Começo por esclarecer que, consciente da grande confusão que para aí vai, designadamente no discurso dos políticos mais categorizados, pessoalmente e sem obediência a nenhum credo partidário, mais uma vez me declaro contra o Regime político vigente, o que de forma alguma significa que seja contra o Sistema Político de Democracia Liberal e Representativa. Sistema político que, convém relembrar, assenta em três princípios fundamentais: cada cidadão seu voto, separação de poderes e eleição livre e justa dos competentes representantes para bem governar a Nação, podendo assumir várias formas constitucionais, ou regimes se se preferir. Ora, se tivermos em conta os princípios atrás citados havemos de concluir que o actual Regime português não é genuinamente democrático, nem como talse comporta, porquanto muitas dúvidas se levantam quanto à justeza dos actos eleitorais, como acaba de se constatar com os votos da emigração, para lá de que a separação de poderes e a representatividade estão amplamente viciados. Desde logo pela promiscuidade que se tem verificado entre a Presidência da República e o Governo e entre este e a Assembleia da Republica, a Justiça e a alta Finança, com a complacência da primeira instância. Depois porque também são por demais conhecidas deficiências graves da lei eleitoral e da lei autárquica, entre outras igualmente relevantes, que seria fastidioso aqui enumerar. Só assim se compreende que o Regime em apreço favoreça a corrupção generalizada, os altos índices de abstenção, o nepotismo e o compadrio, sem que os tribunais tenham mãos a medir para tantos crimes de natureza política. Sobretudo porque os políticos, genericamente falando, e os partidos, eles mesmos, vivem e medram nesse seu habitat privilegiado que defendem com unhas e dentes. Com graves prejuízos da dignidade do Estado, do erário público, da justiça social, do desenvolvimento sustentado do Pais e da coesão do território, como é por demais evidente. Não é por acaso que recorrentemente alguns políticos mais lúcidos trazem a público a emergência imperiosa da revisão da Constituição e da reforma do Estado, sem as quais a democracia continuará asfixiada e o país a definhar. É que raiz do mal está no Regime que é permissivo a todo o tipo de maldades e dos malfeitores que existem em toda a parte. Reformas que mais uma vez vão ficar congeladas com a maioria absoluta que o PS acaba de alcançar. Isto significa que o sistema de Justiça, o combate à corrupção, as leis eleitoral e autárquica vão continuar dependentes do livre arbítrio do Governo que no facciosismo, nas mordomias e sinecuras, na manipulação abusiva dos órgãos de comunicação mais influentes, tem as suas pedras de toque. Por outras palavras: a governança opaca, sectária e fantasiosa de António Costa vai adensar-se com a maioria absoluta. É o mais certo. Sem que, agora mais que nunca, nada nem ninguém lhe faça frente. Desde logo porque o actual Presidente da República já deu provas de que não tem vocação para tanto. O comentário político e as selfies emblemáticas vão continuar a ser, seguramente, o seu mais delicioso entretém. Depois porque o PSD vai continuar democraticamente inútil. Inutilidade agravada com a reconhecida falta de qualidade do seu novo grupo parlamentar. Depois porque a Justiça vai continuar enredada e subvertida apenas dignificada por meia dúzia de denodados magistrados. Depois porque a alta e a baixa Finança vão engalfinhar-se na disputa do bolo da CEE. Depois porque ao BE, destroçado e desacreditado, pouco mais resta que discutir o sexo dos anjos. Depois porque o PCP desgastado e alquebrado já tornou pública a intenção de se manifestar nas ruas, embora pouco mais consiga que sobressaltar os sem-abrigo. Algumas esperanças de dinamização e renovação democrática recaem, goste- -se ou não, nos vinte aguerridos deputados eleitos pelo Chega e pela Iniciativa Liberal que na Assembleia da Republica se farão ouvir, cada uma à sua maneira, protestando, denunciando e, sobretudo, ameaçando cativar o povo para futuros combates eleitorais, o que não deixará de muito preocupar o PS. Nunca se sabe, porém, se tudo não terminará em circo e folclore e se a montanha não irá parir um rato, até porque o mais certo será a oposição tradicional correr atrás de mitos e centrar os seus ataques no Chega e não no Governo, como seria democraticamente desejável. Eu diria, por tudo isto, que mais sólidas esperanças infunde o juiz Carlos Alexandre que aqui designo alegoricamente por santo Alexandre porque, como é por demais sabido, tem protagonizado prodigiosos milagres no combate à epidemia da corrupção. Alguns dos quais continuam a abalar o Regime, como é o caso que envolve o ex-primeiro ministro José Sócrates, figura maior do socialismo à portuguesa. Que santo Alexandre nos valha, portanto! O nosso, o de Mação, não o do Egipto! Vale de Salgueiro, 10 de Fevereiro de 2022.