Editorial

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O que mais dói é ver a Primavera a fugir de nós, quando sempre a celebrámos como garantia de renovação da vida, pelo menos para mais um ano, ou cem, tudo dependia do sol, das flores e das folhas tenras que, a cada manhã, nos amparavam o ânimo.

Até a neve veio fazer pirraça, escarnecendo da nossa impossibilidade de lhe sentir a essência fôfa e a frescura que arrepia, depois de um Inverno sonso, mais quente do que é habitual.

Nada de novo enquanto a tempestade nos turva o horizonte.

Já tínhamos ouvido, mas até ao entardecer da passada sexta-feira, dia 13, ainda se vivia uma aparente normalidade, com mais atenção às proximidades, à higiene das mãos, aos juntouros numerosos, enquanto as prateleiras dos supermercados deixavam perceber comportamentos marcados pela ansiedade, pela angústia contida, mas também pelo egoísmo gebo, que se rebola aos ritmos da matraca diabólica.
Pelos vistos, estamos a passar pela verdadeira quaresma, que nos habituámos a suavizar, porque tínhamos a certeza que todas as primaveras floririam, num tranquilo processo de renovação, seguindo o curso natural da vida.

O medo nunca foi bom conselheiro e continua a demonstrar capacidade de instalar o caos nas comunidades humanas, trazendo à superfície muito do que nos mantém na condição mais instintiva do que racional, apesar de todas as aparências.

Quando menos se espera a natureza arremete com crueldade sobre o nosso quotidinano, que gostaríamos de encarar como um tempo de prodígios nunca vistos, nas proximidades da terra prometida, onde todas as delícias da vida que nos permitimos desejar estariam ali à mão.

Estamos a viver uma semana que promete ser agitada, com um verdadeiro carrocel de governantes a rodopiar pelos doze concelhos do distrito, antes e depois da reunião do Conselho de Ministros, em Bragança, na quinta-feira, para quando se anuncia a tomada de decisões importantes para o futuro do interior em geral e do Nordeste Transmontano em particular.

A vida também pode ser um fardo e a vontade de morrer não é uma novidade destas gerações que vivem tempos propícios a delírios sobre prenúncios de novíssimo apocalipse, definitiva tragédia, sempre esperada, prometida e reiterada, onde seria possível vislumbrar possibilidades de nos calhar um lugar entre os eleitos para a eternidade.

A democracia representativa, sistema de organização política que se consolidou nos últimos dois séculos e meio, já deu provas inequívocas de constituir cimento fundamental para garantir um presente e um futuro de dignidade para as comunidades neste mundo de esperanças, mas também de desilusões demolidoras.

Brumosa chegou a manhã, neste Fevereiro quente e vaporoso, ilusória Primavera a meio do Inverno natural, nesta terra semeada de cabeças encanecidas, rostos sulcados por rugas profundas, olhares indiferentes e sorrisos indefinidos.

Terá havido festa em Alcanices, nesse longínquo dia de Setembro de 1297 da era de Cristo, 1335 depois de César, quando Dinis, rei de Portugal e Fernando, rei de Leão e Castela assinaram o tratado que definiu a raia que separa os dois países.

O pior que pode acontecer à democracia é prestar-se ao ridículo, justificando as diatribes dos seus inimigos, que infestam a história política dos milénios que já levamos à face da terra.