurado gosto literário o que, analisando, outras atuações do clérigo inquisidor, não corresponde minimamente à verdade.

As Costas dos Costas

É nas costas dos outros que vemos as nossas, diz, sabiamente, o nosso povo e vem mesmo a calhar a propósito das polémicas à volta dos Costas da lusa classe política. Começara, esta semana, com a tão insistente, quão descabida e injustificável “exigência” de demissão de António Costa (o Silva) e acabou na controvérsia entre Carlos Costa (o ex-Governador) e António Costa (o Primeiro Ministro). Diz o antigo responsável do Banco de Portugal que o governante o terá condicionado, através de telefonema, curto e agreste, sobre a avaliação da idoneidade de Isabel dos Santos para poder estar ou não, na administração do Banco BIC. E foi o que se viu. Irritação do político, com ameaça de recurso aos tribunais, testemunhos de um lado e de outro, com curiosos cruzamentos políticos e pouco inocentes “confusões” entre BIC e BPI, indignações da oposição, e repulsa da maioria, precisamente, com a indignação oposicionista. Tudo muito teatral! Mas, mesmo no teatro, por mais ficcionado que seja o argumento há e haverá sempre bons e maus atores, melhores e piores personagens. Vejamos o caso em apreço. Terá Costa (o António) telefonado a Costa (o Carlos) recomendando-lhe que não destratasse a filha de um presidente de um país amigo? É bem provável que sim. E então? Por acaso está já esquecido o tempo em que a “princesa” africana passeava o seu charme pela Avenida da Liberdade e despejava dólares, aos milhões, pelo capital social das principais empresas portuguesas? Tratou o PS, com cuidado e deferência, a elite angolana, sobretudo a família Santos? Claro que sim. E o PSD não? Por acaso os Sociais-democratas ou mesmo os Democratas-cristãos afrontaram os dirigentes de Luanda, nas suas opções “institucionais” ou, tão pouco, nos negócios assumidamente particulares? Quererá, porventura, Montenegro fazer-nos crer que se em vez de Costa, fosse ele o inquilino de S. Bento teria importunado, de forma séria e consequente, a senhora engenheira? Por outro lado, que interesse público pode haver na revelação de um putativo telefonema que ninguém, em boa verdade, pode reproduzir, ipsis verbis, em todas as suas palavras, interjeições e, muito menos, intensidade, bem como pretensa irritação? Porquê, agora e não na altura? Ao assistir a esta ópera bufa, a este triste espetáculo de lavagem de roupa suja e encardida há perguntas que não podem deixar de ser feitas. Que idoneidade tem quem, encarregado de julgar e decidir sobre a idoneidade alheia (e falhou, redondamente, pelo menos, no caso BES), não consegue ser suficientemente idóneo para manter em privado uma conversa privada tivesse ela o teor que tivesse, dado que a não reve- lou em tempo e útil? O Governador do Banco de Portugal é independente. Sendo-o, não pode sentir-se pressionado. Se não consegue resistir às pressões (e devem ser imensas, provenientes de poderosos agentes políticos e financeiros) então não tem condições para continuar no cargo. Mas se resiste, então as pressões são irrelevantes e não há razões para serem divulgadas, vários anos depois. O Primeiro-Ministro foi o único a “condicionar” Carlos Costa? Porque não foram reveladas todas as outras? Ou será que às outras resistiu (a ser assim, algumas decisões mereciam melhor explicação) e aquela não? Mas, se assim foi, denunciá-la, só seria útil se divulgada no seu tempo. Ou, pelo menos, pouco tempo depois, numa conhecida Comissão Parlamentar de Inquérito onde o então Governador apareceu... totalmente desprovido de memória. Que bom, para ele, que a amnésia foi temporária e reversível!

NÓMADAS

Nómada, segundo o dicionário, é quem não tem residência fixa, que muda frequentemente de lugar, vagamundo ou vagabun- do. Era um adjetivo com algo de depreciativo e digo era porque se ao epiteto for acrescentada a palavra “digital”, então o conceito ganha importância, valor e consideração. Os “nóma- das digitais” são a elite dos trabalhadores disputados por empresas, instituições, governos e regiões. Porque o futuro é digital é normal que as empresas do ramo disputem e invistam nos recursos humanos mais qualificados que, se estiverem algures, longe dos centros exorbitantemente dispendiosos onde têm as suas sedes ou os controladores dos “armazéns” de dados (também eles dispersos, redundantemente, pelo planeta), mais preciosos são, porque baixam os custos indiretos valorizando as soluções procuradas e comercializadas. Aparentemente, a atratividade destes novos hipsters confere estatuto, promove e valoriza o lugar onde se instalam, vivem e trabalham. Sendo nómadas não sei bem se devem ser classificados de imigrantes ou turistas, ou algo aí no meio. Porque, turistas vagabundos, era algo que, não se enjeitando, deveria ser evitado. O investimento devia ser orientado para o turismo de qualidade, segundo garantiam há poucas décadas atrás os especialistas na matéria. E, igualmente, havia, se bem me lembro, um desígnio nacional para atrair imigrantes de luxo, normalmente reformados, nórdicos, na sua maioria, a quem se concediam grandes benesses. Pareciam ser a chave para a valorização deste território ameno e pacífico tão carenciado dos dólares, coroas e outras moedas externas. E ainda se foi mais longe com os famosos e famigerados “Vistos Gold”. Tudo isto é verdade... no curto prazo. A liquidez, o prestígio e a atividade económica, no imediato, são vantajosas, sem dúvida. Mas, a longo prazo não. Porque a atratividade que é necessária para cativar esta gente passa pela implementação e manutenção de várias infraestruturas básicas e de qualidade (que, óbvia e naturalmente não dispensam) que são financiadas pelos impostos... dos que cá vivem. Para atrair os outros eram-lhes concedidas, várias isenções e generosos benefícios fiscais. Ninguém duvida do interesse em atrair turistas ricos e com elevado poder de compra. Não é assim com os imigrantes. Os que se precisam, sendo especializados ou não, devem integrar e reforçar o contingente de trabalho nacional, sobretudo pagando impostos e contribuindo para a sustentabilidade da Segurança Social, Venha quem crie emprego ou quem se instale, trabalhe e constitua família e tenha filhos, para inverter o declínio populacional Não é por acaso que, após a euforia das grandes remessas de capitais que chegaram com “investidores” estrangeiros, depois da inflação do imobiliário e da enorme quantidade de empresas que produzem tanto ou tão pouco que os seus gestores receberam os famosos 125.00€ concedidos pelo governo aos mais necessitados... venham agora os governantes dizer que é necessário reavaliar a medida... exatamente na altura em que as reformas não sobem por causa da sua sustentabilidade e o Serviço Nacional de Saúde... estoira por todos os lados!