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António Jorge Nunes, A Ferrovia em Trás-os-Montes

Após várias apresentações públicas de A Ferrovia em Trás-os-Montes (Lema d’Origem, 2023), quis António Jorge Nunes fazê-lo também na Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro, em Lisboa, reconhecendo quanto ela significa desde 1905 e que importância teve em momentos-chave da vida regional, além de ter inspirado casas gémeas dentro e fora do país. Pioneira ou com menor intervenção, destacaria a presença da Casa nos congressos transmontanos de 1920, 1941, 2002, já organizando o de 2018. Ora, não só o de 2002 teve como primeiro oficiante Jorge Nunes, presidente da Câmara Municipal de Bragança, como ele é autor de Congressos Transmontanos (Lema d’Origem, 2021), que sintetiza esses quatro encontros que nos pensaram. Aproveito já a sua intervenção de 2018, intitulada “Interior Norte – reconquistar o poder da palavra». O diagnóstico não mente: «O abalo demográfico que atinge o Interior Norte obriga- -nos a maior firmeza para romper com as políticas do centralismo que têm conduzido o interior para uma catástrofe demográfica – o despovoamento, o abandono do território e tendencialmente o empobrecimento. A soberania territorial exige solidariedade em ambos os sentidos, do centro para a periferia e vice-versa. O esquecimento do Interior é uma total injustiça, […]. O argumento que o alimenta é o de que não se justifica investir porque há cada vez menos população, a consequência é a população continuar a abandonar a região, […]. Por outro lado, nas últimas décadas, o governo central tem vindo a eliminar serviços públicos na região com esse mesmo argumento. A fúria centralizadora até as ligações ferroviárias eliminou.» De facto, comparando 1960 e 2021, os 34 concelhos de Trás- -os-Montes e Alto Douro passaram de 692 029 habitantes para 384 410, seja, de 7, 82% para 3, 74% do todo nacional, quando representam mais de dez por cento dos municípios. Não se contabilizam entre 15 a 20 mil estudantes do ensino superior, nem todos de fora, que animam as principais cidades. Houve a emigração, claro, mas esta é uma constante desde o século XV, seja missionária, religiosa, académica, diplomática, política e, sobretudo, económica. Face a dificuldades por vezes invencíveis, preferimos – cito José Mattoso – «muitas vezes a aventura e a incerteza em terras desconhecidas do que a miséria ou a derrota» em nossa casa. Corajosos e determinados, os transmontanos «Comandaram as tropas portuguesas em Ceuta ou na Índia, sustentaram as guerras da Restauração no Brasil, peregrinaram por toda a Europa, foram missionários nos quatro cantos do mundo, desempenharam postos administrativos e militares na África portuguesa nos séculos XIX e XX. […] Jaime Cortesão notou que eram trasmontanos, na sua maioria, os colonos portugueses que povoaram a Colónia do Sacramento e durante dezenas de anos resistiram heroicamente à ocupação espanhola, antes de ela se tornar território do futuro Uruguai. Tais foram os resultados de uma secular aprendizagem da dureza numa terra que a natureza não dotou de mimos nem de facilidades.» Esta ausência da ‘pequena pátria’, agora quando dentro da pátria maior – Portugal –, tem razões eminentemente políticas, económicas, laborais e educativas, salientando-se a plêiade de ministros, jornalistas e professores, entre outros notáveis. Evito dar exemplos de ilustres migrantes e emigrantes, que não escamoteiam a sangria de milhares de anónimos durante séculos, com que melhor se explica a necessidade de um novo D. Sancho I, o qual argumentava, num quadro semelhante ao de hoje: é por haver falta de gente que temos de povoar. E custa-me a admitir que os deputados não vejam isso, pondo em risco um futuro pessoal, pois, um dia, não teremos na Assembleia mais do que um eleito… Importa, aqui, falar da velha ligação aos vizinhos fronteiriços. A designação geral ‘Trás-os-Montes’, de uso comum a partir do séc. XIII, aceitava pequenas ‘Trás-Monte’, ‘Trás-Serra”, ou unidades territoriais sob a designação de ‘tenência’ e ‘terra’, resistindo em Terra de Miranda, bem como ‘lomba’, ‘lombada’, igualmente encontráveis. O séc. XII ainda se divide por Leão, sob influência de Zamora e dos Templários, a par da influência dos cistercienses galegos sobre Pitões das Júnias, até à Vilariça, do influxo de Moreruela sobre Miranda, e, até Miranda e Vinhais, dos beneditinos de Castro de Avelãs (Bragança), em cujo mosteiro está sepultado Nuno Martins de Chacim (finais do séc. XIV), o último braganção, avô materno de Inês de Castro. O arcebispado de Braga influía até Barroso, vales do Tâmega e Corgo. Os Bragançãos (ou Braganções) inclinam-se para D. Afonso Henriques e tornam-se decisivos até D. Dinis. A política de forais, póvoas e ‘vilas novas’ organiza e sedentariza populações; em tempo de D. Manuel, Trás-os-Montes é uma das seis comarcas do reino. Mas os castelos vão passando de mãos numa fronteira fluida. Alheios à guerra, galegos e portugueses misturam-se em Ruivães, Vilar de Perdizes, Rio de Onor, etc., conforme os numeramentos de 1530 e o tombo da demarcação fronteiriça de 1538. Propõe- -se a divisão do couto misto da raia de Montalegre somente em 1859. Esta relação ilumina, para que se não julgue estranha, o projecto ferroviário agora defendido. Naquela comunicação de 2018, entre outras propostas, Jorge Nunes defendia que o Interior Norte devia «poder gerir um envelope financeiro próprio, negociado na fase de programação do Portugal 2030». Pelos vistos, as estruturas a Norte, sem força política bastante, nada conseguem. A falhada regionalização é uma saudade, quando se não cumpre a Constituição. Entre tergiversações, o Partido Socialista (PS) quis-se um novo D. Sancho I com Mário Soares, na Presidência Aberta de 1987, em Bragança, e de prosa redonda na actualidade. Tudo inconsequente. Veja-se o programa eleitoral do PS para 2022-2026. Na 3.ª parte, “Desafio estratégico: desigualdades”, o capítulo V, “Coesão territorial”, promete: «Tornar o território mais coeso, mais inclusivo e mais competitivo; Corrigir as assimetrias territoriais; Atrair investimento para o interior; Diversificar e qualificar o tecido produtivo; […]; Promover a fixação de pessoas nos territórios do interior; Afirmar os territórios fronteiriços; Assegurar serviços de proximidade.» reconhecido um «estatuto especial», garante «infraestruturas rodoviárias de proximidade, nomeadamente no âmbito do PRR», e promove «a mobilidade transfronteiriça» com «serviços de transporte a pedido», sem jamais falar de comboio. Não se vê como coadunar isto com a seguinte entrada: «Implementar com Espanha a Estratégia Comum de Desenvolvimento Transfronteiriço, no âmbito do próximo Quadro Financeiro Plurianual, reposicionando o interior de Portugal como espaço de uma nova centralidade ibérica.» No que ficamos? Ficamos na resposta do secretário de Estado das Infraestruturas, cujo nome não deve manchar esta página, ao declarar, em 27 de Fevereiro de 2023, em Bragança, que ninguém se iludisse, pois o comboio não iria regressar cedo, ou amanhã: importante era o eixo Braga-Faro e «a geografia é o que é». Eis duas tiradas infelizes, além de indignas de um governante. A locomotiva a vapor do engenheiro de minas inglês Richard Trevithik rebocava, em 1804, dez toneladas de ferro à velocidade de oito quilómetros. A locomotiva moderna, porém, nasce com os também engenheiros ingleses George e Robert Stephenson, em 1829, há quase 200 anos. Desde 1856 em Portugal, chega a Bragança em 1906, a Chaves em 1922 e a Duas Igrejas em 1938. Mas já no II Congresso Transmontano de 1941 se alertara para o declínio da exploração, sem investimento, nem «modernização da infraestrutura e do material circulante», lembra Jorge Nunes. A via estreita encolheu com a insegurança, «carruagens velhas, horários irregulares». A linha do Sabor deixou de carrear passageiros em 1979. A geral desactivação começa em 1984 e desemboca na noite de 13 para 14 de Outubro de 1992, «com a retirada das locomotivas e carruagens das estações de Bragança e de Macedo de Cavaleiros». GNR e PSP protegeram o assalto, no prévio conhecimento das autoridades civis e concelhias políticas. Em breve, começavam outros assaltos, da remoção das linhas a negócios escuros, que, logo em Janeiro de 1998, o novo presidente do município de Bragança, António Jorge Nunes, procurou atalhar. Décadas depois, que argumentos brandir? As alterações climáticas preferem o comboio; argumento forte «é de natureza regional, ligado às questões da coesão e da competitividade na Região Norte, a principal região exportadora do país e a menos desenvolvida»; enfim, «seria impensável que Bragança e Vila Real ficassem fora do Plano Ferroviário Nacional». No meu prefácio, de que só cito aqui as atoardas daquele secretário de Estado, curo da imagem histórico-cultural de um meio de transporte decisivo em países inteligentes – e a Espanha é um exemplo excelente. Esqueci a sua importância na simbólica dos sonhos, significando evolução. Meio de transporte e – melhor do que o automóvel, autocarro ou avião – meio de comunicação entre indivíduos e povos, fautor de maior sociabilidade, ele significa disciplina (também para o corpo), pontualidade, interesse geral e não particular. A dependência energética, que hoje nos atormenta, torna- -se mais sustentável, e melhora, com a ferrovia. A poluição mata, e cada vez mais, se não se optar pelo comboio. Defende-se, pois, uma «linha ferroviária mista de Alta Velocidade, ligando directamente a Região Norte à RTE-T – Rede Transeuropeia de Transportes», pensada para a neutralidade carbónica, logo, contra um comércio externo em 80 por cento circulando por rodovia. A bitola europeia na linha Porto-Vila Real-Bragança ligaria à alta velocidade espanhola, fazendo do Nordeste uma nova centralidade, como sugeria a prosa do PS. Lucraria a economia local; revertia-se o abandono e, quiçá, o envelhecimento. Caso contrário, acentua-se o desequilíbrio regional, na relação litoral-interior. Outras linhas no interior da região beneficiariam o turismo. Urge, enfim, reconquistar o poder da palavra e dirigir os nossos destinos.

Um rio é um ser vivo, da nascente até à foz… e como tal deve ser tratado! Parte 1

Aos ecossistemas fluviais que ainda não foram completamente destruídos, devassados, conspurcados, ou “devorados” pelas “incursões bárbaras do progresso”, impõe-se que sejam dedicados fervorosos e quase religiosos cuidados e atenções, desde as montanhas das zonas de cabeceira, passando pelos férteis vales agricultados, até aos lugares onde desaguam. Felizmente estamos a tempo de os preservar…! Convoquem-se, para isso, as vontades políticas e estratégicas das forças vivas que ainda resistem e ocupam estas terras… Sim, um rio é um ser vivo! Tem vida própria e dá vida a uma infinidade de outros seres! A biodiversidade que os habitats dos nossos rios e ribeiros acolhem é essencial à vida humana, nos mais variados aspetos… Os dois principais rios da parte norte da bacia do Douro, no Nordeste Transmontano, que constituem as sub-bacias hidrográficas do Sabor e do Tua, passam, neste momento, por processos de adaptação, nos seus troços finais, à nova condição de reservas estratégicas de água que estão agora na posse de grandes grupos económicos estrangeiros, sociedades anónimas… entidades sem rosto que dispõem do território e dele fazem uso, com total desprezo pelos valores intrínsecos, históricos e identitários das gentes que sempre aqui viveram e foram zelosos cuidadores e guardiões deste extraordinário património natural. Enfim…! Coisas sem qualquer interesse ou importância, dirão alguns…!!! [Nota: A construção das barragens do Baixo Sabor e de Foz-Tua, defendida e acarinhada, a pretexto das energias renováveis, pelas mais altas instâncias do poder financeiro e político de então constituiu, na verdade, dos mais graves crimes ambientais cometidos nos últimos tempos, com incalculáveis prejuízos sociais e económicos para as populações ribeirinhas e não só… Vistos de longe, aqueles “lagos” até podem parecer interessantes, com os lugares-comuns dos reflexos de imagens invertidas dos montes envolventes, do céu e das nuvens, da luz do entardecer ou da alvorada. São objeto da observação de proeminentes representantes dos poderes locais que tentam, a todo o custo, chamar a atenção para um tipo de turismo que se afigura pouco viável e nada atrativo… mas vejamos se valeu mesmo a pena! A riqueza inestimável dos habitats únicos de espécies protegidas da fauna e flora que ficaram submersos; a fragmentação da paisagem que impede trocas de material genético a um sem número de animais, mas sobretudo aos grandes mamíferos; hectares e hectares de olgas e hortas, solos de aluvião fundos e férteis, olivais e amendoais centenários, pomares, vinhas, sobreiros e carrasqueiras que se perderam; a flora melífera e os ecossistemas agrários equilibrados pela presença humana, com técnicas ancestrais simples e eficazes que garantiram o sustento a muitas gerações e, ao longo dos tempos, moldaram a paisagem de modo harmonioso e amigo do ambiente que também desapareceram… Em ambos os casos, no horizonte, restaram os cabeços com enormes e ameaçadores fragaredos, inóspitos e incapazes de produzir alimento…! Ah! E, no caso do Vale do Tua, até a mobilidade das po- pulações continua por re- solver…! Aqui chegados é que se pode mesmo dizer que as pessoas ficaram sem chão…] Por tudo isto, concentremo- -nos nos troços que ainda não foram completamente “priva- tizados” … (Continua…)

Agostinho Beça

A revolta dos autarcas das Terras de Trás-os-Montes

Li com viva satisfação, ainda que um tanto admirado porquanto não esperava tão inusitado episódio, o artigo em que o jornalista Fernando Pires nos dá conta, com o rigor e a objectividade que são seu timbre, de que os nove autarcas que integram a Comunidade Intermunicipal das Terras de Trás-os-Montes exigem, é o termo apropriado, a permanência da Direção Regional de Agricultura e Pescas do Norte (DRAPN) em Mirandela, que é onde sempre esteve e, manda o bom senso, deve continuar. Incompreensível e contraditória é a filosofia desta estranha reforma que apenas se poderá bem compreender se o Ministério da Agricultura tiver em mente privilegiar as hortas urbanas de Lisboa e do Porto, em detrimento da grande produção agrícola nacional. E obscuro é o seu modus operandi porquanto continua a nada se saber no que às novas funções das deslocalizadas ex-direcções regionais diz respeito ou de que forma irão ser substituídas. Mais sombrio será ainda assim o destino dos cerca de cem funcionários que exercem funções em Mirandela, por mais que a ministra respectiva declare que tão gravosa alteração não os irá afectar. Será que vão ser transferidos e se o forem, para onde? Será que vão ficar arrumadinhos como bibelôs nos armá- rios das instalações, devolutas? Quem sabe?! Convém desde já destacar, todavia, que a moção com a qual os nove autarcas transmontanos formalizam e fundamentam esta sua exigência, com inteira justiça e propósito, diga-se de passa- gem, invoca a predominância do sector agrícola na região transmontana, que é secular e se mantem actual, sendo desejável que assim conti- nue a ser, para lá da manu- tenção dos serviços públicos enquanto fonte de desenvol- vimento, donde decorre a fixação de pessoas que no presente quadro de ermamento e desertificação se revela crucial. Perante tudo isto, devem os transmontanos aplaudir de pé esta revolta democrática e cívica dos seus autarcas, repudiando o egocentrismo vesgo do governo central. Desejável será, para lá do mais, que esta inédita atitude dos autarcas das Terras de Trás-os-Montes se repita e repercuta, com a determinação e a dignidade que caracteriza os transmontanos, já que razões de sobra não têm faltado. Designadamente no que à defesa e aproveitamento dos fundamentais recursos hídricos diz respeito. Matéria esta que todos os anos, pelo Verão, ganha acrescida importância e dramatismo, que vem sendo iludida com aparentes boas intenções, manda a verdade que se diga, mas sem que até hoje se tenham traduzido em obras com a di- mensão, a eficácia e o impac- to requeridos. De visível pouco mais que umas tantas charcas que des- figuram os olivais, isto no núcleo central em que a oliveira é rainha. Convém sempre lembrar, a este propósito, os projectos iniciados por Camilo de Mendonça há cinquenta anos atrás e lamentar que não tenham tido continuidade. O que é tanto mais grave quanto as alterações climáticas se estão a manifestar dramáticas a ritmo galopante, criando o risco iminente de plantas, animais e humanos morrerem à sede, sendo que nenhuma invernia lhes valerá. Tenha-se em conta, por outro lado, que os autarcas e deputados, mesmo sendo designados pelos partidos, por deficiência da lei eleitoral vigente, não devem comportar-se como paus mandados, que o mesmo é dizer serventes cegos de partidos ou governos, antes devendo assumir, prioritariamente e em pleno, a defesa dos interesses da região e das populações que, bem que mal, sancionaram eleitoralmente a sua nomeação. Sobretudo em situações como esta, em que o governo central demonstra não saber o que quer nem para onde está a levar o país, com ministros a expressarem pu- blicamente ideias contraditó- rias, o que que sempre acaba por resultar no prejuízo das comunidades locais e em dis- formidades culturais, sociais e do pretendido desenvolvi- mento justo do território. Não basta propalar a coe- são territorial a toda a hora, para tudo e por nada. É preciso muito mais! Grande é a trapalhada que reina nos gabinetes e corredores do Ministério da Agri- cultura, sem dúvida! Venham, pois, mais revol- tas cívicas, democráticas, transmontanas, como esta, antes que as Terras de Trás- -os-Montes se convertam definitivamente num ermo triste e abandonado.

A LHÉNGUA E A IA

Já não resta qualquer dúvida. A Inteligên- cia Artificial (IA) vai invadir a nossa vida e condicionar todas as ati- vidades que, de alguma forma dependam ou este- jam ligadas à informática que, como é notório, está presente no dia a dia de cada um restando apenas saber quando e como. E o que é que isso tem a ver, com o segunda língua oficial portuguesa, o mirandês? É o que tentarei demonstrar. O Conselho Europeu, na sua Resolução de 21 de novembro de 2008 afirmou que: “a diversidade linguística e cultural é um elemento constitutivo da identidade europeia; essa diversidade é simultaneamente uma herança partilhada, uma riqueza, um desafio e um trunfo para a Europa.” Num documento datado de março de 2013 o Parlamento Europeu, através da sua Direção Geral das Políticas Internas disse a propósito dos riscos enfrentados pelas línguas minoritárias: “Os falantes de muitas destas línguas ameaçadas de extinção não consideram que as suas línguas tenham estatuto ou valor económico e por isso, não as transmitem às gerações seguintes”. Alfredo Cameirão já tinha alertado para a necessidade de associar a economia à importância da língua nativa das Terras de Miranda. A preservação do mirandês, mais do que uma questão cultural e de identidade como, magistralmente Amadeu Ferreira evidenciou no seu manifesto é, igualmente, uma trave mestra, indissociável e indispensável de qualquer estratégia de desenvolvimento regional do progresso económico das suas instituições, da melhoria de vida dos seus habitantes. É, sem qualquer margem para dúvida, a maior e mais poderosa ferramenta para combater a crescente desertificação. Protegê-la, potenciá-la, promove-la, tem de ser, um dos principais deveres (quiçá o primeiro e mais importante) de todas as autoridades locais a começar, obviamente, pelo poder autárquico! Nada se pode sobrepor à preservação do património milenar, sob risco de lesão séria dos direitos dos locais e dos deveres de quem os dirige e representa. Este desígnio tem dois utensílios essenciais e interligados: a escrita e a tradução. Vários estudos têm demonstrado a importância da tradução para a manutenção, neste mundo globalizado, de todas as línguas, muito especialmente as minoritárias como alertam e defendem Sérgio Ferreira e Cláudia Martins do Instituto Politécnico de Bragança, num artigo científico dedicado à língua do Planalto. Aí se refere que, neste campo, as línguas menos disseminadas estão em desvantagem. Esta situação agrava-se com a chegada da IA. É certo que a intervenção humana é, (sê-lo-á sempre) essencial para a produção de textos traduzidos, com qualidade. Porém, os próprios tradutores já sabem que, de futuro, terão de contar com a IA, não como um substituto da sua atividade, mas como uma ferramenta de trabalho. Quem conheça os mecanismos que estão por trás desta ferramenta de “machine learning” fa- cilmente percebe que se não houver, a montante, produção suficiente, os resultados do uso deste mecanismo serão desas- trosos, acelerando a po- tencial decadência já alertada pela Universidade de Vigo. É difícil entender a relativa indiferença com que este grave problema está a ser encarado pelas autoridades locais apesar do louvável e determinado esforço da Associaçon de Lhéngua i Cultura Mirandesa.