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Discussões das boas não são as modernas

“Dá-me um bom motivo para não te desligar o telemóvel na cara agora mesmo?!”. Bem, se calhar aí não posso ajudar. Mas acabei de dar um bom motivo para atenderem chamadas longe de mim. Mesmo quando estou com auriculares nas orelhas. Posso nem estar, em boa verdade, a ouvir nada. E ser um engodo para vos espiar (riso maléfico). Juro que não fiz por mal. Estava sentada, sozinha, numa noite destas, no café. Pedi a bebida escura com o mesmo nome, “café”, que bebo forte e sem açúcar. E esqueci-me de tirar os fones dos ouvidos, apesar de ter desligado a música para conseguir pedir o dito café à menina que estava ao balcão a trabalhar. E com coisas aos gritos na nossa cabeça, por norma falamos muito alto, por isso carreguei no “off”. “Tendo em conta o que me disseste na nossa última conversa, achas que devo falar contigo?”. “Ui, isso foi dureza!”, pensei eu. E imaginei inúmeros cenários, que incluíram aquelas coisas extremamente sinceras que dizemos com os copos, mas que depois “nem era nada assim”. Só que está dito. A título de exemplo: “Comi o teu primo”, “O rabo da tua amiga é melhor”, “És chato e deixas-me entediada”. Pergunto-me, contudo, se essa conversa terá sido presencial ou através de um ecrã. É que o hábito de discutir pessoalmente está um bocado, diria eu com muita pena, em desuso. Vemos por aí em memes a circular na internet que os mortais temem a frase “temos que falar”. Mas isto pode ser dito por escrito, e vai dar ao mesmo. Na loucura, um áudio. Um monólogo, onde podemos falar, falar, falar e falar sem sermos interrompidos. Porque, ali estamos nós, a debitar “informação” para um aparelho electrónico. Perde-se a graça da argumentação na hora, sem grande tempo para pensar, tudo a quente, no verdadeiro calor do momento. “Devia ter-lhe dito X e Y! Não me lembrei, nem estava em mim!”. Agora, nestes novos termos discussionais (sim, esta palavra nem existe, lidem com isso) perde-se o imediatismo. Nem abrimos logo as mensagens, para não dar uma de ansiosos, ouvimos os áudios umas três vezes, só para ter a certeza do que fomos insultados. E para contra- -atacar temos todo o tempo do mundo. Até podemos pedir sugestões a um amigo, para pôr mais pimenta. Odeio discutir. É algo para o qual tenho pouco à-vontade. Por isso, partir para a discussão é o meu último recurso. Quando a minha paciência já expirou e a troca de ideias minimamente saudável já não vai lá. Mas nisso sou da velha guarda. Ao discutir via digital perde-se muita coisa, como quando adaptam os livros para filmes. E é fácil cair em erros de interpretação, por melhor que seja o Português do vosso opositor. Se calhar, preciso de me modernizar. Se calhar, discutir por mensagens escritas ou de voz até é uma forma de poupar tempo. Podemos estar a discutir enquanto fazemos o almoço, matamos o tempo de uma viagem ou trocamos de roupa para sair de casa. Podemos mesmo estar a ter várias contendas em simultâneo! Estas discussões tendem a acabar com um bloqueio nas redes sociais e respectivas plataformas de conversação. Ok, mais suave do que uma restrição judicial. Pelo menos, mais imediato e menos burocrático. E com menos chatices legais. Engraçado como discutir assim parece ter um tom mais definitivo do que a própria morte. Andamos a levar a vida online muito a peito. Discordam? Venham cá dizer isso a olhar na minha cara, se tiverem coragem!

A lenda da vaca sagrada e do bezerro de oiro

Para uma maioria muito significativa de próceres políticos, com maior pendor à esquerda, a Constituição da República é uma vaca sagrada e o Regime político vigente, que à socapa enche os bolsos e garante tachos chorudos a gente afamada, é um bezerro de oiro. Duas instituições políticas sagradas em que é pecado tocar, nem que a vaca tussa. Ainda que o bezerro de oiro em apreço tenha pés de barro e produza dejectos democráticos tais como a lei Eleitoral, o Sistema de Justiça, a lei da Nacionalidade, a corrupção generalizada, o compadrio, o nepotismo e, acima de tudo, o endividamento público desregrado. Não se confunda, porém, sistema político com regime político. O sistema de democracia liberal e representativa, por exemplo, que se caracteriza, resumidamente, pelo voto livre, pela separação de poderes e representação política de todas as opiniões, para lá de garantir as liberdades e direitos fundamentais, consubstancia-se em regimes políticos distintos, podendo ser republicanos, presidencialistas ou nem tanto, ou mesmo monárquicos, com reis ou rainhas. Para os próceres políticos atrás citados, muito embora periodicamente se envolvam em competições de discursos eruditos sobre a matéria, o regime político vigente, repito, é único e intocável e quem se atrever a criticá-lo não é democrata, podendo mesmo ser considerado fascista ou pior que isso. Ainda que o PC e o BE que integram esse alargado grupo de fiéis do regime, adorem outros sinistros bezerros que de democracia e de democráticos nada têm, como sejam os venerados regimes políticos da Coreia do Norte, da Venezuela ou de Cuba, para não irmos mais além. E manda a verdade que se diga, também, que a generalidade dos regimes políticos europeus e partidos mais representativos, de que o PS português é paradigma, se converteram em verdadeiros pântanos ideológicos e éticos, em que chafurda a generalidade dos seus líderes. É neste cenário político institucional do mais alto nível que Portugal, apesar da nobreza do seu povo, da sua riqueza histórica e cultural, se afirma como um Estado pobre e marginal no contexto da União Europeia, dependente das ajudas comunitárias e com uma dívida pública explosiva, que o coloca à beira da banca rota sempre que uma crise internacional estala. Como se verificou com a crise da dívida soberana iniciada em 2008, mais recentemente com a crise pandémica e agora com a guerra que Vladimir Putin desencadeou na Ucrânia. Tudo isto passou indiferente à discussão inútil e inconsequente do Orçamento de Estado de 2022, que o PS desdenhou do alto da sua maioria absoluta parlamentar. Indiferença que já anteriormente se verificou na vigência da tristemente célebre Geringonça, uma vaquinha que o PS, o PC e o BE fizeram sem que se saiba bem porquê e para quê, mas que salvou António Costa do apagamento político e acabou por lhe dar de bandeja e mão beijada a presente maioria absoluta. É por demais óbvio que uma economia saudável é indispensável para o progresso e bem- -estar de uma Nação. E é por demais evidente que em tempo de vacas gordas não há governos maus e que os bons governos se veem em tempo de vacas magras. Por norma, para sanear os grandes males económicos os economistas apontam múltiplas medidas e soluções, qual delas a mais rebuscada, que os políticos recondicionam para que também sirvam da melhor forma os seus interesses pessoais e partidários. São mil estratagemas administrativos como o desdobramento dos escalões do IRS, os “autovoucher”, o congelamento de salários, os subsídios a granel, o salário mínimo, o rendimento social de inserção, as mexidas manhosas nos impostos, etc., etc, etc. Uma coisa é certa porém: com o regime político vigente a economia portuguesa jamais sairá da cepa torta, por mais mesinhas e estrangeirinhas, porcas e parafusos que os políticos atarraxem e desatarraxem. Mesmo que circunstancialmente cresça acima da média europeia quando pode, deve e é necessário que cresça acima do máximo europeu. Sem as indispensáveis reformas das leis fundamentais e do Estado, sem o combate eficaz à corrupção, o controle racional da despesa pública, o fim dos empregos políticos chorudamente remunerados, sem leis de trabalho que valorizem quem trabalha e promova a rentabilidade, jamais a economia portuguesa poderá garantir desafogo e bem-estar a todos os portugueses e suportar serviços públicos de qualidade. Mas quem irá fazer tais reformas, quando e como?! Serão aqueles para quem a Constituição é uma vaca sagrada e o Regime um bezerro de oiro? É aqui que a porca, a vaca e o bezerro torcem o rabo.