José Mário Leite

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E esta, hein?

F oi notícia, na semana passada, a “preocupação” dos autarcas com a venda das barragens instaladas no Nordeste à Iberdrola. O Presidente da Associação Ibérica de Municípios Ribeirinhos do Douro (AIMRD), perante a possibilidade de mudarem de dono as barragens portuguesas situadas no Douro Internacional e as do Baixo Sabor e Foz Tua manifestou-se muito preocupado, sobretudo com a alienação das barragens de Miranda do Douro, Picote e Bemposta. Segundo Artur Nunes, estaria em causa a regulação do caudal do Douro e a economia local onde estes ativos assumem grande importância. Esta posição teria sido ratificada na Secção dos Municípios com Barragem, na Associação Nacional de Municípios. Muito estranha esta notícia. Cheguei a duvidar da sua data efetiva. Teria havido um lapso temporal e esta “novidade” era requentada de mais de dez anos? Porque se o fosse, talvez se pudesse encontrar aqui um louvável nacionalismo, mesmo assim, pouco ortodoxo, quando vindo diretamente da AIMRD. Mas, nos dias de hoje, seria oportuno perguntar ao Presidente da Câmara de Miranda que, subentende-se, fala também pelos seus colegas nordestinos, igualmente atingidos por esta “adversidade”, o que os leva a confiar mais nos chineses da EDP do que nos espanhóis da Iberdrola? Será que os restantes associados da AIMRD subscrevem as afirmações mirandesas? Seria estranhíssimo que assim fosse, pois dos quarenta e dois associados daquela agremiação, vinte e cinco são… espanhóis! Dir-se-á, em abono da verdade que a Iberdrola não é 100% espanhola. Claro que não. Mas, a fazer fé na informação pública, 43,73% da sua composição accionista é- -o. Na EDP, sabe-se, pelo que é público, que, pelo menos 54,66% não o é. Aceite-se que possa haver uma participação nacional idêntica em ambas. Contudo, na Iberdrola, não existe, como accionista de referência, nenhuma empresa pública de outro país! O que faz toda a diferença! As decisões estratégicas, para o bem e para o mal, seguirão as regras e conveniências do mercado e não os ditames de um politburo político com demasiado poder económico para ter de se preocupar com outros pormenores que não sejam a sua estratégia expansionista! Curiosíssima é ainda a referência à Secção dos Municípios com Barragem da Associação Nacional de Municípios. Esta não foge à regra geral (porque haveria de fugir?) das outras secções, que convido o leitor a visitar na página da internet da ANMP. São nove e com temas absolutamente cruciais para o desenvolvimento regional, como a atividade taurina! A maior parte das atas são secretas o que não deixa de ser curioso, numa corporação autárquica. Um pouco mais de transparência não lhes ficava mal. A menos que esse segredo seja para “proteger” a pouquíssima utilidade e ainda menor participação que aquelas que são públicas já revelam. Em concreto, a dos Municípios com Barragem integra oitenta e oito municípios e já realizou seis reuniões. De duas delas não há ata. Das outras quatro, duas atas são de acesso reservado!!! Das restantes, em que o senhores autarcas se deram ao incómodo de partilhar com os humildes cidadãos as suas elevadíssimas decisões, uma foi electiva e nela participaram apenas 26% dos membros (conceção bizarra da participação democrata!) A outra teve quórum ainda inferior (24%) e foi, vejam bem, para protestar com a atuação da EDP!!!! E esta, hein? – como diria o saudoso Fernando Pessa!

Voto contra!

O PSD que Rui Rio promete e quer fazer afirmar é um partido responsável, honesto e racional. Não faço ideia do que lhe possa ir realmente na cabeça, mas não posso deixar de concordar quando diz que o voto do PSD terá de atender à validade das propostas e não à autoria das mesmas. Outra e radicalmente oposta é a proposição de Luís Montenegro que entende que o Partido, liderado por si, reprovará tudo quanto vier do PS ou de qualquer partido à sua esquerda. Pinto Luz suavizou esta última opção colocando como primeiro passo a leitura e conhecimento do projeto governamental, mas foi logo avisando que não acredita na bondade do que quer que seja que venha daquele espetro político. Tem sido, por isso, referido como aquele que teve o melhor discurso, mais inteligente e mais assertivo. Talvez. Foi, sem dúvida o mais oportunista. O mais ambicioso, no pior sentido do termo.

A posição radical de Montenegro, agrada, de forma clara e entusiástica aos militantes, principalmente aos mais radicais. Estou certo que o propósito de Rio terá maior aceitação nos eleitores. Pinto Luz quer abraçá-los a todos. Por isso foi batizado como talentoso.

Os partidos não são clubes de futebol. Estes, sim, existem para combater todos os outros porque é esse o seu objetivo e porque não é possível ter sucesso de outra forma. Os partidos não. Programaticamente têm como missão o serviço público, embora, pragmaticamente o que os move é a busca do poder. Que não tem grande mal se forem capazes de os compatibilizar. O que, aparecendo levemente no atual Presidente do PSD (por tática eleitoral?), está totalmente fora dos planos dos seus dois contendores. Não há a menor dúvida que todos se reclamam herdeiros e continuadores de Francisco Sá Carneiro. Como tal, nenhum deles enjeitará ou repudiará a máxima política que celebrizou o advogado portuense: “O País está à frente do Partido”. Contudo, só o actual líder se propõe levar à prática tal norma sendo exactamente por isso que mais o criticam os seus oponentes!

Votar contra só porque uma proposta vem de um concorrente e adversário, sem qualquer outra razão, não é fácil de sustentar exceto junto dos mais radicais seguidores. Mas estes não alargam o estreito caminho para a cadeira de S. Bento. É necessário arranjar uma justificação. A principal razão pela qual os dois desafiadores “garantem” o voto contra todas propostas socialistas, reside no congelamento do partido do poder, na orla da geringonça que suportou o governo na anterior legislatura, diabolizando todas as propostas vindas dessa área. A terem sucesso, paradoxalmente, pode trazer grande prejuízo para o próprio partido. Se houver adesão eleitoral a esta hipótese, a consequência mais imediata será, a recentragem do PS. Ora o risco para o partido de S. Caetano à Lapa não lhe vem de um Partido Socialista encostado à extrema-esquerda, (isso seria uma bênção!) mas sim a virar ao centro, roubando-lhe, a partir da cómoda cadeira do poder o eleitorado centrista (social-democrata) entalando o PSD contra o ascendente Chega! e a disputar o, cada vez mais diminuto, eleitorado do CDS.

In memoriam (O Genocídio Arménio)

Ouvi várias vezes e usei, muitas outras, a expressão “jovens turcos” para identificar e classificar grupos que emergem, sobretudo em partidos políticos, constituídos por pessoas mais novas com propósitos de romperem com a ordem estabelecida. A expressão perdeu força e é agora também usada para caracterizar situações de renovação geracional noutro tipo de instituições. O verdadeiro significado da proposição, percebi-o numa visita recente a Erevan, capital da Arménia.

No cimo de uma colina, nos arredores da capital, junto ao rio Hrazdán ergue-se um memorial dedicado às vítimas do genocídio de 1915. Uma torre com mais de quarenta metros aponta para o céu, ao lado de um monumento composto por doze lajes de basalto negro, representando as doze províncias perdidas para a Turquia. Num extenso muro estão inscritos os nomes das cidades e vilas onde aconteceram massacres. O resto do espaço está ocupado por um extenso jardim de abetos plantados por muitas das celebridades que visitaram o local. Foi aí que, com uma música fúnebre de fundo, a guia, emocionadamente, recordou as atrocidades cometidas contra o seu povo na sequência da política de homogeneização cultural e limpeza étnica levada a cabo pelo movimento iniciado pelos Jovens Turcos!

Dos dramáticos relatos sobre essa tragédia enorme e sem medida houve dois que me impressionaram especialmente, ambos relacionados com a memória, com a descoberta dos seus mais recônditos labirintos, um, com a sua inaceitável perda, o outro.

Os carrascos turcos enviaram para o deserto sírio, várias e numerosos grupos de arménios, cujo destino traçado foi a morte pela fome, sede e desidratação. Desesperadas, muitas mães, ofereceram os filhos a tribos nómadas com quem se cruzavam. Mais tarde, as autoridades arménias pretenderam resgatar essas crianças e repatriá-las. Duas enormes dificuldades se lhes depararam: as raparigas estavam já, na sua grande maioria, casadas integrando famílias constituídas e estabilizadas, por ser tradição árabe casá-las ainda muito jovens. Havia também um obstáculo na identificação dos rapazes, mais livres e disponíveis: a maioria deles não sabia nada da sua ascendência, nem tão pouco falava ou reconhecia qualquer palavra arménio. A forma como foram identificados foi pela forma como reagiam a canções arménias de embalar. O reconhecimento desses sons familiares, recônditos, despertou nos jovens, momentos adormecidos e quase apagados.

O segundo tem a ver com a indiferença como o mundo tratou, na altura, este horrendo crime contra todo um povo. Foi de tal forma desvalorizado, desmerecido e desacreditado que, quando a chamada “Solução Final” para exterminar os judeus alemães e polacos foi apresentada a Adolf Hitler e este a aprovou, alguém lhe chamou à atenção sobre a repercussão que tal plano poderia ter na imagem internacional da Alemanha, este respondeu que seria um fenómeno passageiro argumentando: Quem se lembra já do genocídio arménio?

Para evitar a repetição do Holocausto é necessário lembrá-lo e descrevê-lo. Mas é necessário, antes, reconhecer e condenar o horrendo genocídio arménio. Porque aconteceu e porque o precedeu e porque foi desvalorizado, negado e esquecido!

In memoriam (O Genocídio Arménio)

Ouvi várias vezes e usei, muitas outras, a expressão “jovens turcos” para identificar e classificar grupos que emergem, sobretudo em partidos políticos, constituídos por pessoas mais novas com propósitos de romperem com a ordem estabelecida. A expressão perdeu força e é agora também usada para caracterizar situações de renovação geracional noutro tipo de instituições. O verdadeiro significado da proposição, percebi-o numa visita recente a Erevan, capital da Arménia.

No cimo de uma colina, nos arredores da capital, junto ao rio Hrazdán ergue-se um memorial dedicado às vítimas do genocídio de 1915. Uma torre com mais de quarenta metros aponta para o céu, ao lado de um monumento composto por doze lajes de basalto negro, representando as doze províncias perdidas para a Turquia. Num extenso muro estão inscritos os nomes das cidades e vilas onde aconteceram massacres. O resto do espaço está ocupado por um extenso jardim de abetos plantados por muitas das celebridades que visitaram o local. Foi aí que, com uma música fúnebre de fundo, a guia, emocionadamente, recordou as atrocidades cometidas contra o seu povo na sequência da política de homogeneização cultural e limpeza étnica levada a cabo pelo movimento iniciado pelos Jovens Turcos!

Dos dramáticos relatos sobre essa tragédia enorme e sem medida houve dois que me impressionaram especialmente, ambos relacionados com a memória, com a descoberta dos seus mais recônditos labirintos, um, com a sua inaceitável perda, o outro.

Os carrascos turcos enviaram para o deserto sírio, várias e numerosos grupos de arménios, cujo destino traçado foi a morte pela fome, sede e desidratação. Desesperadas, muitas mães, ofereceram os filhos a tribos nómadas com quem se cruzavam. Mais tarde, as autoridades arménias pretenderam resgatar essas crianças e repatriá-las. Duas enormes dificuldades se lhes depararam: as raparigas estavam já, na sua grande maioria, casadas integrando famílias constituídas e estabilizadas, por ser tradição árabe casá-las ainda muito jovens. Havia também um obstáculo na identificação dos rapazes, mais livres e disponíveis: a maioria deles não sabia nada da sua ascendência, nem tão pouco falava ou reconhecia qualquer palavra arménio. A forma como foram identificados foi pela forma como reagiam a canções arménias de embalar. O reconhecimento desses sons familiares, recônditos, despertou nos jovens, momentos adormecidos e quase apagados.

O segundo tem a ver com a indiferença como o mundo tratou, na altura, este horrendo crime contra todo um povo. Foi de tal forma desvalorizado, desmerecido e desacreditado que, quando a chamada “Solução Final” para exterminar os judeus alemães e polacos foi apresentada a Adolf Hitler e este a aprovou, alguém lhe chamou à atenção sobre a repercussão que tal plano poderia ter na imagem internacional da Alemanha, este respondeu que seria um fenómeno passageiro argumentando: Quem se lembra já do genocídio arménio?

Para evitar a repetição do Holocausto é necessário lembrá-lo e descrevê-lo. Mas é necessário, antes, reconhecer e condenar o horrendo genocídio arménio. Porque aconteceu e porque o precedeu e porque foi desvalorizado, negado e esquecido!

A PENa e a enxada (a propósito das Leituras Públicas do PEN)

O prestigiado Pen Club Portugal, quase a completar cinquenta anos de atividade em Portugal, renasceu da letargia em que tinha mergulhado nos últimos tempos, com a nova Direção liderada pela Teresa Martins Marques tendo na Presidência da Mesa da Assembleia o transmontano Ernesto José Rodrigues. Das novas actividades, ressaltam, pela importância, pelo simbolismo e pelas consequências, as Leituras Públicas cuja primeira edição foi levada a cabo em maio com o poeta Luis Castro Mendes (ex-ministro da Cultura), Manuel Frias Martins e Teolinda Gersão. A segunda jornada aconteceu em setembro, com Nuno Júdice, Artur Anselmo e Jaime Rocha.

Para além do destaque que estas iniciativas trazem para os participantes e, por consequência, para a sua obra, bem como para a literatura em particular e a cultura, em geral, há algo de novo e singular nestes encontros públicos: o outro lado!

Na primeira sessão, descobri esse lado de lá na forma como a autora da Casa da Cabeça de Cavalo olhava para a memória e no que a motivou a escrever a belíssima ficção sobre a existência para lá da vida real através da recordação de alguém.

Na segunda sessão, a entrada no outro mundo aconteceu com Jaime Rocha cuja produção literária assenta, essencialmente, segundo o próprio, na sua experiência juvenil de nazareno muito ligado ao mar. O autor de “Tonho e as Almas” trouxe para as leituras a visão autoral da escrita. Mostrou o sentimento com que o autor observa a realidade, a compreende e transmite, depois de a enformar, aos seus leitores. Não resisto a partilhar uma história maravilhosa trazida à livraria Ferin pelo poeta, ficcionista e dramaturgo da piscatória Nazaré.

Estava ele, contou, a ler o jornal numa esplanada de Lisboa quando viu passar o Artur, um vizinho seu, com uma enxada ao ombro, seguindo, determinado, debaixo do boné, desafiando com o olhar todos quantos aproveitavam a manhã soalheira, tamborilando com os dedos no cabo do sacho, como se fosse o dono do mundo. Era, pensou o autor, um momento literário que deveria captar e registar para posterior partilha. Surgiu-lhe, contudo, uma dúvida: qual o género em que deveria enquadrar a fugaz realidade de profundas características rurais, no ambiente urbano e citadino? Poesia, teatro ou ficção? Para cada uma delas teria uma abordagem que compartiu com todos os que o ouviam na cave da centenária livraria da Rua Nova do Almada.

Se escolhesse reproduzir o momento através da poesia, teria escrito:

“Um homem caminha para a

[morte.

Vai enterrar-se a si mesmo,

Sozinho, como uma maçã num

[prato,

Abandonado à sorte,

À espera dos pequenos bichos...”

Mas se a opção caísse no teatro, seria:

“— Então Artur? Desta é que é! Quantas batatas já plantaste na vida?

— Mais de mil... Mas, desta vez, é para fazer a tua cova!”

Finalmente, a transcrição para um conto ou romance seria assim:

“Os pombos fugiram à passagem do homem. Não era ele, o seu corpo, o modo como andava a coxear, como se tivesse medo de pisar as primeiras folhas das árvores de outono... era a enxada. Trazia a enxada no ombro esquerdo e ia afagando o cabo com as rugas da mão. Ria-se dos pombos. Sabia que era ele quem mandava naquela rua de ervas daninhas.”

Ficámos todos presos das palavras do autor à espera da prometida revelação da verdadeira atividade do seu vizinho Artur, naquela tarde outonal. Revelou-lha o dono do quiosque, sabedor de todos os mexericos das redondezas e disponível para esclarecer todas as dúvidas dos clientes habituais.

— Não sabe? O Artur, agora, dá-lhe para enterrar os cães e os gatos da vizinhança, ali no descampado!

 

As leituras do PEN, são muito mais do que este episódio, mas este, por si só, seria suficiente para lhe granjearem, em definitivo, a adesão, incondicional, dos amantes da literatura!

Da ferrovia e da utopia!

A vinte e seis do corrente mês de outubro, a RIONOR organizou, em Alcañices – Espanha mais uma edição dos Conselhos Raianos, sob o tema “Cooperação Transfronteiriça e Desenvolvimento” onde compareceram vários autarcas raianos, do lado de cá e de lá da raia, bem como outros responsáveis regionais políticos e académicos. Dos vários temas tratados há um que me é caro e pelo qual dou a cara: a ferrovia! Que, aparecendo agora, mesmo que timidamente, na ribalta dos roteiros políticos, há três anos, quando o tema foi lançado pela Rionor, em Bragança, não passava, como muito bem lembrou o João Ortega, de uma utopia!

Uma utopia, em Portugal e no nordeste, já que no resto do mundo, os avanços neste campo não param de nos surpreender não só com a recuperação de vias abandonadas, com o incremento de muitas existente e, sobretudo, com os avanços tecnológicos, no advento do comboio-bala que atingirá, brevemente, a espantosa velocidade de quatrocentos quilómetros por hora!!

O que pode justificar que, em pleno século XXI se continue a reclamar a concretização de ligações móveis com base em tecnologia proveniente do século XVIII com as devidas modernizações e adaptações. Usei, para o justificar, um acrónimo MES, em triplicado. Nos dias que correm o comboio é Moderno, Modular e Motor de desenvolvimento sustentado.

A Modernidade traduz-se no elevado estado da arte dos comboios pendulares, dos trens de grande velocidade, dos metros citadinos e suburbanos das grandes metrópoles, sem esquecer o já referido comboio-bala. É Modular e isso é uma enorme mais-valia nos tempos modernos onde a adaptação, a personalização e a produção baseada nos stocks nulos e o “just-in-time” são a base comum da maioria dos processos produtivos. O Motor de desenvolvimento regional fica facilmente evidenciado se se fizerem coincidir as linhas propostas pelo PNPOT e as linhas férreas existentes no país, no início do século passado.

São também três as características começadas pela letra “E”: Ecológico, Económico e Eficiente. Usando um canal exclusivo, sendo elétrico e, sobretudo magnético, sem emissões de CO2 e sem outras agressões ambientais, é difícil encontrar meio de movimentação mais Ecológico que o comboio. Não é necessário demonstrar a Economia associada às linhas ferroviárias, seja para transportar todo e qualquer tipo de mercadorias ou passageiros. A Eficiência mede-se pela capacidade, sem qualquer limitação tecnológica, para reverter as funções dos elementos motores que, a descerem, facilmente se convertem em geradores recuperando larga percentagem da energia consumida.

Finalmente, os “S”. A Segurança e o Silencio são de tal forma óbvios que merecem poucos comentários. Comparado com o principal concorrente, o avião, as vantagens são esmagadoras. O último S é recente. O grande nível de sex appeal revelou-se na última campanha eleitoral lusitana. Não tendo havido uma única referência digna nas eleições de 2015, nas mais recentes, não houve nenhuma força partidária, das duas vintenas de concorrentes que não colocasse a ferrovia como um desígnio nacional, no respetivo programa.

Ora se todos concordam com a aposta no comboio como uma prioridade só resta, como muito bem referiu a vice-presidente da Rionor, Raquel Linacero, dar corda ao relógio e pô-lo a funcionar!

Quatro vezes!!!

No passado dia cinco de setembro, na Gulbenkian, foi realizada uma Conferência Internacional, integrada no ciclo das comemorações dos cento e cinquenta anos do nascimento do milionário filantropo arménio. Entre os convidados destacou-se James Chen presidente da Fundação Chen Yet-Sen Family, fundada pelo seu pai Robert Yet-Sen Chen. A sua vinda à Gulbenkian justifica-se, sobretudo, pela forma diferente e inovadora como, no seio desta instituição, é encarada a filantropia. Sobretudo dedicada a combater a iliteracia infantil, tem um programa cuja finalidade é fornecer óculos a todos quantos deles precisam e não têm possibilidades para os adquirir. É curiosa a justificação dada pelo próprio James para a implementação deste programa: “Se a humanidade vai chegar a Marte nos tempos mais próximos, todos os humanos devem poder ver tal feito extraordinário”.

Mas o que me leva hoje a escrever sobre este filantropo é o seu programa de incentivo ao empreendedorismo em que o principal papel da Fundação passa pela cobertura do risco, incentivando os empreendedores a criarem novas iniciativas sem se preocuparem, em demasia, com a possibilidade de falharem. O lema é muito curioso: privatizar o fracasso, socializar o sucesso!

Quem é que em Portugal não está familiarizado com isto? Não com esta formulação, mas, em boa verdade, com o intuito inverso deste. Foi durante o Consulado da Troika em Portugal que os portugueses tomaram conhecimento da forma aceite, pelos diferentes governos que, perante a Banca, aceitou socializar os prejuízos depois de lhes ter proporcionado a privatização dos lucros mesmo quando estes assentaram em operações fraudulentas que concorreram para as imparidades indutoras das perdas futuras. E, depois de chorudos prémios concedidos a gestores “de eleição” lá fomos todos nós chamados a cobrir e liquidar os estragos das “brilhantes” administrações.

O problema é que não ficou por aí!

Soubemos recentemente que a maioria dos bancos se cartelizou e, com isso, os serviços prestados aos utentes foram cobrados por valores muito superiores aos que resultariam do normal funcionamento do mercado. Estávamos assim a pagar, uma segunda vez, as habilidades dos decisores bancários.

De tal descoberta resultou uma multa milionária que os bancos ficaram obrigados a pagar. Mas como estes não produzem o que comercializam, já fomos avisados que o custo final desta operação nos vai cair em cima dos ombros. Pela terceira vez somos nós a aguentar com a pancada.

Esta semana soubemos que o nível desastroso a que chegaram a Clínicas Maló implica, para a sua recuperação um perdão de dívida de vários milhões de euros cuja fatia mais gorda caberá à Caixa e ao Novo Banco. Como a primeira é pública e os resultados negativos do segundo serão suportados pelo Fundo de Resolução que, por estar completamente descapitalizado, vai financiar-se no Orçamento de Estado. Exatamente. Isso quer dizer que é ao cidadão que a fatura final há de ser apresentada!

Pela quarta vez!

De Biarritz a Nova Iorque (Passando pela Amazónia e Praça de Espanha)

Quando Emanuel Macron, na reunião do G7, em Biarritz, veio aler-

tar para a necessidade premente e urgente de cumprir integralmente o Acordo de Paris contrapondo o negro cenário da Amazónia, em chamas, e, à exceção do tosco Bolsonaro, o mundo ouviu e calou. Com alguns remoques, aqui e ali, coisa de pouca monta, mas sempre e apenas sobre o conteúdo do recado.

Em Nova Iorque, na cimeira do clima, Greta Thunberg, do alto da autoridade inquestionável dos seus dezasseis anos, repletos de sonhos e de sérias e graves preocupações, falou aos dirigentes mundiais, com emoção, raiva e determinação sobre a necessidade de passar das palavras aos atos. Caiu o Carmo e a Trindade. E, curiosamente, apesar de apresentado como extremista e irrealista, mais do que o discurso foi a sua autora, alvo de fortes críticas, ataques e invetivas. O clássico! Quando a mensagem é desagradável, mas difícil de combater, ataca-se o mensageiro. Tudo serviu para arremessar à jovem sueca. Até a própria pegada ecológica da sua viagem à sede das Nações Unidas foi questionada por quantos que nunca se ouviram a criticar as controversas viagens, em jato particular, para divulgar missiva semelhante.

Não sou adepto de extremismos e, em termos ambientais, tal como em muitas outras áreas, soluções drásticas trazem consigo, muitos riscos e efeitos colaterais a que é necessário dar a devida atenção. Mas respeito, admiro e reclamo a existência de teorias extremistas, que, se outro mérito não tivessem, serviriam para equilibrar o extremismo oposto em que estamos, infelizmente, mergulhados.

Independentemente do apuramento das reais causas e das soluções apropriadas há duas premissas inquestionáveis: o aquecimento global é uma realidade e é necessário minorar, travar e reverter a sua dramática evolução.

É bem provável que sejam necessárias ações drásticas e de grande impacto. O problema, mais do que a necessária ponderação por causa dos possíveis efeitos secundários, advém de poderem servir de desculpa para adiar ou evitar ações supostamente mais comezinhas e de menor efeito. Nesta altura todas as ações contam, todas são válidas, todas são necessárias. Mesmo que questionáveis ou criticáveis!

Bem andou, portanto, a

Fundação Calouste Gulben­kian. Mais do que a venda da Partex, entre outras ações, a mais importante ação pró-ambiental desta reconhecida instituição é a deslocalização do seu Instituto Gulbenkian de Ciência.

O edifício do IGC foi construído há mais de meio século em leito de cheia da Ribeira da Lage e, nos tempos correntes, transpira desperdício energético por todos os lados.

Em abono da verdade tem de se dizer que, quando foi instalado em Oeiras, a racionalização energética não era assunto e a cheia provável era centenária. Contudo, estudos científicos (e, falando do IGC, tudo o que diga respeito a ciência tem um valor acrescido) demonstram que se reduziu, drasticamente, o período dos fenómenos ambientais extremos. Algo que ocorria de cem em cem anos agora é de esperar que aconteça de dez em dez. Acresce que para haver inundações nas instalações da rua da Quinta Grande, basta que ocorram, em simultâneo cheias no leito da ribeira e marés vivas no mar, ali perto. Ora não só estas últimas são mais frequentes como, para que a ribeira transborde, basta ocorrer uma chuvada pouco maior que o normal, por causa da grande impermeabilização dos solos provocada pela excessiva edificação das encostas laterais, a partir de Sintra.

A mudança para Algés, para além da facilitação da cooperação com as instituições vizinhas (Champalimaud e Ipimar) vai dotar o IGC de instalações ecológicas com capacidade efetiva de garantir a segurança ambiental quer dos produtos com risco biológico, usados nos laboratórios, quer da contaminação de predadores, usados como modelos.

O Novo Politicamente Correcto (Ou não...)

O período eleitoral que se avizinha traz, este ano, duas grandes novidades a que nenhum partido escapou e, no afã, de querer obter do cidadão a confiança para os próximos quatro anos, culminou numa corrida para ver quem é mais verde e mais amigo dos animais que, inevitavelmente, acaba por escorregar para o exagero e raiar o ridículo. Mas, ditas com o ar sério e convencido como aparecem os seus autores na televisão só pode significar, paradoxalmente, um enormíssimo afastamento da realidade, precisamente por quem se quer mostrar tão próximo dela. Nisso andou bem António Costa ao reconhecer a importância dos temas mas ao rejeitar os exageros dos extremismos.

Dizer que há barragens a mais pode ser aceite como uma possível bandeira eleitoral (que une Bloco e PAN, para falar apenas dos que têm representação parlamentar) nos grandes centros urbanos. No interior é uma patetice que quase raia a provocação se atentarmos no dramático nível que atingiram as albufeiras no ano passado e dos transtornos que tal situação provocou. Descontando já a infeliz “justificação” do pretenso excesso de evaporação!

Mas igualmente é perfeitamente urbano e sem qualquer adesão à realidade a deliberação sobre a proibição de abate dos animais vadios e nisto o PS, bem como todos os outros partidos deixaram-se levar pelo facilitismo radical. Não estão em causa os direitos dos animais e é bom que haja normas e leis que os protejam e que os poupem a todo o sofrimento desnecessário. Mas a lei, tal qual foi elaborada e sem que nada tenha sido feito para lhe mitigar os efeitos nefastos, em vez de proteger, pelo contrário, expõe e condena. Não é possível permitir que uma qualquer espécie cresça de forma desordenada e sem controlo. Nos grandes centros não parece haver grandes problemas com estas normas pois os animais de companhia estão em ambientes fechados (muitas vezes, anti-naturais, mas isso é outra conversa) e é relativamente fácil controlar os ciclos reprodutivos. No interior onde, naturalmente, lhes são concedidas condições mais próximas dos seus parentes selvagens, a suposta proteção vai encher os canis, para lá do razoável e atirar os restantes para uma existência dramática e sofrida de abandono e retorno a um ambiente que já não é o deles e a que, portanto, não estão adaptados.

Porque, na selva, não há lei nenhuma que proteja a gazela de ser apanhada e esquartejada pelo leão nem o poderoso gnu de ser abocanhado e afogado por um qualquer crocodilo que o espere emboscado quando vem dessedentar-se. E isso acaba por ser benéfico para os herbívoros em questão pois se não fossem caçados, morreriam de fome depois de, em número exagerado terem devorado toda a vegetação existente no seu habitat (Malthus dixit!)

Se queriam efetivamente proteger os animais e se o objetivo é evitar a morte provocada, mesmo que de forma indolor e digna, então deveriam ter tido o cuidado de iniciar, previamente, uma grande campanha de esterilização seletiva que balizasse o número de animais a um nível, também ele, digno e, sobretudo, sustentável. 

O Capim Ardente (em Mogadouro)

No passado dia 24 de agosto, em vésperas do dia principal das festas da Senhora do Caminho, celebrando os cento e vinte anos do nascimento do enorme escritor Jorge Luís Borges, cujas raízes se estendem pelo território nordestino, na Biblioteca Municipal Trindade Coelho, em Mogadouro, Francisco Baptista apresentou o seu livro “BRUNHOSO, ERA O TEMPO DAS SECADAS – NA GUINÉ O CAPIM ARDIA”. A sala foi pequena para acolher os muitos ex-combatentes vindos das mais diversas localidades, muitos, diretamente do Porto, onde o autor vive, os conterrâneos, com especial menção para os residentes em Brunhoso, terra natal do Francisco sem esquecer os vários amigos, familiares e apreciadores de livros e da leitura.

É comummente aceite a primazia dos factos históricos sobre as lendas, acasos e coincidências, a inevitável ultrapassagem dos saberes tradicionais e empíricos, dos costumes e tradições, pela ciência e tecnologia, sendo igualmente sabido e consentido que a história é escrita pelos vencedores e às grandes batalhas e guerras é dado o nome dos generais que nelas participaram.

A literatura, não podendo furtar-se à função de espelhar a sociedade e, como tal, tendo de a retratar tal qual é, dando o devido relevo ao que de importante acontece, não pode restringir-se a esse papel, por mais relevante, necessário e importante que seja.

Foi esse, em boa hora, o entendimento não só do Francisco Baptista, mas também das mais de duas centenas de pessoas que no penúltimo sábado de agosto percorreram a alameda da Senhora do Caminho para ouvirem e homenagearem o ex-combatente da Guiné, para quem mais importante que as medalhas na farda de gala dos desfiles da parada é o sangue sujo de terra no camuflado do soldado a rastejar no capim e, não descrendo do progresso tecnológico resolveu registar as tradições e conhecimento popular de há meio-século.

Brunhoso que, precisamente, há meio século entrava na minha juventude, nos relatos dos “camaradas”, vindos da Vilariça para o Planalto, diretamente da Praça dos Segadores, da feira de Macedo de Cavaleiros e atravessavam a Ponte de Remondes, para cortarem as searas, a caminho de Espanha, de seitoira pendurada na cintura, juntamente com os dedais de cabedal que lhes protegiam os dedos da lâmina afiada e traiçoeira, aparece neste livro, remontando precisamente há cinquenta anos. Francisco, na sua escrita, muito sentida e cuidada, ressuscitou inúmeras personagens que existiam em memórias desfocadas e de contorno diluído, em cor sépia e deu-lhes vida própria retomando o guião que a desertificação teimava em delir e escurecer. Os mexericos e os diz-que-disse voltaram a ser notícia, o tribunal continuou a julgar e debitar sentenças sobre a vida da aldeia e o comportamento dos seus habitantes, as ruas enchem-se de agricultores, proprietários e assalariados, a caminho das ladeiras ribeirinhas do Sabor.

Eis senão quando, do outro lado do mundo, dos terrenos pantanosos e doentios da cálida Guiné, chegam relatos, doídos, repletos de heroísmo e revolta sem perder a poesia da vida e, sobretudo, homenageando e enaltecendo as melhores características humanas, enquanto ser social: a camaradagem, a solidariedade e a entreajuda que, de tão forte, se manteve para lá deste meio século e que teve grande expressão, em Mogadouro, na presença abundante de ex-combatentes que terminaram, em festa, o evento com um cântico que tendo sido um êxito (quem não se lembra?) foi ali entoado como uma marcha marcial, depois de devidamente adaptado: Adeus Guiné!

 

A edição de autor está pra-

ticamente esgotada.