O título desta minha crónica parece ser um nonsense, contudo há uma lógica para o mesmo que a seguir demosntrarei. O provérbio “quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado lhe vem” ficou famoso como justificação de uma decisão judicial no processo Sócrates, no caso, se a memória não me atraiçoa, para a manutenção da prisão preventiva em Évora. Não havendo naquela data provas sobre a sua culpa, havia, segundo o ministério público, indícios suficientes, que sustentavam a sua tese. Contudo, essa “regra” de tempos idos, começa a perder razão e força, nos tempos modernos. Em crónica recente dei conta que quem mais alojamentos “vende” na internet é a AirBnB que não tem nenhuma casa. E é a Uber, que não tem nenhum carro, quem mais fatura no serviço de transporte individual. Poderia citar outros exemplos mas o que hoje importa referir é o caso da energia em que esta situação é ainda mais evidente e peculiar. Há, inclusivamente um novo termo para caracterizar o novo cliente energético: o prosumer. O vocábulo, de origem britânica junta os dois conceitos de produtor (prodicer) e consumidor (consumer). A atual tecnologia permite inclusivamente que seja possível vender energia, sem a produzir. Vejamos como:
Tomemos para exemplo um cliente de energia igualmente que seja também possuidor de um carro elétrico. Estas viaturas atualmente têm baterias que lhes permitem armazenar energia para viagens de distâncias consideráveis! Ora, como é sabido, a viatura particular é, no dia a dia, usada, essencialmente para ir até ao trabalho e regressar. Seguramente usará muito menos que um quarto da energia acumulada na ida e outro tanto no regresso, deixando assim disponível mais de meio depósito... que o feliz contemplado poder vender à empresa onde trabalha. E o que ganharia ele com isso? Ganha ele e a empresa. E todos nós!
A energia elétrica tem preços diferentes segundo as várias horas do dia. É mais barata à noite, mais cara durante o dia e ainda mais durante o período do meio dia que é quando há mais consumo. É mais cara porque a procura é maior e isso chegaria. Mas não só. A produção de base de energia está ajustada ao consumo médio. Os picos de procura são satisfeitos com importação, por um lado, e, por outro, recorrendo a centrais térmicas que usando hidrocarbonetos, produzem energia com um custo mais elevado e com muito maior poluição, libertando várias toneladas de CO2. Como a carga dos carros elétricos se faz durante a noite, quando a energia é barata, é possível entregá-la na hora de ponta a um valor mais elevado e, mesmo assim, menor que o cobrado pelas operadoras energéticas. Todos ganham e o ambiente também!
Vamos agora à galinha que, obviamente, se refere a outro refrão popular, nomeadamente a dos ovos de ouro. E porquê? Porque este novo negócio (em que já há várias empresas a iniciar a exploração) baseia-se na realidade de que a há uma diferença de preço por causa das exigências de consumo. A exploração desse diferencial vem, precisamente, diminuir essa diferença. Em última análise se este negócio for muito bem sucedido e toda a necessidade de energia adicional for compensada por energia armazenada a baixo custo... deixa de fazer sentido pagá-la mais cara pois a situação passa a ser uniforme. Ou seja, quanto maior for o sucesso deste novo negócio, maior é a ameaça que sobre ele paira!
Mas o caminho é esse. Um caminho estreito, pois necessita de um elevado grau de equilíbrio: tal como a galinha que, enquanto enriquecia o seu dono, tinha de recear pela sua vida por causa da possível ganância do mesmo.
QUEM CABRAS NÃO TEM (Evite matar a galinha)
José Mário Leite