José Mário Leite

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Fazer menos Para fazer mais e melhor

Isabel Gordo, investigadora do Instituto Gulbenkian de Ciência, tinha, já há algum tempo, descoberto que as bactérias tinham uma capacidade de adaptação mil vezes superior ao que até então era tida como certa e adequada. Esta situação causou-me uma enorme preocupação pois queria dizer que as bactérias multirresistentes tinham condições para se desenvolverem enquanto se multiplicavam e assinalavam o início da morte dos antibióticos tal qual os conhecemos. Contudo as suas pesquisas recentes vieram descobrir que mau grado essa capacidade, as novas entidades pagam como preço por essa super adaptação, uma dependência do fármaco ao qual ganharam resistência. As mutações que se efetuam para conferirem a resistência acabam por lhes serem prejudiciais na ausência do antibiótico. Para sobreviverem estas adquirem outras mutações compensatórias e isto justifica que apesar da tal adaptabilidade, inicialmente referida, nem todas se desenvolvem com sucesso. O que os novos medicamentos terão de fazer é atacar, modificar, bloquear ou, eventualmente destruir, as proteínas que estão envolvidas no mecanismo compensatório. Diz-nos a investigadora que: “Se conseguirmos bloquear as proteínas agora identificadas talvez possamos matar bactérias multirresistentes, uma vez que estaríamos a eliminar este mecanismo compensatório que favorece o seu crescimento na população.” – E como fazer isso? – é a pergunta que se impõe. “Não sei, isso agora já não é comigo. Agora é com os químicos. Talvez no Instituto Técnico de Química Biológica haja alguém que possa agora pegar nisso e desenvolver um medicamento que use adequadamente as descobertas do meu grupo”

Esta conversa veio, a talho de foice, num encontro casual de corredor a propósito da reação que a divulgação deste tipo de notícias frequentemente provocam. Há várias pessoas que lhe telefonam a oferecerem-se para, voluntariamente, serem cobaias para que a investigadora possa por em prática as descobertas que vai fazendo. “Não é fácil dizer-lhes que eu não chego tão longe e que agora há que esperar que outros colegas peguem nisto e façam algo que possa ser usado em futuros medicamentos. Sentem-se frustrados... mas para que eu possa continuar os meus trabalhos de investigação é necessário que eu páre por aqui, nesta linha”. Presente a também investigadora Karina Xavier confessou que muitas vezes se sentia impelida a continuar para lá do estrito objeto da sua investigação porque, como lhe dizia o marido, se calhar com mais algum esforço poderia aprofundar as experiências e talvez contribuir, quem sabe, para mais facilmente curar doenças ou mesmo salvar vidas.  “É verdade que eu própria me sinto muitas vezes empurrada nesse sentido, mas tenho de ter a noção que ao ir por aí estou a trilhar um caminho onde não sou especialista. Haverá alguém o fará melhor que eu que me devo concentrar no que melhor conheço e sei.”

Por um lado é importante divulgar este tipo de desenvolvimentos e descobertas científicas entre outras razões para que seja apresentada a devida justificação dos dinheiros públicos que são, em grande parte, o suporte financeiro desta atividade. Por outro, sem diminuir a importância dos resultados obtidos, é necessário igualmente acautelar o excesso de expetativas que este tipo de notícias acaba por despoletar a quem sofre de doenças de uma qualquer área focada e cuja cura não seja ainda possível.

Situação idêntica se passou recentemente na Fundação Champalimaud após o anúncio de uma metodologia nova e revolucionária no tratamento de alguns tipos de cancro e cujos telefones foram completamente inundados de chamadas de doentes a quem, infelizmente, esta nova terapia não se aplicava.

 

NHA TIA

Umas das maiores prorrogativas da Democracia, talvez a maior, provavelmente a Única por ser a base de todas as outras reside no direito reconhecido a todos de poderem escolher uma entre várias opções para cada um dos problemas que o tempo e as circunstâncias nos vão colocando ao logo da vida. Mesmo que quando, quer a nossa, quer a da maioria, pender sempre ou quase sempre para o mesmo lugar é bom, reconfortante e seguro saber que essa escolha resulta da convicção de bondade da mesma pois havia, há e haverá a possibilidade de preferir, promover ou adotar um caminho diferente, uma solução alternativa, um propósito diverso. É por isso com grande estranheza, com surpresa e até com alguma mágoa que se constata que, cada vez mais, muitas das resoluções dos decisores locais, nacionais e até europeus, nos aparecem como factos consumados, definitivos, sem possibilidade de argumentação ou oposição porque, dizem, “Não Havia Alternativa”. São demasiadas e cada vez mais frequentes as circunstâncias que desembocam em ruelas estreitas, apertadas, difíceis, tantas vezes, mas inevitáveis por constituirem a única saída possível. Foi, inclusivé, cunhado um acrónimo com base na enunciação em língua inglesa desta mirífica e polivalente solução: “TINA – There Is No Alternative”. Por oposição a este existe o oposto “TIA – There Is Alternative” que no nosso português configura um nome de muito maior abundância e utilização. Mesmo sendo certo que a crescente opção pelo filho único lhe diminui a vantagem, mesmo assim há e haverá sempre mais tias do que Tinas. Preferindo embora a denominação lusófona em que a opção única nos oferece como sigla um vocábulo fonético muito nosso, muito nordestino Nha pela utilização das iniciais de “Não há alternativa” mas também usado popularmente como abreviatura de “minha” (Nha mãe, nha tia – como recentemente e com muito agrado ouvi em plena Lisboa), não me conformo com a as soluções únicas trazidas e apresentadas como inevitáveis por alguns iluminados de que se supunha haver apenas (má) memória.
É que, por estranha coincidência, quando uma opção tem por justificação a inexistência de alternativa, é sempre má, prejudicial para os cidadãos e acarreta custos que, mais tarde ou mais cedo, se irão refletir no nosso bolso. Curiosamente também se verifica que quem justifica estas deliberações, quase sempre, pouco tempo antes, desde que noutras circunstâncias e com outras responsabilidades, jurava e garantia que o leque de escolhas é, para todos e qualquer dos casos, largo, vasto e com seguras vantagens sobre as decisões alheias. Assustadoramente, floresce esta teoria e maneira de ser e pensar no centro político onde até há bem pouco se encontravam as soluções governativas maioritárias. É infelizmente nos extremos, quer da esquerda, quer da direita, que aparecem e fazem caminho ideias e propostas com diferenciação clara e evidente.
Ainda há pouco tempo se falava na “esquerda caviar” para fazer a ponte entre os extremos políticos. Chegou a vez das tias para igualmente encontrar as pontas extremadas da política. É da extrema esquerda e da extrema direita que chegam as TIA’s com consistência e estabilidade perante a deriva e desnorte do tradicional centrão de TINA’s

VINTE E UMA DÉCIMA

Jorge Sampaio cunhou a expressão “Há mais vida para além do déficit” que muitos viriam a repetir e a brandir, sempre que tal lhes convinha. Em coerência não podem agora vir reclamar louros, hossanas e louvores para a obtenção do resultado recordista de um déficit de dois vírgula um por cento do Produto Interno Bruto.
De igual forma aqueles que fizeram do controlo orçamental o leitmotiv de todo um ideário político e programa de ação governativa, não podem agora desvalorizar o notável feito que o atual governo obteve para as contas públicas no ano de 2016. Alegam os detratores da ação do atual Ministro das Finanças e outros opinadores independentes que o resultado foi obtido com recurso a ações extraordinárias únicas e irrepetíveis. Quanto aos independentes pode aceitar-se este argumento desde que no passado o tivessem igualmente brandido. Porque esse é que é o cerne da questão. Por um lado há já vários anos que estamos habituados a ver todos os governos a incluirem nas suas atuações pro-ativas ações extraordinárias de forma a amenizar os índices financeiros. É certo que desde a entrada do nosso país no clube do Euro todos os executivos nacionais têm dedicado especial atenção a esse indicador de tal forma que acabou por entrar no léxico popular vulgarizando a sua utilização e compreensão. Mas nenhum deles o promoveu a objetivo primeiro e primordial, subordinando toda a restante política económica à obtenção desse desiderato, como o vigésimo liderado por Pedro Passos Coelho. Não pode, ninguém que a ele tenha pertencido ou ativamente o tenha suportado e apoiado, vir agora menorizar a obtenção do valor em causa. E se o argumento que cifra tem o valor que tem, não é, genericamente, aceitável por causa de ações excecionais dado o histórico referido, muito menos o será para quem tudo sacrificou, incluindo o crescimento económico, o emprego, o investimento, as pensões, os salários e tantas outras malfeitorias, no altar do indicador imposto pelo Ministro da Finanças alemão, através da União Europeia de do Eurogrupo liderado por um holandês sobejamente conhecido. Mas não só. Ao reclamarem que a façanha de Mário Centeno se fez com suporte em eventos não re-editáveis estão a confessar que todas as ações levadas a cabo pelo anterior Governo, afinal não eram provisórias e temporárias mas seriam para repetir e continuar. Para que, como argumentam agora, os níveis do déficit fossem sustentáveis, caso se mantivessem no poder, manteriam os cortes nos salários e nas pensões e o Estado continuaria a deixar de se comportar como uma entidade de bem no cumprimento das suas obrigações e compromissos para com os cidadãos, sempre que “fosse necessário”.
Definitivamente, não é entendível, nem sequer razoável ver o grupo que deificou o controlo orçamental desvalorizar e menorizar o fabuloso resultado atingido este ano, nesse campo. O natural e razoável seria um aplauso generoso, um elogio rasgado à atuação ministerial, eventualmente acompanhados de uma glorificação adicional do objetivo primeiro defendido anteriormente. Ganharia credibilidade e valorizaria, mesmo que retroativamente, a direção e o rumo que em 2011 definiu e traçou para o nosso país. Não pensam assim os estrategas social-democratas. As próximas eleições revelarão se têm ou não razão.

(IN) FELICIDADE ETERNA

Na semana que terminou foi notícia a implantação de um coração artificial. Não se tratando de um coração completo, mas apenas de uma bomba mecânica auxiliar do órgão humano, não deixa de ser um passo importante no bom sentido. É uma questão de tempo e não tardará que seja possível fabricar e instalar numa pessoa que dele necessite, um coração totalmente artificial e autosuficiente em termos energéticos e de manutenção, condição que o equipamento em causa ainda não satisfaz integralmente.
Contudo esta notícia fez-me regressar à crónica da semana passada. Mas antes disso há uma realidade que se apresenta à nossa frente com uma insistência crescente e que não é possível ignorar: estamos todos a transformarmo-nos, lenta e crescentemente, em Ciborgues (cyborg na nomenclatura inglesa original de cybernetic organism). Chama-se ciborgue a uma pessoa em que parte das suas funções são desempenhadas por mecanismos cibernéticos. São já várias as próteses que, com sucesso, podem ser operadas diretamente pelo cérebro. Depois dos pace maker começam a aparecer partes de coração e, não tarda nada, outros órgãos internos começarão a ser fabricados pelos homens para serem incorporados nos corpos de seres humanos. Mesmo hoje já parte da nossa memória e funções de cálculo e registo deixaram de ser executados pelo nosso cérebro e são quase totalmente desempenhados por agendas eletrónicas, máquinas de calcular, individualmente ou integradas nos populares smartphones. Outras funções se sucederão. Com tempo, a maquinização chegará a muitos outros lugares, até há pouco reservadas aos órgão nativos dos seres vivos.
Com a crescente capacidade de substituição de partes humanas que deixaram de funcionar ou não o fazem satisfatoriamente, igualmente estamos a caminhar para a eternidade. No limite, se tudo puder ser substituído, a imortalidade será um facto. Muitas são as questões éticas e de singularidade que se colocam e que poderão ser abordadas no futuro, mas o que interessa agora é saber qual a reação natural a este fenómeno já dos nossos dias. Teoricamente todos estes avanços melhorando e prolongando a vida em boas condições devem ser encaradas como intrínseca e genuinamente boas e carreadoras de maior felicidade.
Mas tal não estará, necessariamente, garantido. Bem pelo contrário. Podem potenciar angústias, stress e sofrimento. A ciborguização será, seguramente, pelo menos nos primeiros tempos, um processo complexo e muito caro. Assim sendo estará apenas disponível para um pequeno grupo de privilegiados, causando tristeza e dor em todos os que dela precisando, não lhes esteja acessível. Por outro lado, sendo possível substituir muitos dos sistemas vitais não será possível evitar de todo acidentes, atentados e desastres que o impossibilitem tornando estes factos (ou a própria existência dessa possibilidade) mais dramáticos e terríficos aumentando exponencialmente a ansiedade antes de acontecerem e multiplicando o dramatismo da sua ocorrência.
Serve pois esta crónica para confirmar a anterior ao provar que até as coisas melhores que o progresso e a tecnologia nos pode trazer não garantem um aumento contínuo e sustentado da felicidade. Podem, pelo contrário, contribuir, de forma esporádica ou continuada, para a sua diminuição.

E FORAM FELIZES PARA SEMPRE (OU TALVEZ NÃO)

A felicidade absoluta não existe. Existem sim momentos de prazer que, muitas vezes, nos levam a desejar que se prolonguem indefinidamente. Contudo tal não é possível. A felicidade traduz-se na sensação de bem estar, percebida pelo cérebro, devido ao aumento de produção de serotonina. Esta condição biológica não é exequível. Porque, como disse no início, não é absoluta, pelo contrário é relativa. Traduz-se no aumento temporário de satisfação e, como tal, deverá regressar ao estado normal, mesmo que o estímulo inicial se mantenha. Ninguém consegue manter-se em estados permanentes de felicidade tal como, igualmente, ninguém persiste em estados contínuos de infelicidade.
É certo que, geneticamente, há indivíduos cujo estado de satisfação normal é superior ao de outros mas os limites são sempre transitórios. Numa escala de 0 a 10 podemos adimitir que o estados estáveis se situarão entre 4 e 7 e as flutuações provocadas pelos acontecimentos externos poderão levar, durante algum tempo, a níveis 9 ou 10 ou, por oposição, ao 0 e 1. Inevitavelmente regressar-se-á ao nível estável de partida. As pessoas com tendência para a boa disposição, voltarão aos seu estado de satisfação moderada e as rezingonas tenderão a regressar à sua condição  de angústia contida. Tal como se o estado psicológico de satisfação fosse um compartimento cuja temperatura seja controlada por um sistema de ar-condicionado cujo valor estável é pré-programado. A exposição ao ambiente externo provoca alterações na temperatura, para cima ou para baixo, mas, com o decorrer do tempo o sistema encarrega-se de a estabilizar ao valor fixado. A sensação agradável (ou desagradável) da transição é mais relativa que absoluta pois entrar num compartimento a 10.º graus centígrados pode causar-nos um arrepio ou uma sensação de calor dependendo do ambiente externo ser de grande calor ou glacial.
O grau de felicidade de quem adquiriu, para uso próprio, uma cabana numa floresta longínqua, pode ser, da mesma ordem de grandeza de quem acabou de se instalar numa fabulosa penthouse numa movimentada avenida de Nova Iorque. Para o que conta, o cérebero, não mede nem avalia a sofisticação da decoração ou a facilidade de acesso, bem como a tecnologia de apoio, mas tão somente a quantidade adicional de serotonina libertada.
É certo que a globalização e os meios atuais de comunicação elevam a fasquia que serve de limiar pois coloca em comparação não o que nos rodeia no nosso ambiente habitual, mas tudo o que de melhor existe em todo o mundo.

A revolta que levou à queda de Mubarack foi originada pela insatisfação que os egípcios sentiam... não porque se estivessem a comparar com os seus ancestrais do tempo de Ramsés mas porque o termo de comparação foi a sociedade ocidental, europeia e americana.

Por outro lado a sociedade descrita por Aldous Huxley em O Admirável Mundo Novo  em que um governo ditatorial induzia nos cidadãos, por meios biológicos e psicológicos um estado de felcicidade constante é assustador. Na minha modesta opinião, muito mais que o próprio 1984 de George Orwell.

Há aliás outras razões e argumentos para que esta demanda do Graal não possa ser mais que isso. Uma busca constante e permanente que, se atingida, retirar-lhe-ia a própria essência da própria procura. Em crónica futura e quando houver oportunidade, regressarei ao tema.
 

O Paulo, o Álvaro e o Mário

É de tal forma frequente e banal que os partidos políticos mudem de opinião de acordo com a sua situação em relação ao poder que já não deviam ter qualquer crédito as referências, que ainda se atrevem a fazer, ao passado dos seus opositores. E contudo, continuam a fazê-las. E, pior que isso, a comunicação social (o novo Tribunal Popular) dá-lhes palco, cobertura e chega a arremedar-lhe alguma credibilidade que os satisfaz e incentiva. Já, por outro lado, as posições devidamente fundamentadas, genuínas, sem contraposições passadas, parecem estranhas e bizarras e sem qualquer lugar de relevo na imprensa falada e escrita. Conseguem, quando muito, uma nota de rodapé, para cumprir calendário e “serviço público”. Nada mais! Vejamos casos concretos recentes.
Anda aí uma roda-viva por causa de uns supostos SMS. Alegamente Mário Centeno terá dito, num deles que António Domingues estava dispensado de apresentar a sua declaração de património por causa da alteração ao estatuto dos administradores da Caixa. Eu gostava muito de saber quantos dos que hoje rasgam as vestes e batem no peito sabiam, antes da “denúncia” de Marques Mendes, que eftivamente havia uma lei com dezenas de anos que mantinha aquela obrigação. Aposto que muito poucos, para não dizer nenhuns. Se lhe perguntassem, numa roda de amigos se a obrigação se mantinha (quase) todos teriam dito que não. Provavelmente Mário Centeno também. Talvez o tivesse escrevinhado, se lho sugerissem, numa toalha de papel de tasco onde tivesse ido petiscar ou na areia da praia, em tarde de veraneio. Ou num SMS particular, se questionado dessa forma. E depois? Não o terá escrito em nenhum documento oficial, que são esses que obrigam o governante. Terá, garantem, omitido tal “crime”. Em benefíco próprio? Em benefício de familiares, amigos ou correlegionários? Não. Pelo contrário toda a atuação ministerial, ao que se sabe e sem qualquer desmentido mesmo pelos seus maiores detratores, tem sido orientado para o benefício da Caixa, do país e dos portugueses. Porquê então tanto alarido?

Por outro lado a comunicação social que brande os SMS como archotes em noite escura e fria, relegou para pé-de-página as declarações de Álvaro Santos Pereira que se referiu de forma muito clara e acertiva à célebre demissão irrevogável, garantindo que Paulo Portas, com o intuito e o objetivo de obter poder pessoal (o que conseguiu) fez “intriga e chantagem com um país numa situação dramática”. Todos sabemos o custo que teve para o país e qual o ganho político assim obtido. Provavelmente não escondeu nenhuma comunicação incómoda nem garantiu nada que não pudesse fazer. Mas isso não impediu o prejuízo nacional que a sua atitude egoísta e irresponsável causou. E porque é que a imprensa não relevou, não releva nem irá, seguramente, relevar tão reprovável comportamento?

É bom que, em ano de eleições, os presidentes candidatos tenham em boa conta que a legitimidade das opções de gestão que as eleições lhes conferiram têm de ser moderadas e limitadas pela ética que lhes deverá impedir que usem os meios municipais para promoção puramente pessoal!
O importante e fundamental para todos os governates, seja a que nível for, é a defesa intransigente do interesse superior daqueles que os elegeram e a quem representam. O devido reconhecimento e recompensa individual, quando existir, terá de ser consequência. Nunca o contrário.

Sustentabilidade energética

Alfândega da Fé pertence à Associação de Municípios do Baixo Sabor e, como tal, integra o conjunto de autarquias que participaram com a cedência de terras para a construção e funcionamento do Aproveitamente Hidroelétrico do sul do distrito. Participou, na medida do que lhe foi solicitado, no esforço necessário à instalação de um sistema ecológico e renovável de energia. Esta energia é necessária ao desenvolvimento regional e nacional, bem como ao bem estar e satisfação de muitas necessidades indispensáveis na contemporaneidade.
Ao contrário dos sistemas eólicos de produção de energia, as barragens têm várias vantagens sobre outras fontes energéticas, mesmo sendo renováveis, como as eólicas. As barragens promovem a diversidade da fauna e da flora, compensando algum inpacto negativo, provocado, necessariamente, pela grande alteração do espaço onde se instalam. São menos agressivas quer na vertente ecológica quer, sobretudo, na vertente paisagística. Promovem igualmente o aumento da reserva de água doce e potável, um recurso cada vez mais precioso. Falando em reserva evidencia-se a maior das suas vantagens que é a capacidade de armazenar energia, permitindo o seu uso apenas quando for necessário o que é de enorme importância no seu papel de regulação e estabilização da rede elétrica nacional.
Imagine-se um sistema de produção puramente solar. À noite não haveria energia. E se a captação da luz solar fosse suficiente em dias médios, nos dias de maior calor haveria muita energia que teria de ser totalmente desaproveitada a menos que se investissem avultadas somas de dinheiro em grandes armazéns de baterias elétricas.
Se o sistema fosse exclusivamente eólico passar-se-ia o mesmo nos dias de calmaria e nos dias ventosos, respetivamente.
Contudo se for usado um sistema misto, embora não resolvendo todas as falhas na totalidade, acrescenta eficiência a qualquer um dos métodos pois as noites ventosas e os dias de calor sem vento terão energia suficiente para uso. Este passo tem um significado especial, como a seguir se verá.
Não havendo armazenamento a chave de funcionamento do sistema é o equilíbrio. A produção tem de igualar o consumo.
Ora a sustentabilidade, ao contrário do que alguns pensam, defendem e promovem, não passa necessariamente no aumento da produção de energia renovável, mas na redução racional, mas substantiva do consumo. E, claro, na mistura dos sistemas de produção, ou, pelas mesmas razões, na partilha do consumo. Assim se obterá uma situação mais equilibrada, mais ecológica e mais sustentável.
Foi essa a aposta do município alfandeguense, segundo notícia apresentada neste mesmo jornal na edição da semana passada. A opção pela iluminação pública à base de LED e, sobretudo, a instalação de paineis solares para autoconsumo partilhado é, sem qualquer margem para dúvidas, a opção certa no que ao futuro ecológico convém experimentar, melhorar e promover. Estão pois de parabéns, não só a Presidente Berta Nunes por ter apostado neste projeto que além do seu potencial garantido tem um financiamento excecional de 95%, como o Diretor Executivo da Associação de Municípios da Terra Quente Transmontana e coordenador da Agência de Energia de Trás-os-Montes, eng.º Manuel Miranda!

SOPA DE PEDRA(O)

Pedro Passos Coelho resolveu chumbar a redução da TSU porque, segundo ele, o PSD não vai ser a bengala do Governo. O suporte das decisões governamentais tem de ser assegurado pela Geringonça e não deve ser esperado nenhum outro apoio, vindo de qualquer partido fora da aliança de esquerda. Seja qual for a ação, o projeto ou a deliberação. A bondade intrínseca da matéria em análise não interessa, desde que a sua contestação possa representar um sinal de desunião na plataforma de apoio governamental. Acrescenta ainda que, no caso em apreço, era ao Partido Socialista que competia assegurar o respaldo político para o acordo estabelecido na Concertação Social. Foi, segundo o líder social-democrata, o partido socialista que esteve a negociar na mesa onde o PSD não teve assento. Portanto eles que se desenrasquem e que se libertem desta enrascada em que se meteram.
Começam aqui os equívocos. O PSD é representado pela sua direção mas não fica confinado na vivenda de S. Caetano à Lapa. É verdade que não houve dirigentes dos militantes, mas os trabalhadores social-democratas estavam bem representados pela delegação da UGT que aprovou e assinou o acordo em questão.
A segunda confusão vem com a descabida história das bengalas. É público que o ex-primeiro ministro anda com dificuldade de afirmação dentro do seu próprio partido e começa a olhar por cima do ombro pois são vários os lugares de onde podem surgir desafiadores da atual liderança. Provavelmente por isso, Pedro Passos Coelho resolveu mostrar serviço na tarefa de se opor ao atual governo e, como tal, trata de suportar e apoiar tudo o que, no seu entender, possa abrir qualquer brecha na maioria parlamentar do governo. Pretende com isso abanar a Geringonça e dificultar a sua continuidade. Ora o erro de avaliação, neste caso, é clamoroso. Pelo contrário, a atuação desastrada e lesa-património partidário, como Silva Peneda veio alertar em carta aberta, acaba por ser o maior seguro de vida do acordo governativo. Se não vejamos: Cumprido o primeiro ano geringonçal, com a reversão das medidas mais contestadas à esquerda, todos os analistas são unânimes em clamar que havia necessidade de encontrar novo leitmotiv capaz de reanimar e solidificar a união dos partidos da ala esquerda. Ora quem o está a fornecer é precisamente o PSD. Contrariamente ao que quer fazer crer, ao apoiar a iniciativa do PCP ao lado do Bloco de Esquerda está a ajudar estes dois partidos pois que ao obterem ganhos concretos em determinadas causas, ganham espaço para poderem continuar a apoiar a governação socialista sem terem de alienar os seus militantes.
A crer no que a imprensa vai divulgando esta união (PSD-PCP-BE) vai acontecer em outras iniciativas. A situação começa a ser idêntica à do célebre frade que na zona da Almeirim tentava, em vão, obter esmola que lhe aliviasse a fome. Conseguiu-a usando uma pedra que lavou muito bem, fazendo crer aos aldeãos que ela seria o principal condimento da sopa que se propôs confecionar, servindo apenas de indês para obter todos os outros condimentos que eram, na realidade, os verdadeiros condimentos da refeição. Consumido o repasto perguntaram-lhe o que iria fazer com a pedra. A resposta pode muito bem ser parafraseada por Jerónimo de Sousa ou Catarina Martins:
– O Pedro, perdão, a pedra? Vou guardá-la para a próxima vez!

José Mário Leite

Quando José Sócrates ganhou as eleições em 2005 convidou para ministro das Finanças Luis Campos e Cunha. Com curriculum coniderável preparou, juntamente com o Primeiro Ministro, uma série de medidas, algums polémicas, tendo em vista a contenção do déficit que teimava ultrapassar os valores impostos pela União Europeia aos países integrantes da Zona Euro. Entre estas houve algumas que mexiam com a idade da reforma, com as reformas antecipadas em complemento com um aumento generalizado de impostos. Sendo Campos e Cunha beneficiário de uma generosa reforma pela sua passagem (durante seis anos) pela Administração do Banco de Portugal houve quem questionasse a moralidade da imposição de tais sacrifícios aos seus concidadãos. O Primeiro Ministro veio em sua defesa acusando os que o atacavam de visarem o seu assassinato de caráter.
Foi público e notório o esforço primo-ministerial para segurar o titular da pasta das Finanças. Inglório, pois, passado pouco tempo, a 20 de julho desse ano, Luis Campos e Cunha apresentou o seu pedido de demissão por “razões familiares, pessoais e de cansaço”. O episódio da publicitação da sua reforma de que não quiz abdicar, tempos antes, não passara de mera coincidência. José Sócrates lamentou a saída, agradeceu-lhe o contributo e elogiou-lhe o desempenho. Substituiu-o por Fernando Teixeira dos Santos, como é sabido.
Recentemente, Luis Campos e Cunha veio “revelar” que afinal a verdadeira (ou a principal) razão da sua demissão tinha sido a pressão do Chefe do Governo de então para que demitisse a Equipa Gestora da Caixa Geral de Depósitos de então. Será dificíl apurar se foi exatamente assim. Admitamos que sim. É louvável que o ex-ministro tenha deixado que se tenha instalado uma falsa opinião sobre si para proteger o Primeiro-Ministro de então. Sim, porque não pode ter sido para proteger nem a Caixa nem o Governo já que ao recusar a substituição proposta só poderia ter por motivação a convicção que a fórmula existente era melhor que a que lhe era proposta e que depois veio a ser efetivada. A ser assim, porque razão SÓ AGORA (e porquê agora) vem a público fazer revelação tão polémica? Que benefício tem hoje para o país, para a Caixa, para o sistema bancário, tal afirmação que, mesmo sem a contestar, teremos sempre de admitir poder ter uma outra versão (todas as moedas têm duas faces!) dado que ele mesmo afirma não a ter devidamente documentada? Não teria sido mais útil ter feito esclarecido este facto, na altura, não só para preservação do seu próprio bom nome (a que tem inalienável direito), mas igualmente prevenindo ou tentando evitar uma solução que lhe parecia na altura e que hoje confirma ter sido prejudicial para o erário público que os servidores do Estado devem ter como fim primordial? Não posso crer que seja apenas porque na altura José Sócrates era primeiro-ministro e estava no centro do poder situação que o colocava nos antípodas da que hoje tem.
Mais do que incompreensível e de duvidosa utilidade foi a “informação” que no final de um almoço com Armando Vara rasgou, na frente deste, a fatura respetiva que pagara em dinheiro. O que quiz significar com este gesto? Que se o não fizesse se sentiria comprometido com o ex-governante? Um ministro tem de ser uma pessoa idónea e a quem é creditada essa idoneidade. Não é possível outra situação. Se o almoço foi de trabalho, nada mais natural que fosse paga pelo ministério. Mas se, pelo contrário, considerou o repasto na esfera pessoal, bastar-lhe-ia pagar e guardar a fatura. Que significado atribuir à teatrealização de a rasgar na presença do seu convidado? E, sendo assim, o que pretende ao revelá-lo todos estes anos depois? Que utilidade tem tudo isto?
Lembrei-me de Mateus 6:3 “... que a tua mão esquerda não saiba o que fez a direita”

 

(In)constitucionalidades

Foram muitos os municípios que, por esse país fora, comemoraram os quarenta anos da realização das primeiras eleiçoes autárquicas. Alguns centraram as festividades e as homenagens à volta da Câmara Municipal, havendo outros que entenderam que o lugar adequado para celebrar a instalação do Poder Local Democrático seria a Assembleia Municipal. O vinte e cinco de Abril comemora-se na Assembleia da República e não na Sede do Conselho de Ministros. 
Qualquer uma das opções é válida e terá os seus defensores que, justamente, carrearão várias e válidas justificações para qualquer uma das opções.
Em Lisboa o dia doze de dezembro originou uma sessão solene no Fórum Lisboa, antigo cinema Roma e sede da Assembleia Municipal da Capital. De entre os vários oradores teve especial relevo a intervenção do Deputado e Vice-Presidente da Assembleia da República, Jorge Lacão. Em resposta e por antecipação a algumas críticas sobre a eleição e o modo de funcionamento das assembleias municipais, fez um historial do processo e da legislação eleitoral, cuja possível alteração, aparentemente dada por todos como necessária e conveniente, necessita de consensos alargados por se tratar de matéria constitucional. Fez aliás um paralelo com o que se passa em termos nacionais com o Poder Legislativo e o Poder Executivo. Uma das questões recorrentes, neste capítulo, passa pela formação de executivos resultantes de vitórias maioritárias ou de acordos pós-eleitorais, mas que sejam expurgados da oposição pois a co-habitação de todos os eleitos não faz sentido, enfraquece a forças opositoras e foi, segundo ele, um dos principais motivos da perpetuação de alguns autarcas. A limitação de mandatos, não sendo a mais adequada e eficaz foi o paleativo encontrado. O que faz sentido e é necessário é que, com reforço de poderes, a oposição fique na Assembleia e exerça aí o seu poder de fiscalização e controlo da atuação camarária. Igualmente anacrónica será a presença em total igualdade de condições e poderes, dos Presidentes de Junta, no Parlamento Local. À época em que foi criado, o modelo fazia sentido, pois havia a necessidade de unir, juntar, congregar esforços, a seguir à revolução do cravos, para consolidar a Democracia ainda jovem e com necessidade de amadurecer e crescer. Não o fará hoje. Foi lembrado que a intergração dos Presidentes de Junta distorce a vontade popular pois a composição da assembleia deixa de obedecer ao Método de Hondt. Que pode ter especial relevo num daqueles que é o principal ato de exercício do poder local legislativo: a discussão e aprovação do Plano e Orçamento. 
A propósito desta matéria o deputado foi muito claro. No seu entender a lei das Autarquias Locais tem uma disposição que, no seu entender, não respeita a Constituição. Trata-se do normativo que determina que o Plano e Orçamento é de elaboração exclusiva do Executivo, não podendo a Assembleia analisá-lo na especialidade e estando-lhe igualmente vedada a possibilidade de alteração. O documento aparece como um todo e é como um todo que é analisado e votado. Ora se atentarmos na Constituição Portuguesa, os artigos 161 (alínea g)) e 237 (n.º 2) que estabelecem respetivamente as competências de aprovação orçamental pela Assembleia da República e pelas Assembleias Municipais, respetivamente, não diferem entre si o suficiente para darem cobertura ao normativo da Lei da Autarquias Locais, nesta matéria. Portanto esta última estará ferida de inconstitucionalidade. 
Assim sendo, é necessário corrigir o erro. 
Sem mais!