Ainda não se calaram todas as vozes que clamam que a alienação da empresa criada por Calouste Sarkis Gulbenkian representa um desvio inaceitável, ou pelo menos exagerado, da missão confiada à Fundação com o seu nome. É verdade que a Partex tem representado, ao longo dos últimos sessenta anos, não só uma das principais fontes de receita para o financiamento das suas atividades como, igualmente, um estabilizador no meio da instabilidade constante que envolve os restantes investimentos vulgarmente agrupados no que se convencionou chamar de "carteira". E se esta, ao que já é sabido, este ano teve um bom desempenho, outros houve em que a "volatilidade" do mercado trouxe prejuízos consideráveis com reflexo imediato no valor total da fortuna. O Conselho de Administração já deu provas de ter o assunto muito bem estudado e estar a conduzi-lo com todo o cuidado e precaução. Não deve ser, pois, uma preocupação para mais ninguém. Não há nada escrito, no testamento do fundador sobre o destino futuro da petrolífera. O essencial do "caderno de encargos" do senhor Calouste pode ser traduzido em duas ideias base: a perpetuidade da Fundação e a prossecução de quatro fins estatutários: arte, educação, ciência e benemerência. Sendo essa uma preocupação constante do CA, não há, na alienação em curso, nada que possa colocar em causa a sua manutenção e execução total e completa.
Mesmo sendo certo que a importância relativa, na sociedade portuguesa, já foi muito superior à atual, também é verdade que a principal fundação lusitana continua, a ser brindada pela população com elevadíssimos índices de apreço e aprovação como o demonstram estudos recentes. A imagem da Gulbenkian nunca foi afetada pelas crises nem pelas opções de gestão, independentemente das polémicas que algumas tenham proporcionado. Porque no seu código genético, a "embrulhar" a marca de qualidade, competência, generosidade e disponibilidade, patentes desde o ato fundador, está a gratidão, gravada pelo seu patrono, logo à nascença. A Gulbenkian é generosa e grata para todos os que a servem com dedicação e lealdade e isso traduz-se na reciprocidade de todos os seus beneficiários sejam, utentes, parceiros ou colaboradores. Celso Matias é mais um exemplo recente, entre muitos outros, de alguém que, tendo-se reformado depois de largos anos de atividade profissional na Avenida de Berna, não hesitou em colocar toda a sua capacidade, tempo e outros recursos, ao serviço da antiga entidade patronal para levar ao melhor porto a preciosa ajuda no apoio às martirizadas populações vítimas dos incêndios de verão.
A generosidade e gratidão com todos aqueles com quem se relaciona, sejam colaboradores, parceiros ou beneficiários, que lhe foram legadas pelo seu instituidor, representam, tendo em vista o cumprimento da vontade testamentada, um ativo de valor muito superior ao da Partex ou do desempenho da carteira.
Celso Matias e a Partex
José Mário Leite