União Europeia: um bicho de sete cabeças
Volto ao tema “União” a propósito das recentes eleições para o Parlamento Europeu, cujos resultados apontam para a manutenção do já tradicional equilíbrio de forças parlamentares, confirmada que está a predominância do Partido Popular, que reforçou o número de mandatos de 176 para 186, incluindo os 7 eurodeputados eleitos pela AD, secundado pela Aliança dos Socialistas, que perdeu cinco mandatos, mas conserva 139, considerando os 8 eurodeputados eleitos pelo PS português. De salientar que estas duas maiores famílias políticas, que estiveram na origem da União, continuarão a ser as suas traves mestras, sem esquecer outras igualmente relevantes que reafirmam o seu europeísmo, como é o caso dos Liberais e dos Conservadores. Facto particularmente relevante se tivermos em conta a profunda crise político-militar desencadeada pela mão de Vladimir Putin, porque tudo leva a crer que a política da União de apoio à Ucrânia se irá manter e mesmo reforçar, designadamente com a sua integração na Comunidade. Ainda que a ascensão generalizada de partidos ditos de extrema direita, com realce para a vitória de Marine Le Pen, em França, esteja a causar forte “frisson” no que ao futuro da União diz respeito e também quanto ao desenrolar da guerra a leste. Certo é que os tão falados, quanto sinistros, pactos de partidos europeus de estre- ma direita com o Kremlin, terão passado à História ou deixado de ser relevantes no actual contexto, o mesmo se não dizendo da absurda subserviência comunista ao ditador moscovita. Não serão estas, portanto, as bombas atómicas com que Putin ameaça destruir a Europa. Tenha-se em conta, todavia, que as ideologias de direita ou de esquerda, não passam, hoje em dia, de litanias difusas, volúveis e moldáveis à realidade de cada país e à dramática conjuntura internacional. Com excepção da lendária coerência programática do PCP, claro está. Não será de admirar, por isso, repito, que o apoio político e militar da União Europeia à Ucrânia venha a ser reforçado, também por via de Estados-membros em que a estrema direita é poder. Certo é que a União Europeia continua a ser um bicho de sete cabeças, considerando os desafios que enfrenta e a complexidade das instituições que a compõem. Sete (7) são os seus órgãos supranacionais, que convém aqui lembrar: o Parlamento, o Conselho Europeu, a Comissão, o Conselho da União, o Banco Central, o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Contas. Sete (7) são as famílias políticas com assento no Parlamento Europeu que emanam dos actuais vinte e sete (27) Estados-Membros. Vinte e quatro (24) são as línguas oficiais. Notável é a consagrada linha de rumo europeísta, pragmática e consensual. Encorajantes são os avanços alcançados, contra ventos e marés. Duas questões maiores contudo, em meu entender, estiveram em causa, subliminarmente, nas recentes eleições para o Parlamento Europeu, a única instituição da União Europeia eleita por voto directo: a Democracia e a sobrevivência da União, ela própria. Matérias que não podem ser separadas porquanto a União não é viável sem Democracia, ainda que o contrário, Democracia sem União, o seja como já o foi no passado. Assim se compreende, portanto, que a União imponha a Democracia a todos os estados aderentes, o que explica que a Turquia seja candidata há trinta anos, sem sucesso. Havemos de concluir que os europeus podem ficar confiantes e esperançosos porque a União aparenta estar bem e recomendar-se, com a Democracia a reganhar forças para se alargar e aperfeiçoar. Por mais que o senhor Putin e outros ditadores domésticos esbracejem e gritem impropérios. Cabe aqui esclarecer, portanto, que forças é que, na verdade, atacam ou defendem a Democracia e que, por reflexo, são a favor ou contra a União. Contra, em Portugal, não são muitas, felizmente, nem se coíbem de o declarar. São as mesmas que, embora se declarem, hoje, defensoras intransigentes da Democracia, apontam para outro figurino, o delas, que, como é sabido, só produziu miséria e morte por esse mundo fora. Tiveram, mais uma vez, a devida resposta dos eleitores, bem expressa nos resultados eleitorais. São partidos que olham para o famigerado Putin com simpatia e cujos militantes continuam a ter um martelo no cérebro e uma foice no coração. E que ignoram que a União tem sido fonte de riqueza, liberdade e humanismo por mais crises e problemas que enfrente. Não obstante, o número de inimigos da Democracia ser mais alargado, à esquerda e à direita. São todos aqueles que subvertem a Justiça, que corrompem o Estado e se servem dos partidos para projectos espúrios. Certo é que a Democracia se defende a si própria quando se alimenta das mais genuínas liberdades, assenta num Estado de Direito forte e numa Justiça eficaz. Só por esta via o europeísmo triunfará.