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Temos governo

Finalmente foi empossado o novo governo. Agora parece que temos quem nos governe com a legitimidade de qualquer outro governo legitimamente eleito. Deste modo parece que ficou para trás o fantasma dos duodécimos que ainda nos orientaram nestes primeiros meses do ano. A causa do atraso, sabemos que se prende com a nova votação do círculo da Europa e não só, já que houve milhares de votos que foram anulados por falta de identificação dos eleitores. Trapalhadas que deram em ter muitos milhares de votos a menos. Assim, ganhou o PS dois deputados em vez de um como costumava acontecer. Nada teve a ver com a maioria absoluta, mas podia ter. Depois de contados os votos e de se saber quem tinha ganho as eleições e com que percentagem, a nova votação já não tinha interesse de maior. Enfim. O governo agora empossado tem menos ministros, é verdade, mas isso pode ser uma ilusão ou um mau indício de governação. Não é que ter muitos ministros seja mais fácil governar ou mesmo governar melhor, não é isso. Mas o novo governo tem muitas pastas acumuladas num só Ministério, o que pode causar uma dispersão enorme nas causas de cada Ministério e para cada Ministro. Será que os novos Ministros saberão dar conta do recado? Alguns não têm experiência de governo e não conhecem as pastas que lhes são distribuídas e vão levar algum tempo a inteirar-se de todos os assuntos de modo a saberem pronunciar-se sobre eles. António Costa certamente saberá o que anda a fazer e conhecerá minimamente quem convidou para ocupar esses Ministérios, mas se alguns Ministros têm um currículo extraordinário, já outros são pessoas absolutamente normais e será com essa normalidade que irão enfrentar as dificuldades que vão ter pela frente. Entretanto temos de esperar que eles façam o seu melhor para não agravar a situação em que vivemos. Na tomada de posse o Presidente Marcelo deixou alguns recados a Costa e ao governo no seu todo e, eles certamente perceberam que o espaço de manobra é diminuto. Marcelo cortou as asas a Costa, impedindo-o de levantar voo para Bruxelas para onde, parece, que tinha intenções de voar, se fosse convidado. Não sabemos se será ou não, mas sabemos que isso, a acontecer, significará nova mudança de governo com todas as complicações daí resultantes. Não seria a primeira vez. Todos nos lembramos o que fez Durão Barroso, mas também sabemos o que aconteceu com a substituição do primeiro ministro. Houve a dissolução da Assembleia e do governo. Marcelo lembra-se bem de tudo isso e não quer passar pelo mesmo. Os tempos que hoje vivemos são de sobressalto e de aflição. Há cerca de dez anos que não saímos de uma situação de crise. Foi a de 2010, depois a pandemia que nos dizimou cerca de vinte mil pessoas e agora a guerra da Ucrânia. É demasiado e carece de um esforço tremendo para ultrapassar todos estes problemas e enfrentar novos desafios. Portugal tem-se portado bem e o governo conseguiu resolver razoavelmente a pandemia que ainda, apesar de tudo, nos continua a martirizar. Ela não desapareceu e não será tão depressa que isso acontecerá. Veio para ficar. Felizmente, a Ministra da tutela manteve-se e como conhecedora de todo o sistema, melhor que ninguém saberá orientar o Serviço de Saúde de modo a que tudo funcione cabalmente. Foi difícil, mas conseguiu-se ultrapassar os vários picos da pandemia. Neste novo governo, penso que as dificuldades serão menores, mas nunca fiando! Temos também um novo Ministro das Finanças. Um risco que Costa está a correr ao entregar esta pasta a um elemento que desconhece certamente os meandros da nossa economia e o que as Finanças esperam que se resolva e, igualmente, que Bruxelas espera seja resolvido de acordo com as suas exigências. Leão, talvez um pouco amorfo, conhecia os dossiers já que trabalhou diretamente com Centeno, o que não acontece com Medina. Enfim! Logo se verá. De realçar a Ministra das Forças Armadas. Pela primeira vez Portugal tem uma ministra que espera que os militares todos lhe “batam pala”. Com um currículo invejável e provas dadas, pode ser que no terreno seja tão capaz como na secretaria. É um mais um risco que Costa corre. Para a Educação também há um novo Ministro. É pouco conhecido, mas para bem deste Ministério, é bom que desempenhe um bom papel. Já chega de tanto enterrar a Educação e não se conseguir enfrentar os problemas a ela inerentes, com sabedoria e com a coragem suficiente sem estar preso a números impostos pelas Finanças que levam a que tudo emperre. Haja coragem para resolver e pôr todo o sistema a funcionar para bem dos alunos, dos professores e das escolas deste país. É verdade que temos governo, mas será que vai governar como deve? Esperemos que sim.

Vou tentar-vos

Nunca vi uma tentação que fosse boa. Pelo menos, em teoria. Se é uma “tentação” é melhor fugir. Tem tudo para dar errado e é uma viagem grátis para o Inferno. Só de ida, logicamente.

A não ser que tanto vos dê onde vai ser o vosso eterno descanso (tendo em conta que “eterno” me parece MESMO muito definitivo, pensem bem antes de responder) ou que gostem imenso de ganhar sorteios aleatórios por conta de uma colecção de prémios inúteis que têm a ocupar-vos espaço e a encher-se de pó e mofo em casa, o meu conselho é: fujam das tentações.

O ideal seria terminar assim. Chegaria. Recado dado. Obrigada por lerem. Faltava só mandar-vos beijinhos, dizer que foi bom estar com os caros leitores nesta edição e que nos vemos por aí, quando calhar. Mas não.

Enquanto escrevia as linhas acima, fui tentada várias vezes. As bolachas de aveia com cobertura de chocolate, o café, o cigarro, a converseta nas redes sociais, o transeunte com umas calças azuis... Todas elas venceram. Sou fraca, admito.

Tentação é tecnicamente um sinónimo de pecado. Ou nem seria uma tentação e passava a ser outra coisa qualquer, com outra definição. Porque tem colado isto do “ estar a fazer o mal”. O Diabo (assim escrito porque me refiro ao próprio, não a subordinados) tentou a Eva. Uma tentação materializada numa maçã... E nem havia químicos naquela altura, para a deixar vermelhaça. Ela caiu. Agora a sério, como é que alguém pode esperar que nos safemos?

A tentação fala ao ouvido com aquela voz arrastada e sensualona. Bate um par de vezes as pestanas, e caramba, leva tudo de nós. Arrancamos- -lhes um sorriso envergonhado e quem perde somos nós. O ar, pelo menos.

Imagino que isto vos aconteça todos os dias também. A dualidade das coisas mundanas, onde um lado teima em ter que ser bom - leia-se mais correcto, racional - e outro mau - completem a gosto, deixo-vos com os vossos pensamentos.

Porque somos pessoas perfeitas, claro que nem ponderamos escolher para o lado do mal. Nunca! 

Mas depois sopra ao ouvido um ser trajado de vermelho. Lança ideias como se estivesse a projectar um filme numa tela branca como a neve, que é (nunca duvidei) a nossa mente sem mácula.

Abanamos a cabeça com veemência! Não pode ser! Olha esta agora! Mas a semente está na terra. Podem a) adubá-la e cuidá-la, b) deixar crescer grama e colher o que der, c) arrancá-la e queimá-la num ritual qualquer.

Se isto vai mudar alguma coisa? Zero. Porque não apelidamos algo de “tentação” de ânimo leve. Nem alcoolizados na discoteca às 4h da manhã. Porque tentações são para levar a peito. Tendem a prolongar-se e perseguem-nos, malandras. E nós vamos abrandando o passo e deixando cair migalhas no caminho, não vá ela perder-nos de vista...

E, quando cedemos?

São, como diz o povo, “horas do diabo” quando decidimos ceder, deixar ir. Alegamos que foi sem intenção, que agimos no momento sem pensar, que... Espera lá! Quantas vezes já teríamos pensado? Feito o guião do tal filme com que o nosso demónio pessoal toldou o nosso discernimento?

A tentação também tem duas faces. De um lado, o violento desejo. Do outro, talvez o remorso, não sei bem. Se calhar, se existe remorso é o tal pecado. Se é pecado, tivemos má índole. E se nada nos isenta da factura a pagar por causa das tentações... mais vale não resistir e ir a todas. Assim pelo menos não vão passar o resto da eternidade a ouvir-me queixar de estar a arder no braseiro por conta de meia dúzia de bolachas de aveia com cobertura de chocolate.

Arautos do a posteriori

Boas tardes, forte gente. Espero que esta morrinhosa Primavera vos encontre de boa saúde. Incerteza é a melhor palavra para definir os tempos desta e das mais recentes Primaveras. O futuro próximo tem sido particularmente incerto por estes anos. Não venho discorrer sobre guerras nem geotragédias porque disso já tendes visto e ouvido de sobra, e eu não tenho nada que possa acrescentar ao que já estais fartos de saber. A única perspetiva que eu gostava de vos trazer é uma visiva dos nossos dias na ótica do mirone dos mirones. De alguém que além dos fenómenos em si, atenta nos que se dedicam a mirar e a palestrar sobre cada fenómeno. Já com a pandemia foi igual. Não há ninguém que acerte uma, que antecipe, que nos avise e nosso amigo seja. Todos os dias a mesma inundação de especialistas, experts, comentadores, investigadores, professores, técnicos, oradores, investidores, políticos e ex-políticos, técnicos e -istas em geral. Contudo, não há ninguém a quem possamos confiar o a priori, que nos diga “alto lá, cuidado com o que aí vem...”, que saiba fazer um prognóstico correto antes do fim do jogo. Depois da filha casada ou da casa roubada, emergem como níscaros os especialistas do “eu já sabia”, do “certamente”, do “eu é que sou o presidente da junta dos entendidos”. Gastamos tanto dinheiro em investigação, em comentário, deporto-rei português em praticantes e adeptos, mas ninguém dá uma que seja para caixa. Uma, uminha que seja. Vêm as pandemias, o pessoal a vê-las vir ao longe e nada, tudo a dormir e ninguém nos alerta, vêm as guerras e a priori nenhum sentinela-especialista vê um palácio à frente dos olhos. Depois sim, depois do ocorrido toda a gente é então assomada de certezas, seguranças e doutas sapiências. Reparem que uma das frases que mais ouvimos foi “isto é algo que começou a ser engendrado há anos”, ora que perspicaz, obrigadinho caro amigo, se não fossem as suas conclusões de entendido-pesquisador não sei o que seria da minha vida. Acho que nem me sentiria capaz de decifrar o rótulo de uma garrafa de óleo. São sábios entendedores do “depois de o ser”, famigerados arautos do a posteriori, no entanto, inteiramente “eu é mais bolos” do a priori, tal como os demais comuns desentendidos. Uns dias antes de começar este conflito, um especialista em Rússia com livros publicados dava entrevistas a dizer que “não, isso não vai acontecer”, que afinal o homem não era assim tão alucinado. E um par de dias depois disso, aí está a realidade a mandar às favas os especializados conhecimentos com os quais podíamos dormir descansados. Tudo isto me tem feito recordar as cada vez mais acertadas palavras de um grande “camarigueiro”, expressão usada pelo próprio: “camarada, amigo e companheiro”. Trabalhámos juntos em Lisboa, professor de matemática, mas dedicadamente dado às coisas da história e do tempos que passam, meu grande mestre João Pereira, juntamente com o mestre Marco Teixeira, marinheiros de Tejo acima, Douro abaixo e garimpeiros por ribeiras desbravadas das pouquíssimas areias de ouro que os romanos não levaram para Roma. Há ideias que guardo dos nossos saudosos tempos, de amizade, boa mesa e bom vinho, muitas vezes em modo olisipólogo, a passear guia-turisticamente e desvelando os cantos, as camadas e as estórias que a cidade de Lisboa viveu. Recordo as suas palavras do “olha que os impérios nascem e morrem, a história está sempre a repetir-se” por mais que nos julguemos contemporâneos, tecnológicos e confiados em que a história não se repete, ou melhor, confiados na nossa vã capacidade de fazer com que a história não se repita. O voltar à estaca zero está sempre ao virar da esquina, os impérios caem e muitos conhecimentos se perdem. Muitas vezes demoramos séculos, milénios a recuperá-los. Exemplo, os extintos povos ameríndios tinham nas suas cidades sistemas eficientes de esgotos e saneamento, algo que só foi uma realidade corrente nas nossas europeias vidas há um par de décadas, parece exagero, mas é verdade. É só querermos dar uma vista de olhos ao passado. Aquilo que os incas (século XIII – XVI) inovaram em termos de arquitetura e engenharia, estradas e pontes, sistemas de rega e irrigação, foi algo no qual só se conseguiram fazer avanços (em algumas partes do mundo) há um par de dias. Parece que até na medicina praticavam uma espécie de intervenção cirúrgica como a que veio a dar um prémio Nobel de medicina a Egas Moniz, em 1949. E sobejam exemplos destes, de avanços, estagnação e recuos. O próprio planeta Terra a cada tantos milhões de anos por catástrofes ou alterações climáticas, volta a embaralhar e dar novas cartas. Não há tempo nenhum da história que não tenha acabado, nenhuma época que não tenha parcial ou totalmente claudicado e voltado a renascer. É a evidência da vida humana, individual e socialmente. De maneiras que para quem vive de ser arauto ou corifeu em temas e assuntos em geral e em particular, talvez seja preferível assumir que o mundo é assim mesmo, jogar pelo seguro e, pelo sim pelo não, demonstrar mais entendimento, estando um pouco mais perto de acertar no alvo e fazendo também um pouco mais para que valha a pena lhes passarmos cartucho. Estes tempos de céleres e gerais conhecimentos execraram o clássico “só sei que nada sei” em detrimento do inflado “bem sei que tudo sei”. O segundo é mais contemporâneo, mas o primeiro continua a estar muito mais acertado, na minha desespecializada opinião.

 

O culebrón

Os leitores façam o favor de desculpar a utilização deste vocábulo espanhol, porém, tendo em conta o caso longe do picaresco, sim muito rico em pormenores eivados de malícia (não me refiro ao filme com a falecida curvilínea Laura Antonelli), refiro-me isso sim, ao braseado conflito entre a juíza minhota Paula Sé e o juiz bragançano Marcolino nado na aldeia de Parada. Só agora trago à colação esta novela (culebrón estilo mexicano) porque os jornais encafuados no alforje durante a minha convalescença foram lidos sem pressas, a ouvir metafisicamente o sempre lembrado José Afonso que cantou sobre figuras nordestinas, uma de Parada, outra da Moimenta da raia de Vinhais. Ora, no jornal Público vieram a lume três peças relativas ao rocambolesco e escaldante culebrón entre a juíza Paula Sá e o juiz Marcolino, ela minhota, ele bragançano da acima referida aldeia de Parada. Há uns dez anos ficámos a conhecer a existência de opiniões antagónicas referentes a modos de proceder no exercício de funções da juíza em virtude a apreciação inspectiva do juiz, a partir daí vão-se sucedendo os episódios ao estilo de folhetim de faca e alguidar nos quais surgem os cônjuges de forma a o culebrón prosseguir imitando congéneres latino-americanos, especialmente mexicanos. Rivalidades, rixas envernizadas e de luva branca no seio dos juízes não são de agora, pensemos nos tribunais Plenários, na badalada acrimónia que subsiste no Ticão (Carlos Alexandre/ Ivo Rosa) e, irrompiam no salazarismo duras e pontiagudas com recurso a subtilezas florentinas só faltando os estiletes retirados das bolsas de veludo. O falecido juiz Sebastião Ribeiro em Anotações ao Presente elucida-nos relativamente ao modo de agir debaixo do poder do seráfico Salazar. Mais terra a terra, na cidadela brigantina (portas da vila), um rufião deu uma facada no juiz Bernardino por motivos de saias levantadas e descidas. Não puritano, muito menos árbitro de elegâncias (leiam o eterno Petrónio) de estilos e estéticas de linguagens, no entanto, talvez devido a ter sido ensinado a conceder o passeio e cumprimentar respeitosamente os juízes causa-me estranheza o «mundillho» das magistraturas apesar de as transformações sociais que se sucedem vertiginosamente levarem a justificar o conceito de normalidade, podendo-se considerar anormal a vinculação a práticas de urbanidade que no meu entender deveriam continuar a vigorar dispensando a citação do código de Hamurabi.