A revolta dos autarcas das Terras de Trás-os-Montes
Li com viva satisfação, ainda que um tanto admirado porquanto não esperava tão inusitado episódio, o artigo em que o jornalista Fernando Pires nos dá conta, com o rigor e a objectividade que são seu timbre, de que os nove autarcas que integram a Comunidade Intermunicipal das Terras de Trás-os-Montes exigem, é o termo apropriado, a permanência da Direção Regional de Agricultura e Pescas do Norte (DRAPN) em Mirandela, que é onde sempre esteve e, manda o bom senso, deve continuar. Incompreensível e contraditória é a filosofia desta estranha reforma que apenas se poderá bem compreender se o Ministério da Agricultura tiver em mente privilegiar as hortas urbanas de Lisboa e do Porto, em detrimento da grande produção agrícola nacional. E obscuro é o seu modus operandi porquanto continua a nada se saber no que às novas funções das deslocalizadas ex-direcções regionais diz respeito ou de que forma irão ser substituídas. Mais sombrio será ainda assim o destino dos cerca de cem funcionários que exercem funções em Mirandela, por mais que a ministra respectiva declare que tão gravosa alteração não os irá afectar. Será que vão ser transferidos e se o forem, para onde? Será que vão ficar arrumadinhos como bibelôs nos armá- rios das instalações, devolutas? Quem sabe?! Convém desde já destacar, todavia, que a moção com a qual os nove autarcas transmontanos formalizam e fundamentam esta sua exigência, com inteira justiça e propósito, diga-se de passa- gem, invoca a predominância do sector agrícola na região transmontana, que é secular e se mantem actual, sendo desejável que assim conti- nue a ser, para lá da manu- tenção dos serviços públicos enquanto fonte de desenvol- vimento, donde decorre a fixação de pessoas que no presente quadro de ermamento e desertificação se revela crucial. Perante tudo isto, devem os transmontanos aplaudir de pé esta revolta democrática e cívica dos seus autarcas, repudiando o egocentrismo vesgo do governo central. Desejável será, para lá do mais, que esta inédita atitude dos autarcas das Terras de Trás-os-Montes se repita e repercuta, com a determinação e a dignidade que caracteriza os transmontanos, já que razões de sobra não têm faltado. Designadamente no que à defesa e aproveitamento dos fundamentais recursos hídricos diz respeito. Matéria esta que todos os anos, pelo Verão, ganha acrescida importância e dramatismo, que vem sendo iludida com aparentes boas intenções, manda a verdade que se diga, mas sem que até hoje se tenham traduzido em obras com a di- mensão, a eficácia e o impac- to requeridos. De visível pouco mais que umas tantas charcas que des- figuram os olivais, isto no núcleo central em que a oliveira é rainha. Convém sempre lembrar, a este propósito, os projectos iniciados por Camilo de Mendonça há cinquenta anos atrás e lamentar que não tenham tido continuidade. O que é tanto mais grave quanto as alterações climáticas se estão a manifestar dramáticas a ritmo galopante, criando o risco iminente de plantas, animais e humanos morrerem à sede, sendo que nenhuma invernia lhes valerá. Tenha-se em conta, por outro lado, que os autarcas e deputados, mesmo sendo designados pelos partidos, por deficiência da lei eleitoral vigente, não devem comportar-se como paus mandados, que o mesmo é dizer serventes cegos de partidos ou governos, antes devendo assumir, prioritariamente e em pleno, a defesa dos interesses da região e das populações que, bem que mal, sancionaram eleitoralmente a sua nomeação. Sobretudo em situações como esta, em que o governo central demonstra não saber o que quer nem para onde está a levar o país, com ministros a expressarem pu- blicamente ideias contraditó- rias, o que que sempre acaba por resultar no prejuízo das comunidades locais e em dis- formidades culturais, sociais e do pretendido desenvolvi- mento justo do território. Não basta propalar a coe- são territorial a toda a hora, para tudo e por nada. É preciso muito mais! Grande é a trapalhada que reina nos gabinetes e corredores do Ministério da Agri- cultura, sem dúvida! Venham, pois, mais revol- tas cívicas, democráticas, transmontanas, como esta, antes que as Terras de Trás- -os-Montes se convertam definitivamente num ermo triste e abandonado.