Há quem, nesta altura, alerte para a “necessidade” de conceder à Rússia uma vitória nesta sangrenta, horrenda, hedionda e desumana guerra que a mesma Rússia iniciou em solo ucraniano. Uma das razões invocadas passa por lembrar que foi a forma humilhante como a Alemanha saiu, derrotada e vexada, da Primeira Grande Guerra Mundial. É verdade que a meteórica ascensão de Hitler e dos seus sequazes foi possível pela exploração do sentimento de revolta do povo alemão, martirizado não só pelo revés militar, mas também, e sobretudo, pelas dificuldades económicas resultantes das pesadas sanções que lhes foram impostas pelos vencedores, agravadas pela recessão económica iniciada com o colapso financeiro internacional iniciado com a brutal queda da Bolsa de Nova Iorque, em 1929.
Ninguém duvida que uma derrota do exército de Putin, na guerra da Ucrânia, vai provocar um sentimento de união dentro da Federação Russa, havendo, inegavelmente, a possibilidade
do surgimento de um qualquer movimento populista que tente congregar sentimentos de revolta contra a “união ocidental”. Contudo, o momento histórico que deve ser tido como base de comparação, para a situação oriental, no leste europeu não é este. A humilhação soviética ocorreu já, em 1989, com a queda do muro e a desagregação da URSS. E foi, exatamente, explorando
a frustração com o abandono dos glorioso futuro socialista, imposta pelos vencedores da Guerra Fria, que Putin e os seus seguidores chegaram e dominaram o poder no seu país.
A invasão da Ucrânia, com as suas motivações (a defesa de um “espaço vital”), a sua brutalidade e o criminoso ataque mortífero a populações civis, bem como a ligeireza como são cometidos odiosos crimes de guerra, tem de ser cotejada com a decisão do Terceiro Reich de anexar a Checoslováquia e, de seguida, com a invasão da Polónia.
As indecisões das potências ocidentais, a credulidade nas promessas hitlerianas de não ir além daquilo que, a cada momento, já havia conquistado, permitiu que a seguir caíssem a Dinamarca, a Noruega, a Bélgica, a Holanda, a França, a Jugoslávia, a Grécia e o Luxemburgo. Seguindo-se a incursão na Rússia e o bombardeamento da Inglaterra. E o que permitiu toda esta “expansão”,
imparável? Provavelmente a vontade, de muitos dos dirigentes de então, de, a seguir à entrada em Varsóvia e ao início da perseguição aos judeus, em vez de “escalarem a guerra”, optarem por promover a paz, “negociando” com Hitler e concedendo-lhe ganhos que satisfizessem as suas reivindicações. Porém, foi a condescendência com o Fuhrer que impulsionou e alargou o conflito
para níveis nunca vistos até então, a uma destruição brutal e um gigantesco número de mortos, militares e civis. O fomento bélico veio da boa vontade para com o invasor. A paz só foi possível depois da resistência, da oposição e da derrota dos exércitos atacantes.