O manso e o guerreiro. VII – Velhas maleitas e sezões

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Para grande espanto do Júlio Manso, o Tomé Guerreiro esperava-o sentado num banquinho de madeira, feito pelo Toninho Carpinteiro, já lá vai um ror de anos, em frente da improvisada mesa de pedra que a velha mó de um moinho lhe proporcionava, muito entretido e interessado a olhar para o ecrã brilhante de um novíssimo computador portátil. 
— Ora vejam só quem é que já se interessa pela tecnologia. 
— Ora essa! A informática não é coutada da gente jovem. Não sabe o meu amigo que a infoexclusão de agora é o equivalente ao analfabetismo do tempo da nossa juventude? Além de que é justo ajudar quem nos ajuda. 
— Essa agora! Ajudar quem? 
— O Bill Gates, claro. O magnata da informática. 
— E é esse que nos ajuda? Cada vez entendo menos. 
— Caro Júlio, saiba que o empresário americano sendo o homem mais rico do mundo, criou uma Fundação que, entre outras coisas, está a financiar projetos de combate à malária. 
— E o que é que isso tem a ver connosco? 
— De duas formas: por causa da malária e porque o consórcio que está a desenvolver uma vacina conta com vários investigadores portugueses, do Instituto de Medicina Molecular, do Instituto Gulbenkian de Ciência, do Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier, do Instituto de Higiene e Medicina Tropical e da Universidade do Minho. 
— Mas isso da malária não é uma doença de África? 
— É sim senhor. Uma doença terrível que só em 2015 matou mais de meio milhão de pessoas. Uma doença que afeta, entre outros, vários países de língua portugesa. Mas também é uma doença que já andou por aqui e que as alterações climáticas podem muito bem criar as condições do seu regresso. 
— Malária? Por aqui? Não tenho memória de ter ouvido falar... 
— E de Paludismo? E de Sezões? E das Maleitas?
— Não me diga...
— Pois lhe digo. É tudo e a mesma coisa. 
— Das maleitas e sezões ouvi falar muito. Quem é que da nossa idade não se lembra? 
— Pois é! Tiveram muita incidência nas zonas de arrozais dos vales do Tejo e do Sado, mas também no nordeste, sobretudo no Vale da Vilariça.  
— Doença terrível. Havia quem a associasse á Rebofa.
— É provável que sim. O Visconde de Vila Maior descreve o Vale da Vilariça como tendo sido um antigo lago que desapareceu pela deposição de aluviões que foram, por um lado, trazidos das montanhas próximas e por outro depositados pela ação violenta da Rebofa provocada pela configuração específica do Douro ao contornar o Monte Meão.
— E vossemecê sabe como é que uma coisa tem a ver com outra? 
— As maleitas, ou paludismo era e é, provocado pela picada de um mosquito.
— E então? 
— Então que a nata depositada pelas águas revoltas do Douro a que se juntavam as do Sabor, numa zona quente, exposta ao sol e abrigada do frio pela serra de Bornes, configurava um ambiente natural para a existência de focos de mosquitagem que transmitiam a doença a tantos que se dedicavam às lides agrícolas, sobretudo quando o faziam de forma exposta, com pouca roupa a cobrir-lhes o corpo e descalços.  
— Uma doença que atacava sobretudo os mais pobres. 
— Tal como agora, já nessa altura era uma doença ligada á pobreza. E é também isso que valoriza a ação da Fundação Bill & Melinda Gates.  
— Pode explicar melhor?
— A Malária, tal como muitas outras doenças, pode, tudo o indica, ser combatida com medicamentos mas, sobretudo, ser evitada com vacinas. Mas como os possíveis doentes são gente pobre e com poucos recursos não tem merecido a atenção das grandes farmacêuticas. Por isso é importante que instituições que não procuram o lucro, como são as Fundações invistam nestas áreas para que seja possível chegar a resultados práticos.
— E as entidades portuguesas? 
— Todas as entidades portuguesas de que lhe falei, são instituições sem fins lucrativos. O Instituto Gulbenkian de Ciência pertence à Fundação Calouste Gulbenkian que realizou há alguns anos um programa sem precendentes fazendo o rastreamente genético completo da ilha do Príncipe e cujo estudo está na base da atual participação neste consórcio.  
— E acha provável chegarem a uma vacina?  
— É possível. Tal como é possível e regresso do Paludismo ao nosso país fruto do aquecimento global que cria as condições para a reprodução do mosquito que o transmite!
José Mário Leite