José Mário Leite

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Blá, blá, blá... Blá, blá, blá, blá blá

Os CTT lançaram recentemente, nos meios de comunicação social, um anúncio a promover o seu Banco, onde o ator Albano Jerónimo aparece à frente de uma procissão de seguidores que, quando este refere a resposta que teve de outros bancos, lhe cantam “Blá, blá, blá...” com a música do grande sucesso de Joe Dassin, L’été Indien. Curiosa esta associação com o enorme sucesso dos anos setenta do século passado e que tantas recordações traz, estou certo, a muitos da minha geração. Embalado pela música, não pude deixar de lembrar igualmente da letra “et je me souviens, je me souvien três bien, de ce que je t’ai dit, ce matin-lá, Il y a un an, y a un siècle, y a une éternité. On ira, où tu voudras, quand tu voudras”, tão romântica, tão adequada (e útil) ao sentimentalismo juvenil de então mas, convenhamos, igualmente apropriada para apelar à ligação emocional com os CTT.

Mas...

Com os CTT que, verdadeiramente, ainda há um ano, há um século, desde sempre, nos levava, precisamente, onde queríamos, quando queríamos. Com os CTT-Correios e não com o Banco CTT que, embrulhado na velha imagem do cavaleiro branco em fundo vermelho, nos querem agora impingir, como uma entidade íntegra, preocupada, disponível e prestável, empenhada no bem-estar de todos e de cada um, sem “blá, blá, blá”. O Banco claro...

E os Correios? A manutenção dos níveis de serviço, o apoio às populações, sobretudo as mais isoladas e carentes, as mais necessitadas e que mais prejuízo sofrem com a descarada, óbvia e despudorada redução e supressão de valências, não passa, essa sim, de blá, blá, blá. Como acreditar pois numa entidade que jura ser diferente, para melhor, na prestação de serviços onde concorre com outros e cujo sucesso passa pela capacidade de o fazer em melhores condições, sem qualquer respaldo legal, quando falha redondamente na atividade que pratica em regime de monopólio e com obrigação contratual de manter, com níveis de qualidade aceitáveis.

Ora, acontece que a Administração dos CTT, avisadamente, veio esclarecer, recentemente que a empresa cumpre, como faz desde 2007, o Indicador Global de Qualidade de Serviço tendo, inclusive, segundo a PWC, melhorado no ano de 2018. Precisamente quando a sanha de encerramentos se manteve e nos atingiu dolorosamente. Um dos indicadores de análise é o tamanho das filas. Ora aí está! Nas últimas vezes que me dirigi a um posto dos Correios, o número de utentes à espera no posto continua a ser considerável mas... no balcão reservado ao atendimento bancário... nem um! Como os Indicadores são analisados pela média...

E esse é o problema e, logicamente, a explicação. O nível médio de serviço é assegurado pela atividade bancária e, talvez, concedo, por eventuais melhorias no funcionamento dos postos no litoral. Trocando por miúdos: os CTT podem manter e melhorar o nível de atendimento e ainda assim, continuar a encerrar postos de atendimento no interior, desde que, numa loja qualquer de Lisboa ou Porto, acrescentem mais um guichet que diminua as filas e lhes permita, assim, atrair mais potenciais clientes... para o Banco, claro!

O contrato de concessão vai ser reanalisado brevemente. Se não for denunciado, se não houver a renacionalização, o mínimo que é exigível, ao Governo, é que imponha um Indicador Global de Qualidade de Serviço, menos global, menos genérico, mas, pelo contrário, muito mais específico e detalhado. Para acabar de vez com o blá, blá, blá...

 

Elevados, como os oceanos

Esta sexta-feira, 15 de março, uma elevada onda de contestação juvenil varreu o planeta sob o tema lançado pela jovem sueca Greta Thumberg “Para quê ir à Escola se não houver futuro? Para quê prepararem-se para um futuro que está ameaçado?” Esta greve à escola, pelo clima, é o objetivo comum que une estudantes de todo o mundo. As rádios noticiaram, os jornais descreveram e as televisões mostraram praças pelas capitais mundiais, e não só, repletas de jovens, gritando, pulando, empunhando cartazes e, muitos, com flores e ramos na cabeça.

Obviamente que não é difícil recordar tempos, situações e atitudes passadas, mesmo que, obviamente, com outros lemas, outras motivações, outros princípios. Fui, de imediato transportado para Bragança, aos estonteantes dias que se seguiram ao 25 de abril de 1974. Mesmo que idealistas, eram justas e mobilizadoras as reivindicações gritadas e exigidas em cartazes de cartolina pregados em bastões de madeira, descendo a rua Almirante Reis, em direção à Praça da Sé. Curiosamente é essa geração, a minha geração, que em meados dos anos setenta, pretendia mudar o mundo que é hoje acusada pelos jovens estudantes de estar a delapidar, irremediavelmente, o mundo em que vivemos. De saída, por ter ultrapassada a idade da reforma a juventude que arrancou as calçadas de Paris, jurando levar consigo a imaginação ao poder, proibir apenas todas as proibições e que nos arredores de Nova Iorque se reunia no mais mítico dos festivais musicais, enfeitando a cabeça com flores e reclamando que o que havia a fazer era o amor e não a guerra! (Curiosamente um dos cartazes que apareceu na Praça Camões em Lisboa, mimetizando, provavelmente, outras paragens apelava a que se fizesse amor e não CO2, usando o “O” para recuperar o célebre símbolo do movimento Hippie).

Talvez fosse possível, a olhares mais atentos da altura, identificar em algumas atitudes, sinais e tiques que pudessem indiciar, na rebeldia e no idealismos de então a sociedade em que nos transformámos e a desastrada forma como tratámos o planeta e o estado em que nos preparamos para o entregar aos nossos filhos e netos. Tal como agora não é difícil escrutinar estes movimentos e apontar-lhes o dedo, pois enquanto reclamam pela necessidade de preservar o mundo, não dispensam os telemóveis de última geração repletos de componentes não recicláveis e usam sapatilhas de marca, feitas na China, com materiais sintéticos e transportados para a Europa em aviões. Os mesmos aviões, agentes primeiros da poluição aérea, que não dispensam para irem de férias e outros passeios.

Contudo, fazê-lo, mesmo que isso me desse algum alívio de consciência, seria um erro grave. Porque são os passos na boa direção que contam, mesmo que pequenos, mesmo que imperfeitos, mesmo que tímidos. Porque os passos na direção errada, mesmo que minúsculos, (é só uma palhinha...) repetidos milhões de vezes, redundaram na catástrofe iminente que enfrentamos agora. É verdade que não consagrámos a imaginação nos cadeirões do poder, nem substituímos totalmente a guerra pelo amor. Mas também é verdade que, na Europa, nunca se viveu um período tão longo sem guerras e que nunca houve tantos regimes democráticos e populares. Mesmo que não consigam implementar todos os ideais proclamados por todo o mundo, se conseguirem inverter a trajetória suicida em que nos encontramos, terá, seguramente, valido a pena!

 

Pela boca...

Durante muitos e muitos anos fomos bombardeados com um comentário recorrente, repetido, muitas vezes até à exaustão, sobretudo nos anos de crise, por muitos dos autarcas nacionais: “As autarquias gerem muito melhor que o Governo Central. Um euro gasto localmente, rende muito mais que quando é usado centralmente”. Assim sendo, o processo de descentralização, em curso tem todas as condições para trazer benefícios vários aos munícipes, melhorando os serviços públicos, aumentando a eficiência e, claro, poupando os cofres públicos. Seria pois expectável que todas as Câmaras Municipais aceitassem, de imediato, todas as transferências de competências que o Governo pretende delegar nos municípios. Contudo tal não se está a passar assim. Embora haja uma resposta que, em termos gerais pode ser considerada positiva, a adesão está longe do que as declarações grandiloquentes do passado poderiam induzir. É fácil enunciar princípios, alegar razões, propalar conceitos, sobretudo quando nos arrogamos em juízes de causa própria.

Não questiono nem a oportunidade, óbvia e evidente, nem tão pouco a realização... em média! E esse é que é o busílis da questão. Em média, cada euro gasto pelas instituições mais próximas dos cidadãos têm uma rentabilidade superior a aplicações idênticas feitas pela Administração Central. Mas, cada caso é um caso e, a menos que se sintam compelidos a fazerem um aproveitamento oportunista desta possibilidade que, brevemente passará a obrigatoriedade, a recusa da totalidade das propostas governativas descentralizadoras, ou mesmo de parte, não deixa de ser uma confissão, na primeira pessoa, de incapacidade de gestão. Porque exigir mais, para fazer o mesmo, em melhores condições não atesta muito sobre as capacidades de quem, em campanha, garantia ser o melhor do concelho e até, muitas vezes, das redondezas.

O aumento das competências das autarquias traz um problema que, nos grandes centros pode ser de somenos importância mas assume algum relevo nos municípios mais pequenos: a contratação. Nem seria preciso lembrar os exemplos recentes vindos a público na comunicação social sobre o uso dessa prorrogativa de forma abusiva em benefício de familiares e correligionários para saber que os preciosos empregos, nas terras do interior, são um argumento de poder que convém manter em níveis mínimos de discricionariedade. A contratação de serviços e pessoas tem de ver aumentada a sua transparência e equidade. Tal passará, entre outras medidas cautelares, pela reformulação dos poderes e funcionamento das Assembleias Municipais, repensando o papel, nas mesmas, dos Presidentes de Junta e, ainda, aumentando a ligação desta aos cidadãos que nela possam ver um verdadeiro fórum municipal onde tenham mais que um diminuto papel de consentimento de expressão no final das suas reuniões.

Menina e moça

“Menina e moça me levaram de casa de minha mãe para muito longe...” escrevia Bernardim Ribeiro encarnando uma personagem feminina. Nessa altura era impensável que uma mulher, por mais talentosa, sapiente e interessante que fosse, pudesse escrever uma novela, um poema ou um texto. Esse direito não estaria, seguramente, na parte superior da lista dos direitos que as mulheres teriam de conquistar desde o século XVI. Sendo milenar a subjugação feminina, não me parece totalmente desadequado olhá-la nestes cinco séculos de humanismo em que a racionalidade e antropocentrismo conquistaram a nossa civilização. São gigantescos os passos dados pela humanidade. Os direitos das mulheres também evoluíram muitíssimo. Reconhecendo a grande evolução da condição feminina nos últimos cinco séculos, não é possível ignorar que, neste campo específico, se avançou mais nos últimos cinquenta anos do que nos quinhentos anteriores. O mais espantoso, contudo, passa por ser impossível deixar de reconhecer que, mesmo assim, há tanto caminho ainda para percorrer.

É ainda preciso que o mérito se sobreponha ao sexo, que os salários percam toda e qualquer conotação de género, que as chefias reflitam a realidade laboral (há atividades em que à esmagadora maioria feminina corresponde a superioridade flagrante de lideranças masculinas), que as quotas deixem de ser necessárias, que, enfim, desapareça, de facto, de jure e do próprio pensamento natural, toda e qualquer discriminação para com todas as mulheres, independentemente da sua condição, origem ou raça.

Mas é sobretudo urgente, imperioso e inadiável erradicar, de vez e para sempre, toda e qualquer violência sobre as mulheres, sejam esposas, namoradas, irmãs, familiares, amigas ou apenas conhecidas. É perfeitamente inaceitável, vergonhoso, incivilizado e desprezível que, em 2019, antes do final do mês de fevereiro já tenham perdido a vida, desde o início do ano, uma dezena de mulheres. Tão mais intolerável quanto sabemos ser esse facto a fina ponta de um icebergue da imensa violência que ainda se abate sobre as mulheres.

Obviamente que, havendo necessidade de melhorar o edifício legislativo, melhorar a atuação das autoridades e sistemas de apoio, mudar e afastar dos centros de decisão poderes masculinos e misóginos, interditar juízes preconceituosos e trogloditas, tal não basta. Esse é já o patamar mínimo da decência. A contemporaneidade, a civilização, o humanismo do século XXI, impõe muito mais. É necessário revolucionar mentalidades, extorquir toda a raiz da discriminação, educar para a igualdade real e natural. É uma tarefa comum e partilhada em que a condenação do atual status quo, sendo obviamente essencial, é pouco, é insuficiente. É uma tarefa de todos sem qualquer exceção a começar por cada um de nós, porque nesta história há poucos inocentes. A cada palavra que escrevo vejo um dedo acusador na minha direção, mesmo que nunca tenha maltratado fisicamente nenhuma mulher, condene, sem qualquer rebuço toda a violência doméstica, reprove nauseado acórdãos abjetamente sexistas e marialvas, ainda pactuo com realidades machistas, com anedotas que “perderiam toda a graça” se os protagonistas fossem do sexo oposto e não saio para a rua a gritar a plenos pulmões que esta é uma realidade que me envergonha e que urge mudar.

Haverá quem ache que, tal como noutras matérias em que é preciso uma revolução civilizacional, que é precisa uma nova geração para solucionar este grave problema. Errado! As mulheres que a exigem não têm mais nenhuma geração para viver! Algumas delas, infelizmente, já não têm geração nenhuma! Lamentavelmente ainda hoje é necessário escrever por outrem “Menina e moça me levaram de casa de minha mãe... Muito contente fui em aquela terra, mas, coitada de mim, que em breve espaço se mudou tudo aquilo... vi tantas coisas trocadas por outras, e o prazer feito mágoa maior”

No renascimento as novelas no feminino eram escritas por homens pois só eles tinham acesso às ferramentas materiais e intelectuais que a elas estavam vedadas. No século vinte e um, algumas “novelas femininas” podendo adquirir forma literária por qualquer autor, homem ou mulher, mas continuam a necessitar de ser contadas por outra pessoa porque a protagonista já não a pode contar! No século XXI o que se impõe é que essas novelas deixem de ser escritas, por representarem realidades passadas e irrepetíveis.

 

O homem mais rico do mundo (e o português mais poderoso de então)

No ano em que passam 150 anos sobre o nascimento de Calouste Sarkis Gulbenkian (29 de março de 1869) a Fundação que tem o seu nome, no âmbito das respetivas comemorações, promoveu uma biografia do filantropo arménio, elaborada por Jonathan Conlin. O autor da obra dedicou os últimos anos a investigar a vida do homem que ficou conhecido como o “senhor cinco por cento” por ser essa a margem que cobrava na intermediação dos muitos e volumosos negócios que protagonizou no mercado petrolífero.

O livro foi financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian tendo, contudo, assegurado a mais completa liberdade ao historiador americano (com passaporte inglês e irlandês assemelhando-se ao seu biografado que tinha, igualmente, várias nacionalidades), como teve oportunidade de vincar a Presidente da Fundação, no lançamento da obra, no passado dia 24 de janeiro. Na presença do Presidente da República, Isabel Mota realçou as principais características da instituição que lidera, a filantropia e a promoção das artes, da ciência e da cultura, num espaço de liberdade cumprindo assim o desejo do fundador.

Descrito como um arquiteto de negócios, brilhante, corajoso e pragmático (“Ainda que toda a Constantinopla se mobilizasse contra mim, a minha reputação nada sofreria, pois não é na Turquia que estou empenhado em brilhar” terá afirmado), o homem que gostava de gatos, paisagens, flores e de olhar as estrelas, deixou parte da fortuna que fez com o petróleo a Portugal, numa fundação que, explicitamente, determinou que fosse internacional e perpétua e que pelo seu legado, mas também pela ação impar do seu primeiro presidente, foi essencialmente portuguesa e, sobretudo, generosa e reconhecida para com quem com ela colabora ou serve. A José de Azeredo Perdigão devemos esta instituição que revolucionou o nosso país nos pretéritos sessenta anos. Foi incansável e muito bem sucedida, a atuação do advogado português do senhor Gulbenkian na disputa que travou com o seu congénere anglicano Lord Radcliffe.

Para este sucesso terá contribuído, segundo Marcelo Rebelo de Sousa, o apoio firme das autoridades de então. O Presidente da República, que adiou a sua partida para o Panamá propositadamente para estar presente na Avenida de Berna, surpreendeu tudo e todos ao imitar o homenageado que, segundo se dizia, enquanto os outros alinhavam ordeiramente na linha de partida, Gulbenkian ia direto para a meta. Assim foi o Professor, que quis partilhar com a assistência a interrogação “e se…”, entre outros cenários, se porventura Salazar pensasse ou agisse de outra forma? Poderá haver quem se questione o que pensaria o ditador da forma como era construída a maior Fundação portuguesa, mas não ele que revelou ter em seu poder vários documentos, “vindos diretamente do interior do antigo regime” que expressam e testemunham o pensamento e a vontade do todos poderoso António de Oliveira Salazar sobre o legado do homem mais rico do mundo de então.

Está aí a minha mulher!

Foi muito falada e comentada a recente crise no PSD e tudo o que aconteceu à sua volta, desde os bastidores, da (in)explicável ausência de meia-bancada do partido, numa sessão plenária na Assembleia da República, passando pela surreal discussão sobre normas regimentais cristalinamente expressas nos estatutos (com o único objetivo de desgastar uma oposição já fragilizada?), continuando com a reserva de lugares de assistência (ao expetáculo??) e terminando com a “vitória de todos”, epilogada por uma reconciliação histórica, depois das questionadas interferências presidenciais.

Os cestos foram rapidamente lavados e arrumados (acordado o gigante adormecido, resgatado o partido do coma dos últimos tempos) pois há novas vindimas no horizonte e estão todos de tesoura em punho e cesta no braço para, “com o máximo empenho, como só assim sabem fazer”, se embrenhar pelos valados, tentando encher o recipiente com uvas, se possível as mais acessíveis, maduras, saborosas e generosas. Com o objetivo único de encher a dorna até à borda e com mais conteúdo que a do concorrente, da vinha ao lado. O problema é que, sendo importante para todos, o nível com que a aduela se  apresentar ao final do dia, o mais importante para cada um é garantir o convite para a participação na colheita ou, se aí já não houver um dos disputados e limitados lugares, pelo menos um lugar na preparação do pio, na transfega do mosto ou tratamento do vinho. Por muito que batam no peito, que garantam que apenas o sucesso da safra os move, uma cuidada análise facilmente descobrirá, para lá das encenadas aparências, o verdadeiro motivo de tanta encenação, movimentação e preocupação, dificilmente vai para lá do lugarzinho e da promoção pessoal. É verdade que o êxito coletivo assume grande relevo e genuíno desígnio, para todos, principalmente porque com esse intento assegurado, serão maiores as probendas e em maior quantidade, melhorando as “merecidas” recompensas e aumentando a probabilidade de lhes cair uma no regaço.

Das notícias que antecederam e se sucederam ao último Conselho Nacional do PSD, pouco se soube das propostas concretas para solucionar os problemas que afligem os eleitores. Em vez disso soube-se, exaustivamente, em que condições se pode votar de braço no ar; quem apoia, apoiava ou sempre combateu o líder; quem pode ser descartado nas “inaceitável limpeza” que a direção atual estará a preparar-se para fazer nas listas candidatas às próximas eleições. Ah, também se soube que o Presidente da República não resistiu à tentação de intervir e, espante-se, não teve o cuidado de, dissimuladamente, o fazer de forma discreta e em segredo como alguns dos seus antecessores fizeram.

Lembro-me, a propósito, o espanto causado ao candidato à Presidência da Câmara que abordou um conterrâneo para o convidar a encabeçar a lista a apresentar à Junta de Freguesia, e ouviu deste:  “Que pena ter vindo só agora. Já me comprometi com o seu adversário! Já não posso aceitar o seu convite. Mas está aí a minha mulher que ainda não vai em lista nenhuma e está disponível. Pode ser ela a primeira da sua lista!”. Esta história só é insólita pela inusitada franqueza como este cidadão assumiu a sua principal motivação: trazer para a órbita familiar o controlo da presidência da Junta de Freguesia.

Concorde-se ou não com a intervenção de Marcelo na crise da oposição, existindo, é de louvar que tenha publicitado a reunião, a seu pedido, com Rui Rio e que Montenegro não tenha sido introduzido no Palácio de Belém, à socapa e por furtivas entradas laterais.

A xorca de Sintra e os berrões da Vilariça

Recentemente, Emmanuel Macron anunciou a decisão inédita e marcante de devolver ao Benim uma coleção de bronzes, abusivamente retirados daquele país por militares gauleses no âmbito de uma expedição no final do século XIX. Na sequência desta declaração, assumiu estar disponível para promover uma conferência com o objetivo de analisar o futuro das obras retiradas dos seus locais de origem.

É, sem dúvida uma questão que vai revolucionar a forma como se olha e analisa esta questão. Espera-se que, acima de tudo, se estabeleçam regras justas e universalmente aceites. É verdade que a assunção desta norma vai, seguramente, causar um terramoto ideológico e, sobretudo, questionar o acervo de alguns museus de referência. Levada até às últimas consequências poderá fazer perigar a existência de alguns deles, ou, pelo menos, despromovê-los. Basta imaginar o que seria do Louvre despojado das suas melhores peças de escultura em mármore, de nacionalidade grega e romana, sem esquecer as pinturas “italianas” com relevo para a celebérrima Mona Lisa, para não falar da enorme e riquíssima coleção egípcia iniciada com o produto dos saques de Napoleão.

Receosos do terramoto que tal revolução poderá provocar, dirigentes culturais começam já a argumentar com a legitimidade inerente à posse de algumas das obras mais icónicas. E é aí que o debate tem de começar, embora não seja fácil, nem óbvia a respetiva definição. O roubo é, obviamente, um ato ilegítimo cuja reparação tem de, obviamente, contemplar a devolução do produto do furto. A pilhagem, na sequência de uma ação militar não pode deixar de ser considerada como roubo. Haverá, mesmo assim quem venha argumentar com os direitos adquiridos com o tempo de posse, uma espécie de usocapião artístico. Mas entre o roubo e a aquisição, a preço de mercado, de um produto artístico há uma enorme zona cinzenta que conviria aclarar e regulamentar. Mesmo que não seja fácil definir o justo preço de uma obra de arte, também não é impossível por recurso a leilões internacionais e análises comparativas. Uma “compra” a preço exageradamente baixo não deixa de ser uma usurpação “legalizada”.

Curiosa é a posição de José Leite de Vasconcelos que, pela mesma altura que os generais franceses se apoderavam de valiosíssimos bronzes africanos, se insurgia com a “venda” de um colar da idade do bronze encontrado nas imediações da capital e que era conhecida como a Xorca de Sintra, por um preço irrisorio ao Museu Britânico. Na sequência do precedente aberto por Paris, o Ministério da Cultura deveria reclamar junto do Governo de Sua Majestade a devolução da “mais fantástica obra pré-histórica achada em Portugal”. Mas, seguindo a mesma linha de pensamento e atuação, deveria tratar de devolver à Vilariça os célebres berrões encontrados pelo Abade de Carviçais e enviados para o Museu Etnológico criado e promovido por Leite de Vasconcelos a troco de pouco mais que as despesas de viagem.

Se na altura a “razão” da viagem de comboio (após transporte fluvial) até Lisboa foi justificada pela necessidade de os preservar e expôr, por falta do Museu Municipal de Arqueologia, esse motivo há muito que se extinguiu. O Museu do Ferro de Moncorvo pode acolher e guardar as peças referidas até que o moderno museu que perpetue a memória e o espólio do padre José Augusto Tavares seja erigido e colocado ao serviço da população.

 

Tanto com tão pouco. Tanto para tão pouco

No encerramento do Conselho Raiano, dedicado ao Ensino e ao Futuro dos Territórios Raianos levado a cabo pela Rionor, a Presidente da Câmara de Mirandela, Júlia Rodrigues, enquanto anfitriã da última jornada, ao agradecer a presenças das entidades presentes (o Ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues e o Consejero de Educación de la Junta de Castilla León, Fernando Rey, entre outras individualidades dos lados de cá e de lá da raia nordestina) reconheceu e elogiou o muito que a Rionor faz, com os poucos meios que tem. Não sendo grande novidade para todos os que, de alguma forma, acompanham as actividades da Associação com sede em Rio de Onor, não deixa de ser relevante e é, de alguma forma, reconfortante ver reconhecido o esforço, empenho e resultado que a equipa liderada por Francisco Alves está a levar a cabo de ambos os lados da fronteira que o nordeste partilha com Castilla León. E é bom acrescentar que muitas das actividades que a este nível são concretizadas implicam um trabalho imenso de bastidores que sendo invisível para o público em geral, raramente é conhecido e, logicamente, ainda menos reconhecido. Curiosamente, num dos intervalos das jornadas rionorenses comentava exactamente este tema com o Norberto Veiga, a propósito do trabalho intelectual que implica, para a maioria de nós, muito suor, esforço e dedicação. Por coincidência, nesse mesmo fim de semana, remexendo em papéis velhos encontrei, por acaso, vários textos meus, com mais de trinta anos. Manuscritos, obviamente, e muito rasurados com leitura difícil a que, quando tiver tempo, me hei-de dedicar. Contudo saltou-me à vista e reconheci, de imediato, o primeiro esboço de uma descrição em que comecei a trabalhar no princípio dos anos oitenta e que apenas foi publicada integrada no meu romance, A Morte de Germano Trancoso, com mais de três dezenas de anos passados. Teve, obviamente, incontáveis versões, sendo que de muitas delas, por causa da facilidade de escrever, modificar e copiar, em computador, não ficou qualquer registo. Não se perdeu nada! 
Disto o que é importante relevar é que ao constatar que com poucos recursos se fez muito, é bom não esquecer que é necessário acrescentar ao visível a imensidão do que fica escondido e, muitas vezes perdido, para que se consiga algum valor ao produto final.
Das jornadas em si, a douta comissão designada para tal, trará a público as respectivas conclusões. Sem me querer antecipar não ignorando a qualidade dos respectivos membros não quero deixar de trazer aqui uma pequena provocação que a escassez de tempo impediu de levantar na altura. Um dos temas mais falados e defendidos por todos os intervenientes foi o da cooperação. É uma realidade inelutável. Cada vez mais o que se faz de bem feito e com valor, resulta de trabalho cooperativo e coordenado. É assim no trabalho mas também na investigação e inovação, onde residem, cada vez mais, as mais-valias importantes para o desenvolvimento futuro. Sendo assim, porque é que os exames continuam a ser individuais e não se valorizam adequadamente os trabalhos de grupo? Já agora, numa altura em que os diplomas deixaram de ser a garantia de uma ocupação futura, porque é que o ensino continua virado e focado na obtenção do certificado final de aprovação?
BOAS FESTAS!

Educação em territórios do interior – Utopias e novos paradigmas (Conselho Raiano em Mirandela)

A Plataforma transfronteiriça RIONOR (Rede Ibérica Ocidental para uma Nova Ordenação Raiana) e cuja atuação se desenvolve nos territórios de Trás-os-Montes, Alto Douro, Galiza e Castilla León vai concluir em Mirandela, no próximo dia 15 de dezembro, na Escola Profissional de Carvalhais um Conselho Raiano iniciado recentemente em Zamora. Foram ali levantadas várias questões sobre um novo paradigma educacional, ibérico, coerente e consequente com os ideais da Associação com sede na aldeia comunitária luso-espanhola.

Após o sucesso que foi a jornada castelhana e perante, não só as teses, propostas, relatos, conceitos e exemplos ali apresentados mas, sobretudo, pelas perguntas, sugestões, inquietações e propostas que a centena de delegados, dirigentes e participantes ali trouxeram, é enorme a expetativa que se criou à volta da jornada a acontecer na Terra Quente Transmontana. Bem andou, precisamente, a direção da RIONOR ao adiar o acontecimento para meados do último mês do ano, permitindo assim uma melhor, mais atenta e mais adequada intervenção dos participantes que já se comprometeram a rumar à Princesa do Tua em mais de uma centena.

Numa altura em que, não só no nordeste, mas também no nordeste, como em todo o mundo se questiona a melhor forma de investir nas novas gerações para garantir um futuro melhor e, porque não, para concretizar e até banalizar o que hoje, muitas vezes, é visto como inatingíveis utopias.

Longe de mim querer antecipar-me ao promissor conteúdo que vai brotar em quantidade e, sobretudo, em qualidade em Carvalhais. Permito-me, porém, fazer uma pequena reflexão sobre formação e educação. Vivemos um tempo em que estão já adquiridas, entre muitas outras, duas verdades incontestáveis: ninguém sabe ao certo quais vão ser as profissões do próximo futuro (sabemos todos que serão distintas das atuais) e que tudo o que possa ser feito por uma máquina, haverá, seguramente, uma máquina para o fazer, melhor e mais rápido que qualquer ser humano, por mais genial que seja! Será contudo precipitado e mesmo perigoso confundir dois conceitos que, sendo semelhantes, não são iguais. Havendo muitas tarefas que as novas gerações não precisam saber fazer, não devem nem podem ignorar como fazer.

Porque os computadores têm uma capacidade enorme e crescente de processamento mas a sua memória é sempre temporária, direta e objetiva. Por contraponto, a nossa é duradoura, sentimental e associativa. As máquinas, cada vez mais poderosas e inteligentes, tomarão conta e dominarão toda a tecnologia conhecida e repetitiva mesmo que complexa. Contudo, à saída de fábrica, as máquinas são todas iguais, ao contrário dos seres vivos que não há dois que o sejam.

Mesmo assim o trabalho humano, se rotineiro tenderá a desvalorizar-se. O mundo que nos espera é global e pequeno. O que eu faço aqui, se nada de intrinsecamente meu tiver, alguém, em alguma parte do mundo o vai fazer melhor ou mais barato.

Cabe-nos pois valorizar, adequadamente, a arte, o sentimento, a memória! Este facto torna a sustentabilidade futura mais democrática porque à desvalorização natural dos recursos tecnológicos vai corresponder um acréscimo dos valores baseados na imaginação, sensibilidade e tradição... em que os territórios interiores pedem meças aos do litoral!

Protagonismos, ferrovia e efemérides

1 - Embora ocupe e tenha ocupado centenas de cidadãos, não há nenhum Curso Regular

de Gestão Autárquica. Havendo casos evidentes de erro de casting também é certo que são reconhecíveis vários presidentes, muito competentes, alguns deles, autênticos mestres (que belíssimos professores seriam no Curso Superior de Gestão Autárquica!) Sem deixar de reconhecer a possível existência de outros, tive o privilégio de trabalhar com dois dos melhores e que, curiosamente, sendo exemplares na arte de bem governar, eram distintos em quase tudo, exceto num ou noutro aspeto, nomeadamente na capacidade de inclusão de críticos, opositores e pensadores divergentes. Para além disso e em complemento, quer Artur Pimentel, quer José Gama, sempre souberam que tudo o que de relevante acontece no município acaba por cair no colo do Presidente da Câmara. Por isso, inteligentemente, apoiavam todas as iniciativas, desde que válidas, viessem elas de onde viessem. Em vez de desperdiçarem energias a desvalorizá-las ou mesmo a ignorá-las para depois se verem na “obrigação” de arranjarem substituição adequada que poderia, na melhor das hipóteses, ser gémea da recusada. Para além dessa vantagem prática cumpriam assim um dos mais importantes desígnios dos dirigentes do interior: promover a unidade em vez da divergência. É que nós todos, unidos, já somos poucos. Divididos, somos muito menos!

2. É com alegria e satisfação que constato a conversão de alguns autarcas à causa da ferrovia. Para já “apenas” colhe a opinião favorável a linha do Douro. Será, estou certo, uma questão de tempo até que a atenção dos dirigentes regionais se concentre nas linhas de caminho de ferro de via estreita. A do Sabor, em concreto, não pode deixar de ser equacionada numa análise séria sobre o escoamento do produto das minas de ferro do Felgar.

3. Muita alegria e regozijo me causou o anúncio das comemorações dos 150 anos do nascimento do padre José Augusto Tavares, o Abade de Carviçais. Descentralizadas, tal como sempre advoguei, irão ocorrer na Lousa, Moncorvo e Carviçais. Mais do que justificadas e bem vindas mesmo que deslocadas no tempo pois foi a 4 de abril que o prelado nasceu e não a 24 de novembro. Parecendo descabido não ter havido o devido aproveitamento de uma inciativa de vários moncorvenses ligados a Carviçais que, muito a tempo pretenderam que a efeméride acontecesse no dia adequado, estou certo que tal não se deve a descuido ou outras razões menores, por parte da autarquia. Não conhecendo em concreto as razões deste considerável adiamento não tenho dúvidas que apenas uma terá força suficiente para o justificar: o espólio do pároco e arqueólogo foi definitivamente catalogado, recuperado e estará por fim, disponível para integrar o Museu Municipal de Arqueologia cumprindo a sua vontade e culminando as diligências com a Diocese e o Seminário de Bragança que tinham, há mais de um ano, entrado no bom caminho!