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Obrigado, Sr. Armando

Boas tardes, boas gentes. Espero que estas palavras vos encontrem de saúde e afeição quase às portas do céu da Primavera, que sempre traz em roda-viva para os vivos que cá estão o surgir da luz depois da noite, a cor em flor depois do seco ramo, o despertar depois do longo sono, a fecundidade após o entorpecimento. Ó Primavera quanto do teu viço são postais de Portugal, tu que és mãe da última e da primeira flor do Lácio, porque todo o mundo é composto de Primaveras que cobrem o chão de verdes mantos e os caminhos de pó. Ó andorinhas, ó ninhos nos beirais, ó água fria a jorrar de esquecidas fontes, ó cheiro a terra chovida, ó alvas nuvens, como vale a pena ver-vos. Com pesar e apesar de tudo. Em silêncio, silêncio que o fado vai ser rezado. Ó morte, ó sofrimento, ó outro lado sombrio e inverso de tudo que nos lembras das Primaveras, do desejo, e de seres alma e seiva e vida em nós. Os que ficam e os que foram, vão-se os dedos, ficam os anéis porque ‘nem rei nem papa à morte escapa’. Chegou a hora. Partiu um insigne senhor, um dos grandes nomes da contemporânea trasmontaneidade, uma estudioso amante-incessante de Bragança e dessa sua brigantinidade. A sua vida foi conhecer e dar a conhecer os locais que compuseram a sua espírito, da Estremadura ao Nordeste. Aliás, um dia hei de ir a Lagarelhos, caminhar pelo chão de Lagarelhos para não ver todas aquelas gentes e vidas que Armando Fernandes via. Via os novos e os velhos, mais velhos que novos que do baixo da infância tudo nos parece tão alto e longínquo, o tempo pode esperar mas o tempo não espera e de repente sem se dar por ela o distante faz-se perto até que de tão perto nos passa e nos deixa para trás. E tudo isto o Sr. Armando Fernandes tão bem descrevia, tão eruditamente sabia e tão douto escrevia. Gostava de ir buscar as palavras mais encobertas, como os bons vinhos e livros que aguardam asceticamente por quem os sabe procurar, como as frutas mais apetecidas por difíceis de alcançar, a sorrir-nos lá do muito alto como a desafiar quem tenha arte para subir a copa e as ir colher. De modo que este seu fiel leitor, doutor em Letras, mas recordando Millôr Fernandes, de que um especialista é um sujeito que só não ignora uma coisa, tudo o resto é desconhecido de cor e salteado. Então, ler o Sr. Armando Fernandes era recorrer ao dicionário para entender as legendas, descobrir palavras longínquas, absorver as referências. O dicionário, como treinador e livro-árbitro, a confirmar que sim senhor as palavras estavam em posição legal (férulas, estrídulas e catilinárias; biocos, escrófulas ou sevandijas; pírtigos e lapuzes, jecos e zurvadas) tirando algumas que de tão arcaicamente transmontanas o livro-árbitro não tinha sequer competência para validar (talhouco ou lapardeiro). Aprendia-se muito sobre palavras e vivências a ler o Sr. Armando Fernandes num tempo em que tanto se lê, mas tão pouco se aprende. Por curiosidade, as últimas palavras que escreveu neste jornal foram “guerra civil espanhola” fechando um texto com os rojos que escapavam além-fronteira. Três palavras que me lembram a minha avó paterna e as suas histórias de dar guarida a esses foragidos que encontravam abrigo na amizade transraiana que se sentia e se praticava naturalmente. Agora nem tanto. O passado já passou e o Sr. Armando Fernandes registou muito desses tempos para o futuro. Dedicou a sua vida a essa missão. Na gastronomia, na cultura, na muito sua Bragança. Livros, crónicas, diversos tipos de escritos, reconhecido e premiado pelo seu labor no campo da cultura gastronómica. Os jornais regionais de Bragança e do Ribatejo nos quais era inveterado literato ficarão muitíssimo mais pobres. Em ideias e em quem as saiba expressar. Agradeçamos a sua extensa obra que por cá continua para irmos eternizando a sua memória. Sr. Armando Fernandes, escrivão-mor e cavalheiro-mor da opinião semanal e regional, obrigado por todas as leituras e ensinamentos. Na hora da nossa morte somos todos uma nota de rodapé, uma leve nota de pesar. Paz à sua alma e louvor ao talento e à arte perene que a sua vida nos deixou. Obrigado, Sr. Armando Fernandes. Um abraço!

A tripla vitória ucraniana

“A dissolução da União Soviética ocorreu em 26 de dezembro de 1991, como resultado da declaração nº. 142-Н do Soviete Supremo da União Soviética. A declaração reconheceu a independência das antigas repúblicas soviéticas.” (Fonte: Wikipédia, a enciclopédia livre.) Porque há, entre nós, uns tantos que intencionalmente disso se esquecem, convém lembrar que a “Ucrânia é uma República constitucional, semipresidencialista, cuja independência da extinta União Soviética foi declarada em 24 de agosto de 1991 e formalmente reconhecida em 25 de dezembro do mesmo ano”. Em contrapartida, não há, por certo, quem não tenha presente que no passado dia 24 de Fevereiro se completou um ano sobre a invasão da Ucrânia pelas hordas sanguinárias do facínora Putin, dado que este facto tem sido matéria diária de mil e uma notícias e comentários. O mundo livre e democrático, o mesmo não se dirá do povo russo, está, portanto, muito bem informado dos crimes e barbaridades cometidas em solo ucraniano pelas forças militares a soldo de Moscovo, sendo que parte significativa delas é constituída por mercenários e presidiários recrutados nas prisões. Para lá de que o grosso do contingente é formado por cidadãos oriundos de regiões longínquas da Federação, que Putin manda para uma morte inglória, mal equipados, mal treinados e, acima de tudo, desmotivados. A invasão armada da Ucrânia, país livre e soberano, a destruição das suas escolas, hospitais e maternidades, a deportação de milhares das suas crianças, o saque de casas privadas e museus, a violação de mulheres e crianças, as valas comuns de mártires inocentes não são “fake news”, note-se bem! São factos comprovados, testemunhados e credibilizados por organizações internacionais com autoridade para tanto. Factos que inevitavelmente trazem à memória colectiva as barbaridades cometidas na era soviética. Um ano decorrido sobre a invasão da Ucrânia pelos exércitos russos já não restam dúvidas a ninguém sobre o cinismo e a crueldade de Putin. Putin que continua a lançar mão de mentiras, falsidades e subterfúgios imorais para justificar esse repugnante acto e esconder os seus reais propósitos expansionistas e totalitários. Putin que agora se vitimiza acusando o Ocidente de querer destruir a Rússia ainda que os principais líderes ocidentais tudo façam para não lhe exacerbar essas e outras paranoias. Putin que, confrontado com uma nova estirpe de líderes ocidentais, e não dispondo da benevolência amiga de Donald Trump ou de Silvio Berluscon, para não citar outros, está agora completamente isolado da comunidade internacional, como de resto ficou provado em recente votação plenária da ONU. Putin que, apesar disto tudo e incompreensivelmente, possui em Portugal uns tantos, não muitos, é certo, agentes e simpatizantes que a coberto das liberdades democráticas se esforçam por lhe branquear os crimes, prostituindo as mais elementares normas deontológicas. Estão no seu direito ainda que dele façam mau uso. Agentes, admiradores ou simples simpatizantes que hipocritamente defendem o fim da guerra, mas pela capitulação da nação ucraniana, quando deveriam, e mais convincentes seriam, reclamar, isso sim, a retirada das forças agressoras. Ou, no mínimo, promover manifestações pela paz em Moscovo. Ninguém duvida que se Putin ordenasse a retirada das suas forças da Ucrânia a guerra acabaria de imediato e sem que o exército ucraniano as perseguisse para lá das suas fronteiras. De salientar que foi neste cenário trágico que emergiu o até então desconhecido Volodymyr Zelensky, o atual presidente da Ucrânia. Um jovem de 44 anos que, independentemente do desfecho que a guerra possa ter, já ganhou o estatuto de verdadeiro herói do mundo livre e paladino da democracia e da liberdade. Volodymyr Zelensky que assumiu em pleno a liderança magistral da digníssima nação ucraniana e do seu exército heroico que, pese embora com pesados sacrifícios de pessoas e bens, tem vindo a causar derrotas esmagadoras ao exército invasor. Sublime sacrifico este, sem dúvida, o da Nação ucraniana, que apenas uma tripla vitória, consubstanciada na derrota total das forças de Putin, na reposição da integridade territorial da Ucrânia e na democratização da Rússia, premiará e recompensará em absoluto. Vitória que, em qualquer caso, não será tão breve e tal fácil quanto se desejaria e muito menos está garantida. Contudo, nenhum cidadão adepto do mundo livre e democrático poderá deixar de nela acreditar. Aguarde-se a contraofensiva ucraniana da próxima Primavera, então. 

PS.: A Armando Fernandes, distinto colega colonista do Jornal Nordeste agradeço a referência simpática e generosa que me fez no rodapé de um recente artigo de opinião.

UMA ROSA AMARELA

As exéquias fúnebres respeitaram a sua vontade, tanto quanto foi possível. “Quero uma cerimónia simples e sem grandes manifestações de pesar”. Era impossível conter a comoção e tristeza de quantos estiveram na igreja matriz de Vila Flor, para um último adeus e a simplicidade das cerimónias religiosas não ultrapassaram a necessária solenidade da presença dos seus pares presididos pelos bispo auxiliar e arcebispo de Braga, D. Delfim Gomes e D. José Cordeiro. “Quero cânticos alegres, na hora da minha partida”. Com a direção do pároco, Francisco Pimparel, o coro, que tantas vezes orientou, entoou dez cânticos, quatro deles musicados por si. “Não pretendo grandes arranjos florais. Coisa simples e do quotidiano”. À riqueza arquitetónica do templo, nada de faustoso foi acrescentado. Junto da urna, pousada diretamente no solo, coisas simples, do quotidiano, onde sobressaía uma cruz de madeira rústica com o rosto de Cristo pintado, em singela alegoria a uma vida dedicada ao serviço da Igreja e, sobretudo, a todos quantos procuraram conforto, auxílio, orientação ou apoio moral e religioso. “Se calhar é uma pretensão descabida, um capricho despropositado, mas gostava de levar, na mão, uma rosa amarela”. Não, não é. Podia ser uma açucena trazida da Ermida da Senhora do Castelo, a cuja proteção se entregou, há tantos anos, sobretudo nos períodos mais críticos das várias doenças que ao longo da vida o afligiram e atormentaram; podia ser uma flor silvestre colhida nas encostas do Santuário da Senhora da Assunção a quem foi consagrado no batismo e de quem colheu o nome; podia ser um ramo verde originário das redondezas da capela da Senhora dos Anúncios que o protegeu durante a meninice, nas suas caminhadas para a escola distante; ou uma rosa qualquer vinda da Vilariça, da Senhora da Rosa, em Sampaio, de onde se podia ver a Santa Cruz... uma rosa sim, mas especial, sobretudo na cor: amarela, como homenagem a todas elas (afinal “TODAS AS NOSSAS SENHORAS SÃO A MESMA MÃE DE DEUS”) na figura tutelar da sua mãe, Felicidade do Céu, que, de todas as flores, preferia as rosas amarelas. Uma rosa, também como tributo a Vila Flor, terra que o viu nascer e que calorosamente o acolheu e que, segundo ele, deverá juntar à Flor de Lis, as rosas que se abrigam no regaço da Rainha Santa, recordada em estátua na Praça da República e a que o padre Joaquim da Assunção Leite quis dar vida e cujo projeto há de ser continuado e levado a cabo, com o apoio da Câmara Municipal de acordo com o compromisso assumido pelo seu presidente.