Tal como prometido na minha crónica anterior e com as cautelas necessárias, procurando a maior objetividade possível, à luz do que se vai conhecendo, tentarei analisar as razões das opções tomadas pelos decisores.
Embora o tenha referido, nos meus últimos textos publicados na imprensa, é bom não esquecer que a pandemia nos apanhou de surpresa e que mesmo alguns especialistas, conhecedores do fenómeno e dos seus mecanismos tinham dificuldade em apontar, com certeza, os caminhos certos e adequados, sem deixarem de manifestar muitas dúvidas e incertezas. Mas também desenhando alguns cenários possíveis, prováveis e inevitáveis.
No início deste mês a Fundação Gulbenkian organizou uma tele-conferência com vários e distintos convidados internacionais para além dos meus conhecidos Mónica Dias, Miguel Soares e Gabriela Gomes. Esta última, especialista em epidemiologia, criadora do modelo Gripenet, surpreendeu com o anúncio da inevitabilidade do surgimento de uma segunda vaga, de valores muito elevados, como consequência do achatamento da curva atual. Ao susto inicial seguiram-se as justificações e explicações sobre os cenários possíveis. Entre estes uma certeza, aceite por todos os que têm conhecimentos credenciados na matéria: uma primeira vaga dura e agressiva e pouco reprimida, causando grandes estragos e sacrifícios atuais, evitará uma segunda, devastadora... se nada de extraordinário acontecer.
A segunda vaga vai acontecer. Como acontece sempre com estes fenómenos epidemiológicos. Terá, esperamos, condições de defesa reforçadas. Mas encontrará, igualmente, não o esqueçamos, situações que lhe são favoráveis. Os focos de infeção estarão mais dispersos e será mais difícil a contenção. A auto-disciplina será mais difícil de implementar. Quem não tenha seguido as determinações com rigor, nesta fase, e dela saído incólume, dificilmente se convencerá a adotá-las depois. Quem sofre muito com as condições atuais, terá grande relutância em iniciar um novo ciclo. Muitas empresas vão sair do vigente confinamento muito debilitadas sabendo bem que um segundo impacto parecido ser-lhes-á fatal. Muitos sentir-se-ão desanimados porque os sacrifícios da primeira investida não evitaram a segunda.
Por isso mesmo é necessário ter muita cautela antes de sentenciar já outras opções, como a ensaiada pelo Reino Unido e implementada pela Suécia. É verdade que o custo em vidas e em esforço do Serviço de Saúde é enorme, mas, em boa verdade, também enorme pode ser, no futuro, a poupança, nesses mesmos domínios. Uma vida não tem preço, logo não é possível determinar qualquer parcela da mesma, medida em anos poupados ou em baixas futuras. É uma matemática impossível de fazer. Por outro lado, esse cenário que nos espera, ameaçador, poderá ser minimizado, com o aparecimento de uma vacina, com uma alteração dramática, com uma descoberta fantástica. A esperança de hoje, existe e deve ser mantida!
À luz do que se sabe, ouvindo e valorizando quem efetivamente sabe, não é fácil tomar decisões! Não queria estar na pele de quem tem de o fazer! Angustiado, deprimido, fragilizado, sinto-me bem e confortável a seguir à risca o guião desenhado por quem tem de o fazer e o faz, não duvido, pensando no que é melhor para mim e para todos nós!
Mónica Bettencourt-Dias (Instituto Gulbenkian de Ciência – Moderadora)
Akiko Iwasaki (Yale School of Medicine)
Filipe Froes (Hospital Pulido Valente)
Gabriela Gomes (Liverpool School of Tropical Medicine)
Miguel Soares (Instituto Gulbenkian de Ciência)
Stewart Cole (Pasteur Institute)