José Mário Leite

PUB.

ESTOU CERTO OU ESTOU ERRADO?

Na novela “Roque Santeiro” da segunda metado dos anos oitenta do século passado, Sinhozinho Malta, interpretado por Lima Duarte, tinha um bordão que ficou célebre: com um pequeno abanão, puxava o relógio e algumas pulseiras de ouro para o pulso que erguia, agitando os adereços perguntava enfaticamente – Estou certo ou estou errado? Embora a resposta induzida e por ele esperada fosse obviamente de concordância, o certo é que, precisamente, na maioria dos casos a resposta correcta e fundamentada deveria ser: – Está errado!
Assim acontece tantas vezes não só porque a simples resposta pode ser redutora como ainda porque, muitas vezes, a análise detalhada dos componentes que a enformam pode, com alguma facilidade, induzir precisamente o caminho oposto. Enquanto que o certo traduz uma situação de total conformidade já o errado pode encerrar vários graus de divergência pelo que a sua simples evocação ou aplicação não evidencia os vários graus de divergência com distâncias distintas à solução acertada. Se não vejamos. Se for pedido a alguém que soletre a “chave” e a resposta for c-h-a-v-e será obviamente classificada como estando certa. Qualquer outra resposta estará errada. Não só a resposta d-i-b-x-f como e-j-c-y-g e também x-a-b-e. Contudo o erro não é, seguramente, o mesmo pois apesar de estar errada esta última parece mais próxima da resposta verdadeira. Porque a fonética das duas palavras “chave” e “xabe” são muito parecidas, podendo inclusivé ser facilmente confundidas ao ouvi-las. E, contudo, numa ótica de mera codificação, qualquer uma das outras facilmente se converte na solução esperada já que no primeiro caso basta procurar, para cada letra, a letra anterior no alfabeto e no segundo a segunda letra anterior. De qualquer forma apenas uma resposta é verdadeira e todas as restantes são falsas.
Vejamos agora uma pequena história onde se pode igualmente procurar algum ensinamento adicional sobre este mesmo tema.
O Presidente da Câmara, nesse dia, resolveu ir visitar as obras municipais e fez-se acompanhar do vice e de dois estagiários que o IEFP tinha colocado no município. Um deles deveria ser selecionado para integrar o quadro no departamento de Obras e Projetos. Fizeram uma paragem na Praça Central onde se ultimavam os trabalho da nova torre. – Agora só falta colocar, no topo, um pára-raios que servirá de antena. É preciso encomendá-la. – Pois. Mas é preciso determinar o seu tamanho. – Ah, isso é fácil. A distância da ponta ao solo tem de ser oito metros. Basta subtrair a esse valor o da altura atual da torre. Algum dos dois estagiários me saberá dizer quanto é é que mede?
Foi tomar um café com o vice e, no regresso indagou junto dos dois jovens qual a opinião deles sobre a real dimensão da torre. – Sete metros – diz um deles, o Manuel – mais ou menos! – Seis metros e oitenta – diz o outro, o João.
De volta aos Paços do Concelho perguntou ao vice: – Então o que achas? – O João acertou em cheio! – Pois acertou, mas quem fica com o lugar é o Manuel.
E com razão. Efetivamente o valor correto é o apontado pelo João que o obteve, do projetista da Câmara de quem é amigo e a quem perguntou por SMS. O Presidente observou isso sentado na esplanada e também viu que o número avançado pelo Manuel resultou da medida da sombra da torre, medida em passos e que depois comparou com a sua própria sombra. Não estando certo estava seguro de que o valor teria aquela ordem de grandeza e que se fosse necessário chegaria, pelos seus próprios meios ao valor exato se tivesse acesso aos meios de medida adequados.
Neste caso especial, andou bem o autarca!

QUEM CABRAS NÃO TEM (Evite matar a galinha)

O título desta minha crónica parece ser um nonsense, contudo há uma lógica para o mesmo que a seguir demosntrarei. O provérbio “quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado lhe vem” ficou famoso como justificação de uma decisão judicial no processo Sócrates, no caso, se a memória não me atraiçoa, para a manutenção da prisão preventiva em Évora. Não havendo naquela data provas sobre a sua culpa, havia, segundo o ministério público, indícios suficientes, que sustentavam a sua tese. Contudo, essa “regra” de tempos idos, começa a perder razão e força, nos tempos modernos. Em crónica recente dei conta que quem mais alojamentos “vende” na internet é a AirBnB que não tem nenhuma casa. E é a Uber, que não tem nenhum carro, quem mais fatura no serviço de transporte individual. Poderia citar outros exemplos mas o que hoje importa referir é o caso da energia em que esta situação é ainda mais evidente e peculiar. Há, inclusivamente um novo termo para caracterizar o novo cliente energético: o prosumer. O vocábulo, de origem britânica junta os dois conceitos de produtor (prodicer) e consumidor (consumer). A atual tecnologia permite inclusivamente que seja possível vender energia, sem a produzir. Vejamos como:
Tomemos para exemplo um cliente de energia igualmente que seja também possuidor de um carro elétrico. Estas viaturas atualmente têm baterias que lhes permitem armazenar energia para viagens de distâncias consideráveis! Ora, como é sabido, a viatura particular é, no dia a dia, usada, essencialmente para ir até ao trabalho e regressar. Seguramente usará muito menos que um quarto da energia acumulada na ida e outro tanto no regresso, deixando assim disponível mais de meio depósito... que o feliz contemplado poder vender à empresa onde trabalha. E o que ganharia ele com isso? Ganha ele e a empresa. E todos nós!
A energia elétrica tem preços diferentes segundo as várias horas do dia. É mais barata à noite, mais cara durante o dia e ainda mais durante o período do meio dia que é quando há mais consumo. É mais cara porque a procura é maior e isso chegaria. Mas não só. A produção de base de energia está ajustada ao consumo médio. Os picos de procura são satisfeitos com importação, por um lado, e, por outro, recorrendo a centrais térmicas que usando hidrocarbonetos, produzem energia com um custo mais elevado e com muito maior poluição, libertando várias toneladas de CO2. Como a carga dos carros elétricos se faz durante a noite, quando a energia é barata, é possível entregá-la na hora de ponta a um valor mais elevado e, mesmo assim, menor que o cobrado pelas operadoras energéticas. Todos ganham e o ambiente também!
Vamos agora à galinha que, obviamente, se refere a outro refrão popular, nomeadamente a dos ovos de ouro. E porquê? Porque este novo negócio (em que já há várias empresas a iniciar a exploração) baseia-se na realidade de que a há uma diferença de preço por causa das exigências de consumo. A exploração desse diferencial vem, precisamente, diminuir essa diferença. Em última análise se este negócio for muito bem sucedido e toda a necessidade de energia adicional for compensada por energia armazenada a baixo custo... deixa de fazer sentido pagá-la mais cara pois a situação passa a ser uniforme. Ou seja, quanto maior for o sucesso deste novo negócio, maior é a ameaça que sobre ele paira!
Mas o caminho é esse. Um caminho estreito, pois necessita de um elevado grau de equilíbrio: tal como a galinha que, enquanto enriquecia o seu dono, tinha de recear pela sua vida por causa da possível ganância do mesmo.

CONTRATAÇÃO PÚBLICA (Notas de reflexão)

Entrou em vigor, a 1 de janeiro do corrente ano de 2018 o novo Código dos Contratos Públicos de acordo com a redação que lhe é dada pelo Decreto Lei 111-B/2017 de 31 de agosto. Numa altura em que está na ordem do dia o tema do financiamento dos partidos e a sua respetiva regulação é oportuno abordar este assunto de forma direta, clara e sem qualquer escamoteamento. Sendo a última alteração significativa de 2012 (DL 149/2012 de 12 de julho) deve atentar-se, por um lado nas alterações introduzidas, enquadrá-las nas justificações inseridas no preâmbulo do diploma e olhar para o passado recente de vigência legal que, temporalmente se sobrepõe ao último quadriénio autarquico.
Comecemos por aqui. Em consulta ao portal da contratação pública, verifica-se que, no distrito de Bragança, que é o que interessa para o caso, (nada indica que tenha sido diferente no resto do país) o recurso à contratação pública por parte das autarquias atingiu valores notoriamente exagerados. Não é preciso recorrer ao estafado adágio de que à mulher de César não basta ser séria, para ter como certo que o uso dos dinheiros públicos deve ser criterioso, transparente e parcimonioso. Ora, dos procedimentos habituais para adjudicação de obras e fornecimentos, o Concurso Público e o Ajuste Direto é aquele e não este, que cumpre esta norma que deveria ser a diretiva primordial dos responsáveis das autarquias. E tanto assim é que se atentarmos nas declarações públicas de Presidentes de Câmara, sobretudo na apresentação de contas às respetivas Assembleias Municipais, usam e abusam de terminologia onde abundam qualificadores de rigor, transparência e equidade. Curiosamente, tal acontece quando na respetiva Câmara o Ajuste Direto foi regra quando devia ser exceção. No nosso distrito as adjudicações diretas ultrapassaram, em valor, as concursais e se é certo que houve municípios em que não chegaram aos 32%, outros houve em que ultrapassaram os 80% o que é, notoriamente, exagerado!
Ganha pois significado a intenção do legislador expressa no preâmbulo legislativo de melhoria da transparência e boa gestão pública sendo uma delas, precisamente a limitação do uso do Ajuste Direto. Assim é pois os limites para esta modalidade já que os anteriores valores de 150.000 euros nas empreitadas e 75.000 euros nos fornecimentos baixam drasticamente para 30.000 e 20.000 respetivamente. Igualmente se acabam com os malfadados CPV cuja manipulação habilidosa “permitia” aos cotratantes ultrapassarem os limites cumulativos de adjudicações à mesma entidade. Apesar da nítida melhoria, neste aspeto não se foi tão longe quanto se podia e devia, na minha modesta opinião. Os valores acumulados deviam ter um âmbito temporal superior e abranger a totalidade da legislatura autárquica precisamente para prevenir outros riscos que, como é sabido, mesmo que não admitido, têm a ver com o financiamento das campanhas eleitorais.
É sintomático que o legislador tenha a preocupação de para a necessidade de introduzir “medidas para prevenir e eliminar conflitos de interesses nos procedimentos de formação dos contratos” e ainda que o convite a apresentação de propostas esteja proibida a entidades que tenham feito fornecimentos, a título gratuito, no ano em curso e nos anteriores o que parecendo um nonsense, em boa verdade não o é. Então receber gratuitamente bens não é vantajoso para o erário público? Com toda a probabilidade, não. Como não se cansa de repetir João César das Neves, não há almoços grátis e a esmola, quando gorda, leva o pobre a desconfiar. Neste aspeto também penso que se deveria, se possível, ir um pouco mais longe. Os convites a apresentação de propostas deveriam ser igualmente vedados a todas as entidades que tenham contribuído em dinheiro ou em géneros, para as campanhas eleitorais das entidades que governam as respetivas autarquias. Seria aliás relevante que todos os presidentes de Câmara tivessem a iniciativa de divulgarem publicamente a lista completa de todos os contribuites privados das atividades partidárias. Igualmente deveria ser sabido quem foram os fornecedores dos materias de campanha, onerosamente ou não (sobretudo neste último caso) para que fosse afastada a suspeição de “compensação” posterior com recurso a adjudicações futuras pagas com o dinheiro público.

 

Um novo mundo espantoso

Ainda longe do estereotipo descrito por Aldous Huxley vivemos já um Novo Mundo que não pode deixar de nos causar alguma perplexidade se refletirmos sobre alguns aspetos da realidade do tempo presente. Como não nos espantarmos com a constatação de que, no exato momento que escrevo, o programa informático de criptografia da cybermoeda BitCoin foi o Banco que mais cresceu, que mais se capitalizou, operando uma moeda sem qualquer reserva conhecida, sem divisas, que ninguém sabe quem é o dono e nunca teve nem terá qualquer banco de atendimento. A Uber é hoje a maior companhia de taxis a nível mundial. Não tem um único carro e não contratou um único motorista. A maior plataforma de comunicação social, que mais leitores tem não produz nenhum conteúdo, não tem jornalistas nem editores: é o Facebook. Por seu turno a plataforma de comércio eletrónico, Alibaba, sedeada em Angzhou, na China, sendo o maior revendedor mundial não tem nenhum armazém porque não tem mercadorias suas para guardar. O maior operador tusrístico de alojmento, nos tempos de hoje, o Airbnb, não possui um único hotel, nenhuma casa, nem qualquer rececionista.
Na época natalícia que vivemos o número de postais de Boas Festas vai, provavelmente, superar a astronómica cifra dos anos anteriores e, contudo, é precisamente nesta altura que a empresa dos correios anuncia a sua crise crescente por causa da redução continuada e consistente de serviço.  De qualquer forma, como no romance “O Admirável Mundo Novo” do inglês Aldous Huxley, referido no início, existe igualmente neste tempo que vivemos e que partilhamos uma reserva histórica onde os antigos costumes e regras continuam a vincar as mais ancestrais tradições, crenças e rituais. Que, ao contrário da novela britânica, não causa qualquer conflito junto dos aderentes aos novíssimos modos de vida e facilidades tecnológicas modernas. As couves tronchas podem ser compradas numa qualquer grande superfície com pagamento eletrónico de cartão de crédito, os momentos natalícios, à volta da lareira que crepita os incadescentes toros de carrasco serão, seguramente, partilhados e replicados no facebook e qualquer nordestino da Diáspora pode matar saudades e preservar as tradições de infância comprando numa plataforma digital a máscara de celebração do solstício que mais lhe agradar. 
Não é necessário emigrar para poder regressar a casa, após o jantar natalício, num táxi da rede Uber e a deslocação ao Porto ou à capital para partilhar momentos com amigos e conhecidos pode facilmente garantir alojamento adequada através do Airbnb. 
Queiramos ou não, o progresso faz o seu caminho e não se vislumbra forma de o deter, nem sequer de o abrandar, muito menos de o reverter. Resta-nos a reserva identitária que o interior, cada vez mais despovoado e, mesmo que acompanhando os benefícios civilizacionais, vai mantendo e preservando. E assim será enquanto houver gente que o habite já que não será fácil encriptar o bacalhau, virtualizar o borralho, digitalizar o calor humano das noites gélidas e programar em computador o afeto de um abraço e de um forte aperto de mão.

BLOCO, PORQUE NÃO?

Sempre me causou alguma estranheza os mecanismos das sondagens e a extrapolação científica dos dados recolhidos numa pequena amostra para o universo dos votantes. Que estranho elo agarra um cidadão escolhido aleatoriamente a milhares de outros tantos que o mimetizam e seguem, magicamente, por uma regra sobrenatural. Era coisa de defícil compreensão. Em 1999 tive oportunidade de pôr à prova as minhas reticências. Na semana das eleições europeias desse ano fui selecionado para fazer parte da amostra de uma das empresas de sondagens. Pediram-me que antecipasse, numa urna, o meu voto desse domingo. Eu, que em regra votava PSD, o meu partido de sempre e que seria a minha escolha óbvia, se nada de estranho acontecesse, resolvi colocar a cruz no recentemente criado Bloco de Esquerda, no boletim de voto da pesquisa. Resultado, as sondagens da empresa que me escolhera apontava como possível a eleição de Miguel Portas para o Parlamento Europeu. Pude então confirmar as minhas suspeições sobre o mecanismo exploratório pois, contrariamente ao que aconteceria de outra forma, no dia 13 de junho de 1999, na secção de voto do Liceu Carolina Michaelis eu votei efetivamente, pela primeira vez no BE. Mas, tal como suspeitava, não houve nenhuma mão invisível que levasse dezenas de milhar de eleitores a seguirem o meu exemplo e o Miguel Portas não seguiu, nesse ano, para Bruxelas.
Votei no Bloco e nada de mal aconteceu! Pelo contrário fiquei com pena que a minha hipótese acabasse confirmada. O mais velho dos irmãos Portas veio provar, na eleição seguinte que o seu talento, valor, dedicação e competência só prestigiariam o país com a sua eleição logo naquele ano. O BE, não só por influência sua, mas também pela ação de outros dirigentes carismáticos como Francisco Louçã, Fernando Rosas e João Semedo afastou-se do radicalismo esquerdista que caracterizou alguns dos partidos fundadores, conservando, contudo, algumas das bandeiras originais como a denúncia e combate à corrupção, à injustiça social e adotou novos desígnios interpretando corretamente o pulsar da sociedade e, sobretudo, de grupos emergentes. Várias vezes, em família, foi assumido que o voto nos bloquistas era uma séria, correta e útil opção porque, não sendo crível que ganhassem as eleições em causa, era muito bom elegê-los para desempenharem o excelente e utilíssimo papel fiscalizador dos mais diversos agentes do poder vindos dos partidos tradicionais.
Em conversa recente veio de novo à baila, exatamente a mesma conversa, a mesma motivação e a mesma justificação. Só que desta vez eu já não concordei como fazia antes. O voto no Bloco pode ser útil sim, para eleger vereadores e deputados mas não só. É igualmente útil fazer dos dirigentes bloquistas Presidentes de Câmara, de Assembleia e Ministros. Esta análise evoluiu durante os últimos anos ao observar a forma responsável e com enorme sentido de estado que o partido liderado pela Catarina Martins tem apoiado a atual fórmula governativa. O ponto de viragem aconteceu quando a candidatura de Albano Mesquita à Assembleia Municipal de Vila Flor me veio acordar para a forma natural como a prática bloquista pode ser facilmente interpretada por pessoas moderadas desde que com fortes motivações de justiça social e defensoras da verdade e transparência na administração da coisa pública.
Quer isto dizer que me converti ao marxismo? Não. Durante décadas revi-me na ideologia do PSD mas, com o tempo, fui-me sentindo cada vez mais afastado da sua prática. Agora, pelo contrário, não aderindo às teses programáticas do Bloco de Esquerda, cada vez mais me identifico com a  sua atuação prática. O extremismo de alguns dos seus membros está perfeitamente moderado pelo pensamento e atuação da maioria dos simpatizantes e apoiantes e, sobretudo pela sua liderança inteligente e responsável. O governo recente do Siriza veio provar que os devaneios coletivistas e a ditadura do proletariado, fazendo ou não parte do ideário fundador, não têm cabimento no atual exercício do poder.
Ora, no tempo em que vivemos e em que o arco governativo se divorcia consistentemente do centrão e se alcandora nos extremos, olhando para o panorama atual, se o futuro passa por alguma “radicalismo” então que venha da esquerda. Da direita radical é que, definitivamente, NÃO!

SOLIDARIEDADE SEM PRESSUPOSTOS

Na sequência da minha crónica anterior “Pequeno demais para crescer, pobre demais para enriquecer” acabei por abordar este tema com pessoas amigas e conhecedoras do tema e que partilham total ou criticamente a minha tese. Curiosamente, o jornal Expresso de 11 de novembro deste ano dedicava um generoso espaço à batalha contra o cancro, dando especial destaque às contribuições lusitanas nesta áreao. Afirmava o articulista, a este respeito, que quem conseguir parar o cancro irá diretamente à Suécia buscar o Nobel. Sendo um sonho, se fosse um português a consegui-lo, nem seria inédito. Mas esse não é o meu ponto de partida. Aos que afirmam convictamente que Portugal é pequeno e pobre demais para se dedicar à investigação fundamental e que tentei refutar no meu último texto, nste jornal, não posso deixar de lhes colocar algumas questões. Admitamos o evidente: há países muito maiores, muito mais ricos, com muito mais recursos humanos e técnicos que nós para poderem desenvolver todas as investigações que antecedem as possíveis soluções para combater adequadamente as várias doenças e males dos tempos atuais. Nem vou realçar o facto de que se houver esse conhecimento, obviamente que será usado, se não exclusivamente, pelo menos preferencialmente e em primeira mão, por quem o detiver (e se não fazemos investigação fundamental e não tivermos acesso, por isso, à investigação aplicada, ficamos arredados de qualquer tipo de conhecimento efetivo e contemporâneo e, logo, excluídos do mundo desenvolvido). Vou limitar-me a colocar algumas questões simples para provar que o que não faz qualquer sentido é deixar de apostar na investigação fundamental.
Nada nos garante que não seja um investigador português a descobrir a cura para o cancro. Muitos dos que já se dedicam a esta atividade contam-se entre os melhores do mundo. Por que razão haveriam de parar os seus estudos e trabalhos? Só porque, se existir uma cura e estiver acessível, ela poderá ser encontrada por investigadores, nos próximos tempos? Mesmo que fosse no próximo ano? Ou mesmo no mês que vem? Ou sequer com um único dia de atraso? Porquê dispensar o talento do Miguel Godinho Ferreira ou da Raquel Oliveira, para citar apenas dois dos referenciados pelo jornal Expresso? Mesmo que o troféu vá na quase totalidade para uma qualquer equipa estrangeira com quem colaboram e partilham experiências e conhecimentos, a simples inclusão de um nome português na placa que celebrará esse feito, é de uma relevância enormíssima. Muito superior a qualquer festa de verão, ou de inverno, ou medieval, ou futurista, ou de todas elas juntas!
E porque não se há-de fazer uso do talento da Isabel Gordo, várias vezes reconhecido e premiado em instâncias europeias, para apressar a urgente e necessária resposta às bactérias multi-resistentes? Ninguém entenderia que o financiamento da sua atividade fosse diminuído para construir e inaugurar uma qualquer rotunda ou centro interpretativo. Até porque, no que diz respeito ao dinheiro europeu que é o que quase exclusivamente suporta os trabalhos do seu grupo, a sua consignação à ciência impede que seja aplicado em qualquer outra atividade.
Que moral temos nós, que reclamamos dos nossos parceiros europeus a natural solidariedade, para negarmos aos países africanos, muito mais pobres que nós, a contribuição genial da Maria Mota e do Miguel Soares para a possível erradicação da malária? É bom lembrar que estes investigadores estão devidamente “credenciados” e suportados não só por fundos públicos do Conselho Europeu, como igualmente de vários recursos privados destacando a conhecida Fundação Bill & Melinda Gates.
Para terminar e do conhecimento pessoal e direto que tenho, posso testemunhar que os cientistas referidos trouxeram diretamente para o nosso país, “apenas” para se dedicarem á investigação fundamental das áreas a que se dedicam, financiamentos estrangeiros de vários milhões de euros. Duvido que os que criticam, com tanta ligeireza, a opção por determinada linha científica de investigação, tenham currículo semelhante para ostentar.

 

PEQUENO DEMAIS PARA CRESCER POBRE DEMAIS PARA ENRIQUECER

“Portugal é demasiado pequeno e demasiado pobre para gastar dinheiro em investigação fundamental”. Esta afirmação sendo errada, como a seguir tentarei demonstrar, é estranha. Porque foi dita por alguém com responsabilidades políticas e executivas no interior do país.
Pelo contrário, um país como Portugal tem de, precisamente, apostar na investigação fundamental. Foi quando o nosso país se “esqueceu” que era pequeno e pobre que se agigantou, se fez grande, chegou à Índia e ao Japão, dominou os mares e espantou as grandes potências daquele tempo, rivalizando com elas em riqueza, possessões e domínio.
Pequena e com poucos recursos era a Bial quando apostou o que tinha e o que não tinha na investigação fundamental que lhe conferiu o conhecimento necessário à sintetização de uma molécula que lhe abru as fronteiras dos mercados internacionais e a levou, de forma rentável, aos melhores mercados europeus e americanos. “Pequeno e pobre” era o Instituto Politécnico de Bragança e foi a aposta do seu brilhante Diretor, precisamente, na investigação fundamental que o guindou à posição cimeira no ranking dos politécnicos nacionais e a um honroso e destacado lugar no panorama internacional.
A distinção e relevo que os bons resultados grangeiam nestas áreas são uma preciosa mais valia no mundo globalizado em que vivemos. O conhecimento é, cada vez mais, a fonte da riqueza das nações tal como o demosntram os seguidores de Adam Smith, onde pontuou o luso descendente David Ricardo. Já nada se inventa hoje sem se saber muito como diz frequentemente um célebre investigador português. A era em que vivemos é a era do conhecimento e é esse o maior vetor de desenvolvimento contemporâneo. Quase tudo o que temos e possuímos tem por base muito conhecimento científico e a maior valia está no desenvolvimento que daí advém. É portanto esse o caminho. É certo que o retorno nem sempre é fácil, nem sempre é rápido, nem sempre aparece no chamado “tempo útil” mas essa é, curiosamente, mais uma razão para a aposta nessa área.
A investigação fundamental, no nosso país é, direta ou indiretamente, financiada por fundos europeus, quer estes venham diretamente do European Research Council (ERC) quer sejam distribuídos pela FCT ou, mais recentemente, canalizados através das CCDR’s. Ora os projetos atribuídos pela ERC, e a participação portuguesa tem, felizmente, uma elevada taxa de aprovação, constam de fundos, com comparticipação a cem por cento, de milhões de euros que, só por isso, representam uma injeção líquida de significativas verbas no mercado nacional. Os projetos ERC têm um valor mínimo de um milhão e meio de euros para os iniciais e chegam aos dois milhões e meio para os avançados. Só em 2014 foram vinte e seis milhões de euros que chegaram ao nosso país, através deste programa europeu.
Quanto a isto é necessário ainda esclarecer uma confusão tremenda que, para grande surpresa, anda a ser difundida. Há autarcas que acham que nas CCDR, há, nos fundos europeus uma fatia exagerada de verbas destinada às unversidades. Isto é um erro crasso, até porque é afirmado como se houvesse aí algum entorce, algum “desvio” de recursos. Nada disso.  Tal fatia “destinada às Universidades” é dinheiro do Programa Horizon2020 que foi aprovado autonomamente e o entorce que pode haver é o de ter sido agregado aos fundos de Desenvolvimento Regional que em Portugal tomou o nome de Portugal 2020 o que talvez tenha contribuído para a confusão. O Programa Horizon2020 é destinado integralmente à investigação científica e é anterior ao outro. Foi, curiosamente, anunciado, pela primeira vez, em Bragança, no âmbito do Congresso da EARMA que ali se reuniu em 2011 e foi aí revelado quer o nome, quer o montante. Foi o governo de Passos Coelho, nomeadamente o ministro Poiares Maduro, que resolveu juntá-lo aos restantes fundos e entregar a sua gestão às CCDR’s numa infeliz decisão, por razões que não há espaço aqui para explanar. Mas a disponibilidade desta área nao é intermutável com a outra. As autarquias nunca poderiam usar esse dinheiro para qualquer outro fim. Se não forem as Universidade e Institutos de Investigação portugueses a dar-lhe adequado uso, será “recuperado” por Bruxelas e encaminhado para outro país da União. É bom lembrar que as regras de financiamento são, neste caso muito distintas. O Horizon2020 contempla um financiamento a 100% ao contrário do restante Portugal 2020 que exige uma contrapartida nacional.

 

DA CATALUNHA A CARVIÇAIS PASSANDO POR CASCAIS

Mais ou menos à mesma hora que em Barcelona no Parlamento Autónomo Catalão era proclamada unilateralmente a independência, na cidadela de Cascais, Teresa Patrício Gouveia questionava Rien Van Gendt sobre a legitimidade de se poder adaptar a vontade póstuma e fundadora, à realidade atual, necessariamente diferente, diversa e, seguramente, mais complexa que quando foi postulada. O consultor holandês afirmou claramente que não só era legítima como, provavelmente, seria necessária e conveniente, a incorporação do conhecimento atual para maximizar a relevância do legado. Estava certo que o próprio fundador seria o primeiro a promover uma tal reflexão. Contudo seria sempre necessário balizar as possíveis alteraçãos e adequações pelo estatuído no testamento fundacional.

O processo de independência é complexo, apaixonante e contraditório. Há seguramente razões, sobejamente conhecidas, de um e outro lado que suportam e justificam as tomadas de decisão. Compete aos interessados valorizarem as que mais lhe tocam. Há contudo duas, cujo relevo não pode ser ignorado e ambas estão do lado autonómico. A primeira tem a ver com a inviolabilidade do direito que todos os povos têm de poderem manifestar a sua opinião e vontade, de forma livre, genuína e sem que nada nem ninguém os impeça, seja de que forma for, muito menos recorrendo à violência institucional. A segunda tem a ver com ilegitimidade do argumento histórico. Legalidade e legitimidade não são a mesma coisa mesmo que andem, felizmente, muitas vezes de mão-dada. A norma constitucional impõe uma legalidade que só é legítima enquanto o texto fundamental representar, agora e não quando foi escrito, aprovado ou referendado, a expressão do povo que o sustenta e justifica. O facto de a Constituição ter sido aprovada maioritariamente, em referendo na Catalunha não pode impedir os justos anseios de gerações que entretanto surgiram e se afrmaram. Interpretar um texto datado, seja testamentário, fundamental ou instituidor, no tempo atual, sem ter em consideração as alterações que o tempo carreou é semelhante a citar uma frase polémica retirando-a do contexto.

Por igual razão de raciocínio se desvanece a “certeza” que querem fazer vingar os que garantem que o Abade Tavares ao referir explicitamente a vila de Torre de Moncorvo como o local onde pretendia que fosse instalado o Museu que guardasse e expusesse o seu rico legado. É necessário recuar oitenta anos para entender a forma como o clérigo via o mundo, o seu mundo e o interpretava. Fazer um Museu em Moncorvo era, para o investigador, colocar uma lança em África. De tal forma complicado e difícil que ele mesmo verificou da impossibilidade da sua concretização durante a sua vida. Fazê-lo em Carviçais era pura ficção. Impensável!
Não é assim agora. Pelo contrário. O Museu do Abade Tavares tem uma localização lógica e natural na Terra do Ferro e essa é uma e única: a aldeia de Carviçais. Refleti muito, recentemente sobre qual seria a genuína vontade de prior sobre o verdadeiro chão que deveria receber a sua riquíssima coleção. As poucas dúvidas que me restavam desapareceram quando, recentemente, “tropecei” num texto de Carlos d’Abreu sobre o processo de concurso para pároco de Carviçais. Apesar da sua origem, não me restam quaisquer dúvidas, nem restarão a quem quer que olhe para esta problemática da forma correta, que o padre José Augusto Tavares é um cidadão moncorvense de Carviçais. Nenhum local melhor que a sua aldeia de adoção para preservar a sua memória e reconhecer o seu mérito, talento e trabalho. Mesmo que os seus documentos contenham, em forma de letra, a expressão explícita à vila, sede do concelho.

 

O MANSO E O GUERREIRO X – O TAXISTA

Quando o Tomé Guerreiro chegou ao costumeiro lugar do encontro, já o Júlio Manso conversava com Miguel Subtil que estava de visita à terra natal, vindo de Lisboa. A conversa passou a ter três interlocutores pelo que, para melhor compreensão, desta vez farei anteceder cada intervenção pelas iniciais do nome de cada um.
TG – Ora viva, Miguel. Mais uma vez por cá?
MS – É verdade ti Tomé. Sabe bem que, sempre que posso, não deixo de vir...
JM – E desta vez, com grandes novidades. 
TG – Muito bem, venham de lá essas notícias...
JM – O Miguel fechou a Loja de Antiguidades que tinha na Baixa Lisboeta.
TG – Ah, então não se trata de uma visita mas sim de um regresso...
MS – A mudança foi grande e radical mas não tão radical quanto isso. Fechei a Loja em Lisboa mas continuo por lá. 
JM – Agora o Miguel é taxista! 
TG – Taxista? Grande mudança. Algum motivo especial?
MS – O motivo não tem nada de especial. É o de sempre. Como não tenho fortuna, vejo-me obrigado a viver do meu trabalho.
JM – Pelos vistos o negócio anterior não era rentável.
MS – Não se trata propriamente de rentabilidade. Em termos meramente contabilísticos a atividade de compra e venda de antiguidades tinha uma margem de rentabilidade boa e chegava bem para pagar as despesas de funcionamento e deixar o suficiente para viver sem luxos, mas com conforto.
TG – Então qual foi o problema?
MS – O problema foram os pagamentos. No nosso ramo ainda se usa muito o pagamento por cheque. Enchi uma gaveta de cheques sem cobertura! As despesas de cobrança são grandes e nem sempre  se consegue recuperar o que nos é devido... É impossível ir atrás de cada devedor para tentar reverter o negócio. Mesmo que fosse não adiantaria muito pois eu não como jarras de porcelana chinesa, nem visto móveis Luis XV.
TG – Pois é, com a mercadoria do lado deles fica difícil obrigá-los a desfazerem o pretenso mau negócio. Mas, diz-me cá, o que te leva a garantir que com o serviço de táxi não te acontece o mesmo?
MS – Tem toda a razão. Nada me garante. Mas nesta nova profissão, ao contrário da outra, o pagamento é pedido já depois do serviço prestado e, em caso de reclamação nem sequer é possível reverter o negócio. De nada me adiantaria levar de volta à origem um passageiro que não quisesse pagar, pelo contrário, no que me diz respeito, até agravaria ainda mais a situação, para o meu lado.
TG – Eu suporia que os clientes de táxi seriam mais propensos ao calote que os adquirentes de peças distintivas e, seguramente, longe do lote de primeiras necessidades.
MS – Supunha vossemecê e supunha eu. Mas o certo é que é como lhe digo. Nas corridas de táxi não há calotes, a não ser em circunstâncias excecionais. 
JM – E porque será?
MS – Essa é uma boa pergunta. Ora, como sabe, uma das vantagens de ser taxista é o convívio e diálogo com gente de toda a condição. Um grande economista explicou-me que isto tem a ver com a tradição. Segundo ele a importância da tradição é muitíssimo maior, no funcionamento do Mercado do que aquela que no passado se lhe atribuiu e ainda há quem atribua...
JM – Essa agora.
MS – Pois é. Mas veja bem que essa questão responde adequadamente no meu caso, onde a lógica apontaria exatamente no sentido contrário. E explica a razão porque no passado os contratos eram celebrados com um simples aperto de mão...
TG – E quem decide o que é a tradição numa e noutra circunstância?
MS – Ninguém. 
JM – Ninguém e todos. 
TG – Ora aí está. Veja bem o que se passou com as recentes eleições!
JM – Não me diga que isso também tem a ver com a política! 
TG – Tem, tem. E muito. Tudo na vida atual pode ser assemelhado a um mercado. E nada como as eleições para as autarquias. Há quem queira um produto e há quem possa proprocioná-lo. Há um contrato de promessa de compra e venda, se assim lhe podemos chamar. Ora quando um político jura a pés juntos que vai fazer uma obra, logo no início do mandato, nem que chovam picaretas...
JM – E não a faz...
TG – E, pior que isso, fá-la nas vésperas das eleições...
JM – Ah, mas aí, provavelmente, já não resulta...
TG – Isso é que resulta. Este ano quando me indignei por causa da obra que só apareceu no final de setembro, o que não faltou foi gente a mandar-me calar. Que, mais valeu tarde que nunca, o importante era ter a rua arranjada. Estamos assim a criar a tradição de que basta fazerem o que é preciso em ao cair do pano para se livrarem da devida penalização.
MS – E isso é mau...
TG – Não é mau. É péssimo!

 

O MANSO E O GUERREIRO IX – MIS ABUELOS

O encontro desta tarde cálida de setembro aconteceu em casa do Júlio Manso que esperava o seu velho amigo, Tomé Guerreiro, na varanda de madeira, logo ao cimo das escadas de cantaria, recostado numa velha cadeira de braços, encostada à parede. Lia calmamente um livrinho com marcas do tempo nas páginas amarelecidas.
– Hoje deu-lhe para a literatura?
– Estou a reler este exemplar que tinha ali no fundo da estante.
– De alguém conhecido? – perguntou, curioso o Tomé.
– Conhecidíssimo. Jorge Luís Borges.
– Ah sim, o moncorvense.
– Supostamente!
– Seguramente!
– Não está nada provado.
– Nada há para provar. O próprio não assumiu que eram portugueses e de Moncorvo “sus abuelos”?
– Mas isso não chega. Por isso mesmo a autarquia celebrou um acordo com a Universidade de San Martin para apurar a verdadeira genealogia do escritor argentino.
– Que desperdício de dinheiro!
– Essa agora? Porque acha que é desperdício?
– Simples. Pense comigo. Porque acha que a Universidade de Buenos Aires está interessada no estudo em causa?
– Para poder descobrir a verdade, porque haveria de ser?
– Sim, sem dúvida, mas com uma permissa clara e evidente.
– Que permissa? O que sabe o meu amigo disso?
– O que eu sei é o que a lógica me diz. Os investigadores argentinos querem estudar a genealogia dos Borges com a expetativa que não sejam efetivamente de Moncorvo.
– O que o leva a pensar assim?
– Veja bem, os investigadores trabalham, em qualquer ramo científico, para  poderem publicar, certo?
– Certo, e daí?
– Daí que só é digno de publicação o que trouxer novidade. A partir do momento em que o escritor se declarou moncorvense tendo até visitado a vila nordestina, as suas origens ali deixaram de ter qualquer originalidade. Singular e interessante seria descobrir que afinal a sua origem era noutro local do norte português. Ora se a Câmara, interpretando o sentimento dos munícipes, tem tanto orgulho e proa nas origens conhecidas pode na prática usar o dinheiro público para destruir esse “património” que obtivera diretamente das mãos do académico sulamericano.
– Mas pode chegar à conclusão que afinal é mesmo como se supunha.
– Pode. E nesse caso o que é que o município ganha? Nada. Pagou para obter o que já tinha.
– Mas agora certificado.
– E que valor tem essa certificação? Sabe como essas coisas são. Lançada uma dúvida haverá sempre quem a possa retomar no futuro. Mas agora imagine que a conclusão é contrária aos interesses da autarquia.
– Bem, nesse caso, efetivamente, a aplicação dos escassos recursos públicos não terá sido a mais acertada.
– Claro. Mas não só.
– Há mais?
– Claro que há mais. Muito mais. Porque se o estudo disser que a origem do Borges é outra que reação poderá ter a Câmara que  apoiou e patrocinou o projeto?
– Não será uma posição fácil, não.
– No mínimo não poderá contraditar um trabalho apoiado, promovido e sustentado por si. Pagou, perdeu e nem pode reclamar. Não parece boa ideia andar a jogar na roleta com o dinheiro de todos.
– Provavelmente tem indicadores que apontam no outro sentido.
– Mesmo assim. Nunca deveria ter admitido a dúvida. Porque a partir desse momento, sabemos bem por outros exemplos, alguém há-de, num qualquer dia, levantar de novo essa hipótese e explorá-la. Nessa altura, o Município, se não tivesse participado no estudo anterior, além de não ter desperdiçado dinheiro estaria em muito melhores condições para a contraditar
– Lá isso...