No passado dia 24 de agosto, em vésperas do dia principal das festas da Senhora do Caminho, celebrando os cento e vinte anos do nascimento do enorme escritor Jorge Luís Borges, cujas raízes se estendem pelo território nordestino, na Biblioteca Municipal Trindade Coelho, em Mogadouro, Francisco Baptista apresentou o seu livro “BRUNHOSO, ERA O TEMPO DAS SECADAS – NA GUINÉ O CAPIM ARDIA”. A sala foi pequena para acolher os muitos ex-combatentes vindos das mais diversas localidades, muitos, diretamente do Porto, onde o autor vive, os conterrâneos, com especial menção para os residentes em Brunhoso, terra natal do Francisco sem esquecer os vários amigos, familiares e apreciadores de livros e da leitura.
É comummente aceite a primazia dos factos históricos sobre as lendas, acasos e coincidências, a inevitável ultrapassagem dos saberes tradicionais e empíricos, dos costumes e tradições, pela ciência e tecnologia, sendo igualmente sabido e consentido que a história é escrita pelos vencedores e às grandes batalhas e guerras é dado o nome dos generais que nelas participaram.
A literatura, não podendo furtar-se à função de espelhar a sociedade e, como tal, tendo de a retratar tal qual é, dando o devido relevo ao que de importante acontece, não pode restringir-se a esse papel, por mais relevante, necessário e importante que seja.
Foi esse, em boa hora, o entendimento não só do Francisco Baptista, mas também das mais de duas centenas de pessoas que no penúltimo sábado de agosto percorreram a alameda da Senhora do Caminho para ouvirem e homenagearem o ex-combatente da Guiné, para quem mais importante que as medalhas na farda de gala dos desfiles da parada é o sangue sujo de terra no camuflado do soldado a rastejar no capim e, não descrendo do progresso tecnológico resolveu registar as tradições e conhecimento popular de há meio-século.
Brunhoso que, precisamente, há meio século entrava na minha juventude, nos relatos dos “camaradas”, vindos da Vilariça para o Planalto, diretamente da Praça dos Segadores, da feira de Macedo de Cavaleiros e atravessavam a Ponte de Remondes, para cortarem as searas, a caminho de Espanha, de seitoira pendurada na cintura, juntamente com os dedais de cabedal que lhes protegiam os dedos da lâmina afiada e traiçoeira, aparece neste livro, remontando precisamente há cinquenta anos. Francisco, na sua escrita, muito sentida e cuidada, ressuscitou inúmeras personagens que existiam em memórias desfocadas e de contorno diluído, em cor sépia e deu-lhes vida própria retomando o guião que a desertificação teimava em delir e escurecer. Os mexericos e os diz-que-disse voltaram a ser notícia, o tribunal continuou a julgar e debitar sentenças sobre a vida da aldeia e o comportamento dos seus habitantes, as ruas enchem-se de agricultores, proprietários e assalariados, a caminho das ladeiras ribeirinhas do Sabor.
Eis senão quando, do outro lado do mundo, dos terrenos pantanosos e doentios da cálida Guiné, chegam relatos, doídos, repletos de heroísmo e revolta sem perder a poesia da vida e, sobretudo, homenageando e enaltecendo as melhores características humanas, enquanto ser social: a camaradagem, a solidariedade e a entreajuda que, de tão forte, se manteve para lá deste meio século e que teve grande expressão, em Mogadouro, na presença abundante de ex-combatentes que terminaram, em festa, o evento com um cântico que tendo sido um êxito (quem não se lembra?) foi ali entoado como uma marcha marcial, depois de devidamente adaptado: Adeus Guiné!
A edição de autor está pra-
ticamente esgotada.