A propósito de um qualquer despropósito ouvia-se Praça da Sé a intimação – vai fazê-lo a Pinela – ordem consubstanciada na existência de uma indústria artesanal/artesanal cuja matéria-prima era e é o barro, já no tocante à arte artesanal tenho sérias dúvidas. Vou tentar explicar a minha opinião colhida nos ensinamentos de especialistas de vários saberes e orientações, correndo o risco de me repetir.
Na Grécia antiga o technikos “era essencialmente o artista, não havendo então destrinça a arte desinteressada e a arte útil ou utilitária. Com o rodar dos séculos. Porém os artistas ou technikos vão-se estabelecendo em campos separados e, por vezes até, opostos.”
No primeiro grupo estão os artistas cujo motivo primacial é p prazer de produzirem coisas belas, o segundo não tanto por preocupações estéticas sim no intuito de honrarem os seus deuses, ou através desse meio lhe pedirem apoio e proteção e paz na vida eterna. Deles derivam as artes religiosas.
Por fim vem os que fabricam objectos úteis para conforto pessoal deles e dos outros homens, “que eles valorizam, pintando-os ou esculpindo-os, para os tornar agradáveis à vista. Não é outra a origem das chamadas artes decorativas.”
Ora, na Feira das Cantarinhas que eu conheci, flanei, namorei, percorria vezes sem conta, coexistiam peças desprovidas de decoração, julgo que primacialmente de Pinela, todas diferenciadas, umas das outras, no volume e na forma embora minimamente, mas diferentes, a provar quão certos estão os defensores da tese que o artesão nunca concebe duas peças milimetricamente iguais, e as cantarinhas, lisinhas, decoradas conforme a ideia e vontade do artesão que sendo-o já emprega instrumentos a auxiliarem-no na fabricação das peças.
A importância a cerâmica na vivência do Homem está representada em Museus e Centros Artísticos de todo o planeta, as sinuosidades da fabricação de cerâmicas decorativas ou não, transmontanas, não sei se figuram de forma escalonada e científica no Distrito, tenho alguns documentos a referirem-nas, da autoria da Senhora Dona Carolina e Alfredo Forjaz Sampaio, de modo transversal de Solange Parvaux, das edições do Instituto de Emprego e Formação Profissional, artigos de Belarmino Afonso e num inocente livro das edições Terra Livre, para além daquelas obras de espalhafato espumoso e pouca substância. Porque Bragança ganha respeito e consideração de teor cultural mesmo na área difícil da Cultura/Inculta (Alain Bloom) julgo séria e capaz de gerar retornos, estudar-se a possibilidade de ser criado uma Oficina/Centro/Ateliê/loja cujo elemento primacial seja o barro e barros do Nordeste.
Acerca da Feira o facto de não a viver há vários anos inibe-me de opinar, relatar impressões colhidas noutras não acrescenta muito porque a ânima é diferente, leio o programa, revejo refulgentes imagens dos idos de outros tempos, a ilusão traz-me de volta os perfumes primaveris vindos do extinto Mercado Municipal, a rua Direita envolta em picante alacridade, um formidável ambiente de festa. É melhor desvanecer a ilusão que para isso o cineasta Jean Renoir foi e é o grande Mestre, o dia das Cantarinhas sendo grande tornava-se pequeno pois passava pela ida a Cabeça Boa visitar o Senhor. Ia a pé, enrolado na namorada imitando os soldados que faziam guarda de honra ao túmulo de Dimitrov como vi mais tarde em Sofia, onde na cave da Catedral Alexandre Nevski contemplei precioso núcleo de ícones.
Agora duvido que se vejam as cabazes e cabazes merendeiros a verterem molhos e a desencadearem deliciosos odores a comida, o progresso também se encarregou de produzir transformações nesta matéria, felizmente, o apetite continua e os relvados prontos a receberem mantas merendeiras ainda não terão desaparecido.
As paisagens festivas estão muito valorizadas no nicho do turismo ambiental, os impressionistas deixaram deslumbrantes quadros a registarem festanças ao ar livre, Manet, Monet, Renoir por si só dão substância a inúmeras acções culturais de aglutinação de cromatismos, em Bragança também existem obras capazes de tal, no concelho os fundos patrimoniais noutros segmentos são excelentes, por assim ser entendo que a feira/festa das Cantarinhas, todas as festividades devem servir de forma e fundo à exaltação da nossa herança cultural. Os ingleses vendem os casamentos da realeza desde a caneca de cerâmica até à flauta de madeira aludindo aos enlaces, nós não somo ingleses, mas não podemos ser ingénuos, eles aproveitaram valentemente a nossa fraqueza, tal como as saudades que tenho da Feira dos anos sessenta por todos motivos, fiquemos com as recordações de modo a servirem de acicate a exaltarmos (e vendermos) as expressões que a terra dá, no caso concreto argila moldada, ou não ostentássemos a faixa do reino maravilhoso. E, por aludir ao «reino» áspero que nos empurrou para as sete partidas do Mundo, nos finais deste mês das cantigas do Maio e das Maias misteriosas, vai realizar-se em Lisboa um Congresso Transmontano, veremos se será outro Congresso Transmontano, ou mais um!
Cantarinhas
Armando Fernandes