Quando os eleitores ficam órfãos de representatividade

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Ter, 16/11/2021 - 09:46


Meus senhores, a próxima vez que formos votar nas eleições autárquicas temos de ter muita atenção aos últimos da lista, pois podem ser eles a representar a oposição ao poder local. 
Na semana passada deparámo-nos com o facto do eleito como vereador da oposição pelo Movimento Unidos por Carrazeda, em Carrazeda de Ansiães, ter tomado posse, mas ter renunciado bem como os seguintes porque decidiram que entraria a pessoa que se encontrava em quarto lugar da lista para o cargo. Nesta semana, percebemos que os vereadores do PS em Bragança também ainda não tinham comparecido a nenhuma reunião de câmara. Fomos averiguar e soubemos que quem irá ocupar o cargo de vereadores da oposição é quarto e o quinto da lista socialista.
Os vereadores exercem uma função pública de primordial relevância, pois são os representantes do povo e quem assegura a oposição ao poder local em democracia. Poderemos questionar com legitimidade se as pessoas que votaram nessas pessoas perderam representatividade? Claro que perderam. Sabemos que a nível local as pessoas votam em pessoas e não em partidos. 
Situações como estas não são propriamente novas, estão contempladas na legislação portuguesa. Eticamente e moralmente são reprováveis, as pessoas podem considerá-las como traições. 
As pessoas quando votam, segundo o método de Hondt (regime eleitoral em Portugal) votam para eleger os mandatos por ordem nas listas. Ora, mesmo que fosse para eleger o poder governativo o quarto ou quinto da lista, eventualmente, nem entraria para o executivo. Portanto, se as pessoas perguntarem “vamos votar para quê? Para depois nos virarem as costas?”, o que poderemos responder? Não sei, sinceramente, que argumento poderemos utilizar para que essas pessoas não deixem de votar. 
A credibilidade da classe política sai, mais uma vez, afectada. Poderá um político andar a brincar às candidaturas e se não lhe agradar o resultado, apenas renuncia ou suspende? Quantas vezes isso lhe é permitido? Sempre que entenda, pode ir a sufrágio em todos os actos eleitorais, mas cabe ao povo vedar-lhe o acesso através da arma que possui, o voto.
Toda a gente pode renunciar a tudo, pois somos livres. Mas, fazê-lo taticamente é uma fraude encoberta pela lei. 
Aristóteles disse que “Há duas espécies de virtude, intelectual e moral, a primeira gera-se e cresce graças ao ensino – por isso requer experiência e tempo –, enquanto a virtude moral é adquirida em resultado do hábito. Não é, pois, por natureza, que as virtudes se geram em nós. Adquirimo-las pelo exercício”.
Segundo esta teoria estamos perante a falta das duas espécies de virtudes. Intelectual porque o ensino está a ser, claramente, contraproducente. Era importante aprender a ser político, tal como em tudo na vida. Moral porque os hábitos e os maus exemplos ganham nova dimensão na sociedade.
Os valores éticos mudam de acordo com o contexto histórico e a sociedade, isso explica o surgimento e sucessão de várias doutrinas éticas que, penso, não estarem a ir no bom sentido. Devemos estar atentos ao rumo das coisas, especialmente quando estão debaixo do nosso nariz e nós temos um papel fundamental na questão. No fundo, falamos do que as pessoas estão a fazer com o nosso voto e com a confiança que lhe atribuímos.
 

Cátia Barreira