O terramoto eleitoral de 10 de Março

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Partindo de princípio que o PS é de esquerda, o que é altamente controverso e que o PSD é de direita, o que muitos contestam, havemos de concluir que a direita alcançou uma vitória estrondosa nas últimas eleições legislativas, ainda que esquerda e direita não devam ser tomados como grupos coesos, como simplistamente vem acontecendo. Assim é que, tudo somado, já a contar com os 4 deputados da emigração, a direita elegeu 138 deputados, enquanto a esquerda se ficou pelos 92. Melhor, ou pior, um tanto: enquanto a direita, relativamente às eleições de 2022, ganhou 39 deputados a esquerda perdeu 43. No centro deste verdadeiro terramoto eleitoral, está um partido do qual os seus muitos opositores disseram o que Maomé não disse do toucinho, mas que mereceu a simpatia de mais de um milhão de eleitores, o que equivale a mais de 18% de votos válidos. Certo é que, diga-se o que se disser sobre as políticas defendidas pelo partido em causa e as reais motivações dos seus eleitores, o Regime político vigente entrou em choque. Desde logo porque o bipartidarismo crónico, base da alternância viciosa protagonizada pelo PS e pelo PSD, poderá ter os dias contados, abrindo-se finalmente portas às reformas regimentais que, entre outras benfeitorias democráticas, poderão melhorar o permissivo sistema de justiça, promover a luta eficaz contra a corrupção, reformar a enviesada lei eleitoral e dinamizar o desenvolvimento equitativo do todo nacional. Se assim for a democracia muito terá a ganhar. Não há motivos, portanto, para que Pedro Nuno Santos emigre para a Alemanha e refunde o Partido Socialista, o PCP entre na clandestinidade, o BE passe à luta armada, ou que Luís Montenegro expulse André Ventura de Portugal. Surpreendentemente, Pedro Nuno Santos, agora já em claro processo de expiação da governança de que foi destacado protagonista, entendeu recusar liminarmente a responsabilidade de governar democraticamente, sabe-se lá porque motivos, quando ainda tinha hipótese de ganhar as eleições, o que em nada abona o seu carácter de governante. Talvez esteja à espera que seja Luís Montenegro a fazer o trabalho sujo, como aconteceu com Passos Coelho, que abriu as portas a António Costa, para depois ele, então sim, aparecer como herói. Acontece, porém, que a sua eventual colagem à extrema esquerda, por via da oposição sistemática ao novo governo e do tacticismo que diz rejeitar, colocará Portugal no caminho de Cuba ou da Venezuela. Os portugueses, mesmo os menos letrados politicamente, terão isso em conta, por certo. Preferível será, outrossim, que quer o PS quer o PSD, partidos que são basicamente iguais na ideologia e na prática, embora no PSD pontifiquem barões e baronetes e no PS mais gangues e clãs, promovam as indispensáveis reformas internas, se pretenderem manter a importância que até hoje tiveram. PS e PSD que, embora nunca tenham governado juntos, sempre se mancomunaram na partilha de cargos, mordomias, dinheiros públicos, influencias políticas e por aí fora. Os muitos escândalos, grandes e pequenos, envolvendo personalidades dos partidos em apreço, aí estão para o testemunhar. É isto que, no essencial, tem caracterizado o bipartidarismo reinante e que agora está posto em causa. Certo é que Portugal evoluiu, fruto da prestimosa integração na agora designada União Europeia, mas a verdade é que nunca até hoje conseguiu evoluir o suficiente para deixar de ser um dos países mais pobres e tristes desse clube de ricos. Fica o consolo, porém, de que Portugal é hoje uma democracia consolidada, plenamente integrada na NATO e na UE, que não poderá ser facilmente derrubada por uma qualquer ameaça totalitária, vinda da extrema esquerda ou da extrema direita e muito menos por um qualquer golpe militar, revolucionário ou reacionário, ao melhor estilo sul americano. Ainda que o Regime político instalado, como atrás se viu, enferme de vícios graves que favorecem a corrupção, o devorismo, o compadrio, a incompetência, as desigualdades sociais, o empobrecimento e as assimetrias regionais. Assim se compreende que o eleitorado tenha vindo, sistematicamente, a refugiar-se no desinteresse pela vida política e na abstenção. O mais estranho e grave é que nenhuma força partidária de esquerda tenha, até hoje, denunciado e lutado contra este triste status quo político. E que tenha sido uma força vinda da direita mais descentrada a lançar a pedrada no charco, como acaba de se constatar. Força que cresceu por força do descontentamento generalizado que se alargou com a governança desastrada de António Costa, com a futilidade institucional do presidente Marcelo e a debilidade e desacerto da Oposição. Assim sendo, o terramoto eleitoral de 10 de Março, mais do que fazer estalar o verniz democrático do Regime, poderá fazer que todo o edifício se desconchave. Para bem, se possível.

Henrique Pedro