Manuel João Pires

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A lei do pimba

Boa tarde minha gente. Espero que este Verão esteja a ser como manda a lei. Por falar em Verão, hoje vou destrinçar o pimba. Destrinçar como se fosse com uma daquelas tesouras de cortar frangos assados. Comecemos pela terminologia. Música ligeira ou música pimba. Bem, pimba soa mais popular e para o efeito é o que se quer. Além disso ligeira é uma palavra muito anos 80, 90 no máximo. Pimba só se usa para este fim, por isso fiquemos com o pimba até porque este tipo de música não costuma de ser de meias palavras ou ter medo delas. Primeiro, este não é um fenómeno tão recente nem nasce com as festas e o dinheiro dos emigrantes. Até porque antes disso sempre houve festas nas aldeias. Não tinham nada a ver com as de agora, bem-entendido, mas festa é festa. E como dantes não havia tanto entretém talvez até tivessem mais espírito. O tira-teimas fica ao critério de quem viveu umas e outras. Nesses tempos já havia conjuntos, feitos de música e instrumentos a sério, como o ‘Maria Albertina’ ou o ‘António Mafra’, por exemplo. E já nesse tempo as canções eram polvilhadas a trocadilhos apimentados. Atentem na discografia do ‘Conjunto António Mafra’. Aquelas letras antes do 25 de Abril, sim senhor, é do Quim Barreiros lhes tirar o chapéu. Sérgio Godinho ou Sitiados musicaram muita coisa deles. O João Aguardela dizia, inclusive, que era uma das suas bandas favoritas. ‘Maria Albertina’ era uma cena mais Jorge Ferreira: ai, o emigrante, Nossa Senhora, minha mãe, meu pai, não saía muito daí. O que só mostra que já nessa época havia diferentes abordagens. Bem, o que é que mudou então? O que mudou foi o mundo. A sociedade, os tempos, um milhão de coisas. Veio a democracia, a Europa, as auto-estradas e com isso a facilidade de fazer as coisas, o electrónico, a linguagem desimpedida, dinheiro, a indústria das festas populares, os meios de comunicação, o bom, o mau e todos em geral. No meio deste barulho, outra questão, uma das maiores falácias do pimba é dizer que os artistas não sabem nada de música. Não é verdade, os nossos maiores artistas do género são grandes músicos e compositores e têm por norma uma grande e reconhecida cultura musical. É claro que há muitos que não percebem nem querem perceber nada do assunto, sinal de que há mercado para todos, mas este é um aspecto em que sem dúvida pagam os justos e os pescadores. Depois há a apresentação, a imagem. No que diz respeito ao guarda-roupa uma mulher bonita facilmente vira pirosa em cima de um palco, embora não deixe de ser uma mulher bonita nem deixe de estar pirosa. Mulher bonita mas pirosa é uma dicotomia muito música pimba. Já o homem tem orgulho em ostentar o modo pimba como escolhe a indumentária. Aqui creio que não há dicotomia nenhuma. Faz parte, o guarda-roupa leva o artista pimba para outra dimensão. Uma dimensão única e inigualável onde o expoente máximo da expressão artística pode ser apreciado itinerantemente nas t-shirts do José Malhoa. Deveria haver uns óscares do pimba: e o melhor guarda-roupa vai para… Depois temos o modelo de jogo. As comissões de festas podem escolher, consoante o pressuposto que têm, se querem jogar em 4-3-3 ofensivo em regime de pensão completa com artista acompanhado de bailarinas em rotatividade, banda larga e pirotecnia e ou se querem jogar apenas com um ponta de lança perdido no meio da defesa contrária, sem eira nem banda e com a música ultracongelada que é só pôr no micro-ondas e servir. Segue-se a comunicação com o público. O tempo dos palcos em atrelados de tractores acabou. Por isso agora é difícil levar os artistas a beber copos depois da actuação e fazer uns ‘after parties’ daqueles que iam directamente para os anais da história da humanidade rural. Com o século 21 e a facilidade de deslocação o artista tem três espectáculos na mesma noite por isso tem de sair daqui a correr para Penalva do Castelo e ainda vai acabar a noite a Alijó. Esteve aqui uma hora a tocar sem emoção nenhuma, mas não é que seja má pessoa ou se esteja a borrifar para si e para a sua aldeia. É só excesso de trabalho. Se quiser ter alguma interacção com ele, o mais fácil é apanhá-lo amanhã de manhã no Você na TV. Depois há os que montam e desmontam os palcos, músicos, bailarinas, gajos do som, etc., todos os que fazem a máquina funcionar. Muitas mais características haverá a destrinçar mas termino com a do perfil do público. O público é bastante heterogéneo na medida em que consiste em quase toda a gente à face de Portugal e das comunidades portuguesas. Há os que sim senhor, já não compram as cassetes nas estações de serviço mas continuam a levar os seus artistas muito a peito e a ligar para a Romântica FM ou para a Rádio Lusitânia de Lausanne a pedir “aquela” para dedicar à cunhada porque apesar de ser Setembro, Agosto está quase aí à porta. E depois há o lado oposto, os que dizem, não a minha cena é o indie, por exemplo adorei ver aqueles australianos, os “The BigPiss” no Primavera Sound, mas na verdade já estiveram em mais concertos da Banda Lusa e do Nel Monteiro do que das outras todas juntas. Acontece a todos. A lei da natureza é implacável e a lei do pimba é a lei do pimba. Até breve, um abraço ou um beijinho.

 

Mundo Terceiro

Boas tardes meus caros! Hoje vou falar de características da classe média em países com diferenças sociais abissais, do género, imaginem o Cabo da Roca: cá em cima está o tilorilo-rico a tirar selfies com o mar azul imenso como pano de fundo, lá em baixo está o tilorilo-miserável, algures no fundo do penhasco, somente à espera que o mar venha recolher os seus restos mortais.  É no máximo um ser vivo e, quando o resto do pessoal está bem disposto, um ser humaninho. Este tipo de traços comuns não tem bandeiras nem credos. Disseminados por todo o planeta, Ásia, África e Américas são onde mais facilmente se podem encontrar estes espécimes de "classe média". São sociedades socialmente partidas, entendendo-se aqui partidas não como conceito sociológico, mas mais como conceito futebolístico. Isto é, são sociedades como aqueles jogos de futebol (partidos) em que o tempo de jogo e a resistência dos jogadores se aproximam inexoravelmente do fim, o treinador exaspera sem ninguém lhe dar ouvidos, os adeptos estão à beira do colapso nervoso e deixa de haver qualquer organização tática na busca por um resultado positivo, substituída por doses infinitas de adrenalina, o coração na boca, nos pés, na cabeça e nas mãos, unhas roídas, cigarros atrás de cigarros, estamos por tudo, e uma fé nítida e imensurável de que agora é que vai ser, sim, o milagre está prestes, prestes a acontecer. É nesse efémero e desesperado momento em que tudo passa a ser perfeitamente natural e possível e o céu e o inferno dão as mãos e sustêm a respiração na mesma expectativa que o tecido social destas sociedades se encontra. Partido como os jogos de futebol. Qualquer semelhança com a coincidência é pura realidade. Exemplo cabal: reportagem de um jornal semanário o ano passado sobre uma recente vaga de imigrantes, algo do género “Portugal Nova Miami”. E diz às tantas um jovem casal “se disséssemos aos nossos amigos que aqui não temos empregada e temos de cozinhar e tratar das coisas todas da casa eles iriam rir-se de nós. Tivemos de aprender a fazer tudo do zero”. Dito assim soa apenas a estúpido e um bocado arrogante. Se eles fossem os recém-casados príncipes de Inglaterra – não dotados de inteligência suficiente para dizer isto desta forma – até se compreenderia. Quer dizer, compreender-se-ia no caso do príncipe, não tanto no caso da bela e plebeia princesa. Enfim, se eu me deixar de coisas e disser que ela se tratava de uma jovem e comum psicóloga e ele de um ainda mais comum actor de teatro à procura de trabalho esta afirmação passa imediatamente a ser bastante estúpida, desnecessariamente arrogante e autenticamente terceiro mundista.

Uma pessoa de um país europeu minimamente ocidentalizado sente aqui um folhado misto de sentimentos desconfortáveis. Entre a pura (e ufana) parvoíce, o preciso e frio retrato de uma sociedade através de uma mera afirmação e a vergonha alheia, tanto pelos próprios como pelas desgraçadas que têm de andar a estrelar ovos e a fazer as camas desta nobreza de absolutistas pré-Revolução Francesa. Não sou adepto, nem sequer presidente-adepto de violência, mas acho que todo o banal casal de classe média, constituído por duas pessoas com profissões irritantemente triviais, que dissesse coisas destas, deveria ter em algum momento da sua existência o direito a levar duas metafóricas e bem assentes chapadas à antiga portuguesa para sua própria proteção. Não na esperança de que isso lhes trouxesse lucidez, mas com o intuito de os poupar ao intimamente ridículo das suas próprias afirmações terceiro-mundistas de cada vez que tivessem de sair do seu quintal para outro, socialmente, melhorzito. Quanto às temáticas recorrentes como a insegurança, a criminalidade, a corrupção, o binómio interior-litoral, a educação ou as condições socio-económicas menos favoráveis de grande parte da população é dever do homem dedicar o seu dia-a-dia a travar estas batalhas, onde quer que seja. Todos os cidadãos com fé na humanidade acreditam que podemos fazer do amanhã um dia um pouco melhor. Em relação aos referidos cidadãozinhos-bonequinhos deste tipo de classe média pouco ou nada há a fazer. Gente que não cresceu asfixiada pelos problemas acima, que conhece a realidade do seu país (?) e ainda assim enche o peito para proclamar barbaridades desta natureza é gente sem grande remédio e menos interesse. No pódio dos exemplos mais paradigmáticos do que é o terceiro mundo, para mim, esta gente têm um destacadíssimo, merecido e inquestionável primeiro lugar.  

Contra os canhões

Tudo em cima forte gente? Essa saúde? Isso é que é preciso. Neste momento estamos entre intervalo de futebóis. Aquela altura em que o futebol dá lugar às novelas do futebol. A grande novela que é o futebol com os actores de sempre mas com aqueles episódios longuíssimos até às duas da manhã e o enredo a mastigar aquela ladainha do sai não sai, do trai não trai, do quem matou, terá sido o motorista, o Cajó ou a matriarca dos Albuquerque e Costa? Difícil. É esperar para ver e aguentar com mais 40 minutos de intervalo com anúncios a baldes de esfregona e lubrificantes sexuais. Aproveite para ir à casa de banho e meter uma bucha que o chorrilho está prestes a recomeçar. Bem, mas neste momento de transição não posso fugir ao que tem marcado a actualidade. Resumidamente, o encontro LGBTI nas ruas de Bragança e a Eurovisão. De um lado um evento dirigido a lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e intersexuais e do outro uma alegre passeata pelas ruas de Bragança. Mais, Portugal ficou em último na Eurovisão e é um grande alívio. É o médico a dizer-nos “você está como o aço, não se preocupe”. Essa sorte toda junta que tem tido ultimamente é normal, deve ser da humidade, mas isso passa. Tem andado a abusar da sangria e do presunto com melão, não é? Pois, eu sabia, tem de beber mais água e cortar nos fritos. O português já andava aqui “tu queres ver que já arranjei alguma. Logo eu que fui sempre um gajo certinho que nunca se meteu em aventuras”. Mas não, está tudo a voltar à normalidade, ao devido lugar. Bem, é curioso que um povo que organiza um festival chamado Eurovisão com tanto colorido, poupa e circunstância para mostrar que se há coisa que sabe fazer é organizar uma boa festarola, venha depois sentir algum desconforto com uma mini-caminhada LGBTI.ETC. Isso é o mesmo do que a gastronomia trasmontana vir agora dizer “não aprecio sandes de fiambre porque é uma comida carregada de colesterol” e além disso “eu só como cenas glúten free” de maneiras que eu ando sempre com uns frutos secos na carteira por isso não se preocupem comigo que eu fico bem com esta saladinha. Neste tipo de assuntos há sempre duas posições. Os que dizem sim senhor, concordo, força, se Bragança quer ser uma cidade global e inclusiva, faz parte da caminhada e além do mais isto é apenas uma espécie de prelúdio porque a população LGBTI.ETC de Bragança no mês que vêm pode pôr-se dentro de um carro e passadas duas horas está em Madrid para uma coisa à séria, à escala mundial, que faz parte do roteiro turístico da cidade e tem gajos com abdominais muito mais definidos. Depois há o típico por mim tudo bem, nada contra, desde que não venham para o meu lado nem se metam comigo. Sendo que no que diz respeito a estes últimos nunca sabemos se é gente que em caso de efectivamente se meterem com eles, irão impulsivamente pôr em prática a táctica do javali e desfazer à marrada e à martelada tudo o que mexer, independentemente da orientação sexual, ou se, por outro lado, vão ebulir por dentro durantes uns breves segundos antes de despirem o casaco e se juntarem-se à festa de camisa de alças, dançando, acompanhando de cor as letras da Glorya Gainor e da Eurovisão e abraçando a causa como se tivessem esperado toda a vida na solidão de uma eterna adolescência pela chegada abençoada deste dia. Ainda assim, no entanto, estou convencido de que estas duas abordagens, embora aparentemente discordantes, possam perfeitamente caber dentro da mesma pessoa. J. Rentes de Carvalho, ilustre trasmontano, escreveu que esta região tem uma forma “muito Zimbabué ou Partido Comunista Chinês de tratar estas coisas”, varrer a homossexualidade para debaixo do tapete, fechá-la na gaveta dos tabus. Meus incomodados senhores e minhas incomodadas senhoras, tapem os ouvidos. Já taparam? Aí vai: Em Portugal qualquer cidadão tem o direito à reunião e manifestação e, pior, os homossexuais podem casar e adoptar crianças. Exacto, eu compreendo que o senhor padre não vos tenha falado disso aos domingos, mas é verdade. Quiçá o armário dele esteja cheio daqueles espinhos, flagelos e grilhões de que ele tanto fala para conseguir sair de lá. China, 16 milhões de homossexuais fachadamente casados para mostrar que sim, que sabem construir uma família segundo as primordiais leis da natureza humana e limpar a face das respectivas famílias ainda que toda a gente saiba que cada um continua a seguir o seu indeclinável caminho. E nem sequer acreditam em Deus! Mundo estranho este, realmente. Também foi por isso que transmitiram a Eurovisão às fatias, corta aqui, corta ali, tudo à base do “parece mal”. A sério, não queiram essa felicidade para os vossos filhos. Uma parada por mais ou menos movida que seja não adianta grande coisa. Mas mostra que há gente determinada e que Bragança é uma cidade actual e cosmopolita que não se abstém de acolher e dar voz a todos por igual. Isso vale muito e acho que até deve ser motivo de orgulho. Grande abraço!

Mundivivência

Minha boa gente, essa saúde como vai? Diz que agora afinal a laranja faz tão bem de dia como de noite. Aquela coisa do “à noite mata” tem de ser revista. Fica o conselho de nutrição e, em caso de estar a falar mais do que sei, o pedido de desculpas aos profissionais de saúde que aqui tão bem escrevem. Ora, por esta altura os largos milhões de leitores que costumam ler este ditoso jornal e esperar sofregamente pelas minhas maravilhosas conversas já se devem estar a perguntar “mas este título não é igual a um anterior?”. Nada disso meus caros, não há erro de impressão. Há um ‘v’ que muda. Da outra vez falei de mundividência, como os países vêem e concebem o mundo, e hoje vou falar com base na minha vivência e experiência do mundo (mundivivência). Viver na Ásia, num país com uma cultura social abissalmente diferente da nossa ajuda-me a ver a nossa cultura e o nosso país em perspectiva. Cidadãos do mundo. Engraçado que quando Sócrates (o filósofo) disse isto (isso, o filósofo grego) o mundo que ele conhecia era cerca de um terço do que é hoje. Ser cidadão do mundo naquele tempo pouco mais era do que ser cidadão da Europa. Hoje vou falar um pouco dessa instituição chamada “lá fora”, essa vírgula no nosso opinar, esse modelo a seguir impreterível e devotamente. Não sei bem onde estou, mas isto não é Europa de certeza. Porque lá fora é que é. Além disso não há placas em lado nenhum, uma pessoa perde-se pelo caminho. Se estivéssemos na Europa estava tudo cheio de plaquinhas, luzinhas e sinais e eu não precisava de andar aqui às voltas para saber onde estou, a abrir o vidro a cada 200 metros e a perguntar “chefe, podia dar-me uma informação” para ficar ainda mais perdido. Lá fora na Europa é totalmente diferente. Mas, perguntemo-nos, o que significará isso afinal? Ou pergunte-me apenas eu a mim mesmo (quanta redundância junta). Deixem-me só arregaçar as mangas. Lá fora é sempre exemplo, mas exemplo de quê? Onde está esse lugar onírico, maravilhoso, essa terra dos sonhos a que o português alude, esse el dorado onde tudo bate certo apesar de, provavelmente, estar sempre a chover. Ora bem. Estava agora a ouvir uma notícia na rádio que dizia que quase um terço dos portugueses vive no limiar da pobreza e outra que os jovens portugueses são os piores em não sei o quê, juntamente com os suecos e franceses, o que de repente acaba por transformar a notícia em algo entre o “hã?!” e o “podia repetir, por favor?”. Em relação ao Lumiar da pobreza, não desfazendo da adversidade de 2,9 milhões de concidadãos, lembro-me de três histórias. A do jovem viajante português na Mauritânia que falava de crise e o anfitrião respondia que sim, que sabia o que isso era, que quando as crises passavam por ali ficam semanas sem ter comida e que quando a chuva tardava em chegar faltava água até para mudar o balde da retrete. O miúdo chinês que caminha todos os dias 10 kms para chegar à escola e chega. No Inverno com o cabelo e as pestanas cheias de gelo como um pinheirinho de Natal, desses muito perfeitinhos como os dos centros comerciais. E sem luz ou aquecimento que o receba na sala de aula. O indiano amigo de um amigo meu que estudava em Espanha. Um dia levo-te à minha aldeia e levou-o mesmo lá para os lados de Tomar ou Torres Novas. E o indiano flipado com a aldeia, à espera de vir a encontrar tudo menos Internet e tv cabo e estradas alcatroadas e saneamento e asseio. O que é que acontece: nestes países – e se se derem ao trabalho de ir somando e excluindo partes verão que é a maioria da população mundial – cada vez que ouvem a ladainha de Portugal e pobreza, Portugal e crise, Portugal e ai vizinha quando chega o frio mal consigo andar, olhe eu ontem queimei-me a fazer o almoço não posso usar esta mão, olhe de um lado o ácido úrico do outro o meu marido que é um vagabundo... Quando ouvem isto é nestas realidades profundas que eles pensam. E é essa a imagem que cola. E depois uma pessoa tem que andar por aí a emendar a mão. Olhe que não amigo, não é bem assim. Ah, mas eu vi na televisão. Pois, mas é diferente. Ah, isso dizem vocês. E pronto, andamos nisto. Três coisas. Primeiro, claro que o “lá fora”, não é um verdadeiro lá fora no sentido global ou mundial do termo, refere-se a uma pequeníssima elite de países cujas sociedades desenvolvidas funcionam e oferecem aos seus cidadãos em geral um conjunto de valores e garantias que infelizmente não são (mesmo!) norma neste mundo. E estão quase todas na Europa. Segundo, é preciso dizer sem rodeios e com naturalidade que Portugal, este Portugal de hoje, pertence a esta elite de países que constituem uma percentagem muito, muito pequena a nível mundial. Terceiro, há que parar com esta neo-psicose de nos termos como medíocres e irremediáveis só porque algures num gabinete de Berlim ou num escritório de Nova Iorque políticos e agências calculistas nos consideram no limiar do lixo. Faz falta vermo-nos de longe e conhecermos melhor os cantos a este berlinde. Vivência ou experiência do mundo, mundivivência.

Cumprimentos

Minha gente, como tendes passado? Essa saúde? As andorinhas já se instalaram em força? Este ano promete, oxalá cheguemos ao castanho sem nos andarmos a queixar da falta de água. E se, ao contrário do ano passado, nos pudesse trazer já uns belos punhados de cerejas cairia que nem ginjas. Viva a Primavera e toda a cor e renovação que ela nos traz. Viva a luz radiosa do sol que é uma coisa que deixa sempre os portugueses particularmente bem-dispostos e com vontade de procurar uma esplanada para matar a sede. E viva Abril por todas as coisas que nos tem permitido construir. Hoje dedico-me principalmente a esta última parte, a do viva Abril. O 25 de Abril é pouco mais do que uma efeméride e uma efeméride é uma data meio perdida no tempo como quando um primo afastado faz anos e nós às vezes lhe damos os parabéns, outras não, e a vida continua sem por isso mudar um centímetro sequer. Aquela cerimónia com a Assembleia cheia de cravos, uns eventos ou exposições meias despercebidas pelas bibliotecas do país, um ou outro post no facebook sem grande emoção, pouco mais. O pessoal conta aquela do se fosse hoje a revolução tinha começado numa qualquer rede social, depois uns faziam likes outros não, nas ruas montes de fotos com bonequinhos e orelhinhas de coelho… Vão faltando palavras e imaginação para assinalar a data. O episódio repete-se ano após ano e acaba por perder a piada. Salva-se o feriado e com sorte uma ponte pelo meio. Estava a ler um artigo sobre os filmes censurados antes do 25 de Abril e era do género “este não porque tem pornografia” (um beijo), este não porque “os portugueses não vão conseguir interpretar” (essa cambada de burros, os professores bem lhes carregam mas nem assim eles aprendem), este nem pensar porque “sugere um amor entre duas mulheres” e isso coloca “severamente em causa a moral de uma sociedade conservadora” (estamos aqui estamos a fazer paradas gay em Bragança, uma sem vergonhice pegada). Bem, é ridículo de mais para ser verdade, mas foi-o mesmo durante tanto tempo. Depois há aquelas pessoas que dizem à boca cheia que dantes é que era bom. Não havia sequer direito de reunião, de associação ou livre expressão, mas essas pessoas desbocadas por natureza iriam conseguir certamente encontrar alguma forma de serem felizes. No entanto, em vez do orgulho em espalhar aos sete ventos “a minha filha é formada”, anunciariam com o mesmo brilho nos olhos “a minha filha sabe ler e escrever, foi até à 3ª classe”. O céu é o limite para ela e para a sua geração. Depois há os que insistem em salientar que falta cumprir Abril. Como se Abril viesse com uma missão encomendada tipo agente dos Serviços de Informação ou fosse aquele senhor da Nazaré que veio cá para nos salvar. Por acaso não estava a falar do americano do surf, mas do que andava por cima das águas sem precisar de prancha. Também se escreveu há uns tempos que faltava cumprir-se Portugal e Portugal, que eu tenha reparado, ainda não se cumpriu por aí além. Quanto muito vai-se cumprindo aos soluços e aos solavancos. A não ser que o cumprimento fosse ganhar o Europeu e a Eurovisão e pronto, está feito. Se calhar tenho andado um pouco distraído. Por isso não sei porque é que Abril carrega esse peso. Abril simplesmente abriu as portas como um porteiro de discoteca… Não, ao contrário, como um guarda abre as portas da saída da prisão. Agora faz o que quiseres, é contigo. E não fez pouco, deixem-me que vos diga, tendo em conta o estado em que a coisa estava. Vai, cai, levanta-te, mas sê feliz. Pelo menos tenta. Abril e o próprio Portugal, as duas únicas coisas eternamente por cumprir neste país. Não sei porquê esta constante ideia de algo inacabado ou imperfeito. Está bom mas falta-lhe um pouco mais de sal, eu gosto dos ovos mexidos mas dispenso a alheira, eu não lhe punha tanta cebola, para mim é um carioca de limão. Bem, não vale a pena porque afinal faz parte. Faz parte desta coisa de ser português e quanto a isso... É verdade, três, o défice. Também nos falta sempre cumprir o défice. Não há volta a dar. Quatro, o código da estrada. Também está sempre mal cumprido. Bem, é melhor parar por aqui. Abril trouxe liberdade. Só isso já é razão para um grande “viva”. Abril trouxe pelo menos outro paradigma para fazer as coisas. E sobretudo trouxe Europa, modernidade, desenvolvimento, mudança. É admirável como um país tão confrangedoramente atrasado a todos os níveis consegue após 40 anos desenvolver-se ou aprovar leis que estão na vanguarda do mais progressista que se legisla no mundo. Portugal vai-se cumprindo à sua maneira e, apesar da caminhada ser sempre longa e espinhosa, tem hoje razões de sobra para estar feliz. Eu vivo num país onde cabe 20% da população mundial, mas em que nenhum cidadão tem liberdade sequer suficiente para escrever abertamente um artigo tão perdido no mundo e inofensivo como o que acabo de escrever. Em que nenhum cidadão pode ter pelo menos a ilusão de que pode decidir o futuro do seu país através de um voto. Em que grande parte dos direitos fundamentais do meu país são aqui meras quimeras por sonhar. Eu dou valor. Viva Abril e viva a liberdade. Sempre!

 

É mails e códigos postais

Boa tarde nobre gente. Como têm passado? Parece que este Março está a ser realmente Marçagão para as plantas, fontes e ribeiras. Bem haja ele! São óptimas notícias após tanta secura. Depois de tantos meses em que as águas dos ribeiros não chegavam à altura de “meia telha” (esta tem direitos de autor) eis que as coisas estão mais compostas. Neste mês caiu uma chuvica bem caída. Chuvica, atentem bem no meu elevado grau de trasmontanismo. Em Lisboa “tá de chuva”, “a península inteira a chorar”, diz o Rui Reininho. O mau tempo vai continuar, anunciam. O mau tempo é a chuva, portanto. Para início de conversa estamos conversados. Ai a seca, a seca, mas afinal a chuva é que é uma grande seca. Felizmente há quem lhe dê valor, quem precise dela, quem goste simplesmente de sentir o cheiro da terra recém-molhada. Por isso, ela que fique para jantar e na próxima não passe tanto tempo sem nos vir visitar. As esplanadas bem podem esperar. Quem me fez uma visita um dia destes foi a Dona Autoridade Tributária. Senhora essa que embora eu mal conheça - nunca fez questão de me convidar sequer para um cafezinho - é sempre muito solícita quando se trata de dizer que lhe devo dinheiro porque algum misterioso prazo já passou há muito. Desta vez teve o bom senso de me alertar para a importância de eu limpar os meus terrenos para que no Verão os pobres dos jornalistas estagiários não tenham de comer golfadas de fumo por causa da minha irresponsabilidade. Para bem dos estagiários e para mal dos seus patrões. De modo que mal acabem de ler as minhas valiosíssimas e primorosas palavras saltem da cadeira e vão roçar essas silvas, podar essas árvores cheias de barbas, arrancar essas plantas daninhas e cortar a erva que espigou com as chuvas. Mas rápido, porque se o caro leitor não é proprietário de nenhum banco, se não é um oficial militar que possa fazer uns truques de camuflado, se não tem bilhetes de um espectáculo minimamente interessante para oferecer, se sai alegremente nas capas de revista enquanto dirige uma associação de voluntariado daquelas em que é tudo à grande para si e para os seus familiares até à quarta geração ou se por ventura não tem um primo ou conhecido com acesso a passwords de funcionários, juízes e da própria AT (peço desculpa pelo excesso de confiança, minha senhora), então ela não costuma ser mesmo nada, nada meiga. Indelicada, mazinha até. Por isso o meu sincero conselho é de que se ponha a pau e não queira fazer farinha com ela. No feliz caso de o estimado leitor se enquadrar numa das individualidades mencionadas anteriormente, se não se importa, por obséquio, diga àquele seu amigo que diariamente lhe deposita carradas de dinheiro na conta, na carteira e no sótão lá de casa que este mês me dava particularmente jeito uma ajudinha para pagar a creche da filha... Epá, não estava à espera que fosse assim tão rápido. Muito obrigado caro leitor, apanhou-me de surpresa. Certo, o meu IBAN segue em anexo. Sim, completamente de acordo consigo, os angolanos são uns corruptos, nada a fazer com essa gente. Está, vou então ao multibanco ver se está tudo ok. Afirmativo, confirma. Obrigadinho. O caro leitor é um indivíduo cinco estrelas. Estou sem palavras. Olhe, sabe que tenho um tio que tem uma mercearia ali logo quem vira na segunda saída da auto-estrada, você vai encontrar um ferro-velho, não é aí, é na rua de cima. Depois passe lá por alturas da Páscoa que não se vai arrepender. Estão lá umas “pilhas” à sua espera. Exacto, uma pessoa tem de ser inteligente e arranjar estes códigos ridículos e nada reveladores. Ah, sim? Tá bom, tá bom, então vou ligar já de seguida. Tou? Tudo bem? Olhe, estive a falar com o “Sierra Madre” e ele disse-me que o senhor aí na “Plasticina” tem umas “folhas” para o meu carro, não sei quando é que tem disponibilidade. Sim, se puderem ser os quatro novos seria ouro sobre azul. Perfeito, quarta-feira à tardinha passo aí. Mas é que não tenha dúvidas, italianos, gregos, marroquinos, é tudo igual, bando de mafiosos. Força, adeusinho. Tou, senhor leitor, perdão, “Sierra Madre” como está? O meu tio falou-me muito bem de si. E a sua esposa gostou da “nova telenovela”? Isso é que é preciso. É o seguinte, chegaram-me umas multas a casa, uma delas até foi naquela vez em que fui ao “Talho” para me encontrar com o “PBX”, diga lá ao seu contacto na “horta” se não me pode pôr “um cheirinho no café”. Isso, isso. Outra coisa, a minha filha mais velha anda numa idade difícil, este período teve umas quantas negativas, se tiver tempo dê um toque ao “Sr. Abade” para “trazer o martelo da sapateira”. Ok, correcto, e diga-lhe que ao lado da casa dele trabalha o “Ribeiro Manso”. Não, o “Ribeiro Manso” é o meu cunhado. Mesmo ao lado da casa dele. Faz umas taxas de amigo para quem quer “arranjar os estores”. Se precisar está à vontade. Russos? E os chineses, só vivem de esquemas, isso é tudo gente que não vale a pena. Então fica assim combinado, para a semana no “chilindró” do “Joca” para um peixinho de espada grelhado. “Chilindró”, salvo seja, ehehe. Não se esqueça dos “óculos de sol” nem do “vinagre balsâmico”. Força, um abraço!

Opinar na desportiva

Bons dias minha gente. Ainda neva por aí? Muy belas fotografias se tiraram. Bem, hoje vou falar de futebol. Não há como driblar este tema, por isso vou apresentar-vos um pequeno rodízio do que realmente importa saber, no caso de viverem em alguma gruta ou caverna alienada da realidade e por algum acaso inenarrável terem encontrado esta folha de jornal. Para começar estamos em 2018 e há um senhor que se chama Bruno de Carvalho (BdC) e que é como um pai bêbado para os sportinguistas. Não é que seja mau pai mas quando faz aqueles números de se pôr a dançar de gatas nas festas populares ou de subir ao palco e começar a tirar a roupa é particularmente desconfortável. A chamada vergonha alheira. Aliás, proponho que se faça ao BdC o mesmo que se fez com o BES. Dividi-lo em duas partes. O BdC bom e o BdC mau. O Sporting fica com a parte boa que controla as contas, aposta nas modalidades, faz boas vendas e puxa pela moral dos adeptos, e vende a parte má. A de adolescente que vive dentro do Facebook, rodeada de posters do Justin Bieber e de boiões de base para esconder as borbulhas; a de pai que diz coisas embaraçosas quando bebe dois copos; ou a de indivíduo indignado que não deixa nenhum contribuinte deste país sem levar a devida resposta. De modo que a parte má nem é para vender mas para dar. Com um cartãozinho a dizer “Obrigadinho chefe, ps: manter offline”. Além disso, temos hoje também aqueles senhores que dão pelo nome de comentadores porque como o próprio nome indica comentam as dores, exaltam as dores, agitam as dores e invariavelmente provocam fortes dores de cabeça aos que conseguem ter coragem para espectar as dores deles. Depois temos o VAR, que tem nome de robô de cozinha mas é apenas o vídeo-árbitro, que por sua vez soa a equipamento electrónico dos anos 90 mas são só uns senhores que estão a ver o jogo num café chamado “cidade do futebol” porque não querem gastar dinheiro com a SPORT TV em casa. A diferença dos senhores que estão nesse café é que além de poderem pedir minis e tremoços e de vez em quando um pica-pau ou uns caracóis, ainda têm um telefone que podem usar para dar opiniões directamente ao árbitro. Algo que eu considero bastante injusto e até decepcionante para todos os outros senhores que estão a ver o jogo nos outros cafés e lhes é vedada a possibilidade de entrar em diálogo directo com o árbitro. Inclusive para aqueles que vão sempre ao café ver os jogos mas nunca consomem absolutamente nada. A questão aqui é muito simples. Quando toda a gente pensava que o “vídeo-árbitro kills the maior parte da polémica no futebol português” eis senão quando os vídeoclipes do vídeo-árbitro trouxeram ainda mais sublevação. O que demonstra por um lado que a polémica é o nosso desporto nacional, ainda com mais adeptos do que o futebol, e por outro que o português vai chorar de qualquer das formas porque a mãe-natureza, mãe galinha, mãe-de-santo, o criou assim mesmo. Depois temos o caso dos emails que no fundo é uma reedição de uma série italiana que dava nos anos 80/90 que era O Polvo (azul). Com a única diferença de que agora excluíram as cenas em que juízes e demais cidadãos exemplares eram mormente perfurados por um milhão de balas de pistola-metralhadora vindas algures de uma janela entreaberta de um Fiat. Verdade que se perde bastante em celeridade na forma de julgar cidadãos infractores, mas ganha-se em delicadeza e em simpatia que são coisas que ficam sempre bem ao século vinte e um. Quanto aos Fiats não há nada a fazer, resta dar os parabéns por terem conseguido chegar ao século vinte e um, embora carreguem sempre o fardo dos anos 80 e dos mafiosos nas séries policiais. E provavelmente a mesmíssima qualidade. Do futebol propriamente dito, não há muito mais a dizer. No fundo, continua a ser uma correria atrás de uma bola, todos muito suados e irrequietos, a acotovelarem-se pontinho a pontinho e a sonharem com um lugar ao sol. Como sempre, no final de contas apenas um poderá fecundar. Enquanto isso apesar da reconhecida qualidade dos nossos árbitros, jogadores e treinadores, alguma comunicação social, juntamente com dirigentes, e opinadores vão continuar a ser bastante diligentes no que toca a manter a latrina devidamente conspurcada e nauseabunda. E é isto. O que se passa nas quatro linhas é como a pedra na sopa da pedra. Só serve para iludir os tolos e para fazer render o peixe até ao limite do fora de jogo. Um abraço na desportiva!

Vizinhos e chá de arestas

Como vai tudo forte gente? Ainda se vê neve por aí ou nem por isso. Acordar e ver tudo nevado, tão bom! Por aqui tudo a andar, felizmente. Também veio uma vaga de frio, mas é só um par de dias. Melhor o friozinho do Inverno que os tufões do Verão. Uma calma aparente e num instante um trovão a anunciar a arruada de vento e chuva a revirar tudo o que encontra pelo caminho. Às vezes dura uma noite outras vezes não mais que uns segundos. Em cada temporada saem avisos para as pessoas comprarem comida e não saírem de casa durante um par de dias, embora não costumem ser outra coisa se não umas chuvadas mais fortes. Acontece que aqui também se aplica a história de Pedro e do Lobo. Porque o ano passado o lobo correu por aqui desvairado e arrancou tudo pela raiz. Uma destruição nunca vista. De modo que, ainda que não venha a dar em nada, pelo sim, pelo não, o melhor mesmo é precaver. Curioso que aqui as previsões meteorológicas são estranhamente precisas, dia tal vem chuva e vem mesmo, à hora tal pára de chover, na mouche, vai chegar uma vaga mais fria e lá aparece ela à hora marcada. Comentava isto há tempos com um inglês que contava que também na Inglaterra dizem no rádio que as temperaturas estão altas e uma pessoa põe a mão fora da janela do carro e está um frio de rachar. Onde há temperaturas altas é na costa oeste dos EUA. Uma vez um vizinho americano de Las Vegas dizia que as temperaturas no Verão sobem tanto que as empresas mudam os horários de trabalho para evitar o sol. As pessoas entram às 17h e saem do trabalho à meia noite, uma da manhã, par fintar as torras de mais de 40 graus. Verão parecido com o nosso, tempo seco, mas com calor que se farta. E aquela coisa do negócio dos incêndios, dos bombeiros e dos incendiários que agem em prol de interesses cinzentos, onde há fumo há fogo e onde há fogos existem exactamente os mesmos mitos florestais à escala mundial. Por falar em mundial, na Argentina vivem o futebol de tal maneira que ninguém ousa levar crianças a ver os jogos e não são permitidos adeptos visitantes quando as equipas vão jogar fora. Imagine-se o que seriam os jogos do nosso campeonato se os adeptos dos clubes grandes, e dos outros, não pudessem ver os jogos fora. Pelo andar da carruagem já estivemos mais longe de tais demonstrações de irracionalidade animal. Capital humano é a resposta à pergunta “como pode um cidadão mexicano viver ilegal durante toda uma vida nos EUA?”. Capital humano, consiste numa comunidade estabelecida de modo que um cidadão consegue levar a sua vida normalmente, mesmo estando ilegal (um não-cidadão) recorrendo para o que for necessário a esse conjunto de pessoas.  Para tratar de todo o tipo de assuntos desde a saúde, à habitação, etc., essas pessoas chegam aos EUA e recorrem prontamente a essa rede de entreajuda composta por gente da mesma comunidade. Este é um conceito debatido e, inclusive, analisado academicamente, segundo um vizinho meu. E pronto, podem fechar o livro, ir às vossas vidas e fazer uso destes conhecimentos numa qualquer fila ou sala de espera perto de vós. Não sem antes vos dizer que aqui na China as pessoas quando saem à rua engripadas costumam usar aquelas máscaras dos médicos, aliás as autoridades recomendam isso mesmo, o que é uma medida que talvez aí diminuísse tanta gripalhada junta e tanto tempo a refletir sentado em frente às paredes das urgências de um hospital. Reduziria também a ocorrência daquela sinfonia de tosses e fungagás em espaços públicos em que um começa a tossir ou a fungar e depois logo outro aproveita a deixa e assim sucessivamente numa fanfarra a vários tons de narizes entupidos, lenços esfarrapados e gargantas ruçadas.  Por outro, era mau para a malta que faz as pastilhas e os paracetamóis, claro está, bem como para aqueles que apreciam meter baixa para passar uns dias sem tirar o pijama e pôr a leitura dos programas da manhã, da tarde, e de alguma novela da noite em dia. Se não querem seguir o meu conselho, para constipações e demais maleitas a minha mãe diz que chá de arestas vai bem com tudo. De modo que entre uns modos e outros vacinai-vos, toucinhai-vos e abafai-vos. Acho que o ditado não é bem assim, mas o que conta é a invenção. Forte abraço!

Como preferirem

Bom dia, caros amigos. Bem, um dia destes estava ler um texto de alguém que se sentia particularmente incomodado por as empresas e instituições se lhe dirigirem com este caro nas cartas que recebia em casa. Que nunca tinha sequer tomado café com eles para se porem com tantas intimidades. A língua portuguesa juntamente com os portugueses em si pode frequentemente criar uma mistura enervantemente maçadora e picuinhas. Imaginem, na nossa língua tanto podemos dizer é necessário fazermos como é necessário que façamos, o siginificado é igual, no entanto acrescentamos um que e o tempo verbal já muda radicalmente. Só para chatear. Quanto aos portugueses também são particularmente férteis a nível de picuinhice, exemplos não faltam. No que toca a formas de tratamento é o cabo do trabalhos e nem se pode dizer que seja coisa comum das línguas latinas. Se usamos o senhor(a) é porque o senhor está no céu ou me faz sentir muito velho, você nem pensar, esse é o que mais ofende as almas mais sensíveis e puritanas. Dos tempos da estrebaria. Numa dessas entrevistas que se replicaram por aí, o Zé Pedro dizia uma vez a um jornalista “trata-me por tu que o você não é nada rock n’ roll”. Achei piada. Exmº é exagerado. Prezado, estimado, não andei contigo na tropa, dona é a tua tia, somente pelo nome próprio não o conheço de lado nenhum para essas confianças. Não é fácil, missão quase impossível arranjar uma forma que sirva a todos. Melhor é fechar os olhos e escolher uma ao acaso. De qualquer dos modos haverá sempre quem não goste de bacalhau ou de arroz-doce, por isso não vale a pena perder muito tempo com o assunto. Mas atenção àqueles que fazem mesmo questão de ser tratados pelo título. Se colocam engenheiro no cartão do banco ou do Pingo Doce é por alguma coisa. É porque exigem respeitinho. É bonito e eles gostam. Com três letrinhas apenas se difere dos outros e se escreve a palavra Engº. Não omitir também presidente, director, professor e demais pafernália de profissões e dísticos quando os mesmos insistem em alardear tais letreiros. Para tudo o resto doutor, doutora, costuma servir. É carapuça que ninguém parece importar-se muito em enfiar. Pelo contrário, até sabe bem. Se tiverem que pedir alguma coisa ou agilizar algum assunto, doutor, doutora pode ser um bom começo. Doutora, tal como combinado… A probabilidade de vos pegarem de ponta pode assim reduzir-se significativamente. Deixámos de ser um país de analfabetos, para sermos um país em que todos, em algum momento, somos doutores. É o processo mormente referido como doutoramento da sociedade. Todos diferentes, todos doutores. E o princípio é o mesmo desde sempre. Isto é, a formas de tratamento mais refinadas começaram por ser uma forma de se dirigirem aos elementos da família real, vossa senhoria. Com o tempo iam-se difundindo por toda a nobreza, de primeira e de segunda. Arranjava-se outra, vossa alteza. E de cada vez que cada título se vulgarizava e se ia espalhando por ali abaixo, outros se criavam para os reis e mais altos representantes. Vossa majestade. E assim sucessivamente, desciam, banalizavam-se e outros se inventavam. Reparem que os nobres se batiam com unhas e dentes por estas etiquetas. Obviamente significavam estatuto, posição social. Não sei é se se batiam com o mesmo afinco pelo incremento das suas competências individuais, culturais ou socio-profissionais. O foco na forma, no que está por fora, no que enche o ouvido e o egozinho. O tal mesmo princípio que se mantém até hoje. Ao menos uma das coisas que o século XXI mais nos trouxe foi homogeneidade. Todos podem agora com relativa facilidade ser pelo menos doutores. Muito diferente dos tempos da Idade Média, como por exemplo nas nossas aldeias do nordeste há 50 anos atrás, onde apenas alguns poucos podiam aspirar a tão respigados tratamentos. O Bispo era o meu reverendíssimo senhor, os demais sacerdotes também seriam qualquer coisa cheia de “íssimos” e “ências” assim como o professor e talvez o regedor. O resto seriam tios e os demais mancebos, enzoneiros e pantomineiros. Penso eu de que. Sem nenhuns salamaleques, um grande abraço! 

Natal mundial

Muito boa tarde meus caros. Espero que esteja tudo bem convosco. Não sei porquê mas começo quase sempre pelas boas tardes. As tardes e as noites são mais dadas a conversas, embora as manhãs fossem em teoria mais propensas à leitura de jornais. Os meus mais sinceros parabéns a todos os que ainda leem jornais e desculpem o eventual incómodo de nunca acertar muito bem na parte do dia. Vespertino, matutino, é um desatino. Ainda me lembro quando havia jornais vespertinos, que saíam da parte da tarde. Estavam sempre uma manhã mais actuais. Também sou do tempo em que se precisava de ter licença para se usar aquele aparato chamado isqueiro e se compravam brasas para poder aquecer as casas. Na verdade não sou, isto foi só para dar outra densidade ao texto e ao escriba. Ora finalmente chegámos ao Natal. Quer dizemos já andamos nisto das navidades há algum tempo. Há um calendário internacional bem definido. Depois do Verão, ou melhor, do calor entra a época natalícia. Pelo meio há uns Halloweens e agora a Black Friday para animar as festas. Aqui às vezes vai-se mais longe e nas maiores cidades, dada a quantidade de americanos, por um lado, e do fascínio pelo modelo americano por outro, assinala-se o Dia de Acção de Graças, na quarta quinta-feira de Novembro. Sobretudo nas escolas e em restaurantes estrangeiros que anunciam jantares para o efeito. Resumidamente era uma ceia para agradecer as colheitas do ano que há cerca de um século se tornou feriado oficial. Em português deveriam ter traduzido para dia de agradecer ou dia de agradecimento, mais simples, mais próximo do original e menos eclesiástico. Hoje é um jantar onde se celebra a família e onde as pessoas se sentem agradecidas pelo ano que passou. Às vezes parece-me que para alguns americanos e canadianos mais simbólico até do que o próprio Natal. Inclusive na sexta-feira também é feriado em muitos Estados para que as pessoas possam viajar e passar o fim de semana alargado junto da família. Pronto, a Black Friday surge basicamente porque isto era tudo muito fofinho mas faltava fazer a coisa mexer e aproveitar a malta andar de coração derretido para sacar alguns trocos. Depois importa-se o que importa, que é o lado estritamente comercial da coisa. Adiante. Natal. Aqui é o mesmo, actualmente não há estabelecimento, centro comercial ou baixa de cidade que não se enfeite para a ocasião. Em termos de decoração não difere nada dos outros lados. Grandes árvores de Natais nas praças, luzes, etc. No entanto, é tudo meramente comercial. Os jovens agora têm o hábito de fazer um jantar de amigos e trocar presentes no dia 24. E em termos de verdadeiro espírito natalício é só. [Atenção que no dia 22 de Dezembro os chineses assinalam o festival do Inverno, um jantar familar, tipo um Natal mais comedido. No fundo o princípio é exactamente o mesmo] Depois há a comunidade estrangeira e aí assim acontece muita coisa. Uma das coisas boas oportunidades de viver aqui e que não fazia ideia, é que além de se poder construir uma bagagem socio-cultural e uma visão do mundo muito mais ampla, é a quantidade de nacionalidades com as quais lidamos diariamente. Trabalho, vizinhos, amigos. Pessoas de todos os continentes, de todos os quadrantes. Aqui os estrageiros não se dividem muito por países, nações. Quando se organiza algo é entre todos. Falarei disso noutra altura. No dia de consoada há duas tradições que praticamos cá em casa. Uma para chineses, outra para estrangeiros. Todas com muito calor natalício. À tarde, uma festa cá em casa com todos amigos da escola da filha para poder sentir o Natal à maneira das crianças. Crianças, pais, avós, cada um acaba por trazer alguma coisa, a casa fica toda de pantanas mas vale a pena. Dá-se uma arrumadela e à noite vêm os estrangeiros. Bacalhau, bolo-rei, vinho do Porto (Macau é qui ao lado) e um enchente de coisas de outros povos, outras tradições. Temos consoado mais com americanos e espanhóis ultimamente, mas já por aqui passaram muitas origens. Assim de cabeça, México, China, Portugal, Venezuela, Inglaterra, Jamaica, Inglaterra, França, Argentina, Canadá... E continuam a passar nem que seja para beber um Porto. A porta está sempre aberta para gente boa, por isso o Natal é sempre mundial. Feliz natal a todos! Muita saúde. Não se esqueçam de dar um salto à fogueira. Aquele abraço!