Diz o ministro Santos Silva, em seu nome e, ao que consta, igualmente no do Primeiro Ministro que não se pode interpretar literalmente a Lei até porque, desde a sua publicação, ainda não houve qualquer caso conhecido de aplicação das sanções por violação do artigo 8.º da Lei 28/95 de 18 de agosto, tendo acrescentado que ele andou ou mandou estudar o caso. Foi pouco eficiente no seu estudo, como revelou recentemente o Jornal de Notícias dando conta que dos 79 casos para os quais o Ministério Público pediu a destituição, 64 já foram afastados, por ordem do tribunal, desde 2012.
Admitamos que o estudo do ministro estava correto e que efectivamente em nenhum caso tinham sido aplicadas as sanções previstas na Lei, até hoje. Obviamente que isso não é argumento nenhum para que não fosse legítimo e obrigatório aplicar o estipulado legalmente. Se isso fosse justificação para não se exercer, cega e independentemente a tramitação legal, como deve acontecer nos casos judiciais, então esta nunca aconteceria pois quando o primeiro ocorre, por definição, nenhum outro aconteceu antes dele. E se para o primeiro não houver qualquer atuação então também não poderá, justamente, haver para o segundo porque aí a justificação anterior, aplicar-se-ia com maioria de razão.
Consideremos ainda que o ministro tem razão quando afirma que não é justo penalizar alguém por algo que ele não fez ou influencia directamente. Convenhamos que, teoricamente, literalmente (para usar a terminologia ministerial) este conceito colhe simpatia. Mas, sendo verdade, não o é só agora, Sê-lo-á desde a publicação do diploma, em agosto de 1995. Porque é que há de ser reclamada tolerância e razoabilidade na aplicação de Lei, apenas agora, quase vinte e cinco anos depois da sua aprovação? Porque não foi reclamada para as sessenta e quatro pessoas já atingidas por ela, desde 2012 e para as mais (que seguramente haverá) nos dezassete anos anteriores?
Mesmo que não tivesse havido nenhum caso transitado em julgamento, bastaria ter havido acusações com esse fundamento para que houvesse razão para reclamar injustiça pois seguramente que estes procedimentos causam grande incómodo e prejuízo à imagem dos atingidos que, a dar crédito ao ministro, aconteceria, indevidamente.
Vamos mais longe. Vamos mesmo admitir que ninguém foi condenado, nem tão pouco acusado. Vamos conceder que tal não se deveu a nenhum desconhecimento nem demasiada complacência do Ministério Público ou das autoridades judiciais. Em termos éticos, puramente, a justeza da não aplicação da Lei apenas poderia ser aceitável se fosse possível garantir que não houve, no passado, nenhum cidadão que não tivesse recusado integrar a Administração Pública, nos casos caracterizados no diploma, por entender que ao fazê-lo estaria a incorrer no ilícito descrito na legislação produzida e aprovada na Assembleia da República. E isso, estou certo, não será fácil fazer nem será nunca absolutamente conclusivo.
Resta a reclamação de que não se faça a interpretação literal da lei. Como? Que outra interpretação pode ser feita se a mesma só é aplicável, depois de publicada, em forma de letra?
Estou certo que o próprio Primeiro Ministro sabe isto muito bem e como tal “manda” que falem por ele. E que o pedido de parecer feito ao Ministério Público, acompanhado da rápida publicação da nova legislação, mais permissiva, mais não é que uma manobra de dilação para não ter de remodelar o Governo na antevéspera de eleições.
Isto eu entendo. Mas isto é política. Outra coisa é a Lei que, dura ou não, não deixa de ser Lei e não pode ter duas interpretações de acordo com quem ela atinge ou beneficia!