Tomé Guerreiro esperou o seu velho amigo Júlio Manso à entrada da adega. Quando o viu ao fundo da rua a dobrar a esquina tratou de cortar duas lascas de presunto e encheu os dois copos com tinto da sua colheita.
— Veja lá se ainda se bebe pois o calor já aperta e a pipa já está quase a chegar às borras.
— Já pica um pouquito! Era bem engarrafá-lo entes que se estrague...
— Ele não! Já não compensa. Não tarda nada está aí o novo e quando azedar de vez, fica para vinagre e também se gasta.
— Pois isso é verdade. Este ano até há-de vir primeiro que as uvas amaduraram cedo. Já há quem queira vindimar!
— Pois eu só vou cortar as uvas em setembro. Dê por onde der...
Júlio Manso deu uma espreitadela no Jornal Nordeste que ostentava na capa a fotografia de uma brilhante locomotiva, propriedade da empresa que vai esplorar turisticamente o que resta da antiga linha de caminho de ferro parcialmente submersa pela última barragem da EDP, num dos afluentes do Douro.
— Então,lá vamos ter de novo o comboio a apitar, da Brunheda a Mirandela.
— Vamos de certeza, que a Douro Azul não brinca em serviço.
— Pena é que não estenda as suas atividades a outros locais que neste tempo de crescimento turístico por todo o país é que é de aproveitar quem faz e sabe fazer bem!
— Muito Deus ajuda a quem madruga!
— É bem verdade ti’ Tomé! Não basta esperar pelas oportunidades. É necessário fazer por elas. Nisso, honra lhes seja feita: os autarcas das margens do Tua não deixam os seus créditos por mãos alheias.
— Fazem eles muito bem. Ao contrário de outros que o trataram com desdém eles resolveram acarinhar o empresário duriense. E o resto veio por acréscimo!
— E não se esqueceram de pressionar e insistir com a EDP
— Assim é que é! A cara feia é para quem nos tira, as gentilezas são para quem nos dá!
— Veja só que no Tua até o que nos outros é problema, aqui é solução!
— Está a falar dos morcegos?
— Isso mesmo. No Tua combatem pragas e são bem vindos
— Por falar nisso, afinal os ditos cujos hibernam ou invernam?
— E há diferença?
— Claro que há. Ou vossemcê acha que é apenas uma questão de grafia?
— E não é?
— Claro que não. Como também, parecendo, não é, apenas uma questão gráfica a diferença entre ficar calado e assim evitar ficar colado a tão grossa asneira!
— Pois será! Mas isso de uma coisa ser boa num lugar e a mesma coisa ser problema noutro sítio e vice-versa, quase parece mau olhado! Ou feitiço.
— Não é não, que eu não acredito nisso. Quando muito é o fator Sadim!
— E isso é o quê?
— Ora isso... são já outros quinhentos! Hoje já vamos muito avançados e não sobra tempo para lhe explicar. Fica para a próxima.
José Mário Leite