Boas tardes meus caros! Hoje vou falar de características da classe média em países com diferenças sociais abissais, do género, imaginem o Cabo da Roca: cá em cima está o tilorilo-rico a tirar selfies com o mar azul imenso como pano de fundo, lá em baixo está o tilorilo-miserável, algures no fundo do penhasco, somente à espera que o mar venha recolher os seus restos mortais. É no máximo um ser vivo e, quando o resto do pessoal está bem disposto, um ser humaninho. Este tipo de traços comuns não tem bandeiras nem credos. Disseminados por todo o planeta, Ásia, África e Américas são onde mais facilmente se podem encontrar estes espécimes de "classe média". São sociedades socialmente partidas, entendendo-se aqui partidas não como conceito sociológico, mas mais como conceito futebolístico. Isto é, são sociedades como aqueles jogos de futebol (partidos) em que o tempo de jogo e a resistência dos jogadores se aproximam inexoravelmente do fim, o treinador exaspera sem ninguém lhe dar ouvidos, os adeptos estão à beira do colapso nervoso e deixa de haver qualquer organização tática na busca por um resultado positivo, substituída por doses infinitas de adrenalina, o coração na boca, nos pés, na cabeça e nas mãos, unhas roídas, cigarros atrás de cigarros, estamos por tudo, e uma fé nítida e imensurável de que agora é que vai ser, sim, o milagre está prestes, prestes a acontecer. É nesse efémero e desesperado momento em que tudo passa a ser perfeitamente natural e possível e o céu e o inferno dão as mãos e sustêm a respiração na mesma expectativa que o tecido social destas sociedades se encontra. Partido como os jogos de futebol. Qualquer semelhança com a coincidência é pura realidade. Exemplo cabal: reportagem de um jornal semanário o ano passado sobre uma recente vaga de imigrantes, algo do género “Portugal Nova Miami”. E diz às tantas um jovem casal “se disséssemos aos nossos amigos que aqui não temos empregada e temos de cozinhar e tratar das coisas todas da casa eles iriam rir-se de nós. Tivemos de aprender a fazer tudo do zero”. Dito assim soa apenas a estúpido e um bocado arrogante. Se eles fossem os recém-casados príncipes de Inglaterra – não dotados de inteligência suficiente para dizer isto desta forma – até se compreenderia. Quer dizer, compreender-se-ia no caso do príncipe, não tanto no caso da bela e plebeia princesa. Enfim, se eu me deixar de coisas e disser que ela se tratava de uma jovem e comum psicóloga e ele de um ainda mais comum actor de teatro à procura de trabalho esta afirmação passa imediatamente a ser bastante estúpida, desnecessariamente arrogante e autenticamente terceiro mundista.
Uma pessoa de um país europeu minimamente ocidentalizado sente aqui um folhado misto de sentimentos desconfortáveis. Entre a pura (e ufana) parvoíce, o preciso e frio retrato de uma sociedade através de uma mera afirmação e a vergonha alheia, tanto pelos próprios como pelas desgraçadas que têm de andar a estrelar ovos e a fazer as camas desta nobreza de absolutistas pré-Revolução Francesa. Não sou adepto, nem sequer presidente-adepto de violência, mas acho que todo o banal casal de classe média, constituído por duas pessoas com profissões irritantemente triviais, que dissesse coisas destas, deveria ter em algum momento da sua existência o direito a levar duas metafóricas e bem assentes chapadas à antiga portuguesa para sua própria proteção. Não na esperança de que isso lhes trouxesse lucidez, mas com o intuito de os poupar ao intimamente ridículo das suas próprias afirmações terceiro-mundistas de cada vez que tivessem de sair do seu quintal para outro, socialmente, melhorzito. Quanto às temáticas recorrentes como a insegurança, a criminalidade, a corrupção, o binómio interior-litoral, a educação ou as condições socio-económicas menos favoráveis de grande parte da população é dever do homem dedicar o seu dia-a-dia a travar estas batalhas, onde quer que seja. Todos os cidadãos com fé na humanidade acreditam que podemos fazer do amanhã um dia um pouco melhor. Em relação aos referidos cidadãozinhos-bonequinhos deste tipo de classe média pouco ou nada há a fazer. Gente que não cresceu asfixiada pelos problemas acima, que conhece a realidade do seu país (?) e ainda assim enche o peito para proclamar barbaridades desta natureza é gente sem grande remédio e menos interesse. No pódio dos exemplos mais paradigmáticos do que é o terceiro mundo, para mim, esta gente têm um destacadíssimo, merecido e inquestionável primeiro lugar.