Granizo deixa agricultores com pouco ou nada

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Ter, 12/09/2023 - 11:00


A chuva e o granizo que se fez sentir há mais de uma semana na região trouxe graves prejuízos para os agricultores do concelho de Mirandela

O olival foi a cultura mais afectada. Segundo a Associação dos Olivicultores de Trás-os-Montes e Alto Douro (AOTAD), grande parte dos olivais das aldeias de Vale de Madeiro, Freixedinha e Carvalhais foram afectados. Os prejuízos rondarão os 40%, mas podem ser superiores no próximo ano, uma vez que o granizo pode ter provocado rachas nos ramos e pode dar origem a doenças, como a tuberculose. Aquela que poderia ser uma campanha “melhor” do que a do ano passado, com o mau tempo vai ser “ainda pior”, segundo o técnico da associação, Emanuel Batista.

Mau tempo só deixa vingar um terço da produção

Manuel Alves foi um dos olivicultores do concelho de Mirandela que foi afectado pelo mau tempo. Tem oito hectares de olival nas aldeias de São Salvador e de Vale Madeiro. Alguma da azeitona que produz é para consumo, mas grande parte vende aos lagares. Se num ano normal produzia cerca de 15 toneladas de azeitona, este ano, a ser “muito optimista”, espera colher apenas cinco toneladas. “Vai ser difícil ter azeitona”, disse o agricultor, acrescentando já o ano passado foi um ano terrível, por causa da seca, e este ano que até se perspectivava melhor, acabou por ser “muito mau”. “Foram dois anos severos para os agricultores e as expectativas estão muito más. Com estas alterações climáticas, uma zona de minifúndio, onde há escassez de mão-de-obra, temos que recorrer a máquinas, o gasóleo está caríssimo, para os agricultores vai ser complicado, apesar do preço do azeite ter subido”, frisou. Para já, o preço da azeitona ainda é “uma incógnita”, mas Manuel Alves considera que não pode ser, “nem de longe comparado ao dos anos anteriores”. O ano passado, o quilo era pago entre os 25 a 35 cêntimos, mas mesmo que este ano seja “50 cêntimos” é “impensável”, visto que “não é suportável”. “No ano em questão tudo que seja inferior a um euro o quilo da azeitona, será muito baixo”, afirmou. O olivicultor tem sérias dúvidas que haja apoios do Governo para minimizar as quebras causadas pelo mau tempo, mas caso haja, pensa que serão “irrisórias”.

“De um dia para o outro fiquei sem nada”

As culturas de Laurinda Martins, também do concelho de Mirandela, não saíram ilesas ao mau tempo. A agricultora de 64 anos não se lembra de alguma vez ter visto cair tanta “pedra”. “Foi muito muito mau”, disse, contando que “tinha pedra de mais de 10 centímetros de altura”. A horta que tinha junto à casa não conseguiu escapar ao granizo. “Tive muito prejuízo. Na horta foi tomates, foi couve, foram as uvas, foram meloas, foram as melancias, tenho tudo destruído”, frisou. Quanto ao olival, o cenário não foi muito diferente. “O azeite não tenho. Ficou tudo destruído. Fui ver e chorei, a azeitona estava toda no chão, até disse para o meu marido que era melhor nem ter vindo ver nada”, disse. Laurinda Martins contou que já o ano passado não teve produção nenhuma, devido à seca, mas a sua salvação foi o azeite que costuma guardar de ano para ano. Mas como na campanha anterior não houve, este ano vai mesmo ter que comprar. “De um dia para o outro fiquei sem nada. É triste, é muito lamentável”, disse com lágrimas nos olhos.

“Tenho dúvidas se valerá a pena alugar as máquinas para apanhar a azeitona”

O técnico da Associação dos Olivicultores de Trás- -os-Montes e Alto Douro adiantou que nas aldeias de Vale Madeiro, Freixedinha e Carvalhais “vai ser um cenário pior que o ano passado”. “Até tenho dúvidas se valerá a pena alugar as máquinas para apanhar a azeitona”, afirmou. Emanuel Batista considera que o preço do azeite vai ser idêntico ao do ano anterior, uma vez que haverá pouca produção. O ano passado, o azeite a granel rondava os 7 ou 8 euros e no mercado estava acima dos 10 euros. O dobro do preço que era aplicado antes da seca. No entanto, este aumento de preço pode trazer consequências para o mercado. O técnico considera que altos preços podem levar a uma redução de consumo, que se pode repercutir daqui a uns anos, quando já houver muito oferta. “Vai haver outras gorduras que entram na substituição do azeite e daqui a dois ou três anos vai-se repercutir a nível do consumo e vai haver muito azeite e pouco quem o queira consumir, porque já o substituíram por outra gordura”, explicou, salientando que este vai ser um “grande problema”. O município de Mirandela, em conjunto com o de Valpaços, outro dos concelhos afectados pelo mau tempo, está a fazer uma minuta para perceber se é possível, através de uma candidatura, obter apoios para os agricultores.

Mau tempo veio apressar vindimas que ainda não se tinham feito

O levantamento dos estragos provocados pelo mau tempo, registado no primeiro fim-de-semana de Setembro, ainda está a ser feito, segundo confirmou o presidente da Associação dos Produtores em Protecção Integrada de Trás-os- -Montes e Alto Douro (APPITAD). Francisco Pavão referiu que as freguesias mais afectadas foram Ala, Sezulfe, Vale Pradinhos, Carrapatinha, no concelho de Macedo de Cavaleiros, Mirandela, Vale Madeiro, Feixedinha e Navalho, no concelho de Mirandela. Estas freguesias foram afectadas, no que toca à cultura da vinha e da oliveira e também no que respeita às pequenas hortas. Segundo o que se conseguiu apurar, em termos de vinha, só há registo de estragos em Vale de Pradinhos. Alguns produtores, quando se registou este cenário, já tinham vindimado a uva branca e estava a começar- -se a vindima da uva tinta. A queda de granizo, que “veio provocar graves danos nas vinhas”, motivou que, por forma a se “minimizar os problemas”, a vindima fosse antecipada. “Os prejuízos foram bastante elevados e, em alguns casos, com perdas totais da uva no campo”, referiu Francisco Pavão. Nos casos em que a uva não se perdeu e teve que se proceder “de imediato” à vindima o que aconteceu foi que, do ponto de vista logística de adega e de preparação de pessoal, “houve uma obrigação a esforços muito grandes”. “Vamos ter aqui mais custos de contexto”, rematou o presidente da APPITAD. Dizendo que não há, ainda, calculada a área precisa, no que toca a estragos, Francisco Pavão assinalou que, “felizmente, este granizo foi bastante localizado”. Ainda assim, “os prejuízos são graves, os produtores estão consternados”. “Vivemos dias instáveis e nunca sabemos como vai estar o clima”, vincou ainda. Neste momento, a APPITAD está em contacto com o Ministério da Agricultura e está a trabalhar, juntamente com os municípios, na inventariação dos dados para os poder enviar a quem de direito. Francisco Pavão disse que as ajudas que se esperam são semelhantes às que foram atribuídas há alguns meses, quando se registou um evento semelhante, no fim de Maio e no começo de Junho, sendo que, o Ministério da Agricultura e Alimentação anunciou um apoio financeiro extraordinário até ao máximo de 55 euros, por hectare, para minimizar os estragos nas explorações agrícolas, nomeadamente na cultura da vinha e pomares de macieiras. “Penso que a medida, desta vez, será a mesma mas os apoios são bastante exíguos e com muita pouca adesão por parte dos agricultores”, vincou, dizendo que “o montante que lhes é destinado, muitas vezes, é muito baixo e a burocracia não é simples, portanto, as pessoas não se cansam em ir buscar uma verba reduzida”. “Neste momento há outras preocupações, que passam pela vindima”, rematou, ainda sobre este assunto, Francisco Pavão. Na opinião do presidente da APPITAD, mais do que apoios, eram necessárias outras medidas, como a remodelação do sistema de seguros agrícolas. Por isso, era necessário que esse mesmo sistema fosse “muito mais atractivo, com preços mais reduzidos e que permitisse que muita mais gente aderisse e teria, por isso, as suas produções cobertas para estas situações anómalas”. Para a associação era esta a medida mais eficaz, de modo a que todos os agricultores pudessem estar salvaguardados, sendo que, desta e de muitas outras vezes, os estragos não são só nas culturas mas também nos caminhos, instalações e estruturas agrícolas. Tal como outras, este mau tempo provocou estragos directos na cultura deste ano mas veio também trazer prejuízos às próprias plantas, podendo ter algum significado negativo nos próximos anos. “No caso da vinha, alertámos logo para os agricultores fazerem uma aplicação de cálcio para prevenir eventuais doenças”, esclareceu. Este ano, segundo já tinha confirmado, a este jornal, Francisco Pavão, o ano vinícola “é bom” e previa-se que o aumento de produção se situasse entre os 15 a 20%. Agora, o mau tempo dita outro cenário. “Neste momento, não será essa a realidade. Haverá aumento mas será mais reduzido. Não chegará aos valores que estimámos”, explicou, avançando ainda que, pelo menos, a qualidade não estará comprometida e os vinhos que já foram feitos, até agora, “são extraordinários”.

Jornalista: 
Carina Alves/Ângela Pais