Armando Fernandes

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Rescaldo das eleições

O povo é sereno ouviu-se no decurso de gigantesca manifestação a favor da liberdade de expressão, contra uma tentação de deriva autoritária cuja génese era o totalitarismo, o povo que só vota bem quando vai de encontro aos nossos gostos e interesses, nas eleições do passado dia 6 de Outubro voltou a votar bem castigando quem tinha de ser castigado, colocando no caixote do lixo da história os merecedores de caírem na obscuridade, premiando aqueles que no seu entender deviam ser premiados.

O leitor dirá: isso do povo votar sempre acertadamente é uma burrice do tamanho da légua da Póvoa, lembrando a eleição democrática de Hitler e muitos mais facínoras de igual quilate. Tem razão o leitor, no entanto, na génese a enorme maioria dos votantes estava exausta – inflação ao nível da de Maduro nos tempos correntes, desemprego, logo aumento galopante de todas as chagas sociais a ele associadas, e acima de tudo o profundo sentido de humilhação imposto ao povo alemão na sequência do Tratado de Versalhes, conduziram ao desastre, no tocante ao exame de 06 de Outubro resulta a eclosão do Chega, do Livre, do Iniciativa Liberal é o rebentar da borbulha de insatisfação devido aos casos de corrupção, ao pachorrento andar da justiça, ao tom e som das redes sociais, sem podermos esquecer o aumento de eleitores vindos de outras paragens filhos em qualquer surpresa o Matusalém da política portuguesa Pedro Santana Lopes ficou arredado do cadeirão, recebendo do povo o merecido pagamento vindo da bolsa justiceira dos romanos, Roma não paga a traidores, ou seja nada.

O Menino Guerreiro no distrito de Bragança ficou atraso do falecido MRPP e dessa caricatura partidária denominada RIR, os dirigentes do Aliança meteram-se num bote em tempo de seca imitando os habitantes de uma aldeia do concelho de Vinhais a quem se atribuem episódios hilariantes que fazem parte da vulgata de disparates ditos e praticados pelo Homem. Se persistir o bom senso, ao contrário do preconizado pela criatura Relvas, tais pessoas não devem ser aceites estilo filho pródigo se pretenderem regressar ao partido laranja.

O partido laranja averbou uma derrota no prélio do dia seis, felizmente, longe das proporções vindas da boca de Montenegro pretendente ao lugar de Presidente do PSD, os antigos apoiantes do gloriosamente derrotado Santana ganham se pensarem com a cabeça em vez de pensarem com o coração caso pensem em votarem no gritador advogado em Espinho e que nos últimos meses esteve a estudar em Paris, não sei se na mesma Escola frequentada por José Sócrates.

Não vou repetir o escrito e publicado no Público do dia 12 por Pacheco Pereira, avivo as advertências de Manuela Ferreira Leite vítima de Passos Coelho e Comandita, o PSD caso queira ser a Fénix Renascida tem de dar voz e palco aos militantes desprovidos de más qualidades, bem implantados socialmente, profissionais qualificados, habituados ao fazer/fazendo superando barreiras e dificuldades de toda a monta. A eleição de Isabel Lopes (a quem dou parabéns) é a prova provada do eleitorado entre os 30 e 45 anos, detentor de formação superior, preferir o PSD aos socialistas, o resultado saído das urnas o evidenciou.

Na crónica «À boca das urnas» defendi a tese de o PCP vir a ser na próxima legislatura o interlocutor mais fiável do Partido Socialista. Mantenho essa tese. A lamber as feridas resultantes do desaire, os comunistas e a Intersindical vão dosear a agitação sem colocarem em causa o essencial até repararem as brechas, o acessório rugirá tocando o bombo e ferrinhos. A beata (VPV) Catarina perdeu intonações, entenda-se, perdeu mais cinquenta mil votos.

À boca das projecções

À boca das projecções após terem saído nas televisões escrevo sobre as eleições. Se uma Agência noticiosa me pedisse um breve comentário diria: os socialistas ganharam sem sofismas, sem maioria absoluta, sem obrigação de negociar com o Bloco de Esquerda e, se assim acontecer, Catarina averbará uma vitória de Pirro capaz de lhe trazer azia durante quatro anos e agitação nos núcleos onde assentou e alargou a sua influência. Ao contrário a CDU assegura a condição de parceiro fiável exorcizando definitivamente o labéu bolchevique concedendo-lhe respeitabilidade, ao invés António Costa ganha paz social ao anestesiar a Intersindical.

Os professores talvez recebam umas migalhas, no mais quer os socialistas, quer os comunistas vão procurar manietar os bloquistas incluindo na comunicação social onde surfam ondas calmas e aprazíveis. Talvez venhamos a assistir a novo arranjo à esquerda num compromisso muito ao gosto dos falecidos António Gramsci e Eurico Berlinguer. Nem Costa, nem Jerónimo de Sousa suportam o estilo esquerda caviar de Catarina e o tofu do fundamentalista alimentar da tribo do PAN, gente fanática e a evitar.

À hora a que escrevo não sei se os partidos trotinete conseguem lugares no Parlamento, sei, de certeza absoluta que a Senhora Cristas recebeu com juros a paga de ter feito uma oposição aos baldões do agressivo som e tom da senhora outrora a sonhar ser primeira-ministra. O CDS já foi o partido do táxi, no ora tempo das redes sociais granjeou aura de justiceira das causas perdidas, insuflando bagatelas nos debates travados contra António Costa, o seu nariz arrebitado alarmava os eleitores idosos, de boas maneiras e tementes a Deus, à ordem e tranquilidade. Não me causou surpresa o resultado obtido, valerá a pena estarmos atentos ao futuro do partido fundado entre outros por Freitas do Amaral que foi a enterrar no dia anterior ao desfecho das eleições.

Nesta altura pousam mosquitos escondidos, de ferrão aguçado, sugarem o sangue Rio, todos farão soar os bombos e as charamelas a anunciarem guerra total ao antigo autarca do Porto que foi incapaz de proceder à total desinfestação da estrutura do aparelho partidário, que deixou prosperar a inércia alimentando o Passos, o Relvas, o Montenegro e demais companheiros de rota na cata dos interesses de todas as paragens e proveniências.

O Rui Rio avesso a manteigueiros, a conúbios com a comunicação social, sendo social-democrata genuíno pagou caro a ousadia de lutar contra práticas clientelares. E o futuro? Os resultados obtidos permitem a Rio resistir e lançar a refundação num travejamento moderno, ousado e voltado para os grandes temas/problemas do nosso tempo. Tem de se libertar da ganga retórica do já visto, escolher gente honrada para o assessorar e levar em linha de conta a massa crítica existente na sua base social de votantes, gente dos trinta anos em frente, maioritariamente licenciada, atenta aos ventos que sopram do Ocidente e do Oriente, os estudos assinalam serem estas as características da dita base social.

Tudo exigirá muita energia, luta e esforço, mas já Platão dizia que as coisas mais belas eram as mais difíceis. A Maria da Fonte pode ser a inspiração.

 

As vacas e o Reitor

O reitor da Universidade de Coimbra do alto do seu pedestal decretou: a carne de vaca é banida das cantinas da vetusta Universidade. Magister dixit. Só que, ao longo dos séculos a Universidade coimbrã foi governada por muitos Mestres, uns insensatos, outros prudentes, uns sábios, outros apatetados, uns avessos ao folclore populista, outros contaminados pela ânsia de serem falados, mesmo duramente criticados (o que vou fazer) porque seguem o lema: precisamos que falem de nós.

O reitor Sr. Falcão até agora só conhecido na cidade dos seus pares está feliz e contente, colocou as vacas no índex a pretexto de falsos pressupostos, o influente jornal espanhol El País, na sua edição de 9 de Setembro titulava: – Las vacas no tienen la culpa del câmbio climático –, explicando de seguida quais são os culpados e modos de combater a erosão do planeta. Só o ataque ao desperdício alimentar reduz em nove por cento as emissões de gases nocivos para a atmosfera, acrescentemos a indústria, os transportes rodoviários, os aéreos e marítimos, chegamos à conclusão de que as vaquinhas são muito menos culpadas do que os inimigos da carne lhe atribuem. O proto-fascismo alimentar está a surfar a onda do fundamentalismo ambiental e não se augura nada de bom para todos quantos sabem o significado de – tudo o que é demais é moléstia, porque no – meio está a virtude – apesar de todos os falcões deste Mundo.

A atitude proibicionista do prelado (podem usar este título) da Lusa-Atenas é má em geral e perigosa em particular no reino transmontano. Porquê? Porque economicamente as vacas de raça mirandesa, barrosã e martelenga perdem ingente valor, centenas de produtores sofrem pesado prejuízo, o seu gesto pode ser aproveitado por outros adeptos dos coletes amarelos em condições de o imitarem lembrando o tão bem retratado num escrito de Bertold Brecht: primeiro beltrano, a seguir cicrano, ontem fulano, hoje sou eu o sacrificado… – e por aí fora.

Se existisse vontade e firmeza os produtores de leite, queijo, manteiga, natas, iogurtes, gelados, confeitos, pastéis, fármacos, derivados do leite recusarem-se a fornecer a Universidade de Coimbra, era uma forma dos fanáticos mal informados perceberem o alcance dos sinistros interditos existentes no universo da alimentação. Chegam e sobram os de natureza religiosa, estamos no século XXI, o da ciência pacífica ao serviço das populações, especialmente das famintas e não dos investigadores presos a agendas cujos pontos nos são completamente alheios.

Não é altura de lembrar o tremendo significado afectivo do gado vacum nas comunidades nordestinas, é momento de reflectirmos acerca do novo paradigma nutricionista em evolução, de pensarmos no modelo de preservação da nossa herança cultural estabelecendo a fronteira entre a voluptuosa virtude de «chicho» no dia da matança, e a nefasta matança de animais potenciando o excesso gorduroso fautor de todo o género de doenças. A propósito: no fim de cada dia de aulas não sobra comida no Politécnico e outras Escolas?

O ridículo édito de cátedra conimbricence (eu sei que a grafia está errada aos olhos dos zarolhos) presta-se a inúmeras jocosidades na esteira do Anatómico Jocoso, o respeito pela Instituição onde obtive o diploma de Bibliotecário-Arquivista impede-me de o enunciar. Limito-me a lembrar, a vaquinha que conjuntamente com o burro usaram o bafo para aquecerem Jesus, o Menino-Deus deitado nas palhinhas numa gruta em Belém. Séculos mais tarde os dominicanos exclamavam: esta é que é a companhia de Jesus!

Beatas

Vou escrever sobre beatas e não acerca das beatas queirosianas. Das beatas de vários tamanhos e marcas vistas nos lábios dos homens a repousarem nas ruas e sarjetas de Bragança na minha adolescência. Das beatas mitigadoras do vício e extrema pobreza de velhos desdentados, sujos, maltrapilhos, frequentadores dos locais onde em determinadas horas, em determinados dias a população de beatas aumentava e as catástrofes, enxurradas, lavagens e varridelas não as apoquentavam.

Nunca esquecerei o antigo homem de forças capaz de subir a Costa Grande levando uma pipa de vinho sobre os ombros, o Boneca, a disputar beatas na entra do Cinema Camões em dia de sessão, aqueles olhos salientes, remelosos, a olharem enquanto as mãos encardidas, desajeitadamente, recolhiam quantas pontas de cigarro pudessem a fim de seguidamente retirarem o conteúdo, o almejado tabaco, a fim de ser misturado, enrolado em papel às vezes de jornal, de modo a o paivante ficar parecido com os do Senhor Poças, o qual os mantinha na boca todo o dia enquanto contemplava os clientes do seu café e restaurante.

A apanha de beatas estendia-se às ruas e praças, dava dó ver antigos latagões reduzidos a corpos vítimas da escassez de alimentos e abuso do bagaço retemperador, de olhos postados no chão porque as piriscas variavam de comprimento, as mais cobiçadas tinham filtro a impedir desperdícios, também as das marcas três vintes, vinte cigarros, vinte gramas e vinte tostões, Hig-Life, e Ducados (do outro lado da fronteira) davam azo a disputas envolvendo unhadas porque os cigarros continham mais conteúdo.

Nessa época não era raro vermos adultos descalços, normal as crianças desconhecerem o conforto de botas, quanto mais de sapatos, embolsavam restos de cigarros a fim de os passarem para a mãos dos homens alquebrados, sem forças, o salazarismo lançava campanhas contra o pé-descalço e o escarrar na via pública, os resultados, escassos, não surpreendiam, da mesma maneira o nojento uso do lenço de cinco dedos da mão. Nas tabernas de Bragança os esbanjadores de outrora no decurso da operação de esvaziarem os pequenos copos com aguardente, cálices, volta que não volta assoavam-se de forma a com auxílio dos dedos expelirem as mucosidades esfregando a seguir a mão às calças delidas de onde retiravam a beata ou beatas no formato de cigarros enrolados em imitações de mortalhas.

A descrição pode enjoar nos dias de hoje, na altura todos viam, médicos, agentes de autoridade, burocratas da administração pública, mulheres, eclesiásticos, raparigas, todos, ninguém protestava, este e outros usos vinham de longe, José Leite de Vasconcelos já os tinha denunciado na Etnografia Portuguesa, pobretes, alegretes, a porcaria senão matava engordava.

O Boneca é expoente de um tempo cão, tomei óleo de fígado de bacalhau para fortalecer, a maioria das crianças nada tomavam ou se tossiam a mãe dava-lhe um pouco de aguardente, todos os Bonecas procuravam gastar os dias sem fazerem grandes movimentos, os estômagos não geravam energias, tinham sido fortes na juventude, na antecipação da morte, mercê da caridade de muitas pessoas, maioritariamente senhoras praticantes do segredo da mão direita relativamente à esquerda. A sopa dos pobres (do Sidónio) representava um lenitivo assinalável, após o caldo e o naco de pão umas fumaças bem puxadas davam aos praticantes mitigado prazer, mas tal consolo valia tanto como as cigarradas dos frequentadores do Chave d’Ouro, Central ou Moderno, os melhores e mais salientes no burgo, embora no tamanino Machado os seus clientes bebiam licores finos e os charutos não eram desconhecidos, no rol de despesas do Padre Francisco Manuel Alves, Abade de Baçal, surgem inúmeras referências à compra de charutos fumados no fim de funçanatas gastronómicas na célebre Maria do Rasgão, emérita cozinheira capaz de preparar comeres de substância e grande apuro para gáudio do Senhor Abade e o gourmet Zezinho Montanha de demais companheiros de bródios, sem esquecer convidados ilustres vindos de todo lado. Ora, vários clientes da Senhora cozinheira acabaram a agacharem-se na apanha de beatas, imitando os mariscadores da Ria Formosa.

O Toninho sanfarriã estourava as pulgas na frente de quem passava, um cigarro, pulga exterminada, trabalhava na área da pesquisa de beatas, preferentemente, entre a Praça da Sé e os CTT, numa madruga frígida, na altura de os noctívagos saídos da casa de petiscos e acima de tudo vinho do Sr. Cipriano Augusto Lopes se cruzaram com ele, descalço, de peito aconchegado por jornais, pediu um cigarro. Tremia quanto um sabugueiro treme em noite ventosa. Recebeu vários cigarros, agradeceu, ao mesmo tempo esfregava os pés descalços no chão. Precisava de os aquecer!

Das outras beatas lembro-me das mais madrugadoras, ia deitar-me… O Senhor Padre Machado, fumador inveterado rezava a missa matutina.

Pousadas: Santas e Santos

Apesar da precaução na escolha de uma mesa na sala a fim de tomar o pequeno-almoço em paz, sossego, se, esquecer a nitidez na visualização da paisagem, soberba, relativamente ao revestimento vegetal, num aceno espiritual a englobar várias referências históricas, simbólicas, filosóficas, literárias e musicais, uma senhora recamada de bijutaria no avantajado busto, braços e dedos, resolveu enlaçar as pessoas em seu redor na sua apologia classificativa das Pousadas e Paradores. As palavras brotavam-lhe da boca de lábios grossos repintados a escarlate, se me é permitida a expressão – fazia a festa, lançava os foguetes e recolhia as canas – em girândola no arraial da Senhora da Agonia na minhota Viana do Castelo perdição de um Presidente da Câmara teimoso no querer amputar o Castelo, o PSD ficou sem o feudo até aos dias de hoje, na cercania do burgo no alto do Monte de Santa Luzia está a confortável Pousada onde há anos rebentou um sarilho de fraldas fomentado às escondidas por um intriguista brigantino porque é possuído pela maleita que está na origem das filhas de Lot terem sido transformadas em sal. 
O mote apregoado através da verborreia da senhora presunçosa de ter estado na generalidade das Pousadas fez-me «saltar a tampa» expressão do agrado de Salgueiro Maia, por isso de uma assentada teci merecidos elogios às Pousadas de S. Bartolomeu em Bragança, à de Santa Catarina na vetusta Miranda do Douro a contrariar o escrito Ares de Trás-os-Montes, no qual o filósofo diz: se forres a Miranda vê a Sé e desanda. Ora, a vista oferecida, e a comida nela servida deslustravam a opinião  do pensador discípulo de Teixeira de Pascoaes, seu vizinho no  Marânus onde está implantada a Pousada de São Gonçalo, conclui estar a salvo dos gostos estéticos da Senhora. Enganei-me!
A Senhora chocalhou as pulseiras ao modo da cascavel lançando Santas e Santos madrinhas e padrinhos de pousadas daqui e de acolá, obrigando a lembrar várias a distinguirem Conventos sublinhando o papel das ordens religiosas no amparo assistencial das Ordens religiosas, umas edificadas na linha de fronteira com Castela – Flor do Crato, Lóios, Elvas, Estremoz, Vila Viçosa, Serra d’Ossa e Serpa; outras na orla marítima – Óbidos, Palmela e Alvito – a confirmarem os bons serviços prestado a Portugal pelos monges e frades, sem embargo de vários desvarios praticados ao longo dos séculos. Tal como uma vespa incomodada pelo atrevimento dos rapazes de Lagarelhos a espevitarem os seus aposentos nas frinchas das paredes, nos ocos das árvores e cavidades existentes nas estrias de madeira dos cabanaise forros das casas de antigamente a dama incomodou-se ao ponto de procurar auxílio na extensão da mão direita – o telemóvel informador – levando-a a debitar nomes sobre nomes comemorativos e evocadores de padroeiros e protectores da generalidade das povoações portuguesas. Sem alterar o tom de acentuação, ironicamente, agradeci a lição retirada de um qualquer guia, mesmo doceiro a não distinguir paternidades, pedi licença, levantei-me e evitei entrar na «dança» das estalagens e Pparadores de «nuestros hermanos» pois para enfado já tinha recebido dose suficiente.
É abundante, sólida e multidisciplinar a bibliografia sobre a obra assistencial no nosso País, a sua leitura permite-nos aferir quão grande foi a miséria reinante no decurso dos séculos, visitarmos os antigos locais de acolhimento mostra-nos as subtilezas dos arquitecto na sua construção, a título de exemplo recordo a Pousada de Guimarães e consequentemente o Professor Fernando Távora, sim o fautor do restaurante Maria Rita, e porque vêm ao talho de foice o arquitecto Alcino Soutinho não só em Amarante, também em Alfândega da Fé, ou seja: o nosso património por portas e travessas emerge a torto e a direito, até nas refeições matutinas ao arrepio da minha vontade na fruição da soledade contemplativa.

Espelho & Pente…

Numa busca de resíduos da memória que nos fazem en ternecer e entristecer debai xo do estafado eufemismo de arrumar o arrumado há dezenas de anos encontrei um espelhinho redondo, de bolso, debruado a plástico e tendo nas costas o emblema do Glorioso ou das papoilas saltitantes que o saúdo Luís Piçarra cantou até a voz lhe emudecer consequência de sofrida no Nortede Angola onde se encontrava a alegrar os soldados envolvidos na estúpida como todas são, a guerra colonial derivada da falta de visão e entendimento do fluir da História por parte do Botas natural de Santa Comba.

Limpei a fna camada de pó ao espelho, olhei-me, mirei-me, rodei o registador da imagem, voltei ver-me, o visto não me alegrou, qual madrasta da Branca de Neve perguntei ao espelho o motivo de as cãs possuírem a cor da neve da Sanábria, os sulcos na testa imitarem os rasgados pelo arado em terreno pedregoso, a barba plagiar o restolho das searas no dia de uma seara no dia destinado no calendário litúrgico a honrar duas Senhoras, a venerada em Tuizelo e a alumiada noite fora na Serra de Nogueira assim julgo que continua a ser dado o apego ao jogo chamado da batota ou não estivesse recheado de truques e tropeços cujos jogadores (há um carro de anos) procuravam ultrapassar em insensibilidade facial e gestual os exímios prestidigitadores de póquer aberto e/ou sintético.

O espelho imitando o da dita Madrasta respondeu irado, convulso, engasgado, dizendo-me para ler as memórias de Adriano ou então falar com Mefstófeles no propósito de inventar um novo retrato colocado ao contrário absorvedor das ruínas faciais bem compostas há um carro de anos. A resposta seca quanto fontelas nos montes de Vinhais no auge da canícula, áspera e riscante como se fosse silvedos nas paredes das desertas aldeias em Setembro calorento, cópia da dada pelo Padre Carção aos fregueses de Lagarelhos num dia de Páscoa ao contemplar a chuva violenta a bater nas vidraças da pequena igreja da lavra dos Jesuítas, não me causou satisfação, causou-me desgosto impedindo-me de ir em busca do tempo perdido (desculpe o Senhor Proust), incitou-me a rebuscar a razão e utilidade do espelho na adolescência tardia.

Nesse tempo muitos rapazes bragançanos engravatavam-se aos domingos, no casaco colocavam uma carteira mirrada de dinheiro, o espelhinho e unte pequeno, de tartaruga, à saída da missa das onze e meia ou do meio-dia olhavam o espelho, o pente compunha as fartas melenas, endireitavam os nós das gravatas, puxavam os punhos da camisa, empinavam o peito e ala, chegava a altura de contemplar as meninas de seios salientes e coxas roliças num primeiro instante, as outras no segundo olhar, a rapaziada seguia com o olhar as namoradas sem elas saberem, atiravam dichotes uns aos outros, no domingo seguinte repetia-se o onanista espectáculo. Importa sublinhar o acréscimo do corta-unhas nos bolsos de um ou outro pois a moda vigente assim o determinava. Agora, os jovens substituíram os antigos adereços pelo telemóvel ou a tablete, os sapatos deram lugar às sapatilhas cromáticas, calções coloridos em detrimento das calças, os pentes desapareceram dando lugar a bonés multi-usos, no dorso pólos sem serem do Norte ou do Sul, sem esquecer chaves de motas, trotinetes e automóveis.

As mutações transformaram os espelhos pequenos, redondos, em objectos de museu, os pentes préstimo ante a avalanche de cabeças rapadas e rastas, os corpos exibem-se à descarada levando os jecos da minha idade a carregarem nas vogais ao soltarem imprecações por terem vivido antes da presente época destrunfando por cima dos corpos no confronto das novas cidades de Sodoma e Gomorra sem perigo dos olheiros serem convertidos em estátuas de sal como aconteceu à mulher e flhas de Lot.

O espelho, o pente, num ou noutro casaco também entrava o corta-unhas, este instrumento tinha a vantagem de retirar sinais de o seu detentor possuir vestígios de Vale da Porca ou vale de Porco aumentando o seu perfl asseado o que os valorizava na eira de Espinhosela, leia-se Praça da Sé.

Os adolescentes de buço rebentado, outros a ostentar bigodes estilo Cantinflas, dada a carência reinante não mudavam muito no tocante à aparência ornamental, prevaleciam as meias solas, as cuadas nas calças, os casacos virados, os colarinhos delidos nas camisas, as dores de crescimento obrigavam à mostra dos tornozelos (eu até consegui levar o Sr. Queiroz a salientá-los), por isso mesmo, os adereços exibidos a que acrescento o emblema do clube desportivo colocado na banda esquerda do casaco ajudavam a compor a vestimenta qual pouco mudava de estação para estação, o feiro era conforme a roupa, bem pior estavam os remendados sobre remendos. Relembro: só uma escassa minoria vestia a estrear não herdando roupa do irmão mais velho, só essa minoria adquiria à sua vontade, fora do gosto paterno.

As odiosas comparações sendo-o devem ser evitadas, neste contexto, impõe-se a excepção – antes ou agora –, a resposta de La Palice afna pelo agora. Podemos discordar do laxismo familiar na satisfação das exigências fliais no respeitante a roupas e sapatilhas, podemos discordar da assombrosa consumição de aparelhos e maquinetas comunicacionais, podemos censurar os dislates alimentares, porém, para lá do retorno ao paraíso caso pudesse retroceder na idade, deploro termos vivido pobremente, ao estilo sarnento salazarista da Casa Portuguesa a canção do forçado conformismo, se assim não fosse os da «benemérita» PIDE na esteira da benemérita Guarda Civil espanhola tratava de afagar o corpo, que não o espírito.
O denominado elevador social só funcionava mediante suor, lágrimas e quantas vezes sangue, curiosamente alguns dos prendados via nascimento não aproveitaram o maná, os deserdados repletos de marcas dos sacrifícios cometidos de modo a entrarem no ascensor têm conseguido penetrar no almejado patamar provocando o sarcasmo dos afortunados de nascença e a inveja dos antigos companheiros de Escola. É a vida diria como disse o Engenheiro Guterres, uma porra dizia a minha avó Delfna, embora sendo analfabeta não era parva, longe disso. No seu entender valia o rifão – se queres vai – só os calaceiros pediam. Apoquenta-me o futuro da cultura, especialmente da escrita em papel, a inserida em pautas de música tradicional, a oral sem registo algum. Aos livros devo tudo, mesmo tudo, os cursos/recursos derivados de três universidades trouxeram-me réditos materiais, a minha verdadeira Universidade (Gorky) as Bibliotecas Itinerantes ensinaram-me os valores da frontalidade, da liberdade, da sabedoria, o que não foi pouco, foi tudo.
 

Festinhas e festivais

Desde os primórdios da Humanidade o Homem manifestou predisposição para criar formas lúdicas de compensação dos esforços penosos da labuta diária de ver a ver, das agruras causadas pela doença, a fome, a miséria, a danação e intolerância. Se formos a museus refúgio de semióforos pré-históricos e da antiguidade relativos a criação artística dos nossos ancestrais empenhados em minorar tristezas e males da ânima, porque as ditas tristezas não pagam dívidas asseguravam os patriarcas de antanho.

Uma das vibrantes expressividades do génio humano é a música, não vou porque me escasseiam conhecimentos capazes de explicar o atonal e o tonal, nem vou tecer saudades relativamente ao desaparecimento dos festejos à moda do António Fagote, Os Meus Amores de Trindade Coelho, muito menos sobre os bailes tarde fora no dia de honrar o Santo protector contra pragas de lagartas e pardais, trovoadas e enxurradas sem esquecer as saraivadas de bolas rubicundas de granizo, as festinhas mudaram de tom e som, ora predominam os festivais de todos os géneros e formas numa salada fresca e cromática, futurista conforme os dinheiros a gastar pagando as alucinações psicadélicas ao modo de cada qual sem necessidade de cursos de formação porque a condução dos amplexos lúdicos ficam ao cuidado de cada um conforme a sua imaginação e cultura/cultivada seja nas redes sociais, seja no adestramento físico, seja ainda no remanescente de heranças da emigração e/ou de relâmpagos do visto aqui ou acolá.

O espírito inventivo dos artistas de agora não dispensa a herança recebida de mão beijada dos artistas já desaparecidos, ainda há dias morreu João Gilberto que elegeu como lugar favorito para compor a casa de banho da casa da irmã, pois naquela divisão podia desfrutar da imperiosa soledade motivadora da sua inspiração, ficaram os seus discos e ensinamentos a influenciarem os vindouros. No Nordeste têm surgido grupos musicais interessado em promover a música antiga tão estudada entre outros pelo pioneiro Giacometti, ainda bem, mas segundo vou vendo, ouvindo e lendo os festivais em voga dão grande relevo às cantigas brejeiras de contornos estilísticos de «rebimba» também recuperados noutras partes Mundo como está a acontecer na América presidida pelo tramposo Trump a trazer ao de cima as composições demolidoras em todos os sentido da heterodoxia, desde as canções de campo às músicas iconoclastas de Pete Seeger, WoodyGuthrie e Lad Belly voltem à crista da onda apesar dos sues currículos pessoais serem de molde a provocarem enjoos a muito boa gente. À medida que o controverso Trump revela as suas facetas autoritárias explodem composições esquerdistas capazes de entusiasmarem os radicais da vulgata leninista.

Por estas bandas não sendo a Banda do Casaco, são bandas pouco escolásticas, muitas só aguentam uma temporada, animam o Estio cantando nostálgicos que as festinhas dos gaiteiros «arroz pró pote», das bailações aperta-aperta sem cessar, das grafonolas, valem na justa medida de valerem no referente histórico da evolução do lazer, agora impera o conceito de o futuro ser ontem apesar de todos recearem o cruel e implacável fluir temporal.

Imperiosas obrigações de cortesia nos últimos meses assisti a alguns festivais, digo assisti porque não participo na encenação dos mesmos além de os meus ouvidos ficarem furibundos dada a batida forte dos intérpretes, prefiro observar de longe e cair na tentação de estabelecer comparações. Elas são odiosas, apesar de o serem ninguém lhes escapa. E, lá vem o exercício demagógico – um concerto do Caetano Veloso ou do Tom Jones -, rompem o malfadado calendário do tempo, persistem na nossa memória, podemos recordá-los no nicho da felicidade perene, enquanto outros caem no olvido mal acabam. Se dissermos isso em determinados círculos recebemos sorrisos de mofa, comentários de bota abaixo, entenda-se de elástico, retrógados companheiros do velho do Restelo observador da saída da época dos descobrimentos. E, não têm direito à sua razão estas pessoas? Têm.

Durante muitos anos privilegiei ouvir no intuito de aprender e distinguir a música clássica, o jazz no início no intuito de acompanhar o cânone em voga, posteriormente porque passei a gostar (nunca esquecerei uma dica do Zé Montanha Rodrigues sobre um extraordinário pianista de jazz inovador e branco), sem sombra de pecado fui atraído pelo ritmos do folk, com algum remorso comprei e agradaram-me discos de música latino-americana, desde o tango às dolentes árias de Augustin Lara que compôs Maria Bonita em honra da formosa mulher, a devoradora Maria Félix, até gostar de Lana del Rey.

Ópera é para operários ensinou a bragançana Margarida Cepeda ao meu filho Francisco, a ópera do malandro escreveu Chico Buarque de Holanda, a ópera desempenhou triunfante papel na reunificação da Itália, o «teatro cantado» é considera espectáculo das elites, nestas terras os festivais dedicados ao bel canto está confinado a reduzido número de localidades, os públicos informados não abundam, todavia seria interessante ver os programadores municipais e da província transmontana procurar incluí-lo nos guiões mesmo que a título de excepção a contrariar a regra de o que não conhecemos evita-se.

A música nas suas variadas entonações e intonações ultrapassa todas as barreiras menos a da surdez, a sua universalidade independente da raça, da cor, da religião, dos modos de vida, consegue suscitar amores, paixões, ciúmes, invejas, enfim, tudo quanto leva a criar, a inventar, a sermos Mulheres e Homens e as nossas circunstâncias. As festas íntimas, as festas grandiosas, as festinhas sucedâneas, corporizam-se agora nos Festivais. De ao pé da porta, de longe, numa aliança entre o passado e o futuro, no presente pois a pousada da sexta felicidade deve ser para todos, para lá do filme assim intitulado.

O mel do poder

Há dias Castro e Almeida demitiu-se do cargo de vice-presidente do PSD, soprando a notícia de modo a provocar acres embaraços a Rui Rio para gáudio de Marques Mendes e roda de comadres habituadas à intriga após o remanso prandial seja na procura de manter ou reconquistar migalhas de poder partidário e autárquico. O  comentarista de Fafe, qual morgado camiliano prossegue na sua cruzada contra Rio, acerca de Castro Almeida elogiou-lhe virtudes, assegurando ser o antigo autarca, antigo avençado de Luís Filipe Meneses, e antigo secretário de Estado de Cavaco Silva grande amigo do ora Presidente do PSD, como se costuma dizer: com amigos assim, deste calibre não necessita de inimigos. 
O episódio é um entre milhares de outros de semelhante teor, todos conhecemos o significado da expressão – até Tu, Brutus –, porque o poder tem mel (pensemos no cavalheiro da poção, Santana Lopes) ao ponto de criar ódios e antagonismos viscerais a passar de geração para geração, acicatando ódios (ódio velho não cansa é título e substância de um livro de autor português) como bem exemplifica o isabelino na obra Romeu e Julieta.
Porque não pretendo colocar sal nas bubas esqueço as animosidades ocorridas no seio do PS e do PSD no distrito de Bragança desde o 25 de Abril de 1974, recordo uma no período salazarista entre o coronel Direito de Morais e o coronel Machado (Machadinho) a qual obstou à promoção a brigadeiro do primeiro e a sua entrada no alçapão da obscuridade.
Falar da apetência e uso do poder no Partido Comunista é muito difícil dado o Comité Central e estruturas adjacentes viverem e actuarem em círculo, de tempos a tempos há notícia de convulsão ou espirro de militante, no entanto, prevalece a disciplina do silêncio, já no Bloco de Esquerda a tosse quando ataca ouvem-se os esgares e nos últimos dias foram prolongados e ruidosos, especialmente na sua estrutura de Santarém porque a omnipotência da cúpula fez tábua rasa da opinião da omnipresente base escalabitana sacrificando o empenhado e competente deputado Carlos Matias. 
O mel do poder ataca em todos os segmentos e níveis da sociedade, mesmo no seio da profissão mais antiga do Mundo há profissionais a comerem o mel delicioso dos figos, e as colegas ficam com os beiços rebentados, assim ao modo das teúdas e manteúdas pelos burgueses bragançanos, e as desprovidas de atributos ficando condenadas ao fugidio comércio dos dias de feira, magalas sem patente e estudantes mais abonados.
O poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente, disse e escreveu um Lorde, a sucessão de casos e escândalos financeiros destapados nos últimos tempos demonstram quão avassalador é o poder em todos os quadrantes da sociedade, só lhe resistem os ascetas e os imbecis. Mesmo os malucos quando o alcançam usufruem-no gulosamente, quantas vezes tragicamente a ponto de provocarem muitos milhões de vítimas, assim tem sucedido em todas as partes do Mundo.
Dentro de dias vamos conhecer as listas concorrentes às eleições legislativas, após virem a público vamos voltar a ouvir queixumes e iras dos colocados fora do círculo do poder, entendidos no vai e vem da roda partidária ficarão a remoer em silêncio esperançados num bambúrrio recuperador, os despromovidos sem remédio soltarão uivos esquecendo pecados antigos de igual ou maior rompante, os donos de memória lembram-se de velhos antagonismos centrados fundamentalmente no despique Bragança Mirandela repleto de rasteiras, entradas a pés juntos e cargas amparadas em chapeladas e cambões de última hora. 
O filósofo Bertrand Russell legou-nos o famoso livro «O Poder, Uma Nova Análise Social» tão actual como há dezenas de anos, o admirável pensador de «O Casamento e a Moral» penetra na ânima do entusiasmo na captura do poder e na desilusão colhida quando os candidatos são vencidos levando muito deles a refugiarem-se nos poderes fácticos e do oculto contrastando com os amantes da sabedoria contida na teleologia de vários ritos derivados desses mesmos poderes. O filósofo, eminente matemático, amigo do pacifismo, especialista na desmontagem do credo comunista, em Portugal colheu fartos aplausos por ser contra todos os dogmatismos e formas de guerra. Os dados à reflexão ganham conhecimento e sabedoria se lerem os escritos da sua autoria.
A alucinante e desmiolada corrida ao poder obrigou-me a reler Russell, da releitura ganhei um melhor entendimento das fraquezas humanas no afã da conquista do poder caucionador de vilezas veniais e capitais. Sórdidas também. Se o leitor for candidato proteja-se!

 

SEFARAD

De 19 a 22 de Junho decorreu em Bragança o Congresso de Cultura Sefarad, Sefardin ou Sefardita. Participei fugazmente, apresentei os travejamentos de uma comunicação acerca da influência da cozinha judaica na cozinha tradicional portuguesa e zarpei de seguida. Não tive tempo para conviver nem tagarelar um pouco sobre a cidade das minhas paixões assolapadas e sopradas pelos ventos cortantes vindos da Sanábria provocando procura de garimo e fuga das raparigas quando entorpeciam as mãos e os pés.

Apareci no Congresso por obra e graça da Dra. Carla Alexandra, uma das organizadoras do mesmo a qual há um taleigo de anos integrou comigo uma equipa de investigadores de messianismos e visionarismos na Europa e Brasil tendo como figura tutelar Bandarra. O António Carlos Carvalho e o Manuel Gandra faziam parte do núcleo duro, o historiador Josué Pinharanda Gomes ouviu-me pacientemente, o filósofo e cabalista António Telmo além de convidar-me a ir a Vila Viçosa onde reunia com outros cabalistas, teve a generosidade de indicar pontos de referência, recordar bibliografias fora do circuito habitual e receber-me na sua caverna iluminada em Estremoz. Os anos passaram, o Centro de Interpretação da Cultura Judaica em Trancoso ficou aquém das nossas espectativas mormente na programação, cada um continuou a estudar e a Dra. Carla entendeu «obrigar-me» a produzir uma comunicação embrionária de um futuro livro. Só por isso, agradeço-lhe a lembrança prometendo produzir estudo que se possa apresentar sem mácula, logo a preceito e não escorreito. Poderá ser apodado de presunção o desejo ora escrito, sabendo de a presunção e água benta, cada um toma quanta quer, ao modo de um senhor freguês da Sé abusador na ablução ficando com rosto bem molhado.

Os operadores turísticos pronunciam intenções um pouco na esfera da dita presunção quase a enunciarem galinhas repletas de ovos de ouro como se este segmento estivesse confinado a Portugal, à rede de judiarias e os tesouros patrimoniais a coberto e a descoberto existentes no interior dando a impressão de olvidarem tudo o mais que é muito começando nos vários públicos caminhantes procurando o rasto dos antepassados e passos por eles calcorreados durante a fuga aos esbirros da Inquisição acolitados pelos vizinhos videirinhos sugadores do alheio não hesitando em denunciar gente de trato das comunidades sefarditas. Estes públicos não são turistas vulgares, possuem conhecimentos aprofundados da religião professada, não ficaram acorrentados ao «catecismo» da infância imitando a maioria das pessoas católicas só presentes nas cerimónias recheadas de fotografias e farândolas superficiais, antes pelo contrário, cumprem o preceituado sem preguiça ou numa toada «Maria vai com as outras».

Vêm à procura do passado daí a imprescindibilidade de terem boas genealogias à sua espera, sem erros, antes de visitarem as nossas terras estudaram as localidades berço natal dos longínquos avós, as tecnologias de ponta dão-lhe acesso a todo o tempo e hora à documentação existente, por essa razão desculpam melhor o engano dos explicadores locais ao confundirem a festa do Purim com um pudim festivo do que o lapso ou a faltas nas descrições da parentela. Salvo melhor opinião a base do êxito na captação do turistas não acidentais escora-se na qualidade e agilidade mental de quem recebe salientando a argúcia e engenho dos judeus no sacudir do jugo da escravidão mental, moral e física, os horrores sofridos fazem parte da sua herança, daí alegrarem-se ante episódios jocosos e similares tão bem retratados nos romances, poesias e peças de teatro de autores judeus exímios na exploração de um humor ferino, risonho, até burlesco.

Há anos no decurso de um almoço onde pontificava o rabino de Jerusalém dois convivas atentos impediram a colocação de pratos contendo tiras de presunto e rodelas de chouriço, o profissional ficou surpreso e aflito. Trago à colação este episódio a fim de apontar a importância dos detalhes, as leis dietéticas do Talmude impõem cautela e caldos de galinha na celebração das ementas a apresentar. Volto a repetir os turistas de origem judaica se pretendermos a sua volta, obrigam a cuidados especiais, caso assim não aconteça despedem-se até nunca mais! Gostava de ter falado no painel dedicado à indústria cultural, deixo estas breves e simples notas fruto de andanças e

O acontecido no mês de Junho não deve ficar soterrado na pilha de boas intenções, Bragança já é notório e nutrido centro de saber, logo das duas culturas, parafraseando E. Snow, importa cimentá-las recorrendo-se às tecnologias de forma a expandir-se sustentadamente nos quatro cantos do Mundo.

Por experiência própria sei quão exigentes tentam ser na procura das causas das coisas obrigando os «guias» a esforçados conhecimentos do exposto, mostrado e minuciosamente comentado. Não chega citarmos o Abade de Baçal, Mendes dos Remédios, António José Saraiva, Révah, Vicente Risco, referências entre outras, não basta erguermos o estandarte do judaísmo eivado de orgulho localista, refiro-me a Oróbio de Castro, não basta indicar-se historiografia regional, todos os intervenientes no projecto têm de estudar de cabo a rabo os seus trabalhos porque a sorte do mesmo dá um ingente até à colheita dos frutos escondidos no meio de abrolhos, urtigas e cardos.

Ninguém pode reivindicar a exclusividade do património judaico em termos gerais, no referente a Bragança a Autarquia ao acarinhar e investir na defesa e promoção das especificidades locais desse mesmo património obriga-se a tudo fazer no sentido de conduzir, orientar e vigiar a boa execução do mesmo. Ao contrário do pensado por muitos orçamentistas de café investir na cultura gera juros em múltiplos vectores da sociedade rural e urbana. Façam o favor de abrirem os olhos!

 

A alergia do Taumaturgo

No dia 12 de Junho correspondi a convite da Âncora Editores, apresentei-me na Feira do Livro a fim de participar numa sessão de autógrafos na companhia do meu estimado amigo Paulo Amado director da revista de culto INTER onde escrevo desde o primeiro número. Assinados alguns livros, distribuídos beijos e abraços, o editor insistiu connosco para assistimos à apresentação do livro mais recente de António Monteiro dedicado às amêndoas da sua terra, Moncorvo.

A Feira do Livro no meu entendimento significa Jardim do Paraíso ou das Delícias literárias e afins dado número de obras em exposição, a presença dos cultores da língua na qual expressam sonhos, desejos cordatos ou extravagantes, teorias incluindo as conspirativas, proclamações e sentenças, enfim o referido Paraíso e suas periferias residuais ou remate de presunções ridículas. Entrei no auditório, palavras de cortesia de António Batista Lopes, passando de imediato a palavra ao apresentador da referente a amêndoas cobertas pelas mestras doceiras moncorvenses, que não identifico pois a perspicácia dos leitores o fará num ápice temporal.

O encarregue da tarefa de dissertar acerca do trabalho de António Monteiro, por quatro vezes aludiu à cozinha conventual colocando no alçapão da obscuridade a cozinha monacal (dos Mosteiros tão importantes no estabelecimento de fronteiras e identidades na Antiguidade e Idade Média). Falou de marmelos e marmelada, do pudim Abade de Priscos, no caderno de receitas da mãe, nas mãos de Maria de Lurdes Modesto, disse não ter pruridos em escrever como fala, conseguiu desconsiderar a nossa língua de modo a soltar a ira dos grandes prosadores caso estivessem a ouvir a diatribe, e não conseguiu referir que os «palavrões» inseridos no referido livro serem meros regionalismos tão bem plasmados nos nas suas importantes obras por Aquilino Ribeiro e Tomaz de Figueiredo. Os da língua charra foram pacientemente coligidos pelo escritor e investigador nosso conterrâneo A.M. Pires Cabral, autor de referência no reino maravilhoso e para lá dele.

A errante e caleidoscópica apresentação não passou de auto-elogiosa e rufada a bombo e prato a transmontanice, levou-me a perguntar a razão do esvaziamento da cozinha monacal ao que o falador não respondeu, no entanto, soltou palavras dizendo ser uso o termo conventual englobar os dois conceitos o que é uma redonda regueifa de falácias.

Se assim fosse apagava-se das crónicas e cronicões a formidável alta cozinha dos monges de Alcobaça, ou a do Mosteiro de Santa Maria e Arouca e a da doçaria do meu vizinho Mosteiro de Almoster, bem como de dezenas e dezenas de outros centros irradiadores da Cristandade. Sendo mais radical, tudo quanto emanasse dos mosteiros passava a conventual. Enfim, a asneira não paga imposto, dirão as monjas e monges ainda vivos e a honrarem os seus pergaminhos. Doutores da Igreja e Santos.

Ora, o tropeço deu-se na véspera do dia consagrado ao nosso Doctor Eximius, insigne pensador e pregador, Taumaturgo amigo dos namorados e milagreiro do considerado muito difícil de ser obtido. Confiado nisso pensei que o Santo concederia bom senso, sabedoria e substância ao discurso do dissonante dos mosteiros, engano rotundo. O parente do poeta Alexandre O’Neill revelou alergia a fazer o custoso milagre, preferiu verificar os prelúdios da festa nocturna da sardinha assada, da sangria, do vinho e da cerveja. O querido Santo é sábio não gastando energias em vão, sabe por experiência que quem não consegue acertar o passo não merece desfilar na parada, colar os cacos de uma bilha de descuidadas namoradeiras é fácil, assaz trabalhoso é refrear a tendência niveladora por baixo da presunção estrídula escorada «no deve ser».

Apesar do escusado gasto de energias tive feliz compensação ao encontrar no Auditório um Senhor de Avelanoso leitor deste jornal cujo filho está completar o doutoramento em Pequim, e também colaborador do Nordeste, trocamos pontos de vista e amenidades a apagarem as facécias acima referenciadas. Apesar da alergia do Santo padroeiro de Lisboa, acredito na sua bondade expressa no inopinado encontro.

Tenho esperança de esta crónica ir agradar a fiel leitor de Avelanoso. Espero que sim!