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Bragança : A Nação Judaica em Movimento - 17 Francisco Novais da Costa, tratante e rendeiro

Ao findar do século de 1600, assistiu-se a uma verdadeira debandada da “nação de Bragança”, destacando-se Lisboa, como destino procurado. Foi também o caminho seguido por Francisco Novais da Costa. Contava uns 46 anos quando, “pela Páscoa do Espírito Santo de 1697”, abalou de Bragança com a família, sendo a filha mais nova de poucos meses ainda. Em Lisboa estabeleceram morada na Rua das Arcas, “junto das Comédias”, conforme se lê no processo de Manuel Lopes, natural de Torre de Moncorvo e que andou por Barcelona, Livorno, Sevilha e outras terras da diáspora e nos deixou o seguinte retrato de F. Novais:

- Será de 35 a 40 anos alto gordo cara larga moreno olhos negros e sobrancelhas bastante serradas entre brancas cabelo curto e liso.(1)

Francisco tinha larga experiência de trato comercial, não só na região de Trás-os-Montes mas também por terras de Castela. Porém, apesar da experiência e dos próprios recursos económicos, Francisco procurou certamente parcerias, como a de Elizeu Pimentel. E esta parceria traduzir-se-ia na arrematação da cobrança de rendas como as da comenda de Poiares, junto a Lamego. E traduzir-se-ia também no casamento de Luís de Novais, seu filho, com Maria Inácia, filha de Eliseu.

Mas se uma e outra situação facilmente se explicam, como havemos de interpretar o inventário de peças de ouro e prata que ele fez, quando foi preso pela inquisição, dizendo:

- As peças de ouro e prata que tem estão empenhadas na mão de Bento Rodrigues da Maia, mercador de retrós, na Rua Nova, na quantia de 220 mil réis, como constará da certidão do contrato que o mesmo tem em seu poder. (…) E que na dita quantia entram também três cordões de ouro que são de António Pimentel e um que é grande, de Eliseu Pimentel e um púcaro de prata, o que tudo pediu emprestado aos mesmos. (2)

Atente-se: pedir objetos de ouro emprestados para ir empenhar e levantar dinheiro em casa de um prestamista?! Não seria mais lógico pedir dinheiro? Sim, mas os Pimenteis também eram rendeiros e as necessidades obrigavam, por vezes a empenhar tudo o que se tinha e não tinha, para conseguir liquidez e ganhar os concursos. Naqueles tempos, a usura e os juros, eram prática apenas seguida pela gente da nação e condenada pela igreja católica. Hoje, existem os bancos para emprestar dinheiro às empresas, se bem que exijam também garantias e que o ouro continua sendo garantia universal, mesmo entre os bancos.

Voltando ao inventário, refira-se que o único bem de raiz apresentado por Francisco foi uma casa que herdou de seu pai, sita na rua de Santo António, intramuros de Bragança. De resto, apresentou dívidas e mais dívidas. E à cabeça dos credores, mais uma vez, aparece Eliseu Pimentel a quem ele devia 600 mil réis e com o qual tinha ajustado, por escrito, a forma de pagamento, com mercadorias que esperava receber do Rio de Janeiro, na frota que estava para chegar. (3)

Vimos já como Francisco Novais se tornou rendeiro da comenda de Poiares, em sociedade com Eliseu Pimentel. Processo diferente foi seguido em Torres Novas onde a cobrança das rendas estava adjudicada a António Gonçalves Drago, “que a largou a ele declarante” pelo valor de 533 mil réis.

 E se a cobrança das dívidas em Poiares ficou a cargo do genro de Francisco, estabelecido em Ourém, em Torres Novas estava o seu filho Luís de Novais, que para ali se transferiu e comprou pipas e tonéis para meter os vinhos das rendas e onde “pelo muito azeite que, diziam, havia pois lhe chegaram a oferecer 4 000 alqueires de azeite pela novidade”, esperavam ter bons lucros. E este é mais um exemplo de como a gente da nação trabalhava em redes familiares de negócios, devendo acrescentar que outro filho de Francisco, chamado Xavier, dirigia o estanco do tabaco em Penela. E já agora, veja-se mais uma dívida de Francisco Novais da Costa:

- Ele deve a Manuel Gomes Carvalho, morador ao Poço dos Negros, 6 barris de farinha, uns a 7, outros a 8 e 9 arrobas, que poderá importar em 35 ou 40 mil réis, porque ele declarante lhe havia de pagar a arroba a 850 e ele queria a 9 tostões. (4)

Este é o retrato possível do mundo empresarial de Francisco Novais, tanto quanto se colhe do seu processo na inquisição de Lisboa. Sobre a sua prisão, diremos que os seus grandes denunciantes foram João Dias Pereira, a mulher e o filho Pedro Dias Pereira, conhecidos em Lisboa com “os castelhanos” e que, vindo fugidos da inquisição de Espanha, se alojaram durante um mês em uma casa que Novais tinha arrendado para morada de uma filha que estava para casar. (5)

A propósito destes “castelhanos”, originários de Rebordelo e Lebução, tios de Manuel Lopes, atrás citado e sua ligação com Francisco Novais, o mesmo informador acrescenta:

- Francisco Novais (…) e sua mulher que não se recorda do nome nem apelido mas é prima segunda de Guiomar Lopes, mulher de João Dias Pereira, (…) eram também observantes da lei de Moisés, e por diferentes vezes se juntaram as ditas 3 famílias e na mesma casa, faziam de comer e beber e as mesmas cerimónias que tem expressadas em observância da lei de Moisés. (6)

Provavelmente a filha que então estava para casar era Mécia de Morais que depois casou com Pedro Álvares, homem de negócio e viveram em Cascais.

A esse tempo, dos 3 filhos e 4 filhas de Francisco Novais da Costa e Leonor Nunes sua mulher, apenas se encontrava casada a filha mais velha, Isabel de Morais e dela e de seu marido falaremos em próximo texto. Por agora voltemos à filha mais nova, Filipa Maria da Rosa que, pelo ano de 1720, foi casar com Luís Álvares Montarroio, uns 20 anos mais velho que ela, primo segundo de António José da Silva, o Judeu. A mãe deste era neta paterna de Miguel Cardoso e materna de Manuel Cardoso, seu irmão. Luís Álvares era neto materno de Inácio Cardoso, irmão dos anteriores. Esta família Cardoso, proprietária de um engenho de açúcar nas proximidades do Rio de Janeiro, era originária de Trás-os-Montes (Bragança e Torre de Moncorvo). Miguel Cardoso, o bisavô do Judeu, ocupou um cargo bem importante – o de administrador e tesoureiro da Companhia Geral de Comércio com o Brasil, no Rio de Janeiro. (7)

Informação: Acaba de ser editado mais um livro da nossa autoria, cuja capa e contracapa ilustram este texto.

NOTAS:

1-Inq. Lisboa, pº 630, de Manuel Lopes, p. 47.

2-Inq. Lisboa, pº 2101, de Francisco Novais da Costa, p. 9.

3-Embora não indique, certamente que os produtos que esperava receber do Brasil seriam açúcar e tabaco, comprados com o produto de tecidos que para lá tinha enviado, sendo Miguel Gonçalves Dortel o seu representante no Rio de Janeiro e Francisco Albuquerque, na cidade da Baía. Francisco Albuquerque, era natural de Bragança, irmão de Manuel de Albuquerque e foi denunciado como judaizante por Pero Nunes de Miranda, em 1732 – NOVINSKY, Anita, Rol dos Culpados, p. 37.

4-Pº 2101, p. 16.

5-ANDRADE e GUIMARÃES, Manuel Lopes um Judeu do tempo da Inquisição, in: Nordeste, nº 1226 e seguintes.

6-Pº 630, p. 45.

7-ANDRADE e GUIMARÃES, Nós, Trasmontanos, Sefarditas e Marranos: Miguel Cardoso (n. Bragança, 1598), in Nordeste nº 1094, de 31.10.2017.

 

O segredo da Senhora do Naso (IV)

• De quem eram os ossos do pavimento da capela nos finais do séc. XVII?

8. A aldeia do Nardo

Sabemos, pelo documento de 1459, que Genísio estivera erma muito tempo. Durante mais de um século não morara ninguém na aldeia, como referimos no capítulo 2. Vimos depois que os seus moradores fugiram à peste negra do século XIV, refugiando-se no Serro do Nardo. E onde viveram durante mais de 100 anos? A documentação só referencia, para além da ermida, mais três edifícios: a Casa da Senhora, a do padre-ermitão e a das almas (Mourinho, ibidem, 28, 61, 65). Mas as duas últimas já tombaram há muito tempo. Os extensos cabanais, de compridas colunatas, a cerca do gado e o espaço envolvente, sobre um cômorozinho, na medula do carvalhal, deixam adivinhar muita arqueologia. A carta militar de 1950 assinala a existência de ruínas na vizinhança da Casa da Senhora. Não esqueçamos que a ampulheta dos séculos está quase a contar seis, após os descendentes dos fugitivos da peste negra terem regressado a Genísio. E o tempo, esse grande escultor, que esculpe, apaga e volta a esculpir as paisagens humanas, dissolveu, ou apenas escondeu, as marcas deixadas pelos fugitivos da pandemia no Serro do Naso? Onde estão as casas colmadas, de um só piso em terra batida, erguidas à pressa, onde o tabique e o tabuado suplantavam a alvenaria? Mesmo da capela original, acima do solo, nada ficou. O que vemos hoje é arquitectura moderna (sec. XVI) e contemporânea (séc. XIX). O mesmo pode escrever-se da Casa da Senhora, um negativo irreconhecível da sua arquitectura medieval. Ou seja, só a arqueologia poderá mostrar outras pegadas dos moradores da aldeia do Nardo, aqui refugiados durante os séculos XIV e XV. Mas, para concebermos a sua arquitectura, temos de saber que, mesmo dois séculos depois, em algumas vilas urbanas vizinhas, ainda havia muito casario colmado (Armas, 2006, 84/86).

9. Conclusão

O método de explicação em história é essencialmente dedutivo (Le Goff, 1984, 174). E a dedução é uma operação racional, através da qual, em consequência de regras lógicas, concluímos necessariamente uma verdade nova, a partir de verdades anteriores, que não podem ser, elas próprias, já deduzidas. O despovoamento de Genísio e a sua anexação, para sempre, a Angueira em 1459; os seus 45 moradores em 1530, ultrapassando os 36 de Angueira -- a sede paroquial; e as ossadas no pavimento da capela são verdades objectivas, não deduzidas, e confirmadas por documentos, que ninguém pode pôr em dúvida. É a partir destas quatro verdades anteriores que a dedução nos fornece a verdade nova – que é a conclusão geral deste texto: os moradores de Genísio fugiram à peste negra e refugiaram-se no Serro Nardo, termo da sua freguesia; salvaram-se da pandemia porque os seus descendentes regressaram à terra dos seus antepassados, engrossando o recenseamento de 1530; e os restos mortais de três ou quatro gerações – os ascendentes dos que voltaram à aldeia -- foram sepultados no adro, junto da primeira capela da Senhora do Nardo, erguida pelos fugitivos da pandemia. Ou seja, a significação em história faz-se tornando inteligível um conjunto de dados, inicialmente separados (ibidem). Só encadeados, aqueles acontecimentos produzem os laços da explicação histórica. Nenhum deles, isoladamente, é inteligível, não permitindo compreender o que aconteceu no Serro do Nardo, durante os séculos XIV e XV.

Samil, Verão de 2021

*Arqueólogo Universidade do Porto Universidade do Minho

Bibliogafia: ARQUIVO DISTRITAL DE BRAGA, Registo Geral, liv.329, Livro das Confirmações de D. Fernando da Guerra. CAPELA, José Viriato e outros, As Freguesias do Distrito de Bragança nas Memórias Paroquiais de 1758, Braga, 2007. CARTA MILITAR número 67, Serviços Cartográficos do Exército, 1950. FREIRE, Anselmo Braamcamp, “Os cadernos de assentamentos” in Archivo Histórico Português, Lisboa, vol. X, 1919. HEERS, Jacques, História Universal – O Mundo Medieval, Círculo de Leitores, Lisboa, 1976. LE GOFF, Jacques, Memória- -História, vol. 1, in Enciclopédia Einaudi, INCM, 1984. LIVROS antigos das matrizes prediais das freguesias de Genísio e da Póvoa, Arquivo Distrital de Bragança. MARQUES, José, A Arquidiocese de Braga no séc. XV. Doutoramento em História da Idade Média, Universidade do Porto, INCM 1988. MOURINHO, António Rodrigues, O Santuário de Nossa Senhora do Naso – História e Devoção. Tipalto, Tipografia do Planalto, 2010. RIBEIRO, Orlando Portugal o Mediterrâneo e o Atlântico, Livraria Sá da Costa, Editora, Lisboa, 1991. SANTA MARIA, Frei Agostinho de - Santuário Mariano, Lisboa, 1716. SOUSA, Armindo de, in História de Portugal, Direcção de José Mattoso, Condicionamento Básicos, Círculo de Leitores, vol. II, 1993.VAZ, Ernesto Albino, Miranda do Douro, Guia, Câmara Municipal de Miranda do Douro, Tipalto 2009. VAZ, Ernesto Albino, A origem da aldeia da novena da Senhora da Serra – Os moradores da vila de Rebordãos fugiram à peste negra de 1362, refugiando-se na Serra da Nogueira, M.B. e Academia. edu, 2018.

Agradecimentos:

1. À Drª Mónica Salgado pela sua inexcedível ajuda na tentativa de dilucidar a inscrição da marra do Naso. Da próxima vez, com outras luzes, e mais espremido, o granito tem de balbuciar alguns fonemas...

2. À Drª Élia Correia, Directora do Arquivo Distrital de Bragança. Em cerrada pandemia de constrangimentos, facultou-nos a consulta dos livros das matrizes antigas de Genísio e da Póvoa.

3. Ao Prof. Doutor António Luís Crespi, Director do Jardim Botânico da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. A sua disponibilidade e conhecimento permitiram-nos outra abrangência dos nichos ecológicos das herbáceas das pastagens naturais de montanha.

4. À minha neta Camilinha. Demonstrou, mais uma vez, que continuo a padecer de profundíssimas lacunas no manuseamento do computador…

 

Ernesto Vaz

Poder Local: a lei da selva.

É oficial: as próximas eleições autárquicas terão lugar a 26 de Setembro de 2021. Daqui a cerca de dois meses, portanto. Estará em disputa a eleição de 308 presidentes de câmara, com os correspondentes vereadores e deputados municipais, mais 3091 Assembleias de Freguesia com os respectivos elementos e associados executivos das Juntas de Freguesia. Demasiada gente para tão pouco poder. O papel do Poder Local na democracia portuguesa, sobretudo no que às freguesias diz respeito, é pouco mais que simbólico, ainda que a Constituição da República lhe confira importância fundamental na governança do país, articuladamente com o Poder Central e o Poder Regional, que apenas se encontra estabelecido nas regiões autónomas da Madeira e dos Açores, já que Portugal continental, lamentavelmente, continua não regionalizado. Pior um tanto: Portugal é governado como se composto por três regiões, considerando as regiões autónomas da Madeira e dos Açores, sendo o Continente a terceira, especialmente se apreciado no contexto da União Europeia. Isto explica a diminuta importância que as Câmaras Municipais provincianas e as Freguesias rurais merecem dos órgãos do Poder Central em geral e do Governo em particular o que, como é óbvio, mais aprofunda as escandalosas assimetrias regionais que estigmatizam o país, sendo que a maior de todas se consubstancia na megalómana área metropolitana de Lisboa. Portugal pode assim ser visto como um Estado obeso, com um abdómen enorme na região de Lisboa, um governo macrocéfalo no palácio de São Bento e o dito “interior” sofrendo de raquitismo crónico. Interior que mais se assemelha a uma selva, com macaquinhos e outros animais de estimação aos guinchos e onde o Poder Central promove “safaris”. É por demais óbvio, portanto, que para os nossos doutos governantes as autarquias provincianas são inúteis, subservientes ou mesmo escusadas e que as populações remanescentes estão a mais, tudo fazendo para as deslocalizar, por entenderem que serão mais úteis nas metrópoles litorais. Basta olhar para as competências das freguesias, seja qual for a sua população, no que diz respeito ao Equipamento rural e urbano, ao Abastecimento público, à Educação, à Cultura, ao Desporto e Lazer, aos Cuidados Primários de Saúde, à Ação Social, à Proteção Civil, ao Ambiente e Salubridade e ao Desenvolvimento e o Ordenamento Urbano e Rural para concluirmos que o Poder Local se afundou num mundo de penúria e fantasia. O panorama não é mais prestigiante para os Municípios provincianos que estão praticamente confinadas ao trato de parques, jardins, feiras e romarias, com significativa omissão das suas atribuições fundamentais como sejam o Ordenamento do Território, a Energia, os Transportes e as Comunicações, a Saúde, a Proteção civil, a Polícia Municipal, a Promoção do Desenvolvimento e a Cooperação Externa, áreas em que o Governo central põe e dispõe a seu bel-prazer. Neste quadro ganha especial gravidade o despovoamento de vastas regiões do Interior que origina a manifesta inutilidade das Freguesias que são, por regra, canibalizadas pelas Câmaras Municipais, que por sua vez são canibalizadas pelos governos que o mesmo é dizer pelos partidos. Da mesma forma que as vilas canibalizam as aldeias e a cidades canibalizam as vilas. Mais uma prova, evidente, de que o ermamento dramático da maior parte do território nacional é consequência de políticas pensadas muito embora seja apresentado como uma fatalidade por parte dos governantes, que dessa forma ali instituem, tacitamente, a lei da selva. O que leva os partidos a procurar afanosamente conquistar o maior número de autarquias, sempre que há lugar a eleições autárquicas, como se de troféus de caça se tratasse, tendo em vista a tomada do poder central e alimentar as clientelas com benesses e mordomias. Um Poder Local, servil e subserviente, portanto. Assente, para lá do mais, num processo eleitoral autárquico abastardado em antecipado acto eleitoral legislativo, que nada mais é que um enfeite democrático de efeitos perversos.

Este texto não se conforma com o novo Acordo Ortográfico (VS 29/7/2021)