Não é de agora. Desde há muito que o poder se empenha em influenciar, condicionar, se possível, controlar a imprensa a seu favor. É verdade que o poder desta já não é o que era no tempo anterior à existência das redes sociais, mas, mesmo assim, continua a desempenhar um papel de relevo na formação da opinião pública que pode fazer a diferença, de quatro em quatro anos, na altura dos sufrágios. Assim o demonstra a existência de assessores especializados, a promoção de conferências de imprensa, o cuidado em incluir os diretores dos jornais e respetivos repórteres nas listas de protocolo, os convites insistentes para que compareçam ou se façam representar nas iniciativas oficiais e até, em casos “desesperados” os pedidos (alguns, acompanhados de ameaças retaliatórias) para afastamento ou despedimento de jornalistas que, no entender do político, não dão o tratamento “adequado” às questões mais delicadas da atividade governativa. A situação financeira da imprensa, em geral e da regional, muito particularmente, já teve melhores dias e, sabendo disso, não raramente, os profissionais da escrita periódica sentem-se vulneráveis e receosos de serem vítimas do seu trabalho, quando o mesmo, servindo a verdade e a nobre missão de bem informar, desagrada aos detentores do poder de que, provisoriamente, estão empossados. O incómodo que a visão correta dos factos pode, eventualmente, causar é, ao contrário do que pode parecer, a sua maior arma e mais sólida âncora no desempenho profissional. Se o Presidente da Câmara pede a sua cabeça é porque lhe reconhece importância e relevo, portanto, receia-o. Ora, a maioria dos jornalistas ativos já viu mais do que um autarca à frente das respetivas edilidades, mostrando que a posição destes é mais efémera do que a daqueles. E se os segundos se sentem incomodados pelos primeiros, igualmente traduz não só a importância do desempenho adequado do chamado e requerido contra-poder, tão útil e necessário aos regimes democráticos. E tão apreciados pelos leitores, solidificando os pilares da existência dos órgãos de comunicação social. A par de jornalistas que não abdicam de emitir uma opinião que, devendo ser independente e rigorosa, não deixa de ser sua, há outros que, por facilitismo, intenção de agradar ao poder em exercício, ou qualquer outra razão, se limitam a dar forma de letra às informações recebidas dos gabinetes municipais, acrescentando-lhes o nome, para dar “credibilidade” e aumentar o impacto da referida “notícia”. Ora quando a nota de imprensa dos Paços do Concelho garante que a multidão concentrada na Praça do Município agitava bandeiras de uma só cor partidária e o jornalista publica tal “notícia”, sabendo que o grupo, muito inferior ao caracterizado, era heterogéneo ostentando igualmente cartazes de protesto, estando a delir o seu crédito, junto dos leitores, está, igualmente, a abrir na muralha informativa uma brecha por onde há de sair depois de ser despedido por passar a disponível. Qualquer uma das ferramentas da Inteligência Artificial (IA), facilmente redige uma notícia, de forma adequada e sem erros, com várias versões, para escolha a partir de um qualquer tema. Só a razão crítica poderá fazer a diferença entre uma imprensa laboratorial, inventada e fabricada em gabinetes e o jornalismo verdadeiro, humano e baseado na observação direta e com critério. A sofisticada IA será cada vez mais perfeita… mas nunca terá alma, como salientava, recentemente, o nosso capitão de Abril, Jorge Sales Golias.