Henrique Pedro

PUB.

Vampiros versus Canibais

Não haverá ninguém, certamente, que não conheça a famosíssima canção com que José Afonso estigmatizou o Estado Novo a que alguns historiadores também chamam  Segunda República e que terá sido, metamorficamente falando, uma República de Vampiros. Música de inconfundível melodia, com letra do maior impacto social e político, surpreendentemente mantem plena pertinência, mesmo agora que os portugueses se regem por um novo regime, que muitos não consideram genuinamente democrático, por diversas e importantes razões. Os vampiros da canção de José Afonso voavam em bandos pela noite calada, silenciosos e discretos para da melhor forma chuparem o sangue fresco da manada, mantendo um certo recato, por isso mesmo. Comiam tudo e não deixavam nada. No alvor da democracia, porém, metamorfosearam-se em canibais sem escrúpulos, desavergonhados e desapiedados e, associados em gangues e clãs políticos e argentários, não se limitam agora a sugar o sangue ao povo. Também lhe devoram as entranhas e lhe roem os ossos, e continuam a tratá-lo como reles manada. Canibalizam tudo à luz do dia e não pagam nada. São os mordomos de Portugal inteiro. Tomando como credíveis as iniciativas do Ministério Publico (não há razão para pensar que o não sejam) não será estultícia considerar o regime político vigente como uma República de Canibais. A analogia é triste mas cruelmente verdadeira. O Governo da República, a Administração Pública, central e local, as Empresas do Estado, os Partidos, a própria Justiça, os grandes clubes de futebol e a banca pública são, ou foram em algum momento, canibalizados por ousados machuchos que lançam a Democracia no descrédito, o Estado na desgraça e a Nação na miséria. Em Portugal, o crime corporativo, ou do colarinho branco, melhor dizendo, é sistémico. Salgado, Sócrates, Berardo, Vara e Vieira são apenas as personalidades melhor cotadas na tabela do Ministério Público Tudo atestado em processos judiciais de grande impacto político e mediático que comprometem um ex-primeiro ministro, vários ministros, presidentes de câmara, banqueiros, dirigentes desportivos e envolvem instituições poderosas como a CGD, o Novo Banco e o Sport Lisboa e Benfica, entre outras. Consta, até, que já há tribos de canibais a dançar alegremente à volta da fogueira do Plano de Recuperação e Resiliência. A seu tempo se verá no que isso vai dar. Acresce que na República dos Vampiros tudo se passava à sorrelfa sob o olhar grave e conivente do dito “Venerável Chefe de Estado”. Na moderna República dos Canibais tudo se desenrola às claras, com muita luz, cor e som e com a complacência do sempre sorridente e inimputável “Mais Alto Magistrado da Nação”. Portugal, hoje, pouco mais é que uma vaga recordação histórica que, para alguns, até nada de bom terá. Uma região mendicante da Europa rica. Um estado marginal e subserviente que, entre outros atentados aos direitos fundamentais, impunemente envia dados de cidadãos inofensivos para governos estrangeiros sinistros. Uma triste Nação que muitos continuam a pretender converter, com pés de veludo, num estado satélite de uma quimérica URSS, de que Cuba e a Venezuela são paradigmas palpitantes. Quanto aos portugueses já nem se sabe bem quem são e o que são. Talvez sejam mesmo uma manada mansa como dizem. Figurantes de uma democracia desfigurada em República de Canibais. O pior de tudo, porém, é que, aparentemente, não há como dar volta a tão dramática situação. Em Belém não se vislumbra rasgo suficiente, São Bento, é óbvio, protege os canibais mais graúdos e os partidos do poder são a sua incubadora privilegiada. O empenhamento corajoso de meia dúzia de magistrados, com destaque para o procurador da República, Rosário Teixeira, o juiz Carlos Alexandre e o inspector tributário Paulo Silva, verdadeiros heróis dos nossos dias, não parece ser força bastante. Urge que uma revolução aconteça. Na certeza de que na Europa moderna as revoluções não se fazem nas ruas, a tiro e à bomba. Operam-se nas urnas com a arma do voto na mão.

Este texto não se conforma com o novo Acordo Ortográfico (VS 15/7/2021)

Mendicidade, o grande desígnio nacional

Os portugueses protagoniza - ram grandes desígnios na sua longa História, o mais recente dos quais redundou na inglória guerra que marcou o fim do Império. São mesmo dos raros povos que corporizaram uma odisseia como a que o seu poeta maior, o imortal Luís Vaz de Camões, cantou n` Os Lusíadas, poema eterno e universal. Desígnios de universalismo, cosmopolitismo e humanidade, com realce para a integração social e racial por mais que os seus detratores se esforcem por diabolizar, realçando episódios humanamente reprováveis. Nos dias de hoje, porém, o grande desígnio nacional é a mendicidade institucional que se sobrepõe ao turismo e ao futebol, se bem que, aparentemente, já não haja mendigos em Portugal. De facto, já se não veem infelizes a pedir esmola para sobreviver. Pedintes a estender a mão à caridade (palavra proscrita) na via pública ou à porta das igrejas. Não só nas grandes cidades mas também nos pequenos povoados. Muitos ainda se recordarão dos pobrezinhos que deambulavam de aldeia em aldeia suplicando um naco de pão, um punhado de batatas ou mesmo o fio de azeite que almas caridosas lhe depositavam na lata que traziam pendurada ao pescoço, como era consagrada tradição na Terra Quente Transmontana. Sem esquecer os ceguinhos que cantavam tristes fados ao som do violão da desgraça Foram tempos de grande tristeza e miséria em que muitos pobres se viam constrangidos a roubar os ricos por necessidade. Agora há, isso sim, muitos ricos que roubam os pobres por prazer e para deleite pessoal. Hoje os tempos são outros, portanto. São supostamente tempos melhores, de abastança, de alegria e de farra. Já não há ceguinhos a cantar o fado pelas feiras mas enxameiam os espertalhões que cantam cantigas bem mais alegres e de olhos bem arregalados. E há milhares de honestos cidadãos que, embora não peçam nas ruas, mendigam subsídios, favores e empregos nas sacristias partidárias e nas igrejas da Administração Pública. Há, até, quem venda corpo e alma por um emprego ou um cargo bem remunerado. É certo que ainda há infelizes, agora designados por “sem abrigo”, nas ruas e praças das maiores cidades e que até merecerem a melhor atenção dos políticos mais carismáticos e caridosos, com realce para o presidente Marcelo, que continuam a prometer que vão retirá-los das ruas e levá-los, não se sabe bem para onde. Só que ainda não terão tido tempo nem oportunidade para tanto, de tão atarefados e distraídos que andam a cuidar das próprias imagens, noutras andanças. Razões de sobra para se dizer que de boas intenções está o inferno cheio. Acresce que com a pandemia o regime político português se transfigurou num baile de máscaras tragicómico, com mais de 2 000 00 de pessoas em risco de pobreza ou exclusão social, o seu maior motivo de vergonha. Mas se já não há mendigos nas ruas de Portugal, nos tempos que correm, é só porque o Governo passou a mendigar por todos nós, ainda que mais por uns do que por outros, às portas das igrejas e capelinhas da UE. Vem isto a propósito da vinda a Portugal da simpatiquíssima Ursula von der Leyen, a presidente da Comissão Europeia, que não tem nada a ver com a carrancuda Ângela Merkel, assim como António Costa, mendigo mor e homem de mãos largas e generosidade sem limites, nada tem a ver com o avaro Passos Coelho da austeridade. Mas que terá vindo Ursula von der Leyen fazer a Portugal? Transformar pão em rosas, imagine-se, qual rainha Santa Isabel dos nossos dias! Entregar ao seu compincha António o primeiro cheque do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) que ela própria desconfia que poderá transformar-se num plano de roubos e rapinas, até porque se terá apercebido que já há muitos atletas com os pés nos tacos para irem, a correr, ao banco, logo que seja dada a ordem de partida. Por isso mesmo foi avisando que só haverá mais cheques se os portugueses, ou o Governo melhor dizendo, se portarem bem. Em Portugal, porém, já ninguém fica chocado com estas coisas. Até porque os portugueses estão fartos de saber que quando a esmola é grande, o santo desconfia. E que daquelas bandas da Europa quando dão uma chouriça, ou uma salchicha, como se preferir, ficam lá com o porco inteiro. O mais certo será, acabarmos todos, mais uma vez e não tarda, a estender a mão à reabilitada caridade. Nas ruas de Bruxelas, de Berlim, de Nova Iorque ou de Pequim, tanto faz.

O 25 de Abril de novo nas mãos do general Eanes.

I mporta começar por relembrar a história ainda que seja recente, por demais conhecida e não requeira grandes lucubrações. Em 25 de Novembro de 1975, no auge do PREC de triste memória, forças de pendor comunista indiferenciado, desencadearam um alargado golpe militar com o objectivo de instaurar em Portugal uma réplica de uma das repúblicas populares na altura existentes: russa, chinesa, cubana ou mesmo albanesa. Acabou num cozido à portuguesa socialista que ainda fumega. António Ramalho Eanes foi o coordenador principal das forças militares escorreitas que restavam e que patrioticamente neutralizaram o golpe comunizante, recolocando Portugal na senda da plena integração no espaço político, económico e cultural europeu, como era pensamento, ainda que vago, da maioria dos militares empenhados no golpe de 25 de Abril d 1974. Lamentavelmente, porém, o processo político já havia sido perniciosamente inquinado pelo PREC que de forma violenta, convém não esquecer, condicionou a Assembleia Constituinte da qual derivou a nova Lei Fundamental e a associada Organização do Estado, que continua a ter na hegemonia partidária e na impunidade dos políticos e afins a sua marca de água. Acresce que as forças que derrotaram o golpe comunista de 25 de Novembro não tinham meios, nem poder e muito menos vocação para corrigir os erros cometidos no decurso do PREC, donde resultou que o Estado continuou desbragadamente a atolar-se num pântano político, económico, social e ideológico. Assim se compreende que o Regime político em vigor seja de duvidosa democraticidade, escandalosamente corrupto e se alimente impunemente do nepotismo, do compadrio e do sistémico endividamento público. Como se de um bacalhau com todos se trate mas cujas espinhas é o povo que as come. O pecado original, porém, é bom que se diga, não está nos políticos e nos governantes em geral, que o mesmo é dizer no senhor Marcelo de Sousa, no senhor António Costa, no senhor Rui Rio, na senhora Catarina Martins ou mesmo no senhor Jerónimo de Sousa, em particular. Está, isso sim, no Regime político vigente comprovadamente incapaz de se reformar e de gerar e promover melhores governantes e mais justos magistrados, pedras angulares do edifício democrático. Regime que acaba de alcançar o seu maior esplendor com a governança de António Costa, coroada do nepotismo mais desavergonhado e bem recheada de pequenos títeres disfarçados de democratas que, entre outras coisas não menos graves, não se coíbem de colaborar com déspotas do calibre do russo Putin, pondo em perigo a vida de manifestantes opositores desta sinistra personalidade, como será o caso dos que foram referenciados à embaixada russa, por forças afins da Câmara Municipal de Lisboa. Não há inocência de burocratas, neste caso, mas incompetência senão mesmo conivência de políticos. O que faz lembrar o sinistro envio para Moscovo, em 1975, dos ficheiros da PIDE/DGS de má memória. Manda a verdade que se diga, porém, que António Costa não tem a exclusividade das maldades que desfiguram a democracia. Outros enfermam dos mesmos vícios, embora não deixe de ser verdade que António Costa e o PS que o suporta são campeões nesta matéria. António Costa que se tornou mais presunçoso do que já era desde que o BE, que agora se diz social-democrata, e o PCP, que se rendeu à democracia liberal, têm dado cobertura aos seus maiores dislates, tendo como música de fundo o fado vadio socialista. Em consonância com Rui Rio que lhe tem estendido o tapete vermelho e do próprio Presidente da República que com palavrinhas seráficas e cafunés o tem apaparicado, porque de outra coisa não será capaz ou para mais não terá rasgo, ou sensatez. Como se os escândalos não bastassem, António Costa acaba de nomear um super “boy”, super bem pago, servido por uma super equipe, para organizar uma super comemoração dos 50 anos do 25 de Abril, com os folguedos da corte a distender-se por 5 longos anos. É por demais óbvio que em causa estão, tão-somente, a glorificação do PS e a simultânea consagração do Regime corrupto. Para maior brilho e glória Marcelo de Sousa ousou que o prestigiadíssimo Ramalho Eanes aceitasse presidir ao acto, o que é, sem dúvida, a cereja no topo do bolo. Ironia do destino! Eanes, depois de tantas vicissitudes, tem novamente nas mãos a possibilidade de liderar um novo 25 de Novembro, regenerador do 25 de Abril, que poderá acontecer em Abril ou em Maio, quando melhor lhe aprouver. Basta que faça uso, motivos já não lhe faltam, das armas da dignidade e do prestígio, da força da sua palavra e do seu patriotismo e mais um alto serviço prestará a Portugal e à Democracia. Uma coisa é comemorar o 25 de Abril que instaurou a democracia. Outra será celebrar as traições, os crimes e as tragédias cometidas sob a égide do PREC..

Lisboa, 25 de Novembro. Luanda, 27 de Maio.

Embora já um tanto tardiamente, num gesto louvável mesmo assim, João Lourenço, actual presidente da República Popular de Angola, veio agora, em Maio de 2021, passados 44 anos, portanto, pedir desculpas, publicamente e em nome do Estado angolano, pelas execuções sumárias levadas a cabo após o alegado golpe de 27 de Maio de 1977. Salientou tratar-se de “um sincero arrependimento”. Esperemos que assim seja e que  Associação 27 de Maio, que “congrega sobreviventes, familiares de vítimas e desaparecidos e os seus amigos”, não deixe de ter motivos bastantes para se congratular. Muitos portugueses sentirão, por certo, uma profunda mágoa com esta notícia que rememora tão trágicos eventos e que mereceu o destaque dos principais órgãos de comunicação. Acontecimentos que coroaram a descolonização criminosa que, paralelemente com tudo quanto se viveu entre 25 de Abril de 1974 e 25 de Novembro de 1975, constitui a página mais triste e inglória da História de Portugal. Certo é que foram forças militares de Fidel Castro, que haviam desembarcado em Luanda dois anos antes, em 1975, que salvaram Agostinho Neto e a facção do MPLA que lhe era fiel, quando aquele já se encontrava encurralado no forte de Futungo de Belas pelas forças afectas a Nito Alves, que contava com o prestimoso apoio de militantes comunistas idos de Lisboa e também com a simpatia da própria URSS, ao que se dizia. Foi então que aconteceu a chacina fratricida que agora João Lourenço justamente repudia e que se perlongou, ainda que sob outras formas, noutros cenários e com outros intervenientes, pelos longos anos da sanguinária guerra civil, que só terminou em 2002, com a morte de Jonas Savimbi. A intervenção militar cubana decorreu entre 1975 e 1991, saldou-se em mais de 10.000 baixas nas fileiras do Exército de Fidel Castro, mas a Guerra Civil Angolana, contrariamente ao que se esperava, perlongou-se por mais 11 anos, com baixas e danos bem mais pesados. Ora, quando precisamente em 1991, me encontrava ocasionalmente no aeroporto do Sal, em Cabo Verde e displicentemente observava um avião da Aeroflot que se movimentava para levantar voo, um desconhecido postado a meu lado em idêntica atitude, voltando-se para mim, observou, em castelhano e com ar constrito: o último contingente cubano que retira de Angola. Percebi que aquele avião vinha de Luanda e seguia para Havana depois de ter sido reabastecido. Perante a minha estranheza confidenciou-me o desconhecido ser agente da Dirección General de Inteligencia, os serviços cubanos de segurança, e que ali se encontrava a vigiar essa histórica movimentação militar, rematando o nosso brevíssimo diálogo com a expressão sibilina: Que pena não ter havido combatentes cubanos no 25 de Novembro, em Lisboa. Como no 27 de Maio, em Luanda, quer o senhor dizer? Ripostei. Sim!- Respondeu secamente e afastou-se de imediato, sem mais conversa. A este propósito será relevante rever o vídeo patente no Youtub em que o inefável Otelo Saraiva de Carvalho relata o seu encontro com Fidel Castro em 26 de Julho de 1975, cinco meses antes do golpe de 25 de Novembro, portanto. Encontro em que Fidel Castro, como o próprio Otelo declara, lhe pediu conselho sobre o envio de tropas cubanas para Angola, a pedido de Agostinho Neto, perante a hesitação do Kremlin que, por razões geopolíticas, não estaria a fim de se envolver directamente. Também terão falado, como é óbvio, da situação portuguesa e talvez Fidel, no mínimo por cortesia, tenha prometido a Otelo todo o apoio que viesse a ser preciso. Por algum motivo Otelo revelou publicamente o sonho de ser o Fidel Castro da Europa. Portugal, porém, não era o terreno mais apropriado para uma revolução à cubana, como muitos pretenderam. Ainda bem que o falhado golpe comunista de 25 de Novembro deu no que deu, que o PCP parece agora rendido à democracia liberal e o BE se declara social-democrata, expressão do pântano ideológico e político em que o regime político português se converteu. Também com Rui Rio a esforçar-se para afirmar o PSD como partido de esquerda, mais um, e a recusar alianças com a direita de André Ventura, enquanto António Costa, que não admite coligações ao centro, pareça apostado em prosseguir mancomunado com a esquerda revolucionária, embora não deixe de ser homem para se concertar mais à direita, caso necessário. Perante esta dúbia situação política, económica e social poderão ocorrer, quando menos se espera, condições propícias a que o PCP e o BE regressem à “praxis” original, rompam com o comprometimento democrático e um novo PREC ganhe fôlego. Há lições trágicas da História recente que não convém esquecer e muito menos devemos mistificar se pretendemos que os demónios da descolonização e do PREC sejam, definitivamente, exorcizados. Em democracia, as revoluções não se fazem a tiro nas operam-se nas urnas.

O 25 de Abril dos generais.

Em França, um grupo notável de generais advertiu publicamente o presidente Macron do risco de colapso do país às mãos de fanáticos islâmicos que atacam desapiedadamente a cultura e as tradições francesas e já impõem os seus mandamentos nos grandes subúrbios, desrespeitando a Constituição Francesa. Em Portugal, um não menos notável grupo de generais, libertando-se surpreendentemente da indigna subordinação aos políticos que não à Constituição, endereçou uma carta ao presidente Marcelo, manifestando o seu desagrado com a suspeitosa concentração de poderes militares numa única entidade. Gesto que poderá ser entendido como o 25 de Abril dos generais. Muitas e preocupantes são, de facto, as ameaças à democracia que o Regime corrupto gera, com destaque para a latente governamentalização e consequente partidarização das Forças Armadas que esses mesmos generais, até hoje, silenciaram. Com excepção de Ramalho Eanes, justiça lhe seja feita. Ainda que a generalidade dos signatários tenha dado o seu aval ao fantasioso Conceito Estratégico de Defesa Nacional, do qual decorrem o Conceito Estratégico de Defesa Militar, o Sistema de Forças e suas Missões, bem como o Dispositivo Territorial, que se consubstanciam em Forças Armadas pouco mais que simbólicas. Donde resulta que Portugal é, faz tempo, um país indefeso, considerando velhas e novas ameaças, externas e internas. É certo que esta evidência não foi comprovada por episódios de guerra recentes, mas ninguém poderá estar seguro de que não venha a sê-lo, ainda que não se deseje. Porque, como é sabido, os conflitos acontecem quando menos se espera, enquanto a organização e a preparação da defesa nacional deve ser feita com décadas de antecedência. Portugal, porém, é um país indefeso, mas não um país indefensável! É indefeso porque os estrategas determinantes, condicionados por malignas dinamogenias partidárias e corporativas ou porque encaram os assuntos de defesa como atractivas oportunidades de negócio, continuam a defender conceitos e doutrinas utópicas que requerem sistemas de armas excessivos, economicamente incomportáveis e territorialmente desajustados. Portugal é um país indefeso e vai continuar a sê-lo nas próximas décadas. A menos que os governantes mudem radicalmente de conceitos e de preconceitos. E se convençam, de uma vez por todas, que Portugal só será defensável se, no essencial, assentar a sua defesa no conceito de “povo em armas”, já testado em anteriores situações. O que pressupõe que todos os cidadãos, homens ou mulheres, estejam permanentemente aptos a empunhar uma arma, seja de que tipo for, devendo para tanto receber, regularmente, a adequada preparação e treino militares. E que em cada cidade, vila ou mesmo aldeia sejam providenciadas infraestruturas de defesa, preferencialmente da responsabilidade da Protecção Civil Municipal, capazes de proteger os cidadãos em situações de ameaça real. E que a educação cívica para a defesa e segurança de pessoas e bens, passe a constar dos curricula escolares considerando, designadamente, a prevenção de emergentes acções terroristas. À semelhança do que acontece na República Suíça, por exemplo, que não possui forças armadas regulares, mas baseia a sua defesa terrestre numa milícia composta por todos os cidadãos de sexo masculino (a participação feminina está agora a ser incentivada) com idades compreendidas entre os 20 e os 42 anos, com os militares de carreira reduzidos a um pequeno núcleo de não mais de 1000, e aos quais estão atribuídas as missões de treinar os milicianos e de assegurar o comando nos escalões superiores. Modelo que capacita a República Suíça, que tem uma população de pouco mais de 7 milhões, a mobilizar, em menos de 48 horas, mais de 200 000 mil militares, devidamente armados e treinados. Feito impensável com o modelo português em vigor. Acresce que os custos de implementação deste conceito de defesa de inspiração suíça seriam incomensuravelmente menores do que os requeridos pelo Conceito Estratégico de Defesa Nacional, que não será economicamente exequível nos tempos mais próximos, se é que algum dia o virá a ser. Assim sendo, o povo português vai continuar indefeso, manietado, desmotivado, incapacitado de se defender das insidiosas ameaças internas que poem em risco a sua própria sobrevivência. A carta em apreço é um grito de salvação da democracia e da nação.

A História de Portugal revista pelos novos moralistas.

Já não tem o vigor da juventude e sofre de múltiplos achaques o velhinho de quase 900 anos que deu novos mundos ao mundo, agora definitivamente internado no lar da UE. Choca sabê-lo maltratado, injuriado e votado ao abandono pelos muitos filhos pródigos, bastardos e adoptivos que gerou e a quem continua a dar de mamar. Não há mal ou crime que os novos moralistas não assaquem ao velho Portugal e aos seus filhos mais diletos, a começar por um tal Afonso Henriques, um conquistador selvagem, no seu entendimento, com ascendentes na Borgonha, terras da Gália bárbara. E que nem português seria, sequer, porque Portugal nem existia à data do seu nascimento. Afonso Henriques que, na lógica dos novos moralistas, também não era democrata, (sabia lá ele o que democracia era!) e que, por dá cá aquela palha, até batia na mãe. Afonso Henriques que começou por enxotar os primos galegos e lioneses das terras herdadas e escorraçou à espadeirada os infelizes imigrantes muçulmanos que haviam aproado pacificamente a praias de Espanha, espoliando-os dos templos, castelos e palácios de que continuam credores. Não tivesse Afonso Henriques existido e Lisboa seria hoje, por certo, na ideia dos novos moralistas, mesmo sem ter petróleo, o oitavo emirato, deslumbrante de luxo e riqueza, enquanto no interior desertificado, na peneplanície alentejana ou na árida Terra Quente transmontana, deambulariam pacíficos beduínos e pachorrentos dromedários. Não é que não haja, hoje, camelos em Portugal. Os verdadeiros, porém, sempre emprestariam à paisagem um mais apelativo ar de mil e umas noites. Todavia, o pior feito desse tal Afonso Henriques, para os novos moralistas, foi fundar o reacionário reino de Portugal que, ao arrepio de todas as regras do direito internacional, alargou por força das armas a terras de além Tejo e do Algarve. Reino de Portugal que, na ideia dos novos moralistas, acabou por se converter numa poderosa associação de malfeitores que durante mais de 600 anos lançou a miséria, a peste e a guerra por esse mundo fora. Bando de malfeitores que não se contentaram em importunar os bons vizinhos do norte de África por mais de 300 anos. Ousaram ir ainda mais além e maltratar, colonizar e escravizar índios, indianos e africanos que nas suas terras viviam pacificamente, felizes e contentes. Feitos criminosos cantados em verso num livrinho reacionário, racista e xenófobo que já devia ter sido banido dos curricula escolares e lançado à fogueira. O seu autor, Luís de Camões, não seria, de resto, flor que se cheirasse. Mais recentemente, o ditador Salazar, fundou um império colonial e deu crédito a perigosos visionários racistas e esclavagistas do calibre de António Vieira, Fernando Pessoa e Almeida Garrett, conhecidos apologistas do tenebroso Quinto Império E tantas, e tão mal, tal ditadorzeco fez que Estaline e Mao Tsé-Tung, gloriosos campeões da Humanidade, nem aos calcanhares lhe chegam, sequer. Ditadorzeco que, na opinião dos novos moralistas, cometeu o crime maior de reagir militarmente à chacina de brancos e negros afins, em Angola, açulada pelos imperialistas americanos e soviéticos, originando uma guerra injusta e inútil que se perlongou por treze longos anos. Donde, malgrado tanta dor e sofrimento, resultou que Angola, Moçambique e a Guiné sejam hoje nações independentes, prósperas, pacíficas e felizes depois que os brancos foram forçados a debandar, com toda a justiça, sob a égide dos heroicos marxistas-leninistas e anarquistas do MFA. Razão tinha o Velho do Restelo! Justo é, no entendimento dos novos moralistas, que o monumento dos Descobrimentos ou o mosteiro dos Jerónimos sejam desmantelados. Ou que os brasileiros reclamem o convento de Mafra e o Aqueduto das Águas Livres já que foram construídos com o ouro e os diamantes do Brasil. E porque não anular as fronteiras impostas pela Conferência de Berlim? E porque não reclamarem os portugueses o que de melhor deixaram no Ultramar e cobrar direitos de autor pelo uso da Língua Portuguesa? E porque não conferir independência a macondes e cabindas, de entre outros? Concluirão, por certo, os novos moralistas, que a culpa é do famigerado Afonso Henriques, o fundador dessa associação de malfeitores racistas, colonialistas e esclavagistas, chamada Portugal. E concluo eu: os novos moralistas são sinistros, amorais, quando não são imorais. Só desmoralizam e envenenam o relacionamento entre Portugal e as ex-colónias.

25 de Abril: A celebração de um fracasso histórico

Ainda que tenha aberto caminho para a democratização e correlativa modernização do país, o golpe militar de 25 de Abril de 1974 redundou num monumental fracasso histórico com três funestas dimensões: a descolonização, dramática, o PREC, antidemocrático e o Regime prevalecente, corrupto. Fracasso frustrante para os jovens militares que, sublimadas as reivindicações profissionais, leit motiv inicial do golpe de estado, assumiram o nobre propósito de bem descolonizar e melhor democratizar, acreditando que Portugal se tornaria num país desenvolvido, justo e democrático. Fracasso que alcança agora o fastígio com o Regime político vigente que favorece a corrupção, avilta a Justiça, malbarata a economia, aprofunda as desigualdades e faz da política social um entretém. Fracasso determinado, desde logo, pelas obscuras personalidades político-militares que emergiram espontaneamente com o golpe, sem outro mérito nem crédito. Começaram por destapar a caixa de pandora dos agentes maléficos que as crises políticas sempre regurgitam para voltar a mastigar: vende-pátrias, assaltantes de Estados, anticristos e miasmas da corrupção. E deixaram que o poder caísse na rua ameaçando, desde logo, a almejada democracia. Contrariaram os propósitos da maioria dos militares revoltosos, franquearam portas à descolonização criminosa, induziram parte das Forças Armadas a embarcar na aventura de sacrificar a secular nação portuguesa, e colónias, ao frustrado império soviético, imolando a liberdade e a democracia ao sinistro deus marxista- -leninista, o que significava implantar em Portugal um regime político totalitário, ainda pior que o anterior. Deram aso a que, na passada, alimárias diversas, aventureiros e oportunistas, tomassem o Estado de assalto para o espoliar e hipotecar aos grandes usurários e agiotas internacionais, num processo libertário que diziam progressista. Muitas destas insanas alimárias acabariam por se diluir em 25 de Novembro. As mais insidiosas, porém, continuam a esbracejar tentando acabar de vez e por todos os meios, com o que resta de Portugal. Agentes ímprobos procuram agora reescrever a História de Portugal a seu jeito, para melhor propagandearem os seus sinistros propósitos. História que não é só profusa no heroísmo, mas também o é na traição, como os historiadores mais probos nunca esconderam, os mais esclarecidos cidadãos nunca ignoraram e o próprio Épico, de resto, cantou. Atacam os monumentos pátrios mais emblemáticos, acusam de racismo e xenofobia o povo que foi campeão da miscigenação e estigmatizam os combatentes que não desertaram, embora o pudessem ter feito, como uns tantos o fizeram por covardia e poucos por ideologia, justiça lhes seja feita. Combatentes que recebiam uma bandeira em mão e embarcavam livremente, sem serem empurrados, para espanto dos diplomatas e correspondentes estrageiros que assistiam à cena. Obedeciam aos desígnios da História, tão-somente. Milhares de soldados negros que acabaram marginalizados e sumariamente fuzilados e soldados brancos que os vende-pátrias no poder continuam a destratar e a olhar com desdém. Cidadãos de todas as raças, credos e tribos, que acreditaram numa nova pátria que não os descriminava e antes os irmanava e projectava no futuro. Projecto que foi a alma mater do Exército mais humano da História que em simultâneo com a missão militar rasgou estradas, ergueu escolas e hospitais, tratou, curou, ensinou a ler e a escrever e matou a fome a milhares de infelizes. Que promoveu a paz e harmonia interétnicas e corrigiu os desmandos prevalecentes do colonialismo ancestral. Exército que durante treze longos anos se bateu vitoriosamente em três distintos teatros de operações, imensos e distantes, num esforço grandioso só possível a uma Nação com História longa e alma grande. Numa guerra que não opôs brancos a negros, asiáticos e africanos a europeus, mas apenas os que acreditavam na ideia de portugalidade e os que ambicionavam tornar-se herdeiros privilegiados do colonialismo, como se veio a verificar. Projecto que, para desgraça de milhares de infelizes, fracassou em 25 de Abril o que, face à miséria generalizada que grassa em África, representou uma enorme perda para a Humanidade. É este fracasso que os seus fautores procuram iludir com festas e celebrações porque de melhor coisa não são capazes. A História se encarregará do que falta: verdade e justiça!

Será que Adolfo Hitler nasceu em Vale de Telhas?

É por demais óbvio que Adolfo Hitler não nasceu em Vale de Telhas, nem lá perto. O malvado líder do Partido Nazi, responsável máximo do Holocausto, nasceu em Braunau am Inn, pequeno município no norte da  Áustria, à data integrante do Império Austro-Húngaro. Muito longe de Vale de Telhas, portanto. O título desta minha crónica, sugerido pelo dito jocoso de alguém que acompanhei numa breve visita, é obviamente provocatório, mas com boa intenção: despertar as consciências para o muito de bom que Trás-os-Montes tem e tudo que de bem que por cá se vai fazendo, ainda que seja muito pouco. Acontece que do riquíssimo património monumental desta formosa aldeia situada bem no coração desta mal-amada e pior tratada província nordestina, faz parte um tosco edifício a que o povo chama Casa dos Mouros, que tem a curiosa particularidade de ostentar, incrustados na frontaria de pedra miúda, vários ornamentos com simbologias díspares. Trata-se de objectos que alguém, sem grandes conhecimentos arqueológicos, por certo, embora com rara sensibilidade artística, terá arrebanhado das redondezas com o intuito de os preservar, conferindo-lhe esta nova função decorativa. Acontece que no meio dessa amálgama ornamental são visíveis suásticas (primitivas, claro!), o que não deixa de ser intrigante e que levaram o referido visitante a questionar, com ironia: será que o Hitler nasceu aqui, em Vale de Telhas? Ora, é por demais sabido que a  suástica,  a cruz suástica, a  cruz gamada, nas suas muitas variantes,  é um símbolo  místico em muitas culturas e religiões de diferentes tempos, designadamente nos ameríndios Astecas, nos Budistas, nos Gregos, nos  Hindus e nos Celtas muito em particular que é o que mais nos interessa. Infelizmente mais conhecida, todavia, é a suástica que o partido nazi de Adolfo Hitler adoptou como símbolo da sua suposta superior raça  ariana. E porque a foice e martelo emblemática do comunismo internacional muito se parece com a cruz gamada, embora tenha diferente significado e também apareçam foices e martelos estilizados em muitas estâncias arqueológicas, poderíamos igualmente citar, a este propósito, José Estaline, outro grande flagelo da Humanidade. Em Vale de Telhas, felizmente, não nascem homens deste calibre, mas apenas boas pessoas: ordeiras, pacíficas e trabalhadoras. A suástica gravada há milénios nas pedras de Vale de Telhas, como se vê, não foi inventada por Adolfo Hitler, como não foi José Estaline que criou a foice e o martelo. Muito menos Hitler e Estaline nasceram ou passaram por Vale de Telhas e conspurcaram o seu património arqueológico, que é muito mais profundo e valioso do que à primeira vista poderá parecer. Dele fazem parte monumentos relevantes de que destaco o castro celta do Cabeço, no qual especialistas situam a romana Pineto (Pinetum), o Pelourinho, dois marcos miliares, a Fonte Romana e o lagar do Poulão, para da lá da conhecida Ponte Romana, que de romana, todavia, apenas só já terá pedras, tantas foram as reconstruções de que foi alvo. Contrariando o deplorável esquecimento e abandono a que foram votados ao logo dos tempos, a Câmara Municipal de Mirandela tomou a louvável iniciativa de arrolar e ilustrar, no quadro do Plano Director Municipal elaborado em 2014, os monumentos mais visíveis. Também a Junta de Freguesia está presentemente empenhada em preservar, organizar e dar visibilidade a este valioso acerbo de que é titular, o que terá, estou certo, forte impacto na dinamização económica, social e cultural, não só de Vale de Telhas mas de todo o concelho. Para começar promoveu, recentemente, um “webinar” que foi muito bem moderado por Cátia Barreira, directora deste jornal, muito concorrido e no qual também participei com muito gosto. Outras acções se seguirão. Estejam atentos.

A perversa política do ermamento

Há países, grandes e pequenos, com perigosas políticas de armamento a que atribuem somas astronómicas. Portugal insiste em gastar milhões numa perversa política de ermamento, ou de despovoamento, como se preferir. Dá vontade de os insultar: todos os governantes lusos defendem a coesão nacional mas aplicam verbas avultadas no aprofundamento das assimetrias reginais e no ermamento do território! O ermamento, note-se, não é um fenómeno natural mas o resultado de políticas deliberadas. Salazar, no que ao Interior diz respeito, dotou as sedes de concelho com hospitais, tribunais, postos de GNR, e as freguesias com escolas e humildes mas inovadores fontanários. O regime saído do 25 de Abril, com recursos muito superiores e beneficiando do factor modernidade, faz precisamente o contrário: concentra serviços e investimentos em Lisboa e no Porto, talvez para fazer birra ao ditador. Salazar que, apesar de ter morrido há mais de 50 anos e o salazarismo ter morrido com ele, continua a ser evocado, ironia do destino, sobretudo por políticos de esquerda, talvez com o intuito de disfarçarem incompetências e mais sinistros propósitos. Stalin e Mao também já morrerem há muito, mas o comunismo puro e duro continua firme na Coreia do Norte, em Cuba e na Venezuela. A Rússia e a China, agora mais próximas do nazismo/ fascismo, parecem ter recolhido de Hitler e Mussolini os piores ensinamentos. O mal, em Portugal, porém, não está no sistema democrático. Está no regime político que é, cada vez mais, um arremedo de democracia. Está na asfixiante hegemonia partidária. Nos governantes incompetentes e desonestos, que servem outros interesses que não os da Nação. No favorecimento da alta corrupção. Na viciação da Justiça. No perigoso endividamento do Estado. Nas políticas que expulsam nacionais qualificados. Nos autarcas subservientes que se vergam à vontade dos machuchos partidários em detrimento das populações que é suposto servirem. No sistema eleitoral que mascara e distorce a vontade do povo e que mais agrava as assimetrias. Muitos mais são os males crónicos que afectam o debilitado Portugal. Um, porém, merece o maior destaque porque é demolidor: o défice demográfico. Dois terços do território nacional estão transformados num imenso ermo. Não num deserto, note-se, porque a Mãe Natureza, no pretenso Interior desertificado, está mais pujante do que nunca. Matos, poulos, cobras, lagartos, aves e feras crescem e vivem livremente, apenas ameaçados pelos incêndios florestais que ganham especial gravidade com o despovoamento rural. Lamentavelmente o autodenominado Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) não se propõe resgatar as assimetrias regionais, económicas e culturais, porque não promove o investimento em áreas e matérias reconhecidamente essenciais para a recuperação demográfica. Em Trás-os-Montes, por exemplo, o triângulo central Mirandela, Valpaços, Macedo de Cavaleiros, em que vivem actualmente pouco mais de 50 000 habitantes, tem água, factor fundamental, e recursos naturais bastantes para suportar até 200 000 almas, com elevada qualidade de vida, privilegiando uma agricultura moderna e lucrativa e, porque não, parques de alta tecnologia apoiados em universidades de excelência. Tudo leva a crer, porém que irá continuar confinado aos enchidos e à emigração. O mesmo se dirá do eixo Chaves-Vila Real que possui, para lá do mais, raras potencialidades termais e turísticas. Outros exemplos se poderão encontrar por todo mal tratado Interior. Falta o investimento púbico indispensável para motivar maior investimento privado, alavancas de repovoamento, progresso e coesão nacional. A política de ermamento do Interior é intencional, portanto, ainda que disfarçada. Serve, obviamente, o centralismo económico, social e cultural de Lisboa. E a soberba de uns tantos. Sejam honestos senhores governantes.

A República da Bazuca

Quem cumpriu o serviço militar se lembrará, por certo, de uma arma que mais parecia um tubo de metálico de rega, que lançava uma potentíssima granada capaz de perfurar os mais resistentes obstáculos, ao mesmo tempo que largava, para trás, chamas suficientes para assar o mais gordo peru. Estou em crer que o nosso primeiro da República da Bazuca, nunca tirou uma selfie a disparar uma bazuca, ainda que, na actual circunstância, talvez tivesse maior impacto político do que salvar cem turistas numa praia algarvia. Também o nosso primeiro do Governo da Bazuca nunca terá manuseado tal arma. Também me quer parecer que as sumidades que tiveram a peregrina ideia de chamar bazuca à pipa de massa que a EU, uma vez mais, endossa ao seu protectorado português, nunca terão visto uma bazuca verdadeira a disparar. Não imaginam, por isso, os danos que tal arma poderá causar. A analogia que estabelecem é, por isso, simplista, ridícula e dramática. Eles sabem, melhor que ninguém, que o endividamento público (e a crise correlativa) são aterradores. O que os levou a admitir que só à bazucada poderão ser vencidos. Daí, e porque outras soluções não fazem parte do seu cardápio político, chamarem bazuca a essa verdadeira pipa de euros que mais parece um tonel. Não se coíbem, sequer, de invocar a dita bazuca, por tudo e por nada, a rir quando deveriam chorar e a esfregar as mãos de contentes, sabe-se lá com que duvidosos propósitos em mente. O mais certo, porém, é as granadas da bazuca acabarem por estourar, qual colorido fogo-de-artifício, em festas privadas de correligionários e compinchas, ou silenciosamente nos cofres de empresas “off shore” afins. Sendo também certo que, mais uma vez, serão os portugueses chamuscados pelas labaredas da bazuca. Para esconjurar tais fantasmas, o nosso primeiro da República da Bazuca constituiu uma equipa qualificada para, de binóculos em punho, acompanhar os disparos a partir das varandas do palácio de Belém. Mas será que vão ver alguma coisa? E se virem o que é que poderão fazer? Foguetes coloridos da corrupção são vistos a estralejar nos céus, constantemente, mas não consta que o nosso primeiro da República da Bazuca tenha, até hoje, movido uma palha que fosse, para lá de abrir o guarda-chuva não vá algum estilhaço cair- -lhe em cima. O que importa é manter os pategos distraídos a olhar para a bazuca. Tudo leva a crer, assim sendo, que o nosso primeiro da República da Bazuca, neste seu segundo mandato, para evitar o tal berbicacho, tudo fará para que o nosso primeiro do Governo da Bazuca tenha maioria absoluta nas próximas legislativas. Claro que a bazuca financeira se bem manejada até poderia ser pacífica e proveitosa. Poderia, por exemplo, abrir um segundo túnel no Marão dando passagem ao comboio TGV que do Porto seguiria, por Vila Real e Bragança até Madrid, para não ir mais longe. Mas não. É ponto assente que Vila Real e Bragança são as únicas capitais de distrito que não irão ter comboios, com bazuca ou sem ela, vá- -se lá saber porquê, sendo os transmontanos chamuscados pelo escape da bazuca, mesmo antes de ela disparar. Concluindo: o Regime vai continuar a sobreviver com bazucadas de corrupção e os portugueses a viver de bazucadas de palavras bonitas enfeitadas de boas intenções. Isto só já lá vai com uma boa bazucada eleitoral.