Armando Fernandes

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Frenesim de Verão

Fui buscar o título da crónica à bibliografia de Erskine Caldwell escritor que muito admiro, sendo um dos sustentáculos de uma tripeça literária americana à qual rendo tributo por tudo quanto fez no sentido de aumentar o meu gosto pela leitura. Gostos não se discutem! Os estetas romanos soletravam a evidência após banquetes como o descrito no clássico Satyricon. Gostar e a amar a leitura é um privilégio não tão usual quanto – gosto –, porque a jeira da leitura também cansa apesar dos cuidados do distinto e conceituado oftalmologista bragançano António Sampaio, me dedica periodicamente.

Estamos no mês de Agosto, gosto dos livros de Caldwell, torrenciais, cuja escrita de sabor a manteiga de amendoim me envolve em calda branca e negra do sul da América profunda, puritana, sensual, saudosa do esclavagismo, onde Caldwell, Steinbeck e Faulkner (os pés da tripeça) causaram enorme tumulto em milhões de consciências malhando o ferro frio até ficar rubro a favor de todos terem os mesmos direitos e deveres.

Descobri Caldwell, na Livraria Cristal situada na rua Direita (porque directa ao Principal), onde o Nuno Álvaro Vaz me abriu conta com a anuência simpática do Senhor Álvaro Pereira. O Nuno guardava-me livros, os quais pagava conforme a disponibilidade, o Sr. Pereira fomentava oposição ao salazarismo inspirado nas ideias do reviralho, pós 25 de Abril terá sido fundador do PPD em Bragança (bem merece um homenagem pela sua conduta cívica). Era casado com uma professora de francês a Senhora Dra. Evangelina Pintado, a qual se esforçou no propósito de concitar o meu interesse no idioma de Racine, não terá tido grande êxito, porém lembrou-me outros autores para lá de Zola, Hugo e Balzac. O casal, além do filho, oficial da marinha de guerra, falecido prematuramente (tempo de aluno liceal exímio jogador de hóquei em patins a pedir meças ao Eduardo Gonçalves, queijinho), tiveram uma filha muito bonita, demolidora de corações apaixonados enquanto estudante em Coimbra, um deles professor e farmacêutico confessou-me a sua tristeza por não ter tido êxito na categoria de pinga-amor empedernido, pois recebeu rotunda nega após a apresentação do requerimento a pedir namoro. Nunca mais a vi, no entanto, retenho a imagem de beleza serena, sorridente.

Guardo vários títulos de Caldwell, reli a Jeira de Deus e a Estrada do Tabaco, acusados de obscenidade e crueza na época da grande depressão. Sem surpresa, o Partido Comunista não apreciava o autor dado o seu pendor na denúncia das desigualdades sociais a leste e longe da vulgata leninista, bem pelo contrário, exaltava a alegria de viver num fundo jubiloso dos sentidos derrubadores de barreiras e plenamente usufruídos. Os comunistas acorrentados ao denominado neo-realismo não toleravam tão e tanta satisfação de emoções contrastando com a escrita dos autores do socialismo real. Mais tarde julgo ter apreendido as causas do sectarismo propagandeado entre outros pelo temível Dimitroff, plenamente secundado em Portugal por Álvaro Cunhal e companheiros de rota. Leia-se o Diabo e Sol Nascente.

Na Livraria Cristal encontrava bons alimentos espirituais, a sua aparição na canhestra e circular cidade, de rotineiras livrarias, constituiu uma vibrante lufada de ar fresco arejando o ambiente ainda rufado politicamente pelas sapatorras do Coronel Machadinho e as botas do Coronel Salvador.

Nunca perguntei como chegavam os livros da editora Delfos, todavia chegavam. E, no rol de livros censurados e proibidos (edição policopiada) vindo a lume a seguir à data libertadora, constam títulos da referida editora. Também encontrava na Cristal as edições críticas da Portugália, na altura tais edições ensinavam e ensinam a gostar em Agosto e restantes meses do ano, de autores como Gil Vicente, Camões, Garrett e outros, nas antípodas daquelas lousas de resumo estilo Carlos Reis, um dos matões de Os Maias, sugestão de Maria Filomena Mónica (veja-se Expresso de 04 de Agosto).

Completo o Frenesim de Verão recorrendo ao isabelino e universal dramaturgo criador de Sonho de uma Noite de Verão.

Esta crónica canicular tem como elemento primacial a palavra Verão, por isso as referências a dois autores de obras a lembrarem a estação dos três meses de inferno, no intento de agradar a leitoras de recordações da plena e pujante juventude das mesmas, por nás e nefas o vou sabendo, procurando a todo o custo perseverar a sua identidade.

Nos verões do passado, cinquenta anos mais coisa menos coisa a nudez era interdita, mesmo o tapa/destapa analisado por Georges Bataille nos seus escritos sobre erotismo recebia forte censura. O multifacetado autor continua a justificar leitura (mesmo no Estio) as leitoras adicionem-lhe a recordação do uso de combinações e saiotes nos dias sudorosos e falem às netas nos tormentos passados não no pressuposto de cumprirem um evangelho de salvação, sim de obedecerem aos pais, especialmente ao pai, desgostando os rapazes privados de visões de contra-luz. E agora? Agora, segundo informações colhidas verbalmente de bocas femininas ninguém liga a desconfortáveis e vetustas usanças, mesmo o mote do que é bom é para se ver caiu em desuso, restando a moda de vestir à Eva antes de levar o rolo do Adão a morder a maçã. Os saborosos malápios do Gamboa provêm dessa espécie!

Estação maluca

Maluca se designa a estação estival porque asneiras estripadas, atitudes insólitas, acções estúpidas, enfim, todo aquilo que nos fere a sensibilidade, nos vai moendo, devagar, devagarinho, o juízo, levando-nos a súbitas manifestações de mau humor, quando não a iracundos esbracejamentos a provocarem surpresa a quem nos conhece, com quem convivemos. Os antigos diziam serem os efeitos do imenso calor, serem zoeiradas a passarem mal chegavam os ventos vindos da festa em honra de Nossa Senhora dos Remédios de Tuizelo.
Esses mesmos antigos mediam o tempo de acordo com o calendário litúrgico, soletravam datas de festas, feiras, trovoadas e demais ressonâncias estrídulas em função da sua própria vida numa cadência provinda dessa enorme conquista que foi a contagem do tempo expressa na Torre sineira, ali o sino de voz varonil fazia-se em ouvir nas redondezas alertando os atrasados, os dorminhocos, os relapsos ao aforismo – deitar cedo e cedo erguer dá saúde e faz crescer –, agora crescemos a caminho da finitude carregando equipamentos de guia dos nossos passos obrigando-nos a lastimar o tempo perdido (leiam o Proust), a fungar pingos do nariz por não termos prestado mais e melhor atenção às nossas avós na altura de elas recordarem os moços de cegos, autênticos alfobres de novidades.
Agora, as novidades atropelam-se nos telemóveis, nefandas algumas, chamo a atenção para a excelente reportagem da TVI relativa à valsa lenta de horrores perpetrados contra doentes e idosos na Santa Casa da Misericórdia de Ponta Delgada, sucedendo o mesmo na de Angra do Heroísmo, ver e ouvir os miolos daquele rosário de infâmias provocou-me a mesma repulsa sentida ante a contemplação de sinistras memórias do holocausto, levando-me à interrogação: como é possível? E, interrogo-me ante a passividade do governo regional. O secretário de Estado regional já devia estar demitido, os irmãos (com minúscula) evidenciam execrável comodismo pois não consta terem suspendido os Provedores, e ordenado rápido e honesto inquérito aos acontecimentos denunciados nas referidas reportagens. Só na estação maluca? Claro que não, porém como a TVI decidiu (e bem) avinagrar a quentura dos dias, conviria dedicarmos algum tempo à análise das nossas instituições de todo o género, principiando por elencar as existentes, visitá-las fazer perguntas, pedir relatórios de contas e avaliações, fazê-lo é um dever de cidadania, mais a mais estas Organizações recebem e gastam dinheiros vindos do Orçamento de Estado.
Por mais de uma vez saliento a acuidade dos editoriais de Teófilo Vaz, pois bem, o estarmos no auge da estação da toleima, leva-me a pedir-lhe o favor de recapitular os grandes temas/problemas a atrofiarem o Nordeste, associando-lhe os esforços e tomadas de posição dos deputados na resolução dos mesmos. Eu sei da quase nula eficácia do detergente – requerimentos –, por isso interessa-me conhecer outras diligências e efeitos no decorrer da temporada de trabalho agora finda dos nossos honoráveis.
A degradação do transporte ferroviário é chocante, clamorosa, digna de chamada de atenção do Senhor Presidente Marcelo. Bem sei, outro tema louco é o golpe de Tancos e o Presidente não tem logrado grande esclarecimento, no entanto, os comboios gastam muitos dias em férias (greves), os défices são do tamanho dos Himalaias, os passageiros pagam passes e bilhetes, viajam quando viajam numa clara cópia do velho trem “lhega, quando lhega”, devemo-nos envergonhar, não por acaso somos anfitriões da Senhora que cantou a populista Evita, possui uma frota de quinze carros (Ronaldo possui mais penso desprovido de malícia), e já terá visitado o vizinho, o Museu de Arte Antiga, todavia não consta ter deixado um cheque ao Dr. Pimentel.
Eu gosto de visitar e estudar Museus, a escritora Natália Nunes escreveu Assembleia de Mulheres, acídulo romance polvilhado de mulheres (muito antes da guerra das quotas), sempre que leio novas e velhas fórmulas de massa levedar no Museu Abade de Baçal, recordo a Dra. Maria de Lourdes Bártolo, ela tinha classe, autora de textos bem escritos (possuo alguns) de doutrina museológica e adorava antecipar-se aos acontecimentos. 
Caríssimos leitores: num tempo de alta volubilidade das notícias, hei-de escrever relativamente às falsas, duvidei do interesse dada a rusticidade cómica do tema – a estéril natalidade – porque se fazer meninos no feitio só o Jeco se obriga a esforços, brotá-los é dolorosa incumbência da Jeca, criá-los é constante obrigação dos dois, este somatório leva à rarefacção daí a astúcia da Senhora Merkel, a receita está testada desde sempre, as moleirinhas sabem-no, falar em vez de fazer ultrapassa a sazão calorenta. Os comentaristas fingem não saber! O fingimento é extensivo às restantes matérias desta crónica escrita à beira-mar. Nas proximidades veraneiam vários comentaristas. Daí o contágio. Desculpem!

De Bragança a Lagarelhos

A pretexto de prestar justa homenagem a Graça Morais, a propósito dos dez anos do Centro de Arte Contemporânea a que por rigorosa justiça de reconhecimento, a Câmara Municipal de Bragança, deu o seu nome.

A menina muito bela, de cabelos louros, precocemente admirada pela perfeição dos seus desenhos, que ao tempo ia oferecendo à legião de admiradores, deu lugar à artista universal salientando as hierofanias do terrunho onde nasceu e viveu, na sua radiante evidência nos rostos, nos corpos, nos recônditos pormenores, a exigirem conhecimentos simbólicos a fim de pensarmos o pensamento da pintora desde a figura tutelar da Mãe, até à suavidade do encantamento maternal por um lado, musical por outro. O sofisticado Ludovico Dolce gostaria de contemplar quadros da aluna do Liceu Nacional de Bragança (Emídio Garcia), interna na Casa do Arco, atenta ouvinte do Doutor Francisco Videira Pires, nascida no Vieiro, aldeia do concelho de Vila Flor.

A Graça, como habitualmente fez o favor de me enviar um e-mail a dar conta da substanciosa efeméride, passei a mensagem ao meu Amigo Bártolo Paiva Campos e a Mulher Anne-Marie, os dois reputados psicólogos amantes e atentos observadores das Artes, por isso vieram a Bragança. Chegaram antes do Presidente da República, por isso mesmo ao entrarem no Centro disseram-lhe estar o Templo das Musas reservado ao Supremo Magistrado da Nação, tinham saído cedo do Porto, a hospitalidade bragançana torneou o protocolo, lavaram os olhos, aguardaram pela minha chegada, convidaram-me a partilhar mesa no restaurante Dom Roberto, onde degustámos várias especialidades de charcutaria de fabrico próprio, ainda leitão assado segundo o cânone transmontano. O sempre amável e prazenteiro Sr. Alberto Fernandes, Alberto para amigos e conhecidos, explicou a génese do leitão bísaro, o bacorinho foi ao fogo e recebeu-o tal como deve ser a religião – nem demais, nem de menos – assegurava um ladino liberal Bispo de Viseu, nos idos do século XIX, comparando o credo religioso ao sal.

A forma que encontrei de acrescentar valor (para lá da economia dos economistas) ao pós prandial levou-me a sugerir visitarmos Lagarelhos, terra dos prodígios, onde possuo uma casa herdada pela via maternal, cujo restauro e protecção o meu parente Teófilo Fernandes faz o favor de assegurar, alargando a tarefa à Cândida, sua mulher, e à filha Rita prestes a elevar o Teófilo à condição de avô.

Logo na saída de Bragança para Lagarelhos sobressaía uma paisagem pontilhada de verdes, exuberantes, o Inverno tardio praticou esplendorosa acção, aqueles verdes, fatalmente, teriam de impressionar os pintores impressionistas que adoravam o movimento e a luz, deixando-nos obras-primas debaixo dessas determinantes, na globalidade de Ver. Ver o Mundo tal como ele se apresenta é apontado nos manuais inseridos na Internet; ver os bosques, as matas, os renques de árvores que vão das bermas da estrada ao cocuruto dos montes é vibrante produção de beleza, inolvidável beleza. E os castelos verdes e amarelos?

Tais castelos – castanheiros – pujantes de floração produzem visível/ver/conflitual porque acresce a majestade de tais monumentos naturais, provocando sucessivas visualizações ou vibrações cuja matricialidade está no vento, ora brisa, ora ventania, ora quietude, lendo-nos a ressuscitar a dualidade do bem e do mal, as virtudes da soledade, as interrogações ante o futuro, o desgosto e angústia consequência da perda dos entes queridos, as restrições na saúde, as memórias da memória. Os castanheiros mostram-se nos matizes verdes e amarelos, impantes, aconchegadas nos ouriços- uterinos as minúsculas castanhas têm de sorver húmus de chuva bem caída, até pingarem demora a sua gestação, os frutos lisos, luzidios, outrora, amainaram a fome de humilhados, ofendidos e pobres de pedir, agora florescem os ancestrais, espalham perfume, o orvalho madrugador retempera a terra em volta.

Aqueles resplandecentes castanheiros da Terra Fria, perenes e tranquilizadores, seculares, atestam a vitalidade daquelas terras que povoam crónicas como esta, no entanto, no quotidiano, a real/realidade da dita vitalidade já foi imprescindível na criação e defesa da Pátria, sou patriota, não sou patrioteiro. Os castanheiros firmam e reafirmam a alma transmontana, como os carvalhos de Guernica simbolizavam a liberdade, arrasados pela besta nazi.

A Maria do Loreto Monteiro pode fazer-me o favor de levar as amigas, também as do sofá, a espraiarem os olhos nos soutos. Após a virtuosa viagem acredito no sem encantamento levando-as a iniciar um movimento destinado a declarar o castanheiro árvore totémica do concelho de Bragança. É pedir muito?

Santana

Andou por aí, antes compararam-no a inúmeras figuras bizarras, até ao vidente Zandinga, é um gozado gosto contemplar a sua foto de lenço na cabeça a imitar os piratas perna de pau, olho de vidro e cara de mau, divertimo-nos a vê-lo a estender os braços sobre os ombros das santanetes, neste tropel de lembranças, a atrapalharem-se umas sobre as outras, é o caso da pala, o seu período de empresário de comunicação social, de dirigente desportivo do Sporting, de voltas e reviravoltas, de avanços e de recuos, de amuos e gargalhadas sonoras. Enfim…cesso o aborrecimento das rememorações sobre Pedro Santana Lopes, o qual obrigou Jorge Sampaio a retirar-lhe o brinquedo da governação, dado o desgoverno a grassar a toda a hora e momento. As comparações são odiosas, por isso mesmo limito-me a vincar o recente vendaval a fazer voar cabelos e cabeleiras no Estádio José Alvalade.

Porque trago Santana à baila nesta altura? Porque concedeu uma entrevista que é a antítese da sua recente campanha destinada a convencer os militantes do PSD a entregar-lhe a presidência do Partido. Pois nessa entrevista esquece a paixão partidária, esquece tudo quanto disse acerca da sua fidelidade ao partido, renega a militância e bem pior, coloca em causa todos quantos de boa-fé, seduzidos ante os seus apelos, lhe deram gasalho e o voto.

O Senhor Lopes gastou o lápis registador dos compromissos, usou a borracha apagando as promessas de democrático acatamento dos resultados eleitorais, fosquinhou a lista do Conselho Nacional, logo a abandonou e anuncia a possibilidade de criar um novo partido. E os militantes seus fiadores por esse Portugal fora? Esses militantes sérios, honrados, prestigiados, sem mácula no seu histórico viver no PSD ficarão associados a esta personalidade inconstante, dona de um ego tão alto como os Himalaias, sem remorso e pena devido aos prejuízos causado a essas mulheres e homens.

Pessoalmente, não me causou surpresa esta atitude de Santana, pela palavra falada e escrita desde há exemplifico a sua anima volúvel, a sua moleza a cumprimentar as pessoas (por experiência própria), o seu constante cirandar rebuscado no desejo (conseguido) de ser uma prima-dona nas óperas bufas no teatro político.

Criar um Partido de âmbito nacional de maneira a conseguir um razoável grupo parlamentar obriga a esforços repassados de suor, alguns milhões de euros, primacialmente uma figura aglutinadora de milhares de militantes empenhados, dispostos a sacrifícios de todo o género. Ora, Santana escavacou o prestígio que ainda detinha, militantes crédulos e desprendidos de interesses desertaram, os Bancos estão a cortar créditos a partidos e apêndices putativos. Em face dos pressupostos acima referidos não acredito no êxito da empreitada santanista, pode tentar o populismo bacoco, rasteiro e o populismo envernizado tão do agrado das demagogas e demagagos a descansarem de nada terem realizado de qualidade nas pastelarias lisboetas e portuenses, só que a Dra. Cristas já assentou arraiais nessas paragens e nas feiras imitando o célebre Paulo dos bonés hoje convertido em estrénuo zig-zag lobista ou facilitador.

Todos apreciámos e acompanhámos a candidatura de Santana a líder do PSD, na contagem dos votos os resultados falam por si, no entanto, faça o leitor o exercício de pensar no que teria acontecido caso o homem do concerto para violino de Chopin tivesse ganho. Sim, se ele tem ganho?

Aqueles rapazes do grupo parlamentar teriam rejubilado, poucos apoiam Rui Rio, tais Boys dos lugares apetecíveis apesar de andarem de monco caído não perdem oportunidade para aprofundarem o fosso entre eles e o antigo autarca do Porto. Porquê? Porque se funcionar a boa lógica da confiança política vão todos dar uma volta ao bilhar grande antes de irem trabalhar. A vitória de Rio evitou a balcanização do Partido, evitou a possível implosão, deitemos a cabeça de fora de Portugal. Basta na Itália, na França, na Espanha e por aí fora.

Nós não ficamos incólumes aos ventos estrangeiros, chegam mais tarde produzindo os mesmos estragos. Pensem nisso, caríssimos leitores.

Prisões & Gastronomia

Na semana passada recebi um e­mail da Senhora Dr.ª Helena Diegues, no qual me convidava a participar na semana cultural do Estabelecimento Prisional de Izeda, abordando o tema – cultura gastronómica – o que para meu desgosto não pude aceitar. E, eu tinha tido redobrado gosto, porque conhecendo­me a mim próprio regressava ao espírito e à acção de engrandecimento espiritual dos reclusos quando por imperativo profissional visitava e procurava aumentar os fundos bibliográficos das cadeias de Pinheiro da Cruz, Penitenciária de Lisboa, Linhó, Leiria, Custóias e Paços de Ferreira. Era a acção da Fundação Gulbenkian através do seu Serviço de Bibliotecas junto de todos, mesmo dos privados de liberdade dado terem pisado o risco da normalidade social, conferindo dimensão universal à essência da Instituição, não a confinando a vectores valiosos sim, no entanto desprovidos dessa amplitude social, científica, cultural e até técnica dentro do conceito quando o Homem não vai ter com a sabedoria, a Sabedoria alcança o homem. Em Izeda, desde 1961, até ao apagamento do farol itinerante, a Biblioteca sedeada em Mogadouro emprestou milhares e milhares de livros aumentando a felicidade precária de todos quantos a frequentavam.

O gosto em dissertar acerca do tema logo me levaria a referir Arquetrasto autor de um longo poema culinário, explicar o conceito de banquete – filosófico, religioso, de ostentação e sabedoria – mostrando e folheando o monumental Banquete dos Eruditos de Ateneu, ainda as obras de Platão e Kierkegaard intituladas Banquete de modo a exemplificar quão grandiosa é a palavra e como esses ágapes foram e são representações do poder a todos os níveis sejam as faustosas refeições de Assurbanipal, sejam as dos Imperadores chineses da dinastia Ming, bem como as de Carlos Magno que estudei a preceito e finalizava lembrando a monumental feijoada servida no cavalete largo da ponte Vasco da Gama, a pretexto da sua inauguração e ao modo de bodo aos pobres do período medieval. Só os bodos e as confrarias que os sustentavam e promoviam enchiam tardes e tardes de amenas conversas numa aprendizagem mútua, não podendo ser peripatética, seria dentro do espírito do movimento imóvel.

E, os produtos? Antes obrigava­me a salientar as matérias­primas. Por exemplo as azeitonas colhidas nos ridentes olivais da vila onde nasceu o grande republicano, um dos mentores do 31 de Janeiro de 1891, Alves da Veiga. Nos finais do século XIX, o azeite em Trás­os­Montes era condimento de luxo, o seu uso à larga confinava­se a casas opulentas e a donos de lagares. A oliveira chegou tarde a Trás­os­Montes. Interpretar a sua evolução no conceito de olival é outro tema a exigir um ano lectivo, de muitas falas, sublinhando o papel da linguagem nas nossas aculturações, numa Escola destinada a adultos privados da liberdade de movimentos suscitar­lhe o interesse sobre a causa das coisas confere­lhe a possibilidade de saborearem nacos de conhecimento tão úteis na sua reinserção social. Ora, a oliveira, as azeitonas, o azeite dos Santos óleos ao óleo alimentar, passando pelos orgulhos cosméticos, as antigas fábricas de sabão, até à farmacopeia os olivais de Izeda podem e devem ser primacial temática de uma Escola Inclusiva e de reabilitação social.

E os lagares? Aí temos vivaz o exercício de percebermos a importância dos lagares no universo do azeite. Reparem nos topónimos disseminados por este Portugal fora. Sem os referir, prefiro lembrar Catão autor de um minucioso tratado acerca das condições necessárias para a construção de lares, a par vem o nome de Varrão e logo na esteira outro notável impulsionador da oliveira na Península Ibérica, o gaditano Lúcio Júnio Moderato, alcunhado o Columela, os três amiúde citados e pouco lidos. E, no entanto, as suas obras primam pela limpidez na escrita e na clareza na exposição das ideias. Estranho é, por isso, que muitos investigadores, que se ocupam da história da alimentação, deixem perceber, aos leitores atentos, ignorância igual à do vulgo quantos aos problemas fundamentais da origem, estrutura, e finalidade das matérias­primas que  são base da nossa alimentação. Por isso destacam o termo gastronomia (que fala grego) em detrimento das abrangentes – artes culinárias – de raiz bem mais popular, ao contrário do vocábulo difundido nos salões parisienses pelo aristocrata de toga Brillat­Savarin, autor da Fisiologia do Gosto.

Num último suspiro dessa conversa não a podia finalizar sem aludir à formação do gosto, nunca esquecendo o anexim – em matéria de gostos nada está escrito –, embora milhares de livros analisem o gosto, porque gostos não se discutem!

A Senhora Professora Helena Diegues sabe que o ensino da linguagem é o primeiro, primeiro no tempo e primeiro valor no processo de educação. Se tivesse ido a Izeda teria aproveitado o ensejo de acentuar tal valor que devemos aprimorar através de contínuo estudo onde entra, decisivamente, a transposição humana do estádio do cru, podre e fermentado para o estádio do cozido. Obrigado pelo convite, pelo menos ganhei esta crónica. Fica para a próxima. Se existir!

Maturidade e Modernidade

Agradou-me a forma serena, sóbria, neutra, da notícia da põe este jornal a propósito de uma manifestação de pessoas orgulhosas da sua condição sexual e companheiros de rota, os companheiros de rota é um aparte da minha lavra retirado do jargão político do pós-guerra que os manifestantes não sabem, logo não conhecem em profundidade e extensão.

Se o jornal revelou sobriedade e respeito pela atitude dos orgulhosos a servir de exemplo jornalístico (espero que o velho amigo Rogério Rodrigues comungue da minha opinião), a vetusta urbe ainda considerada aqui e acolá como ninho de hirsutos e violentos transmontanos ultramontanos árbitros de costumes de estadulho na mão a acometer rispidamente contra quem não cumpra o cânone do politicamente correcto.

Desde já declaro ter receado desacatos ou alarvidades quando li no Mensageiro um texto a dar conta da iniciativa, civicamente, os bragançanos reagiram como deve ser num tempo assente em cirros de modernidade mesmo quando a exuberância choca a nossa sensibilidade ou está nos antípodas daquilo que pensamos relativamente a comportamentos e modos de vida contrastantes com vigamentos civilizacionais e educacionais de outro talante. A cidade respondeu dentro do mote – vive e deixa viver – pespegando vistosa bofetada de luva branca a sacarrões de esquerda e de direita provando quão desligada da realidade é a ideia de o nosso vetusto burgo ser associado è existência de díscolos chauvinistas no tocante a comportamentos e costumes.

Os leitores recordam-se a polémica das «mães de Bragança» ter chegado à TIME, ainda nos tempos correntes o efeito gerado pela notícia a motivar reacções miméticas persiste, também por essa razão o notório alheamento da generalidade das pessoas é curial demonstração de modernidade, ao contrário das proibições e censuras reinantes em dezenas e dezenas de países com destaque para os do Médio Oriente, África e Ásia. Sem surpresa vemos, lemos e ouvimos ecos da repressão naqueles países muito aplaudidos pelos vesgos que a propósito de tudo, e a propósito de nada são lestos a condenarem Israel que sem ignorarmos os desmandos do sectarismo existe liberdade decisão.

Nos anos sessenta a claustrofobia no tocante às sexualidades era patente em Bragança ao exemplo da generalidade do País, se as meninas dos Colégios passeavam nas ruas de baixo da tutela de uma «zeladora», as do Asilo tristes nos seus vestidos modestos e iguais tinham o acolitamento de duas freiras, as restantes vigiavam-nas os pais, as avós, as tias, os irmãos mais velhos e os vizinhos. Ninguém (rapazes e raparigas) escapava ao crivo censório, no entanto, de vez em quando rebentava o cochicho denunciador do desvio, umas vezes a redundar em casamento, outras no exílio forçado da «pecadora». Manda a boa educação não exemplificar, o mesmo no referente a sussurros no anel do mesmo sexo. Exista um pobre homem cuja alcunha feminina servia de chacota, sendo ele alvo de sevícias, e rumores, rumorosos sobre este e aquele.

Enquanto a prática da prostituição foi legal, as toleradas (reparem no vocábulo) obrigavam-se a ir à revista, estas matriculadas viviam tranquilas no seio da Comunidade, altercações ocasionais e normais de vizinhança, já ao tempo prevalecia a cordialidade com as continuadoras da mais velha profissão no Mundo. Vários historiadores o escreveram.

Estes temas têm de ser tratados com enorme delicadeza, há anos tentei investigar modos de vida neste segmento da sociedade, ainda troquei opiniões com o Francisco Cepeda, desisti porque as parentelas são muito ciosas, as figurantes ou estão demasiado velhas ou morreram. A minha vizinha Canária deslindava episódios do arco-da-velha. Insólitos.

E, de um não efeito acabei a evocar mofinas vidas de uma época engrolada no sofisma das públicas virtudes e vícios privados. A Revolução de Abril permitiu destapar alguns processos referentes a tais vícios, um deles envolveu a morte de um apelido sonante da finança portuguesa, o outro é o conhecido caso dos bailados em «rosa», o falecido Fernando Ribeiro de Melo publicou-o e ofereceu-me um exemplar. Caso o leitor vasculha alfarrabistas ou livrarias antigas pode ter a sorte de o encontrar. Vale a leitura em virtude de o documento ser uma boa expressão do – debaixo do manto diáfano da fantasia, a nudez forte da verdade –, no obscurantismo salazarista.

António Barril

Um acaso trouxe-me a má nova de António Barril ter falecido. E, quem é este sujeito perguntará o leitor? Foi Ajudante de Encarregado da Biblioteca Itinerante da F.C. Gulbenkian que numa gélida tarde de Dezembro de 1961 participou na inauguração da Biblioteca N.º 46, nela trabalhando até se reformar nos idos de 1975. Na itinerância cultural trabalhei com ele quatro anos, no desempenho de outras funções em visitas espaçadas e ajudei-o a reformar-se. Homem de uma lealdade inquebrantável, incapaz de uma traição, sabendo estar e dono do sentido da medida, amigo das boas e más horas, o Barril deixa-me uma profunda saudade e mágoa por só agora ter sabido do seu passamento.

Trago o Barril à colação a fim de retirar do casulo do esquecimento pontos de referência da urbe bragançana dos anos sessenta por ele ser uma figura conhecida especialmente na área dos desporto envolvendo motorizadas, do derramar vivacidade numa tertúlia existente no café Progresso, emprestar alacridade às convivialidades polvilhadas de comeres sempre que a ocasião se proporcionava, desde a taberna do Senhor Miguel «Careca» até aos cafés do Loreto, sem esquecer a famosa, logo célebre, Casacas onde se escondeu no forno de cozer pão na sequência de uma rusga da GNR comandada por um tenente ciumento, parvo e informador da celerada PIDE, por isso fugiu a seguir a restauração da democracia.

O meu amigo era um homem dos sete ofícios, melhor dito instrumentos, profícuo caçador apesar de uma distorção ocular, DJ antes de aparecerem, ele levava música a muitas festas na região, põe disco, tira disco, mecânico sabedor no desfazer avarias de todo o género, namorador inveterado, exímio na perscrutar rostos no decorrer de serões de lerpa (quem lerpava ficava desnudo como Cristo, daí a referência) e sintéctico, exímio no sete e meio, acima de todas as virtudes e de todos os pecados sem serem capitais o seu talento na condição de corredor de motorizadas.

Na altura mantinha acirrada rivalidade com a família Reis moradora na Caleja das Pedras, a acrimónia era dupla, todos desenvolviam actividade vendendo e consertando motorizadas, todos disputavam palmo a palmo os circuitos, primacialmente o de S. Bartolomeu. O Barril vendia a Famel, a todo transe procurava aumentar quota num mercado em ascensão, o triunvirato Reis procedia do mesmo modo, daí constantes remoques, suor, quedas e esfoladelas no decurso das voltas e voltas no propósito de ganhar a taça maior e um prémio pecuniário. As motorizadas gozavam de gorda e calejada popularidade nas aldeias, lavado desejo junto dos rapazes citadinos da nossa sempre amada Bragança. Alguns leitores, certamente, recordam-se da flamante Famel do Manecas Pinheiro encostada ao passeio coadjutor do Café Flórida ou da Barbearia do Senhor César Barata, homem bom, bem-humorado e amigo de azucrinar os ouvidos do Sr. Monteiro «dos jornais».

O escritório/depósito da Itinerante situava-se na casa dele, algumas pessoas batiam à porta na procura de determinado livro, o Barril sabia ser coriáceo, o Dr. Carmona e Lima salientava a sua afabilidade, o mesmo elogio lhe fazia o Inspector Dr. Miranda Mendes, a contrastar com outros, o Secretário do Governo Civil surgia muito cedo, isso nunca foi obstáculo a ser convenientemente atendido e porque nutria grande apreço pela leitura requisitava tantos livros quantos queria. Nesse ponto seguia a prática do primeiro responsável pela arca do tesouro circulante, o conhecido poeta surrealista António Barahona da Fonseca.

O acima escrito escancara a cumplicidade existente entre nós, mais velho 13 anos, aos 18 anos de idade tive no António Barril cuidadoso instrutor em várias áreas dos conhecimentos práticos, ensinou-me a defender quem nos dava o pão nem que para isso fosse necessário chegar a vias de facto, e aconteceu, ensinou-me a ser amigo do meu amigo, ensinou-me quanto vale a gratidão, ensinou-me a nunca esquecer quem me fazia bem, pois…também me ensinou a considerar o risco contínuo um muro, ou não tivesse sido meu competente instrutor para obter a carta de condução.

Sinto-me incapaz de escrever quanto me dói a sua retirada do Mundo dos vivos. A minha maior gratidão vai para ele, verdadeiro amigo, para ele que à sua maneira me libertou de atavismos defeituosos originados pela rigidez educativa, que me facilitou a adaptação a outras formas de ser e estar, de viver.

Obrigado Mestre. O discípulo não te esquece.

Cantarinhas

A propósito de um qualquer despropósito ouvia-se Praça da Sé a intimação – vai fazê-lo a Pinela – ordem consubstanciada na existência de uma indústria artesanal/artesanal cuja matéria-prima era e é o barro, já no tocante à arte artesanal tenho sérias dúvidas. Vou tentar explicar a minha opinião colhida nos ensinamentos de especialistas de vários saberes e orientações, correndo o risco de me repetir.
Na Grécia antiga o technikos “era essencialmente o artista, não havendo então destrinça a arte desinteressada e a arte útil ou utilitária. Com o rodar dos séculos. Porém os artistas ou technikos vão-se estabelecendo em campos separados e, por vezes até, opostos.”
No primeiro grupo estão os artistas cujo motivo primacial é p prazer de produzirem coisas belas, o segundo não tanto por preocupações estéticas sim no intuito de honrarem os seus deuses, ou através desse meio lhe pedirem apoio e proteção e paz na vida eterna. Deles derivam as artes religiosas.
Por fim vem os que fabricam objectos úteis para conforto pessoal deles e dos outros homens, “que eles valorizam, pintando-os ou esculpindo-os, para os tornar agradáveis à vista. Não é outra a origem das chamadas artes decorativas.”
Ora, na Feira das Cantarinhas que eu conheci, flanei, namorei, percorria vezes sem conta, coexistiam peças desprovidas de decoração, julgo que primacialmente de Pinela, todas diferenciadas, umas das outras, no volume e na forma embora minimamente, mas diferentes, a provar quão certos estão os defensores da tese que o artesão nunca concebe duas peças milimetricamente iguais, e as cantarinhas, lisinhas, decoradas conforme a ideia e vontade do artesão que sendo-o já emprega instrumentos a auxiliarem-no na fabricação das peças.
A importância a cerâmica na vivência do Homem está representada em Museus e Centros Artísticos de todo o planeta, as sinuosidades da fabricação de cerâmicas decorativas ou não, transmontanas, não sei se figuram de forma escalonada e científica no Distrito, tenho alguns documentos a referirem-nas, da autoria da Senhora Dona Carolina e Alfredo Forjaz Sampaio, de modo transversal de Solange Parvaux, das edições do Instituto de Emprego e Formação Profissional, artigos de Belarmino Afonso e num inocente livro das edições Terra Livre, para além daquelas obras de espalhafato espumoso e pouca substância. Porque Bragança ganha respeito e consideração de teor cultural mesmo na área difícil da Cultura/Inculta (Alain Bloom) julgo séria e capaz de gerar retornos, estudar-se a possibilidade de ser criado uma Oficina/Centro/Ateliê/loja cujo elemento primacial seja o barro e barros do Nordeste.
Acerca da Feira o facto de não a viver há vários anos inibe-me de opinar, relatar impressões colhidas noutras não acrescenta muito porque a ânima é diferente, leio o programa, revejo refulgentes imagens dos idos de outros tempos, a ilusão traz-me de volta os perfumes primaveris vindos do extinto Mercado Municipal, a rua Direita envolta em picante alacridade, um formidável ambiente de festa. É melhor desvanecer a ilusão que para isso o cineasta Jean Renoir foi e é o grande Mestre, o dia das Cantarinhas sendo grande tornava-se pequeno pois passava pela ida a Cabeça Boa visitar o Senhor. Ia a pé, enrolado na namorada imitando os soldados que faziam guarda de honra ao túmulo de Dimitrov como vi mais tarde em Sofia, onde na cave da Catedral Alexandre Nevski contemplei precioso núcleo de ícones.
Agora duvido que se vejam as cabazes e cabazes merendeiros a verterem molhos e a desencadearem deliciosos odores a comida, o progresso também se encarregou de produzir transformações nesta matéria, felizmente, o apetite continua e os relvados prontos a receberem mantas merendeiras ainda não terão desaparecido.
As paisagens festivas estão muito valorizadas no nicho do turismo ambiental, os impressionistas deixaram deslumbrantes quadros a registarem festanças ao ar livre, Manet, Monet, Renoir por si só dão substância a inúmeras acções culturais de aglutinação de cromatismos, em Bragança também existem obras capazes de tal, no concelho os fundos patrimoniais noutros segmentos são excelentes, por assim ser entendo que a feira/festa das Cantarinhas, todas as festividades devem servir de forma e fundo à exaltação da nossa herança cultural. Os ingleses vendem os casamentos da realeza desde a caneca de cerâmica até à flauta de madeira aludindo aos enlaces, nós não somo ingleses, mas não podemos ser ingénuos, eles aproveitaram valentemente a nossa fraqueza, tal como as saudades que tenho da Feira dos anos sessenta por todos motivos, fiquemos com as recordações de modo a servirem de acicate a exaltarmos (e vendermos) as expressões que a terra dá, no caso concreto argila moldada, ou não ostentássemos a faixa do reino maravilhoso. E, por aludir ao «reino» áspero que nos empurrou para as sete partidas do Mundo, nos finais deste mês das cantigas do Maio e das Maias misteriosas, vai realizar-se em Lisboa um Congresso Transmontano, veremos se será outro Congresso Transmontano, ou mais um!

Passadores e passantes

O género do negócio – furar a fronteira – redundava em pingues lucros para os furadores, os passadores embrenhados numa controversa teia de transportarem gado humano para uma terra, terras sem guerra colonial, onde as padarias vendiam pão a todos quantos o podiam pagar.
A notícia informa-me de o Museu Abade de Baçal ter inaugurado uma exposição referente à emigração clandestina ocorrida no Nordeste desde a eclosão da guerra colonial. Não vi a exposição, li o artigo de fundo de Teófilo Vaz que calou fundo na plataforma de palavras, sons e sentidos do que entendo ser a nossa memória colectiva, no caso em apreço de toda a negregada e forçada fuga ao opróbio, ao analfabetismo, à miséria e funesta opressão conduzida por «educadores» de um sistema político antidemocrático e amigo das medidas de segurança instituídas por um Ministro bragançano.
Tais medidas inspiradas nas leis fascistas produziram muito sofrimento, muita miséria e, graças aos militares de Abril, macias retaliações, o Catedrático legislador foi saneado, todos os sequazes ficaram de férias uns tempos sendo reintegrados sem perda de direitos ou regalias de estatuto e mesura.
Ora, o editorial de Teófilo Vaz teve o condão de remexer o baú da memória, daí o recrudescer centrado em actores que de uma forma ou outra desempenharam papéis na grotesca peça do negócio que no essencial, a cupidez, conseguiu superar as negociatas do volfrâmio onde se espalhavam semienterrados bocados e vestígios do metal levando os lorpas ao engano de forma a vender-lhes a ilusão. Sobre o volfrâmio escreverei um dia!
No tocante à exposição não sei se contempla relatos sonoros e descrições proferidas e descritas por passadores, alguns estarão vivos, vivi e ouvi conversas no café Progresso e esporadicamente em duas casas de pasto bragançanas onde pontificavam passadores quase sempre de samarra colada às costas, de olho vivo e pé-ligeiro mormente nos dias de feira pois propiciavam recrutamentos e prisões ou não existisse bem perto (Quintanilha) um posto da PIDE dirigido por frenético agente nascido em Moimenta da Raia que o Senhor José Reis enfrentou olhos nos olhos e punhos cerrados.
Alguns passadores corriam parados a recolherem e segregarem informações na potenciação (como agora se diz) do negócio longe das evocações daquela Senhora Clímaco que escreveu uns pitorescos livros relativos aos clandestinos, longe da cesura higiénica de autores austeros e longe da escrita de Pugalle. Eu disse cesura, não disse censura!
Seria estultícia enunciar sacerdotes, escritores e publicitas que conseguiam furar a cortina censória do Estado Novo escrevendo acerca dos dramas decorrentes dos saltos quantas vezes mortais advindos das custosas transposições de obstáculos naturais e humanos, no entanto, felizmente, também surgiram vozes de apoio aos desgraçados caídos nas garras de ladrões de tudo. Neste vaivém emigratório deve-se incluir os transportadores muito bem pagos, estes comparsas ganharam muito dinheiro apesar de untarem as mãos visando o fechar de olhos de vigilantes de raias secas e molhadas, sem esquecer os celerados a depositarem as vítimas onde calhava.
No tocante a documentação também ignoro o trazido a lume, penso que o meu amigo Professor Doutor Francisco Cepeda deve possuir e saber onde se pode encontrar para além das instituições habituais, o Centro de Documentação 25 de Abril e o Museu da Resistência e a Biblioteca de Pacheco Pereira terão documentos de várias origens referentes ao tema em bora hora ressuscitado pelo Museu. O Dr. Ochôa trabalhou junto de emigrantes na Alemanha, de qualquer modo, o importante seria convencer os homens e as mulheres a testemunharem as suas errâncias no grande palco francês e luxemburguês prioritariamente, no alemão na primeira fase e no espanhol um pouco na qualidade de comprido corredor até à fronteira francesa. Seria vaidade pacóvia indicar este ou aquela nos diversos patamares do drama, a mala de cartão da maioria dos atingidos não se esvaneceu, continua a perdurar no seu imaginário sem canções a acompanhar, sim imagens de dormirem em barracas, de trabalharem de sol a sol, de amealharem sorrisos de troça e humilhações porque a instrução era escassa e a míngua de conhecimento da língua hospedeira aumentavam as provações. 
Nas festas estivais descendentes dos forçados foragidos vêm as aldeias dos ascendentes, não acreditam no antigo modo de vida dos avós, às vezes já nem eles querem acreditar porque preferem esquecer, só que tão funda e forte ferida aberta a golpes de infortúnio não ser cerzida porque continua a purgar, esta exposição tem o mérito de possibilitar o reforço da nossa identidade colectiva, neste caso pelas piores razões.
O desafortunado e eminente historiador Lucien Febvre escreveu uma obra que, pelo menos, todos os professores de História deviam ler e meditar, trata-se de Combates pela História, o autor argutamente aponta o papel da História para o conhecimento do Mundo, de nós próprios. Ora, o período de passadores e passantes nas nossas aldeias e cidade (naquela época ainda não se tinham multiplicado as vilas e cidades) devia fazer parte das preocupações educacionais e culturais dos nossos burgos para sem peias e resguardos estudarmos a documentação existente nos mais variados suportes, os discutirmos e cicatrizarmos a referida ferida. É melindroso, é. O mesmo melindre que encerram duas canções de Zeca Afonso, uma a contrastar com a outra, as duas invocando dois homens há pouco tempo desaparecidos.
O restauro da democracia cuja efeméride comemoramos amanhã também se fez a fim de permitirmos abriras arcas encoiradas de toda e qualquer natureza porque a História pode ser branqueada, mutilada, distorcida, falseada, pura e simplesmente arrasada como no século XX os ditadores e tiranos pretenderam, porém a história deixa sempre um vestígio a denunciar os regimes criminosos e os apagadores cheios de invisível pó de giz a surgir imitando o nariz do Pinóquio. 25 de Abril sempre!

Boa mesa, boas notícias

A cidade, a nossa cidade, começa a despontar de modo rigoroso e constante no universo das artes, das ciências, da educação, da gastronomia e por isso mesmo nos guias da especialidade. Assim, acontece com o Boa Cama, Boa Mesa. Na edição deste ano, no respeitante ao Distrito de Bragança, das dezoito citações sete pertencem ao burgo do Braganção, num total de dezoito. Acresce uma distinção a do – garfo de ouro – ao jovem chefe Óscar Gonçalves à frente dos fogões da Pousada de S, Bartolomeu. Retenha-se o facto de tal distinção já lhe ter sido atribuída quando exercia o ofício no Restaurante Geadas, da família, no qual pontifica a sua Mãe, Dona Iracema, que trabalha a preceito o receituário da cozinha transmontana.
Para além dos nomeados e louvados restaurantes no referido Boa Cama, Boa Mesa, outras casas de comeres existem na cidade que não deixam os seus créditos por mãos alheias, juntando-se ainda expressões culinárias de cunho étnico e internacional para lá do fast-food, cuja causa está na vigorosa implantação do Instituo Politécnico de Bragança no mercado educacional como tivemos ocasião verificar através do documentário da SIC passado na pantalha no dia sete de Abril.
Estaremos ante um milagre? Da multiplicação dos pães? Sim, estamos ante o milagre de enorme esforço, entusiasmo e perseverança contra ventos de ciúme, tempestades de maus augúrios e raivosas invejas daquela e daqueles que durante nos escarneceram dos dois principais fazedores de milagres. Escarrapaacho os nomes: António Jorge Nunes e Hernâni Dias. Cada qual a seu modo souberam congregar vontades, concitar interesses, agregar especialistas de várias áreas do saber cuja influência, massa crítica e consequente representação está expressa em obras emblemáticas – Teatro Municipal, Centro s de Arte e de Interpretação, Museus e Memórias – que transbordaram largamente as margens do Sabor e do Fervença, obrigando públicos de várias pigmentações, aculturações variadas e de múltiplos gostos cromáticos a olharem, observarem e perscrutarem as serras, os montes, os vales, os vergéis, as searas e os soutos do concelho de modo a ficarem cansados, derreados e esfomeados e a clamarem por gasalho e pitanças. Tudo isto demorou muitos anos, muitos sorriram de mofa quando se levou a bom termo a exposição do Eixo-Atlântico e o pintor Armando Alves passou a entusiasta da cidade, a mofa aumentou ao se falar na ideia de transformação da cidade na capital gastronómica de Trás-os-Montes (estamos no bom caminho), depressa nos mofadores minguaram as queixadas abertas nas tentativas de escárnio, os resultados foram aparecendo, as marcas identitárias e consequente investimentos granjearam o interesse de investidores, investigadores, artistas, criadores de sons e tons que vão da polifonia à individualidade suscitando sonhos e desejos levados à prática.
O caminho faz-se caminhando escreveu o poeta sevilhano, na vetusta cidade de Bragança o caminho continua a fazer-se, caminho eivado de calhaus, de valas, de pedras, de abrolhos, de silvedos e outras dificuldades, desde o desvios de fundos europeus à pouca atenção da Entidade de Turismo do Porto e Norte de Portugal, passando pela cupidez do autarca Rui Moreira, apesar de tanta contrariedade os jornais de referência apontam Bragança como terra coriácea, teimosa no querer, revigorada e no caminho do continuado crescimento sustentado, empenhada no imitar as suas Mestras cozinheiras, do pouco faziam muito, das humildes ervas, dos frutos silvestres e dos saborosos malápios do Gamboa.
As indústrias da cultura geram lucros de índole económica ao fim do gasto de meses quando não de anos, os contabilistas de contas estreitas e vistas curtinhas na sua maioria não sabem o significado de aculturação escorada nos patrimónios imateriais, sabem ronronar nas assembleias até se falar de cultura. Nesse exacto momento acordam e trovejam – estamos fartos de cultura – preferimos salpicões e alheiras. Saberão eles os cuidados e os trabalhos realizados pelos nossos ancestrais para nos deliciarmos com esses enchidos, um deles é massa principal de uma lenda? Pois é, tudo tem um começo e uma história, no começo o palato saliva ao cheirar a alheira, depois saboreia-a e percebe a diferença entre a realidade e a lenda. As pessoas gostam de lendas, Bragança é uma terra de lendas sápidas e a ficarem na memória. Na memória do gosto!