Num artigo de opinião, no jornal Público, Rui Tavares lembra um episódio de 1932, na Alemanha pré-hitleriana. Klaus Mann (escritor, filho do célebre Thomas Mann) ouvindo uma conversa de Adolf Hitler, num café em Munique, enquanto se empanturrava de bolos, autocensurou-se pela forma como combatera o nazismo nascente. Um homenzinho, inculto, rodeado de acríticos admiradores e com um discurso simplista e baseado em falsidades não podia representar qualquer perigo na sua ambição de liderar a poderosa, culta e nobre Alemanha. Baixou a guarda. Combatê-lo seria conferir-lhe a importância que não tinha. Pouco tempo depois penalizava-se pelo seu flagrante erro de avaliação.
Quem não se lembra da forma, quase anedótica como há pouco mais de cinco anos, era comentada por vários dirigentes democratas (Barack Obama incluído) a possível (pouco provável, diziam) candidatura de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos. Rapidamente se viram forçados, pelas circunstâncias, a reconhecer flagrante falha de apreciação.
Na sua edição de fim de semana, o Expresso traz entrevistas com dois dos candidatos à liderança do PSD. Pinto Luz, obtida a visibilidade, vem colar-se, mesmo que afirmando o contrário, às teses estratégicas de Montenegro. Para marcarem a diferença, relativamente a Rio, traçam ambos uma linha vermelha à esquerda. A afirmação do PSD passa pela alternativa absoluta e sem qualquer compromisso com o PS. Só assim, juram, podem chegar ao poder. Obtendo, obviamente, do eleitorado a confiança de uma maioria absoluta. O problema é que a realidade não acompanha as estratégias gizadas nos gabinetes sobretudo para convencer militantes, tradicionalmente mais radicais que os eleitores comuns. Contudo, mesmo as eleições internas não se vencem só com o apoio dos mais inflamados apoiantes. E para convencer os mais moderados é necessário trazer alguma razoabilidade ao discurso. Sendo as maiorias absolutas, cada vez mais raras e, tendencialmente, inacessíveis a um único partido, é preciso dizer onde se vão buscar os apoios necessários para a chegada à cadeira de S. Bento. Traçada uma fronteira inultrapassável à esquerda, só resta o espetro da direita para ir pescar à linha ou em aliança. De forma, quase ingénua, enunciam os pontos comuns com o neófito mas perigoso Chega! Para manter a lógica de diferenciação (não só do PS, mas sobretudo do atual presidente social-democrata) não hesitam em vender a alma ao mais radical dos populismos. Para não serem “muletas” dos socialistas, vão procurar quem, supostamente, se contentará em servir-lhe de “muletas” a eles!
Tal “ingenuidade” é quase confrangedora. O objetivo de todos os partidos, sem exceção, é alcançar ao poder, sozinhos, se possível, liderando, se for necessário ou servindo um outro partido maior se não houver outra alternativa. Os pretendentes à cadeira de São Caetano não podem alegar desconhecimento sobre a ambição, clara e explicitamente enunciada pela liderança de Assunção Cristas, ouvida e registada num passado bem próximo, do recente parceiro de coligação.
Obviamente que a defesa de propostas diversas e alternativas, favorece e fortalece a Democracia. Mas as linhas vermelhas, a existirem, devem situar-se nos extremos, nunca ao centro.