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O velho e a bicicleta

Desde que me mudei de casa, há quase 5 anos, cruzo regularmente um velho que se desloca de bicicleta. É mesmo um velho, não uma pessoa idosa, tampouco um sénior, nem um membro duma dessas palavras-armadilha que, sob o pretexto de lhes dar dignidade, lhes cortam as asas. Um velho com pernas como pistões cómicos, uma personagem grisalha desenhada por uma criança meio travessa, um sorriso interior para devorar todos os olhares que sobre ele caem. Ele e a bicicleta baloiçam, mas em tudo – os olhos, o esboço de sorriso, as pernas – traduzem a alegria de se manter direito numa espécie de velocidade moderada pelos passeios da Avenida D. Francisco Sá Carneiro e outras bifurcações. É um velho com realeza, que semeia o bom humor naqueles que o veem passar. É um velho sereno, mas que esconde algo de jovial, não um jupiteriano qualquer, ávido do desejo de poder ou de vaidade que nunca tornou ninguém feliz - ele não é um raio de força de guerra, mas realmente alivia-nos de tudo ao vê-lo passar, daquela peste que nos azeda os dias, daquela teia que aparece nos olhos e nos impede de ver o lado bom das coisas. O bom lado das coisas? Vem de qualquer lado ou vai a qualquer lado, na sua bicicleta, com a sua mochila. De repente, são convidadas as nossas memórias e recordações, os perfumes, os joelhos coroados, as mãos negras, as unhas enlutadas pela poeira dos caminhos, risos e clareiras. Se o velho é habitado por uma certa realeza, se ele é prazenteiro, se espalha um certo bom humor discreto, é porque todo o seu ser declara a sua alegria de andar ainda de bicicleta com a sua idade. O seu olhar, é o duma criança que furta tempo às necessidades, aos deveres. É uma espécie de manguito à ordem das coisas, àquela lei que pretenderia que a vida fosse uma longa desilusão que se vai bebendo aos golinhos. Um aborrecimento que se tira da caixinha de medicamentos à hora certa. O seu esboço de sorriso, é o duma criança meio rebelde e confiante. A certeza de que há algum lugar onde ir e algo novo para descobrir, que impede que não se deixe apanhar pela tristeza e a monotonia. Há qualquer coisa que ele transporta na sua mochila cinzenta. Quase nada. Um pedacinho de inesperado certamente. Uma surpresa. Uma descoberta. Uma recordação. Algo aleatório. E há aquilo que a convenção pretende que se chamem pernas. Mas que seria pertinente, para ser mais justo, mais fiel à sensação produzida, chamar-lhes varetas, bengalas telescópicas, quilhas extensíveis, uma palavra que pudesse no próprio momento em que se pronuncia provocar um sorriso, não de circunstância, mas de adesão instintiva a um sorriso tão encantador como a vida. A sua forma de pedalar, desequilibrado e instável, não é o resultado do acaso, mas dum projeto perfeitamente concertado. O velho anda de forma a que a sua bicicleta lhe resista, que o pedalar não seja espontâneo, como se em cada rotação sentisse o sabor e o prémio: o de ter ainda a força de dominar essa bicicleta e de sentir, fisicamente, não a idade ou o peso da vida, mas ao contrário a permanência duma vitalidade, duma energia, dum desejo, algo em si que se poderia revelar, naquele momento mesmo, inesgotável. O velho na sua bicicleta não aparenta nada de triunfante, o que partilha connosco quando o seu olhar cruza o nosso, é esta surpresa que ele saboreia, todos os dias, de encontrar em si mesmo a força, a mola para subir sobre o que lhe resta de juventude ou de infância para fazer o que ele deve chamar uma voltinha à cidade. E para quem o cruza regularmente, não se pode dizer que nos é familiar esse homem, mas ao longo dos dias, tornou-se na nossa paisagem uma verdadeira figura. Ele está fora, exterior às pessoas, nunca nos ocorreria de o tomar por um sinal qualquer, ou uma alegoria. Mas é quase um personagem, o representante não duma ficção mas duma história, duma fábula imemorial que nos diz respeito a um e ao outro. Neste mundo em que tantas pessoas tentam derrubar os seus muros e fantasmas, ou ao contrário, estão prontos para tudo para encontrar forma de dar nas vistas, o velho na bicicleta tenta a sua sorte, toca a sua partição, cavalga um pouquinho nesta maravilha de estar em vida, aperta-a contra si-próprio como se fosse um tesouro, um bem que ninguém poderá contestar-lhe. E o que diz o seu olhar, no momento em ele se cruza com o nosso, é um sentimento indizível, mal cartografado, entre a consciência da fragilidade das coisas e o que é preciso, necessariamente, chamar uma invulnerabilidade: a do ser que descobre, no momento mesmo, uma sensação antecipada de imortalidade.

Tempo incerto propício ao fungo da podridão da castanha pode voltar a fazer estragos significativos

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Ter, 16/07/2024 - 10:40


As oscilações da temperatura e a chuva que têm vindo a contrariar a estação de Verão são propícias ao aparecimento do fungo que origina a podridão da castanha. A última campanha foi uma lástima para os produtores da região.

“Estamos cientes que o calor, mais cedo ou mais tarde, vai chegar mas o dispositivo já está ‘montado’ a pensar no pior”

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Ter, 16/07/2024 - 10:37


Estamos em pleno Verão, este ano um pouco atípico, já que temos tido dias de calor mas também dias mais frios, pouco comuns nesta altura. Este Verão inspira que cuidados?

Tudo ao molho e fé em deus

A seleção portuguesa de futebol, uma participante favorita de vencer o Euro 2024, foi eliminada logo ao quarto jogo, pelo que regressou a casa mais cedo do que se esperava, para desgosto dos milhares de adeptos que acompanhavam o seu desempenho fervendo de patriotismo. Tenha-se em conta que a seleção nacional poderia, contudo, não ter passado, sequer, da fase de grupos, pelo que não deixa de ser consolador pensar que apenas lhe faltou vencer três jogos para se sagrar campeã. Estou igualmente convencido, ainda assim, que muitos portugueses a quem o futebol pouco ou nada diz, também não deixaram de sentir pesar por este indisfarçável fracasso, ainda que, como é normal nestes casos, as opiniões se dividam e os méritos e deméritos desta campanha desportiva lusitana, em meu entender, não estejam a ser justamente repartidos pelos intervenientes. Não se poderá dizer, todavia, que tudo se resumiu a uma questão de sorte ou de azar, só porque dois afortunados penalties nos colocaram nos oitavos de final e outros dois, desastrados, nos arredarem dos quartos de final. Mais sensato será admitir que a escolha dos titulares, as substituições e a organização táctica para cada jogo disputado, explicam o fracasso. Fica-se mesmo com a sensação de que, face à visível displicência com que foram encaradas as equipas adversárias iniciais, que terá imperado a velha pecha lusitana do “tudo ao molho e fé em deus”. Ainda que dedicação e talento não tenham faltado aos futebolistas da equipa das quinas como, de resto, ficou sobejamente demonstrado. Foram quatro jogos apenas, portanto, em que uns tantos craques se destacaram e receberam justos aplausos e outros dois ou três, ocasionalmente mal-sucedidos, foram, talvez injustamente, censurados. Mas eu não passo de um mero adepto e espectador, é bom que se saiba. O meu propósito central é outro, partindo de princípio que o futebol é um dos espelhos da Nação. Primeiro gostaria de realçar que, goste-se ou não de futebol, a participação de Portugal nas competições internacionais sempre se traduz em grandes manifestações de patriotismo, ou portuguesismo, como se preferir, pelo que deve ser valorizada, nunca devendo ser abordada por ópticas clubistas ou comerciais. Pesem embora os muitos vícios e injustiças que esta universal modalidade desportiva traz associados e que são por demais conhecidos. Manifestações de patriotismo que são circunstancialmente positivas sobretudo porque quem tem governado Portugal não tem ousado promover e defender outros valores nacionais relevantes, designadamente a Língua Pátria, figuras universais da nossa História de carácter social, artístico ou científico, para não referir outros acontecimentos desportivos, culturais e sociais, com impacto para tanto. Também neste caso concreto da governança nacional, não se tratará apenas de uma questão de sorte ou de azar, porquanto é notória a falta de categoria da generalidade dos governantes, mais dedicados que são aos interesses partidários e pessoais, em detrimento do interesse nacional. Aqui, sim, tem claramente imperado a máxima popular atrás citada: “tudo ao molho e fé em deus”. Ainda bem, portanto, que existem Futebol, Fátima, Fado, o Rock in Rio ou a Festa do Avante. Porque os portugueses, para bem da sua sanidade mental, sempre se podem abstrair do comportamento vergonhoso de certos figurantes políticos, bem como dos incessantes casos de corrupção ou do funcionamento preocupante dos mais relevantes serviços públicos. Ainda que em circunstância alguma se justifique o seu alheamento dos grandes problemas nacionais, actos eleitorais designadamente, e muito menos das gritantes injustiças sociais e desigualdades regionais. Não se trata, portanto, repito, de azar ou sorte, mas de uma questão de fé, de os portugueses acreditarem ou não em Portugal e em quem os governa. Trata-se dos verdadeiros democratas acreditarem, ou não, que as grandes reformas do Regime, acontecerão, mais tarde ou mais cedo, dos apaixonados do futebol acreditarem, ou não, que Portugal poderá ganhar o próximo Campeonato Mundial de Futebol, com Ronaldo ou sem Ronaldo, dos devotos de Fátima, nos quais me incluo, acreditarem, ou não, que só a Virgem Maria nos abre o caminho da paz, ou dos amantes do Fado acreditarem, ou não, que a canção nacional sobreviverá às investidas do Punk e de outras ritmos estrangeiros. Trata-se, noutra vertente, dos comunistas portugueses, e não só, acreditarem ou deixarem de acreditar na restauração da mítica União Soviética por Vladimir Putin, ou das feministas do BE deixarem de acreditar que jamais algum aiatola virá obrigá-las a usar burca. Desesperante será, ainda assim, se o futebol continuar a ser o desígnio nacional determinante e o “tudo ao molho e fé em deus” a doutrina recorrente da política portuguesa.

O MICROBIOMA COMUM (O Cidadão Cientista)

Sob orientação da Maria João Leão, promovido pela GIMM e com o apoio da Câmara Municipal de Oeiras, um grupo de investigadores, liderados por Isabel Gordo, Karina Xavier e Luís Teixeira, apelou aos cidadãos da região de Lisboa para participarem num projeto inovador: identificar, estudar e caracterizar o Microbioma Intestinal Humano em Portugal, começando pelo concelho de Oeiras, alargado às zonas circundantes e, mais tarde, se houver apoios, estendê-lo a todo o país. Para tal e, não podendo levar os cidadãos à bancada do laboratório, pede-se-lhes que sejam eles a executar as primeiras tarefas observando, obviamente, o protocolo científico que permita a validação das amostragens que estarão na base do estudo. É mais um passo no caminho da Ciência Mais Cidadã, continuando a abrir-se à comunidade ultrapassando já a etapa da comunicação e indo mais longe do que as visitas aos locais de investigação, levando o laboratório a casa de cada um. A equipa de investigação vai enviar para casa de cada família aderente tantos kits quantos os componentes do agregado e são estes que farão a recolha do material biológico e genético da sua própria microbiota que lhe será entregue pelo Gabinete de Ciência e Inovação do Município de Oeiras, para fazer, por um lado, a análise da composição microbiológica e, por outro, a sequenciação dos respetivos genes. O objetivo é caracterizar a diversidade microbiológica comum em Portugal (que, segundo declarações da cientista Isabel Gordo, será, seguramente, mais rica que a americana por causa da nossa variedade alimentar típica, em contraposição com a dieta mais restrita e menos natural dos norte-americanos) e, a partir daí, identificar os microrganismos que, perante uma doença, a promovem ou previnem. É possível reconhecer, entre os milhões de bactérias que vivem no nosso intestino, aquelas cuja atividade pode ajudar a criar um ambiente propício ao aparecimento de um cancro e, igualmente, aquelas que o dificultam e combatem. Depois “bastará” diferenciar quais os alimentos ou componentes destes que são apreciados por umas e rejeitados por outras e assim condicionar a dieta alimentar portuguesa para prevenir, mesmo antes de tratar, o aparecimento de várias doenças oncológicas. A própria macrobiota pode ser alterada, enriquecendo-a ou diminuindo-a, de acordo com as conveniências de saúde de cada um mas isso, como alertou a investigadora da GIMM, é já um ato médico que poderá ter lugar, num estágio posterior e levado a cabo pelos profissionais de saúde, depois de concluído este estudo e divulgadas as conclusões, devidamente fundamentadas, cientificamente. Por razões logísticas, este projeto tem de ficar, nesta fase, restringido ao município de Oeiras e, excecionalmente, a alguns dos concelhos vizinhos. Porém, a sua extensão a outras regiões do nosso território será de grande importância, para o projeto em si mas, mais do que isso, para as populações estudadas pelos benefícios que daí poderão, num futuro próximo, recolher. Perante uma pergunta sobre a operacionalidade desta expansão, as responsáveis manifestaram grande abertura condicionando apenas ao apoio logístico local que passará, seguramente, pelo empenho municipal em colaboração com a rede de farmácias concelhias. Estou certo que os autarcas ficarão sensibilizados por esta oportunidade e que não deixarão de aproveitar o ensejo de beneficiarem as populações que pretendem servir. Sempre, mas, porque não admiti-lo, com frontalidade?, sobretudo neste período pré-eleitoral que se abre, dentro de pouco tempo. Sobretudo porque, havendo uma capacidade limitada de análise e estudo, quem primeiro se pronti- ficar, ganhará, necessariamente, vantagem sobre os seus concorrentes.