O manso e o guerreiro - VIII – Património genético
Tomé Guerreiro estava já há algum tempo à espera do seu amigo Júlio Manso e foi logo direto ao assunto sem qualquer introdução, brandindo o jornal Nordes de algum tempo atrás.
– Já viu o que vem aqui escrito?
– Não vi, mas o meu amigo vai dizer-me, com toda a certeza.
– Claro que sim. Diz aqui no jornal que a amêndoa coberta de Moncorvo obteve a certificação da União Europeia.
– Estamos então de parabéns.
– Claro, todos nós, a começar pela Câmara Municipal que em colaboração com o Agrupamento de Produtores de Amêndoa, elaboraram, promoveram e candidataram o processo. Só é pena que não se tenha acautelado a preservação do germoplasma da espécie autótone e tradicional.
– Agora é que eu não entendi nada!
– A amendoeira, como sabe, ao contrário da oliveira, é uma árvore de vida curta. Por isso é necessário ir renovando os amendoais.
– Claro. Mas isso não é natural?
– Naturalíssimo! O que acontece é que as novas árvores são de origem italina, espanhola e francesa, diferentes da tradicional.
– Provavelmente porque são melhores.
– Muito melhores! Por isso é que estão a ser preferidas às de antigamente.
– E isso é mau?
– Claro que não. É bom porque permitem maior rentabilidade, mais resistência às pragas e mais longevidade. Mas com o passar do tempo, com a substituição das árvores mais antigas pelas novas espécies, estamos, pouco a pouco a perder um património que é nosso.
– E para que queremos nós esse património, para que servem essas velhas árvores se existem melhores espécies disponíveis.
– Meu caro amigo, isso nem parece seu. Para que o queremos? Ora essa, para o conservar, exatamente pela mesma razão por que conservamos os castelos, os fortes, os castros e outras antigas construções.
– Isso é diferente. São monumentos antigos e com muito valor.
– Diferente em quê? A questão é exatamente a mesma. A conservação dos monumentos não impediu a modernização da habitação. Conservar as construções antigas não quer dizer que tenhamos de manter a técnica e a forma antiga de edificar as habitações. As casas de agora podem e devem ser mais confortáveis, ter outro tipo de estruturas e comodidades. Mas isso não pode implicar a destruição ou sequer a deterioração do património edificado só por não ter essas características.
– Ou seja devem os agricultores optar por novas variedades mas deve ser assegurado o património original da tradicional?
– Exatamente.
– Mas como?
– Assegurando a existência de alguns amendoais com as espécies tradicionais que embora tendo rendimentos mais baixos e menor resistência a pragas e doenças, garante que não se perdem as espécies que durante milhares de anos povoaram as encostas dos montes da Terra Quente.
– E porque hão-de os agricultores, cujos rendimentos são tão escassos, preocupar-se com essa questão em vez de aproveitarem todo o terreno disponível para plantações modernas e rentáveis?
– Tem toda a razão. Não compete aos agricultores assegurarem esse objetivo. Essa é uma tarefa das instituições do setor com o devido apoio da autarquia!
– E não há outra forma de garantir esse desiderato?
– Sim, há outra forma que aliás é já usada em outros locais: isolando, conservando e preservando o respetivo germoplasma.
– E como é que se faz essa preservação?
– Isso é que eu não sei. Mas há, certamente quem saiba. Basta inquirir.
– Nem mais!