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A greve das cegonhas

Os meninos pelo feitio não ficam caros (Homem de Lagarelhos)

Os censos de agora revelam a perda de 250.000 habitantes relativamente aos censos anteriores. Por várias causas a população portuguesa vem diminuindo de ano para ano. Longe vão os tempos das famílias numerosas, seja no universo urbano, seja no rural. As ciências sociais elencam várias razões causadoras da rarefacção dos agregados familiares, prosaicamente os casais fazem contas à vida, as mulheres têm ao seu dispor a pílula, o truca-truca de José Morgado, glosado pela notável e bem-humorada poetisa Natália Correia deixou de ser praticado apenas com o móbil de engendrar descendentes, embora «fazer» filhos pelo feitio não fiquem caros segundo ouvi a um homem de Lagarelhos irmão de quatro raparigas e quatro rapazes, o seu adequado sustento, a sua boa educação (física, académica, científica e técnica) só está ao alcance de pais detentores de rendimentos acima da média e, nos dias de hoje os jovens nem nem a ficarem na casa paterna, usufruindo de cama, mesa, roupa lavada sem esquecer a mesada quantas vezes retirada das magras reformas dos progenitores. A mesada é forçada ali ou acolá, até de modo violento, segundo registam órgãos de comunicação social.

O acima exposto é uma pálida ideia referente à míngua demográfica reinante nas terras lusitanas, sendo muito maior no interior de Norte a Sul, pois as pessoas preferem viver no litoral apesar dos apelos de sinal contrário, provando-se a força do apelo do mar, ou fossemos um povo de marinheiros. No tempo da Maria Cachucha, da época em que os animais falavam e das fadas da Condessa de Ségur existia um serviço de mala-posta confiado às cegonhas as quais não tinham asas a medir na lufa-lufa de entregar bebés às mulheres casadas transmontanas e beiroas (contando ainda com o suplemento das mães solteiras de meninos marcados com o ferrete de zorros para infelicidade dos nasciturnos). As cegonhas deixaram de desempenhar tão grácil tarefa queixando-se da penosidade da profissão e não terem sindicato poderoso capaz de as defender, o dos motoristas de camiões de combustíveis mofarem ruidosamente da pretensão de união com as pernaltas de bico comprido, estas retiraram-se e vivem em ninhos no cocuruto de árvores e postes. Um escritor espanhol caminhante ao estilo de Camilo José Cela referiu um ninho de cegonhas nas imediações do restaurante D. Roberto em Gimonde, eu observei outro no cimo de uma torre de alta tensão na aldeia de Milhão, no tocante a mala-posta sobrou a localidade assim denominada Malaposta onde esparsamente estaciono a fim de revisitar o vetusto restaurante Pompeu dos frangos.

A desertificação do interior não se enfrenta nomeando e mantendo secretários de Estado (ajudantes de ministros) para lá do Marão, Serra da Estrela, Gardunha e S. Mamede, sustem-se tomando corajosas decisões, há dois séculos e meio o Sr. Sebastião Carvalho e Melo semeou indústrias nessas terras recônditas, Covilhã e Tomar servem de exemplo, agora tudo se transformou, a burocracia, a voracidade empresarial dos núcleos de maior peso demográfico (votos), a preguiça tecnologia do ar condicionado, as loas paisagísticas do interior a convidarem ao ripanço escoram a debilidade (não aludo a virilidade) no fazer/fazendo todos os esforços tendentes a minorar rapidamente as lacunas populacionais existentes sem estarmos à espera incerta dos migrantes e discretos para não acoimar de secretos os investidores cartão Gold e eclatante Platina.

Portugal e os ingleses

Bons dias vos dê Deus! Saúdo-vos com esta expressão que hoje, ao contrário de outros tempos, apenas sobrevive através dos que falam mirandês, ao que vos ouço retorquir “Deus vos dê bons dias!” Espero que andem com a saúde e o ânimo tão bem dispostos como uma brisa ao fim da tarde poente, sentida desde um banco de pedra à porta de casa como quem fecha mais um dia e contempla o anunciar do dia seguinte. Recentemente, tenho andado um pouco ocupado, a ultimar outras escritas um pouco mais académicas, de maneira que tenho andado mais afastado, mas não esquecido, da vossa inspiradora companhia.

Como eu costumo vir aqui de quando em vez, sou amiúde um comentador da desatualidade porque os meus tópicos estão já fora de moda num tempo em que os temas se sucedem tão rápido como se obsoletam, a grande e fugaz velocidade. É o carrossel da opinião do qual o combustível é a debitação incessante, o ruído das matracas, o bater das teclas do computador, o martelar dos debates, o macerar dos posts e podcats. Uma coisa cheia de industriais e ruidosas onomatopeias (traque, traque, traque, pum, pum, pum) à guisa de um Álvaro de Campos que hoje se perderia na enxurrada de chorrilhos e se excitaria com o progresso, as ânsias e ansiedades do savoir dire português parolamente polvilhado de englishcismos.

Neste momento vejo o país com dois tipos de portugueses. E não falo dos que que não acreditam que o Fernando Santos ainda tenha alguma coisa para dar contra os que creem na suas fortes capacidades de orar e rogar para que a divina providência nos coloque só “mijas nas escadas” pela frente (e faça descer mais um Messias para chutar à baliza na hora de um hipotético juízo final). Portugal faz-me lembrar cada vez mais a música do Sérgio Godinho, “não me olhes só da bancada lateral, desce-me essa escada e vem deitar-te na grama”, um dos amantes está no campo a dar o litro e o outro na bancada, um no palco sobre o calor das luzes e outro sentado na audiência, “não me olhes só dessa frisa lateral, desce pela cortina e acompanha-me em cena”. Há os que fazem e os que esperam que as coisas se façam para poderem fazer o seu trabalho e pôr mãos à obra no seu mester de fino e constante traque, traque, traque, noite e dia a burilar a crítica e a simples opinião. E como no Espetáculo de SG, os passivos, os assistidores, são muitos mais.

Estar confortavelmente na bancada a produzir doutas larachas sobre o que os outros fazem é o nosso país. Resumida, a democracia são uns no poleiro e outros a comentar desde a bancada parlamentar a fim de ver se conseguem lá chegar, e assim trocativamente. Os humoristas fazem cada vez menos humor, a maioria converteu-se ao massivo comentário para massas, mais e menos humorístico, activistas internéticos. Temos opinadores-mores que ninguém sabe de donde vieram, quantos padrinhos navegaram para aqui chegar, mas agora são especializada referência do tudo e mais alguma coisa. Ex-profissionais sem especial jeito para a profissão que encontraram redenção no conforto da bancada do comentário. O mais noticiado deputado do país chegou à Assembleia à custa de comentar o Benfica. Temos um presidente-comentador que enquanto jogador político foi assim-assim, mas uma vez na bancada, apurou o comentário até ao ponto de rebuçado, para incontestável se isolar na chegada à meta, e assim continua segurando as pontas do país através do domínio da bela e diplomática arte de tudo bem comentar. E outros se perfilam na mesma pista como aviões a aguardar autorização da torre de controlo para poder levantar voo. Nós portugueses gostamos especialmente do comentador porteira de bairro, las concierges du Portugal, além da opinião sabem sempre de fonte muito segura, fazem notícia, trazem- -nas em primeira mão, já sabem se são menino ou menina antes de nós sequer desconfiarmos da gravidez. Agora não há público nas bancadas num país que é toda uma bancada apinhada de público. Das antigas, sem cadeiras, daquelas em que o pessoal se ia apertando sentado no cimento e havia sempre lugar para mais um espectador assistir. Só os ingleses. Só os ingleses podem alapar os rabos nas nossas bancadas. É deplorável, é de causar vergonha alheia, a nossa falta de amor próprio, o espelho da nossa pequenez, sempre tão acima de tudo preocupados com os ingleses, mesmo no meio de virais mortandades. Mas eles podem, eles ganharam o direito histórico de nos usar, de nos despojar. Se calhar até nem nos pediram nada, nós é que estamos sempre a precisar de uma ajudinha. Sem os ingleses dificilmente haveria Portugal. Pelo menos, em 1383-85, na Restauração, nas Invasões Francesas, eles fizeram várias vezes com que Portugal não desacontecesse. Creio que devemos este país à teimosia d’el Rei Afonso I e à pontualidade dos ingleses em nos dar uma mãozinha nas horas H’s. São favores que pagamos para a vida e pagamo-los com o corpo que é tudo o que temos para dar. Por isso eles que nos usem e abusem, que ultimatem o nosso corpo de vencida prostituta, de alma estripada e olhar perdido nas bazucas de notas de libras que eles deixam espalhadas pela mesinha de cabeceira, desistidos há muito que estamos de alguma vez granjearmos amor, respeito, sequer um sorriso, ou o mais ténue sinal de afeto ou cumplicidade...

Nestas linhas torno-me um comentador da desatualidade, mais um cidadão passivo, um opinador, um indivíduo que aqui deixou uma hora da vida a verbear, sem produzir, sem nada ganhar ou acrescentar, pensando, talvez, que até disse alguma coisa de jeito. É isto Portugal e, ao fim ao cabo, tudo isto é ser-se suave e futilmente português.

Manuel Pires 

Para acabar de vez com o dinheiro do Fundo de Recuperação e Resiliência

Aqui há uns anos, ainda não havia o Euromilhões, um amigo meu comprava habitualmente um bilhete inteiro da lotaria do Natal. Num ano, no dia em que andava a roda, ao fazer o trajeto para Bragança, pôs-se a especular sobre como gastar o dinheiro caso lhe saísse a sorte grande. Depois confessou- -me: “Olha! Hoje, ao vir para Bragança, pus-me a pensar nas compras que faria se me saísse a taluda. E tu não queres saber que ao chegar cá já estava teso!” Não fui capaz de lhe perguntar pela lista das hipotéticas compras porque sabia de antemão que, além de coisas necessárias e de outras até imprescindíveis, estariam muitas absolutamente hilariantes.

Veio-me da memória esta lembrança, hoje muito em linha com as pretensões, as reivindicações ou as exigências que cada um faz no sentido de gastar o quinhão que lhe toca da chamada “bazuca”. E as propostas são muitas das vezes resultado de visões paroquiais, sem sentido das prioridades e alheias ao interesse nacional. Parecemos volvidos aos tempos do Maio de 68 em que os jovens anarquistas aconselhavam “Sêde realistas! Pedi o impossível”. A não ser assim como enquadrar a reivindicação de uma estrada de Macedo de Cavaleiros à Gudiña passando por Vinhais? E que é que iriam os de Macedo fazer à Gudiña? A Gudiña é uma aldeia! Dir-me-ão que a Gudiña representa a ligação à autoestrada das Rias Baixas. Mas a mobilidade das pessoas e mercadorias de Macedo e Vinhais não se processa no sentido de Vigo ou Benavente. Resumindo: esta petição só surge porque parece que sentimos que há dinheiro para tudo. Mas é esse mesmo espírito que preside à sugestão, como solução ferroviária para a nossa zona, da ligação de Bragança a Vila Franca das Naves na linha da Beira Alta (isto é que é um pensamento regionalista?!). Esta solução já tinha sido avançada, no final do sec XIX, pelo Eng. Militar João Crisóstomo quando ainda se pensava que Portugal era Lisboa e o resto paisagem. Também foi levantada essa hipótese para expedir o minério de Moncorvo para o Seixal. Ora, Bragança não é propriamente ferro para altos fornos e a ideia de João Crisóstomo foi prontamente abandonada pois não havia razão para privilegiar a ligação a Lisboa se Bragança tinha um intercambio cultural, social e mercantil muito mais forte com o Porto que com Lisboa. E assim permanece apesar do mundo ser mais global. O entusiasta da solução da ligação à Beira Alta, que começa por dizer ser incompreensível que Bragança e Vila Real sejam as duas únicas capitais de distrito sem serventia ferroviária, propõe uma solução que só contempla uma. (A solidariedade segue dentro de momentos). Aliás, sobre solidariedade e ferrovia queria fazer um parêntesis para dizer o seguinte: a construção da barragem do Tua provocou o encerramento definitivo da linha do Tua. Foi, então, criado um fundo de forma a criar contrapartidas no sentido de ressarcir, da perda de mobilidade, os concelhos lesados. Ora, os ditos concelhos são, segundo o entendimento de quem criou o fundo, Mirandela, Vila Flor, Carrazeda de Ansiães, Murça e Alijó. Estes dois últimos, situados na margem direita do Rio Tua enquanto a linha está na margem esquerda, nunca tiveram nem estação nem apeadeiro na linha do Tua. Como dizer que perderam mobilidade. Mais. Mesmo Vila Flor e Carrazeda tinham só meia dúzia de apeadeiros, a maior parte distantes, até, das povoações a que davam serventia. Portanto a perda de mobilidade desses Concelhos foi reduzidíssima. Mas, mais que estes argumentos cheios de sofisma, o que incomoda sobremaneira é não haver, da parte desses cinco magníficos, uma palavra solidária para quem perdeu mais e há mais tempo, como Macedo e Bragança. E não se perdia nada que o Fundo além de incluir estes sete já nomeados lhes somasse mais dois, Vinhais e Vimioso, que nunca tiveram as benesses da ferrovia. Isto sim, seria solidariedade, seria fazer alguma coisa pela coesão territorial e não tratar os temas que são comuns a todos com o espirito mesquinho, na lógica do “xico esperto,” sempre privilegiando o desenrasca. E os outros? Os outros…paciência.

Mas não foi só nesta questão que se manifestou a falta de espírito solidário dos Municípios do Distrito. O facto de deixarem passar em claro a não inclusão da melhoria dos acessos a Vimioso é disso exemplo flagrante. Seria a correção de uma injustiça quase congénita e também a forma de acabar com a vergonha de parasitar a estrada espanhola. Não nos esqueçamos que as gentes de Miranda, que usariam a estrada de Vimioso para a deslocação a Bragança, preferem fazer a viagem por Espanha. Haverá alguma explicação razoável para entender que a melhor ligação entre duas cidades portuguesas seja uma estrada espanhola?)

Li, também, como boa aplicação do dinheiro da “basuca” o aumento do comprimento da pista do aeródromo, condição necessária para a elevação à categoria de aeródromo regional. Não estou de acordo porque me parece um despesismo gratuito, fruto duma visão paroquial do assunto. Repare-se no seguinte: se imaginarmos um polígono cujos vértices fossem Porto, Guarda, Salamanca, Valladolid e Leon veríamos Bragança mais ou menos no centro desse polígono. Bragança dista mais ou menos 200km dessas outras cidades. Assim a área de influência de Bragança é a área de um círculo com centro em Bragança e com raio de 100km. Atendendo a que as cidades maiores têm maior área de influência o que faria cair Vila Real na órbita do Porto e Zamora na de Valladolid que é que ficaria para Bragança? Sete mil e tal km2 de território perfeitamente desertificado. Onde está a gente? Onde está a mercadoria? Acresce ainda que o actual aeródromo permite a utilização a naves como aquela, que Bragança viu aterrar, da ligação aérea a França. Atendendo a que a ligação aérea a França, com uma nave de 50 lugares, fechou por falta de passageiros e que a vez que transportou mais foi no dia da inauguração e só vinha a meio, pergunto: De que aviões estamos à espera?

Não devemos ter medo de gastar dinheiro quando a coisa se justifica. Mas não é gastar dinheiro para criar “elefantes brancos”. E é o que acontece se a um investimento caríssimo somarmos uma manutenção deficitária. Ora a manutenção comboio de Bragança já era deficitária no tempo em que era monopolista (lembremo-nos que não havia camionagem a competir com os comboios. Se de Bragança se quisesse ir para Macedo, Mirandela, Porto etc tinha que se ir obrigatoriamente de comboio. Só depois do 25 de Abril é que passou a haver camionagem nesses trajetos). Resumindo: Bragança não tem de ter comboio. Tem de ter boa mobilidade. E tem. A autoestrada dá-lhe boa mobilidade. Se me disserem que viajar de autocarro não é igual a viajar de comboio, concordo. Então, como contrapartida de não termos comboio, exijamos autocarros com requisitos das carruagens do comboio.

Os dinheiros do Fundo de Recuperação e Resiliência têm por objetivo reparar os danos económico e sociais provocados pela pandemia e aproveitando este ensejo tornar os países mais ecológicos, mais digitais e mais resilientes. Ora, um dos fatores que aumenta substancialmente a resiliência é a melhoria dos serviços de saúde e dos apoios à 3ªidade, com a criação de lares e com fiscalização exigente dos já existentes. As condições dos idosos em alguns lares, que a pandemia veio a revelar, enchem-nos de vergonha. Também o caso do idoso com alta hospitalar a ocupar a cama do hospital por não ter quem o receba, dá que pensar. Aí não podemos ter medo de gastar o que for necessário. Isto é um imperativo de carater geral com que toda a gente concordará. Assim como também será um imperativo a electrificação de todas as linhas de caminho de ferro por compromisso que Portugal assumiu pela descarbonização. Mas não chega. Tem de criar plataformas logísticas de forma a retirar das estradas os camiões de longo curso que transportam materiais pesados. Isto é: definir zonas de influência que teriam um parque para depósito de materiais pesados como combustíveis, de ferro, de adubos, de cimento etc que chegariam ali em comboio elétrico obrigatoriamente. Isto são medidas de carater geral como será a digitalização, fator determinante no crescimento económico futuro. Mas neste contexto que poderá fazer Bragança, particularmente, que possa contribuir para o bom desempenho do Plano de Recuperação e Resiliência? Em que sector ou sectores Bragança deve apostar com mais assertividade? Acho que tudo aponta para o sector da agricultura e eventualmente o turismo a ela associado. Digo isto pela conjugação de vários fatores: 1º foi a agricultura o sector que melhor tem resistido às dificuldades criadas pela pandemia, não só em Bragança mas em Portugal ou no Mundo; 2º este indicador associado ao plano Porter (o plano Porter ou relatório Porter foi um estudo encomendado pelo Ministro Mira Amaral nos anos 90 e cuja conclusão foi mais ou menos “lapalissiana” isto é, que Portugal devia fazer o que sabe fazer, por outras palavras, Portugal devia apostar nos sectores tradicionais. 25 anos depois fez-se uma avaliação desse Plano e a conclusão é que os sectores que maior desenvolvimento e competitividade evidenciaram foram os do calçado, têxtil, vestuário, vinhos e mobiliário. Foram, de facto, os sectores tradicionais) que, se dirigido a Bragança, diria: façam agricultura. Mas Porter também fala num problema endémico em Portugal que é a falta de escala. E a agricultura em Bragança tem esse óbice bastante acentuado. Posto isto, concluo: Bragança tem de fazer, já, o cadastro digital das propriedades agrícolas (transformação digital); tem de transformar todos os baldios em parcelas com tamanho quanto baste para criar entusiasmo nos empresários agrícolas; tem de criar imperiosamente industria agroalimentar( o fantasma do Cachão persegue- -nos); tem de fomentar a criação de empresas de prestação de serviços agrícolas à semelhança das que já existem para a floresta; tem de cortar os matos e investir nas “pastagens semeadas biodiversas” que é sequestrador de carbono(aliás subsidiado por isso), fixador biológico do azoto e fonte de proteína que tanto peso tem nas importações. Além disso ajudaria a dar corpo à última utopia de Gonçalo Ribeiro Telles: “que Portugal fosse o grande jardim da Gulbenkian”.

P.S. Não resisto a uma provocação. Porque será, que estando nós geograficamente situados nas faldas de três serras, Montesinho, Nogueira e Coroa e sofrendo forte influência de uma quarta, a serra da Sanábria(2170m), que não temos um queijo? Será culpa das serras?

O normal é ser diferente

Às vezes, percebemos que, para podermos andar descansados, temos que andar ao contrário de toda a gente. Por norma, se estamos a fazer algo diferente de todos os restantes, leva-nos a crer que algo está errado. Como quando caminhamos da direcção oposta dos restantes, que se deslocam em manada (tempos A.C. - Antes da Covid-19) . “Ou somos muito espertos, ou então muito burros”. Quem nunca?

Bom, a verdade é que o que neste momento em que vos escrevo me está a permitir usufruir de alguma calma e normalidade é ter vindo tomar o pequeno-almoço fora... Quase ao meio-dia e meia hora. Ora, ao passo que muitos se preparam para o almoço, eu vim, poderão dizer, com algumas horas de atraso. Para mim, cheguei no momento certo. Evitei filas, confusões, pessoas em geral. Não evitei o ar reprovador e algo confuso da senhora que me atendeu, e que perguntou duas vezes para confirmar o meu pedido, que lhe pareceu tão desajustado. Agora estão provavelmente sentados a mirar uma ementa de pratos do dia, ou a espreitar pela esquina do olho para um qualquer programa da manhã enquanto tentam não deixar queimar o estrugido do arroz. E eu, aqui estou, a beber uma meia de leite, sem pressas.

São pequenos luxos que nos permitem manter a sanidade mental. Andar como queremos, sem querer saber o que pensam sobre nós. Isto quer dizer que nem sempre o mais sensato, o mais “normal” é o melhor para nós? Acho que, no fundo, quer dizer isso mesmo. Quantas vezes dizemos que “não” a querer dizer “sim”?

Quantas vezes dizemos que “não” porque é mais fácil, mais ajuizado, e outras tantas damos um “sim” para não levantar ondas (a ordem dos “nãos” e “sins” podem decidir vocês, sintam-se à vontade para trocar. Este é um texto totalmente livre de regras, por isso, força!).

E, pior, por cada vez que nós dizemos “não” alguém diz “sim” em nosso lugar (mantenhamos a regra do parágrafo acima, caro leitor). Por cada vez que adiamos a vida, por tantos motivos que não passam de desculpas, de facilitismos, ela continua a avançar, sem nós, noutros sentidos onde não estamos. Se isto nos deve preocupar? Claro. Se devemos fazer algo para mudar isto? Certamente.

No meu caso, hoje não, que ainda tenho uma meia de leite e estas linhas para acabar, e estão ambas a saber-me bem. E vocês, do que é que estão à espera?

As mudanças começam em nós. Esta frase não é minha, logicamente, ainda que não cite autores porque não sei se há mesmo um ou se é a sabedoria popular ou, talvez, tenha lido num livro de auto-ajuda qualquer na prateleira de um supermercado. As mudanças são enormes. Outras são um pequeno passo. Um ato de coragem, de ousadia, um efeito borboleta Hoje, a minha mudança, a minha revolução, foi tomar o pequeno-almoço à hora do almoço e contrariar do resto do mundo (neste fuso horário, pelo menos). Remar contra a maré e ser diferente pode mesmo ser uma “estranha forma de vida”, como cantava a Amália (eu por acaso gosto mais da música dos caracóis, mas não se adequava aqui). É, afinal, o que há de mal em ser estranho, certo? De revolução em revolução, um dia vamos acabar felizes e descansados com a vida que escolhemos. Mesmo que seja o contrário do resto do mundo.

Reflexões no nordeste

A visita mensal à terra natal é sempre motivo de observações e reflexões, depois de rever sítios e pessoas, relembrar paisagens, cheiros e sabores. De entre vários e variados, três delas ganharam estatuto para figurarem nesta crónica:

1 - Lares – Muito se falou nos lares e nem sempre pelas melhores razões. Com ou sem razão. Depois dos surtos e demais peripécias é altura de relevar, com inteira justiça, o inestimável serviço que estas instituições têm prestado a toda a comunidade e não só ao grupo sénior. Razões pessoais levam- -me a testemunhar e a agradecer, publicamente, o empenho, profissionalismo e dedicação de todas as pessoas, sem qualquer exceção, com quem tenho tido o privilégio de contactar e interagir nestes meses mais recentes.

2 - Caça à multa – A Junqueira foi, na última década, conhecida, por muitos automobilistas pelas notificações que lhes chegavam a casa dando conta do excesso de velocidade que, quase naturalmente, aconteciam no troço do IP2 que ali tem início. Era quase automático o pisar no acelerador, ao abandonar a mais estreita e sinuosa Nacional 102. Com o tempo os condutores “aprenderam” a moderar o impulso e o limite dos 90km/hora passou a ser respeitado, na generalidade. Implicando, obviamente, uma diminuição das receitas. Eis se não quando, subitamente, o limite máximo foi reduzido de 90, para 70. Porquê? Não há qualquer justificação razoável. É uma reta, afastada dos cruzamentos (onde se pode circular a 90) e não há registo de qualquer acidente ou situação menos segura que ali tenha ocorrido. Alguma razão haverá, provavelmente, mas não se vislumbra, outra que não seja a, injustificada, caça à multa!

3 - O Vale da Morte – Quem estiver minimamente familiarizado com as técnicas e processos do tão falado e procurado empreendedorismo sabe bem que para dar vida e futuro a uma startup ou mesmo a uma spinoff, sendo necessária uma boa ideia e um adequado planeamento suportado e sustentado, de nada valerá se a concretização do projeto fundador não conseguir ultrapassar a fase a que se chama, justificadamente, o Vale da Morte. Daí que de pouco adiantam os gabinetes de empreendedorismo, agora tanto em voga, se não tiverem o devido enquadramento de fundos de Capital de Risco e/ou de Business Angels, razão da sua modestíssima prestação. Que mal compare, algo de parecido se passa na gestão autárquica onde o Vale da Morte dá pelo nome de Processo Eleitoral. De pouco vale o reconhecimento ou certificação de competência para a gestão municipal de qualquer candidato se este não conseguir passar, pelo crivo das eleições. Pela mesma razão que continuará a haver velhas, desatualizadas e pouco sustentáveis empresas a quem novas, inovadoras e rentáveis pequenas empresas não conseguem tirar o mercado, por não terem sido capazes de ultrapassar o nó górdio da afirmação ou conquistarem o apoio capitalista necessário, igualmente vai haver autarcas, ultrapassados e incapazes de acrescentar valor aos respetivos municípios nem de melhorarem o nível de vida dos munícipes que conseguem resistir à competição de novos agentes, mais ágeis, competentes e inovadores ... não por falta de qualidade destes mas, simplesmente, pela incapacidade (própria, alheia ou simplesmente circunstancial) de gerirem adequadamente o ciclo político prévio e necessário.