António Barril

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Um acaso trouxe-me a má nova de António Barril ter falecido. E, quem é este sujeito perguntará o leitor? Foi Ajudante de Encarregado da Biblioteca Itinerante da F.C. Gulbenkian que numa gélida tarde de Dezembro de 1961 participou na inauguração da Biblioteca N.º 46, nela trabalhando até se reformar nos idos de 1975. Na itinerância cultural trabalhei com ele quatro anos, no desempenho de outras funções em visitas espaçadas e ajudei-o a reformar-se. Homem de uma lealdade inquebrantável, incapaz de uma traição, sabendo estar e dono do sentido da medida, amigo das boas e más horas, o Barril deixa-me uma profunda saudade e mágoa por só agora ter sabido do seu passamento.

Trago o Barril à colação a fim de retirar do casulo do esquecimento pontos de referência da urbe bragançana dos anos sessenta por ele ser uma figura conhecida especialmente na área dos desporto envolvendo motorizadas, do derramar vivacidade numa tertúlia existente no café Progresso, emprestar alacridade às convivialidades polvilhadas de comeres sempre que a ocasião se proporcionava, desde a taberna do Senhor Miguel «Careca» até aos cafés do Loreto, sem esquecer a famosa, logo célebre, Casacas onde se escondeu no forno de cozer pão na sequência de uma rusga da GNR comandada por um tenente ciumento, parvo e informador da celerada PIDE, por isso fugiu a seguir a restauração da democracia.

O meu amigo era um homem dos sete ofícios, melhor dito instrumentos, profícuo caçador apesar de uma distorção ocular, DJ antes de aparecerem, ele levava música a muitas festas na região, põe disco, tira disco, mecânico sabedor no desfazer avarias de todo o género, namorador inveterado, exímio na perscrutar rostos no decorrer de serões de lerpa (quem lerpava ficava desnudo como Cristo, daí a referência) e sintéctico, exímio no sete e meio, acima de todas as virtudes e de todos os pecados sem serem capitais o seu talento na condição de corredor de motorizadas.

Na altura mantinha acirrada rivalidade com a família Reis moradora na Caleja das Pedras, a acrimónia era dupla, todos desenvolviam actividade vendendo e consertando motorizadas, todos disputavam palmo a palmo os circuitos, primacialmente o de S. Bartolomeu. O Barril vendia a Famel, a todo transe procurava aumentar quota num mercado em ascensão, o triunvirato Reis procedia do mesmo modo, daí constantes remoques, suor, quedas e esfoladelas no decurso das voltas e voltas no propósito de ganhar a taça maior e um prémio pecuniário. As motorizadas gozavam de gorda e calejada popularidade nas aldeias, lavado desejo junto dos rapazes citadinos da nossa sempre amada Bragança. Alguns leitores, certamente, recordam-se da flamante Famel do Manecas Pinheiro encostada ao passeio coadjutor do Café Flórida ou da Barbearia do Senhor César Barata, homem bom, bem-humorado e amigo de azucrinar os ouvidos do Sr. Monteiro «dos jornais».

O escritório/depósito da Itinerante situava-se na casa dele, algumas pessoas batiam à porta na procura de determinado livro, o Barril sabia ser coriáceo, o Dr. Carmona e Lima salientava a sua afabilidade, o mesmo elogio lhe fazia o Inspector Dr. Miranda Mendes, a contrastar com outros, o Secretário do Governo Civil surgia muito cedo, isso nunca foi obstáculo a ser convenientemente atendido e porque nutria grande apreço pela leitura requisitava tantos livros quantos queria. Nesse ponto seguia a prática do primeiro responsável pela arca do tesouro circulante, o conhecido poeta surrealista António Barahona da Fonseca.

O acima escrito escancara a cumplicidade existente entre nós, mais velho 13 anos, aos 18 anos de idade tive no António Barril cuidadoso instrutor em várias áreas dos conhecimentos práticos, ensinou-me a defender quem nos dava o pão nem que para isso fosse necessário chegar a vias de facto, e aconteceu, ensinou-me a ser amigo do meu amigo, ensinou-me quanto vale a gratidão, ensinou-me a nunca esquecer quem me fazia bem, pois…também me ensinou a considerar o risco contínuo um muro, ou não tivesse sido meu competente instrutor para obter a carta de condução.

Sinto-me incapaz de escrever quanto me dói a sua retirada do Mundo dos vivos. A minha maior gratidão vai para ele, verdadeiro amigo, para ele que à sua maneira me libertou de atavismos defeituosos originados pela rigidez educativa, que me facilitou a adaptação a outras formas de ser e estar, de viver.

Obrigado Mestre. O discípulo não te esquece.

Armando Fernandes