Henrique Pedro

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A odisseia de Tancos

Ainda sobre o famigerado assalto aos paióis do polígono militar de Tancos somos levados a concluir que o bom povo continua a ser endrominado.

Tal como o senhor Azeredo Lopes, ministro da Defesa ao que parece, que só agora ficou a saber que sabe ainda menos do que julgava que sabia, agora que foi acusado pelo seu subordinado senhor Vasco Brazão, major de infantaria e ex-porta-voz da Polícia Judiciária Militar, de ter sido por ele informado da já lendária operação de recuperação do material roubado.

 Não é de admirar, portanto, que o senhor Azeredo Lopes, ministro da Defesa, ao que parece, tenha jurado a pés juntos que é tudo mentira porque ele de nada sabia.

Também o senhor coronel Luís Augusto Vieira, director-geral da Polícia Judiciária Militar e chefe do senhor major Vasco Brazão, diz que também ele não sabia de nada porquanto se limitava a mexer em papéis. Era um simples amanuense, portanto.

Já o senhor tenente-general António Martins Pereira, chefe de gabinete do senhor ministro Azeredo Lopes à altura, declarou, por escrito, que não lhe “foi possível descortinar qualquer facto que indiciasse qualquer irregularidade ou indicação de encobrimento de eventuais culpados do furto de Tancos”, donde se depreende que terá tomado conhecimento dos factos muito embora neles não tenha notado irregularidades.

Em contrapartida, entidades políticas de topo, no poder ou na suposta oposição, que não importa aqui enumerar por irrelevantes, vieram a público declarar ou insinuar que sobre os factos vertentes sabiam muito mais mas que nada diziam. Cala-te boca!

Tudo muito estranho, ridículo e preocupante sobretudo porque o ignorante mor nesta comédia burlesca tutela uma organização alienígena que dá pelo nome de Polícia Judiciária Militar. E também porque, embora sendo certo que “militar” e “judiciária” nem em poesia rimam lá muito bem, tal polícia alguma utilidade deve ter, para lá de representar a charla “A Guerra de 1908”, do imortal Raul Solnado.

É aqui que a porca grunhe e torce o rabo: saber o que é na verdade a PJM e para que serve, saber quem sabia e quem não sabia o que a PJM andava a fazer, saber quem mente e quem fala verdade e até que nível do poder a mentira subiu e a incompetência desceu e alastrou.

Uma coisa é certa, porém: perante uma tão grave ameaça à defesa nacional (em causa estava material de guerra suficiente para paralisar a capital de qualquer república das bananas, designadamente Lisboa), o senhor Azeredo Lopes, ministro da Defesa, de pronto deveria ter accionado todos os serviços secretos e policiais, civis e militares, nacionais e internacionais, coordenado acções com outras entidades, designadamente com o seu colega ministro do Interior, exigido relatórios diários e informado o primeiro-ministro e o próprio presidente da república, precavendo qualquer acção violenta com impacto nacional.

Pelos vistos assim não terá acontecido. O senhor Azeredo Lopes, suposto ministro da Defesa e todo o Governo, ter-se-ão mantido olimpicamente distraídos, a ver o filme sentados no sofá, desleixando uma emergente e séria ameaça à democracia e à soberania nacional.

Permitiram e tacitamente autorizaram, portanto, que meia dúzia de iluminados chico-espertos, a coberto duma surrealista PJM, ousassem salvar a pátria borrando a honra do convento.

Enfim. Dá para perceber, embora a procissão ainda vá no adro, que se tratou dum hino à irresponsabilidade e à incompetência! Duma odisseia de polichinelos que vai ficar nos anais da nossa história recente.

É caso para o povo ir para as portas do palácio de Belém gritar, com as mãos em concha: Senhor presidente da República, olhe que andam a gozar consigo e com os portugueses!

Confirma-se que a pátria está bem entregue!

 

Este texto não se conforma com

o novo Acordo Ortográfico.

 

Da fama não se livram

A não recondução de Joana Marques Vidal no cargo de procuradora-geral da república ainda vai dar muito que falar.

Poderia não ter passado de um normalíssimo acto administrativo, bastando, para isso, que o senhor Marcelo Rebelo de Sousa, presidente da República e o senhor António Costa, primeiro-ministro, não obstassem a que Joana Marques Vidal continuasse a cumprir a sua missão com o acerto com que o vinha fazendo.

Mas não! Optaram por transformá-lo no acontecimento político mais noticiado, comentado e criticado dos últimos tempos o que, por si só, muito diz da sua importância e do impacto negativo que teve e vai continuar a ter na opinião pública e, por antipatia, na atribulada vida do Regime.

É claro que o senhor Marcelo Rebelo de Sousa, tristonho, acabou por ficar muito mal no auto-retrato que partilhou com o sorridente senhor António Costa. Tratou-se, seguramente, da selfie mais enigmática e cinzenta do mandato do presidente da República, podendo mesmo ficar registada na História como o retrato fatal do regime.

Certo é que Presidente da República e Primeiro-ministro, matreiros, fizeram caixinha o tempo todo, deram sinais contraditórios, ouviram quem quiseram e o que não gostaram, mas acabaram por decidir contrariamente aos sagrados interesses da justiça e da democracia, na opinião dos mais categorizados analistas.

É o que se deduz, de resto, das explicações falaciosas que publicamente apresentaram, sem argumentos jurídicos bastantes e com potencial prejuízo da sacrossanta luta contra a corrupção que ironicamente dizem privilegiar.

Não é de admirar, portanto, que nas ruas se ouça muito povo murmurar que se mancomunaram para eventualmente favorecerem certos amigos e correligionários, no presente e no futuro. Da fama não se livram.

Por isso, a opinião pública, apaixonada, vai continuar a julgá-los, habilitada agora pela nova procuradora-geral da república. Se Lucília Gago demonstrar suficiente isenção, lucidez e coragem converter-se-á na pedra de toque que aferirá da pureza do ouro da verdade e boas intenções que nortearam o Presidente da República e o Primeiro-ministro.

Se, pelo contrário a sua determinação e independência soçobrarem funcionará como caixa-de-ressonância de todos os ruídos, suspeições e maledicências que já andam no ar e de tudo o mais que entretanto venha poluir a atmosfera política, muito embora o desempenho de Lucília Gago seja principalmente avaliado pelos potenciais processos escandalosos que ela própria desenterrar ou definitivamente abafar.

Matérias explosivas que poderão abalar os alicerces do próprio Regime dado que a animosidade da grande maioria dos cidadãos se aproxima de níveis altamente preocupantes.

A esmagadora maioria dos cidadãos não controlados partidariamente vai estar, por certo, particularmente atenta ao evoluir dos acontecimentos, de olhos e ouvidos focados no desempenho da nova procuradora-geral da república e de facas afiadas para justiçar as figuras públicas reinantes que durante este tempo todo se constituíram como réus, coniventes, colaboradores ou simplesmente encobridores de actos de corrupção.

Maioria que começou por encarar tais actos com gozo, ironia e diversão, mas que agora está mais compenetrada e crente de que tem sido sistematicamente ludibriada e prejudicada, o que a torna vulnerável a perigosos populismos e radicalismos.

O senhor Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República, o senhor António Costa, Primeiro-ministro e seus afins, que se cuidem.

 

Este texto não se conforma com o novo

Acordo Ortográfico.

Uma revolução de veludo na democracia portuguesa.

Não foi por acaso que Joana Marques Vidal, procuradora-geral da república em fim de mandato, granjeou o prestígio que na verdade tem, malgrado a maioria dos portugueses não manifeste igual apreço pela Justiça nacional.

De facto, todos que acompanham atentamente os processos de maior impacto político e social unanimemente reconhecem que nos quarenta e quatro anos que o actual regime político já conta, nenhuma outra personalidade desempenhou tão melindroso cargo com tamanho bom senso, coragem e competência.

Conforme o Relatório da Democracia de 2018 o comprova, Portugal continua a ser um problemático estado de direito que privilegia os grandes corruptos, farsantes e falsários a quem permite que toureiem a Justiça na praça pública, livremente, em liberdade e por tempo indeterminado. E para gáudio popular. Situação que é favorecida pelas mais altas instâncias políticas ainda que cinicamente se mostrem desagradadas mas nada façam para corrigir a situação.

Isto é tanto mais surpreendente quanto é a autodenominada “esquerda” que agora manda no país enquanto a dita “direita”, nesta como noutras matérias fundamentais, a si mesma se enjeita.

Joana Marques Vidal, muito embora não deva ser tomada como a redentora da Justiça e muito menos do Regime, cumpriu a sua missão serena e diligentemente, com exemplar sentido de Estado, total independência, isenção e imparcialidade. Acima de tudo demonstrou ter lucidez e coragem suficientes para não se vergar a poderes obscuros e, contrariamente ao que era hábito, não favorecer habilidosamente ninguém.

Trata-se, portanto, de uma personalidade rara no cenário triste e sombrio da vida pública nacional, de uma magistrada com acendrado espírito de missão, que se destaca na classe a que pertence, que tão desprestigiada foi pelos seus antecessores, apesar das muitas e boas oportunidades que tiveram para mostrarem o que valem.

O mandato de Joana Marques Vidal, porém, está a chegar ao fim, pelo que mais se adensa o temor no espírito dos portugueses, em sobressalto desde que ministra da justiça, com intuitos obscuros e despropositados, fez saber que não era intenção do Governo reconduzi-la no cargo.

Também porque, como é público e notório, importantes machuchos do PS se batem por um novo procurador-geral da república mais dócil e moldável aos interesses obscuros em que estarão, directa ou indirectamente, enredados. Indícios e suspeitas que infeccionam o espírito do eleitorado, se distendem e ensombram a ambicionada maioria absoluta do PS, assustadora e pouco recomendável no presente contexto.

É certo que ninguém é insubstituível. Os cemitérios, sobretudo aqueles em que repousam figuras famosas estão a abarrotar de insubstituíveis mas a História nunca parou.

Em qualquer caso, a não recondução de Joana Marques Vidal na procuradoria-geral da república, não havendo impedimentos formais para tal, mais avolumará as suspeitas e descréditos que muito incomodam o PS directamente e o primeiro-ministro por reflexo e que se traduzirá, inevitavelmente, em pesados custos eleitorais.

Tratar-se-á, para lá do mais, de um péssimo serviço que o governo prestará à democracia, à esquerda e ao país e que só poderá ter como intuito fazer abortar a verdadeira revolução de veludo que Joana Marques Vidal em boa hora, honra lhe seja feita, desencadeou na justiça e, por via dela, no próprio regime.

Revolução que deve ter continuidade, custe o que custar e doa a quem doer.

 

Milhões ao Panteão, já!

O Panteão Nacional, fundado em 26 de Setembro de 1836, nunca demonstrou ter suficiente préstimo material ou imaterial. Por isso os responsáveis agora lhe franqueiam as portas para eventos de maior aparato e mais requintada etiqueta, ainda que continue a haver interessados em povoá-lo com fantasmas e mitos da sua estima privada.

Está instalado na Igreja de Santa Engrácia, em Lisboa, cidade que já foi capital de um império pioneiro da mundialização e campeão do humanismo (que muitos lamentavelmente persistem em vilipendiar), destinando-se, de acordo com as Leis que o regulamentam, a “homenagear e a perpetuar a memória de portugueses que muito se distinguiram por serviços prestados ao País, no exercício de altos cargos públicos, altos serviços militares, na expansão da cultura portuguesa, na criação literária, científica e artística ou na defesa dos valores da civilização, em prol da dignificação da pessoa humana e da causa da liberdade”.

Lisboa que está transformada numa desvairada estância turística, pouso oficial de presidentes, ministros e deputados de uma paradoxal república popular, sem lei nem grei, que definha a olhos vistos por mais que o balão da economia infle, com a maior parte do território a ser pasto de chamas e votado a imparável processo de ermamento.

Lisboa que aboca as mais afamadas cabeças pensadoras da política e das artes nacionais, em que pontificam destacados activistas mais moralistas que o Papa, que procuram impor-se aos demais com todas as artes e manhas, se arvoram em donos exclusivos da democracia e que tentam reescrever a História a seu bel-prazer, como o atestam as movimentações públicas para impor os novos inquilinos da Igreja de Santa Engrácia, ao arrepio da Nação.

Acontece que a verdadeira homenagem e perpetuação da memória dos heróis mais genuínos é feita nos pergaminhos e tratados históricos, pelo povo que os admira e reverência, que preserva as suas obras, lê os seus livros, canta as suas músicas, enaltece e beneficia dos seus feitos. Acresce que os verdadeiros heróis demoram um certo tempo a consolidar-se e a libertar-se da mesquinhez dos vivos.

A glorificação ou denegação das personalidades históricas relevantes não pode ser desígnio subterrâneo de partidos políticos, sinédrios, clubes de futebol, associações amadoras e tertúlias, nem resultar do entusiasmo efémero de uns tantos correligionários.

Não contesto o valor das personalidade representadas no panteão de Santa Engrácia embora questione a justeza do mérito de algumas delas para tanto, considerando as que são presentemente apontadas, o que também me leva a estranhar que os brilhantes humoristas nacionais não reclamem um cenotáfio do Zé Povinho, tal qual o imortalizou o seu criador Raphael Bordallo Pinheiro. Sem tirar nem pôr, manguito incluso.

E, a ser verdade que as escolhas obedecem a ditames partidários, clubistas ou a afectos pessoais, pergunto: porque não introduzir também um critério regionalista?

E por que razão não foi ainda conferido tão enaltecido privilégio a Aníbal Augusto Milhais, o mítico soldado Milhões, já que heroicidade a teve de sobejo e os seus feitos transbordaram as fronteiras nacionais? Terá sido por ser transmontano? Por ser soldado raso? Porque mal sabia ler e escrever? Ou pura e simplesmente porque não cantava fado?

A resposta, portanto, só poderá ser: Milhões ao Panteão e já!

Desculpem-me. É o brio de ser trasmontano a falar, o desejo de que Trás-os-Montes de uma vez por todas deixe de ser tratado como uma cortinha e os transmontanos olhados como hortelões, emigrantes in-

veterados, carne bruta para ca-

nhão.

 

Este texto não se conforma com

o novo Acordo Ortográfico

 

Portugal tem, finalmente, uma PFF

Portugal tem, finalmente, uma consequente Política de Fogos Florestais (PFF) que já rendeu catástrofes, negócios chorudos e empregos catitas a bafejados pelo Regime.

Tudo isto depois que foram sacrificados milhares de portugueses, considerando mortos e feridos, imolados milhares de animais indefesos, queimados milhões de hectares de floresta, pomares e hortas e destruídas centenas de fábricas e de lares.

Quer se trate de fogos postos ou não, somos levados a concluir que os crimes recaem, sobretudo, em quem nos últimos tempos tem governado esta desditosa Pátria, já que a verdadeira causa de tamanha desgraça é a reiterada má governação.

Tudo isto depois que os doutos deputados da Assembleia Nacional de São Bento da Porta Fechada, durante anos a fio passaram por este magno problema como cães por vinha vindimada, como sói dizer-se. Isso fazem, de resto, com os maiores desafios que a Nação enfrenta, como sejam a emigração, a crise demográfica, a pobreza ou as assimetrias regionais, mais interessados que estão em saldar as dívidas dos seus partidos e em garantir as suas próprias mordomias e privilégios.

O contínuo “show off” televisivo do primeiro-ministro, do ministro do interior e do segundo-comandante da Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC), que arengam explicações técnicas politicamente correctas, tem conferido aparência virtual aos funestos fogos florestais, iludindo os portugueses conforme lhes convém.

A estrutura da ANPC é avassaladora: comandantes de tudo e de nada, muitos deles formados às três pancadas, sofisticados postos de comando, coordenação, controlo e comunicação que não respondem com a eficácia requerida, viaturas aos montões e aviões como mosquitos, enquanto povoações e matas continuam a arder, apesar da máquina infernal crescer sem critério nem limite. Felizmente não se registaram mortes em Monchique: como derradeiro recurso o Governo tratou de expulsar cidadãos dos seus próprios lares quando prioritariamente lhes deveria ter garantido a necessária segurança.

A ANPC já se afirma como um Estado dentro do próprio Estado: procura silenciar o Presidente da República, menoriza o Poder Local, canibaliza o Corpo Nacional de Bombeiros em cujas fileiras estão os verdadeiros heróis, marginaliza as Forças Armadas, induz nos espíritos a ideia de que tudo se resolve com mais aviões e mais bombeiros e converteu-se, desde a terrível tragédia de Pedrógão, na guarda pretoriana política do primeiro-ministro.

Tudo leva a crer, porém, que a menos que os deuses do clima sejam arregimentados, os fogos destruidores das florestas portuguesas irão continuar enquanto houver lenha para queimar. É esta Política de Fogos Florestais que o preconiza e a máquina apadrinhada pelo Governo que o exige.

Trata-se, em última análise, da política de terra queimada ditada pelos interesses obscuros do Regime vigente que está a reduzir o país a praias e turismo, concorrentemente com o ermamento do interior.

Depois de Pedrógão, Monchique foi demais. Um sucesso, imagine-se, no dizer do primeiro-ministro que, qual Nero lusitano, cantava vitória quando Monchique ainda ardia. Trata-se, isso sim, da mais relapsa incompetência, do mais habilidoso e descarado malabarismo político, da política mais desastrosa dos últimos anos.

Razões de sobra para o Primeiro-Ministro se demitir ou o Presidente da República dissolver a Assembleia da República. Assim seria numa democracia em a que a dignidade imperasse e o futuro da Nação fosse o interesse maior.

A Assembleia Nacional dos Partidos

No passado mês de Julho, no palácio de São Bento usurpado ao povo, reuniu a Assembleia Nacional dos Partidos, não a Assembleia da República como enganosamente foi noticiado, para mais um empolgante debate parlamentar, alegadamente sobre o estado da Nação.
Mais democrático seria se esses debates fossem feitos na praça pública, ao alcance da mão do povo, correndo-se embora o risco de haver impropérios, fruta podre, estadulhos e fueiros a voar desaustinadamente por tudo quanto é sítio. 
Voltando ao debate bem se poderá dizer que mais uma vez a montanha pariu um rato. Desde logo porque, como já vem sendo hábito, nestes conciliábulos partidários não é o estado da Nação que se debate, como enfaticamente a classe política pretende fazer crer. 
Tão pouco se debate o estado do Estado que é podre, como se sabe. Muito menos se debate o Regime purulento gerador dos miasmas que sub-repticiamente consomem o País, mas que, obviamente, privilegia interesses espúrios representados no próprio Parlamento. 
Também se não debatem a si próprios, os deputados, embora muito discutam entre eles. Cinicamente, por mais imorais e antidemocráticos que sejam os seus procedimentos e o dos partidos que os acoitam, continuam a postergar todas as leis que eventualmente os possam vir a condenar. 
Tudo isto leva o povo a alhear-se, lamentavelmente, da causa pública, com a desculpa sarcástica “eles ladram mas não se mordem”. Mordem-nos a nós, digo eu.
Quanto à música é sempre a mesma, a partitura clássica do costume: os apoiantes do governo entoam loas e hossanas gregorianas às medidas governamentais e os da oposição tocam pandeiros e sanfonas só para chatear. Com a particularidade inédita de uns quantos, esparramados entre o poder e o contra, soprarem pífaros pífios, que soam a falsete, sempre que alguma mosca os pica.
 Mesmo assim, a velhinha Nação portuguesa, ainda que entorpecida por tantos ilusionistas e charlatães, conserva apreciável sanidade e bom senso e não se envergonha do seu passado, por mais que certos iluminados inventores da pólvora, talvez com o único intuito de arranjar espaço nos gavetões do Panteão Nacional para os seus próprios fantasmas, agitem agora tenebrosas assombrações colonialistas, conspurcando o humanismo, o universalismo, a cultura e a fraternidade que os portugueses de antanho espalharam por esse mundo de Cristo além. Que sejam Vasco da Gama, Afonso de Albuquerque, Camões, António Vieira ou Francisco Xavier, a tratar deles.
Nação que é, desde há séculos, uma sociedade de massa, heterogénea, universalista, pacífica e solidária, embora nos tristes dias de hoje esteja a ser constantemente atraiçoada por governantes corruptos que impunemente cometem verdadeiros crimes de lesa-pátria. Por isso os portugueses sempre confiam que verdadeiros estadistas virão para reconduzir Portugal à senda da independência, da democracia e do progresso. 
Não foi, portanto, o estado da Nação que se debateu na mais recente Assembleia Nacional dos Partidos. Não foi a soberania do Estado, criminosamente desleixada, nem a defesa nacional, à mercê de ladrões de paióis, nem a dramática crise demográfica ou a crónica pobreza de milhares de portugueses, muito menos a segurança de bens e cidadãos diariamente ameaçada. 
Quando tanto há que debater, pensar e relançar, tantas e tão profundas reformas políticas e sociais, a reorganização da administração e dos serviços públicos e o aperfeiçoamento da democracia, os deputados dão prioridade a questões de lana-caprina, a benesses, aos subsídios e aos perdões das dívidas partidárias.
Engalfinham-se na discussão do estado da sua nação, a partidária, e do orçamento do seu estado, os partidos, abocanhando as medidas que maiores ganhos eleitorais lhes garantam.
Quando o estado político da Nação é de sonolência e patética abstracção, o estado do Estado é de deboche e sedução de oportunistas e ladrões, o estado do Governo periclitante e o da economia nacional de deslumbramento, os deputados da Assembleia Nacional dos Partidos não discutem nem a Pátria, nem a Nação, porque não é a Pátria nem a Nação que eles servem. 
Ai se o Povo-Nação acorda!

A Cegonha e a Geringonça

Esta crónica não pretende ser uma história para criancinhas, ainda que o título o possa sugerir.

Muito se continua e vai continuar a dizer, a escrever e a fazer, mesmo depois dela se desfazer, em torno da Geringonça, a incensada coligação parlamentar resultante da colagem dos cacos das legislativas de 2015.

Geringonça que, para muitos, não passa de um fabuloso pote de bronze repleto de moedas de oiro, enterrado no fim do arco-íris embandeirado pela esquerda. De uma muito real panela de barro, para muitos mais, em que o Governo confecciona uma espécie de cozido à portuguesa, ao lume brando duma democracia afumada de muito embuste, incompetência e corrupção.

Coligação parlamentar que a mim me faz lembrar uma cegonha, aquele passarão de bico comprido e pernas longas que faz o ninho nos postes de alta tensão, que traz os bebés dependurados numa fralda descartável, voando pelos céus desde de Paris, (ou será de Bruxelas?) e que estará em vias de extinção.

Na capoeira do Regime já havia perus, pavões, galos, galinhas e frangos de aviário. Faltava a cegonha Geringonça que na história que se conta às crédulas criancinhas portuguesas trouxe, sabe-se lá de que céus ou infernos (oxalá Passos Coelho continue a não ter razão quando invocou o mafarrico) dois prometedores bebés chamados estabilidade política, um, e recuperação económica, outro.

Melhor agora se percebe quão enfezados eles são apesar de tão mimados que têm sido. Primeiro porque a celebrada estabilidade política poderá ser, se é que já o não é, sol de pouca dura, menos duradoira até que a anteriormente protagonizada por Passos Coelho e Paulo Portas, muito se devendo, para não dizer tudo, ao Presidente da República, a quem se não tem feito a devida justiça nesta matéria, já que em diversas ocasiões teve razões mais que suficientes para demitir o actual Governo, como na tragédia dos incêndios florestais ou no vergonhoso assalto aos paióis de Tancos. Outro fosse o presidente e outros galos cantariam.

Estabilidade que desde a primeira hora tem sido instrumento de chantagem do PCP e o BE, que agora ameaçam lançar o bebé à rua com a água do banho. A votação do próximo Orçamento de Estado será o tira-teimas definitivo, ainda que, na opinião dos mais categorizados analistas políticos, ninguém esteja interessado em eleições antecipadas.

 Ninguém, a não ser o próprio primeiro-ministro António Costa que poderá estar à espera de uma nova cegonha que lhe traga pelos céus eleitorais uma criancinha bem mais linda e sorridente que dá pelo nome de maioria absoluta. Ou mesmo de uma Geringonça reduzida capaz de suportar um governo de inseminação artificial com o BE, mesmo que o volante passe para as mãos da fatal ministra Catarina Martins e o BE deixe de atirar pedras às cegonhas da CEE.

Em qualquer caso, a cumprir-se o Calendário Eleitoral, os portugueses serão convocados para a eleição de uma nova Assembleia da República já em 2019, o que pressupõe um novo governo, sendo os eleitores a ditar a que tipo de nova criancinha irão os partidos dar de mamar. Falta saber, portanto, que tipo de novo governo está a cegonha do Regime a chocar.

Já no que à recuperação económica diz respeito, é hoje evidente que a criança gerada pela Geringonça não cresceu suficientemente robusta para satisfazer as ambições dos pais e dos padrinhos, apesar de todos os choques vitamínicos que a favorável conjuntura internacional lhe tem facultado.

A verdade é que os problemas fundamentais de Portugal continuam a agravar-se e a eternizar-se, não se vislumbrando mezinhas, sejam de esquerda ou de direita capazes de lhes pôr cobro.

O que nos leva a concluir que o feitiço está no Regime alienígena e nos crânios, humanóides, que o personificam.

Tutti-Frutti

Os principais órgãos de informação nacionais dedicaram amplos espaços noticiosos, como lhes compete e só lhes fica bem, a mais uma alargada intervenção conjunta do Ministério Público e da Polícia Judiciária, sua subordinada, representada pela Unidade Nacional de Combate à Corrupção.

Acção que envolveu mais de 200 elementos das entidades referidas, visou mais de setenta objectivos diferentes, entre autarquias e sedes de partidos e que surge na sequência de muitas outras rotuladas de “operações”, à boa maneira militar, o que sugere que Portugal está em guerra, ainda que do tipo civil, muito embora, até ver, se não faça uso de canhões e de carros de combate.

Operação a que quem de direito atribuiu o título particularmente sugestivo de “Tutti Frutti”, talvez por se tratar de muita fruta, duma muito suculenta salada de frutas, diria eu. Ainda que, até ver, não meta negócios de ananases e bananas, mas de deliciosos chicos espertos em apurada calda de crimes de financiamentos proibidos de partidos, adjudicações directas de serviços a empresas com interesses de machuchos políticos, tráfico de influências e bem remunerados cargos fictícios de assessoria.

Muita fruta bichada proveniente dos pomares propagandeados como biológicos dos dois maiores partidos da podre democracia portuguesa. E tudo muito bem untado e condimentado, claro está, com dinheiros dos contribuintes que é o melhor tempero para os cozinhados da corrupção.

De salientar que o Ministério Público quando vasculha as respectivas sedes indicia não só os partidos visados mas também os seus dirigentes, as autarquias e os autarcas, mesmo que não estejam directamente envolvidos, porque desleixam a honorabilidade das instituições de que são responsáveis. Tão ladrão é o que vai ao pomar como o que fica a espreitar, é o que o povo diz.

Ainda mais prejudicados ficarão a democracia e o Regime se não forem retiradas as devidas ilações políticas e criminais em tempo útil, se os processos se arrastarem indefinidamente com as useiras e vezeiras manobras dilatórias e branqueadoras, enquanto os eventuais culpados continuam a usufruir impunemente dos dinheiros e benefícios arrecadados ilicitamente, dando aso a que casos semelhantes proliferem como se de factos normais da democracia se tratasse.

Não foi, por certo, por acaso que esta notável operação da Polícia Judiciária foi desencadeada quando os portugueses vibravam com o campeonato do Mundo de Futebol e no palco do Rock in Rio se exibiam artistas de vulto, entre os quais os principais rostos do Regime, designadamente o Presidente da República, o Primeiro-ministro, o Presidente da Assembleia da República e outros destacados políticos que, por acaso, até se ufanam de serem de esquerda.

Mais “prafrentex” teria sido tão radicais artistas políticos entoarem a conhecida balada Tutti-Frutti imortalizada pelo eterno Elvis Presley, muito embora se tivessem cantado a Portuguesa a plenos pulmões até não seria demais uma vez que estava em curso uma muito relevante operação das patrióticas forças da lei.

Optaram por cantarolar, desajeitadamente, a conformista Minha Casinha, dos lendários Xutos & Pontapés, numa tentativa ridícula de disfarçar os vícios expostos do Regime e, à boa maneira de antigamente, iludir os portugueses com a alienante bondade de “morar, num modesto primeiro andar, a contar vindo do céu”.

É a triste realidade portuguesa. Enquanto a maioria salta, e dança, e ri, e quem não salta não é da malta, uns tantos, enchem os bolsos e vivem felizes para sempre, sem remorsos e sem vergonha.

Tudo a bem da Nação.

 

Este texto não se conforma com o novo

Acordo Ortográfico.

A maior de todas as crises

Os nossos políticos são o máximo. Ainda mais que os treinadores de futebol. Senão veja-se o caso do primeiro-ministro que perdeu as eleições mas, mesmo assim, ousou montar um governo numa geringonça que trouxe estabilidade política ao país e deu novo fôlego à prevalecente crise económica e social, tornando-a suportável, mas da qual continuamos sem saber quem é o verdadeiro pai, tantos eles são.

Ainda melhor: a geringonça inventada pelo genial António Costa, que bem mereceria o prémio Nobel da política se tal prémio houvesse, é a verdadeira varinha de condão com a qual o governo opera os milagres da multiplicação dos pães e da transformação das rosas, que é como quem diz, distribui esmolas de miséria aos mais pobres, pingues prendas aos mais ricos e mordomias aos da cor.

Aos demais, ao granel a que se convencionou chamar classe média, não beneficia de igual forma já que estes continuam a ser explorados e mal servidos pelo Estado, embora andem de barriga cheia, graças a Deus, e se divirtam o suficiente para se sentirem felizes e contentes.

Um mal maior, porém, que é como que um “fogo que arde sem se ver, uma ferida que dói, e não se sente” (como diria o imortal Luís de Camões, não falando eu do amor mas do infortúnio da Pátria) vai continuar a minar silenciosamente a sociedade portuguesa até causar o colapso definitivo do Estado e o fim da Nação. É a maior de todas as crises.

Os alertas são muitos e diversificados mas os sucessivos governos continuam a não lhe dar a importância que merece. Trata-se do sistémico decrescimento da população e correlativo envelhecimento da Nação.

Resumindo: os portugueses são cada vez menos, estão cada vez mais velhos e morrem cada vez mais. São tão poucos que o pequeno território já parece demasiado grande para tão pouca gente. E, o que é mais grave, cada vez se concentram mais nas metrópoles litorais.

Já lá vai o tempo em que as famílias portuguesas produziam filhos em quantidade e com qualidade suficiente para as necessidades do país, para arrotear os campos e dar vida às aldeias, vilas e cidades e ainda sobravam para exportar.

Entretanto já muitos autorizados diagnósticos foram feitos para esta doença fatal da Nação. Há quatro anos, com o patrocínio do governo Passos Coelho, uma competente comissão independente elaborou um estudo cientificamente validado que deve ter ficado esquecido, penso eu, numa qualquer gaveta ministerial.

Mais recentemente, o actual líder do PSD tornou pública uma séria abordagem política do fenómeno mas que, tudo o leva a crer, não passará de mais um apelativo exercício de estratégia partidária.

Mais relevante, ainda assim, é a opinião do actual primeiro-ministro que afirmou, no último congresso do seu partido, que os imigrantes são a solução, como já o havia feito para os incêndios florestais e que deu no que deu.

Esperemos que não tenha agora em mente despejar em terras de Trás-os-Montes milhares de imigrantes de cultura hostil, que na primeira oportunidade entrarão em confronto com os naturais, tentando expulsá-los das suas terras.

É que para resolver a crise demográfica seriam precisos muitos milhares de imigrantes pelo que, ou muito me engano ou, a concretizar-se tal enormidade, os transmontanos não ficarão de braços cruzados, muito embora não sejam propriamente xenófobos ou avessos a gestos humanitários e mal seria que não fossem ciosos do seu berço e do leite que mamaram nos seios de suas mães.

Os transmontanos, como os demais portugueses, gostam de ver as caras e as pernas das mulheres e há roupas que não assentam bem no corpo das portuguesas.

Para lá do mais, riscar a feijoada à transmontana ou a carne de porco à alentejana da ementa nacional seria um verdadeiro crime de lesa pátria só comparável a derrubar os velhinhos campanários para erguer centenas de minaretes nos céus de Portugal.

Nada disto tem a ver com religiões. São meras questões de tradição, gastronomia, alta-costura e arquitectura paisagística.

 

Este texto não se conforma com o novo Acordo Ortográfico.

Nós, os “TransmonTansos”!

Trás-os-Montes, entendido como Miguel Torga o delimitou e rebaptizou de Reino Maravilhoso, “um berço que oficialmente vai de Vila Real a Chaves, de Chaves a Bragança, de Bragança a Miranda, de Miranda à Régua”, é tão-somente, uma parte desse mal-amado país que os machuchos políticos levianamente apodam de “interior”. Se pelo menos uma vez na vida fossem coerentes chamar-lhe-iam sim de “exterior”, já que teimam em colocá-lo fora da Nação.

Não cairei na estultícia de dizer, parafraseando uma conhecida expressão popular, que de boas intenções está o inferno cheio. O “interior”, melhor direi. Mas não tenho qualquer rebuço em afirmar que de palavreado e promessas de circunstância estão fartos e enfastiados todos os transmontanos que não enjeitam as origens.

Fartos de que esses políticos impostores sistematicamente os tomem como “transmontansos”, embora o façam à socapa. Incluindo os parolos autarcas da casa, esses sim verdadeiros tansos, que teimam em desprezar a cultura e os criativos seus conterrâneos. Ó Junqueiro, ó Coelho, ó Alves, ó Pascoais, ó Nadir, ó Cardoso, ó Luís Vaz, perdoai-lhes que eles parecem saber o que dizem mas não sabem o que fazem!

Tropecei, há dias, numa página da Internet do Jornal de Negócios que abordava com o pormenor até então não noticiado, a cerimónia de apresentação ao Presidente da República e ao Primeiro-ministro, no passado 18 de Maio, no Museu dos Coches, em Lisboa, de um conjunto de propostas consideradas "radicais" laboriosamente preparadas por um autodenominado Movimento pelo Interior, com a finalidade de revitalizar as regiões ditas de baixa densidade populacional.

Confesso que fiquei descoroçoado. Primeiro porque lá se dizia que depois desse acto solene o dito Movimento pelo Interior se extinguiria, quando parecia ser um movimento duradoiro, redundando, quiçá, num alargado partido regional e regionalista, capaz de fazer valer as suas ideias na Assembleia da República ou mesmo num eventual Governo.

Descoroçoado porque o tal Movimento pelo Interior remeteu para o livre arbítrio do Governo a eventual aplicação das medidas em apreço. Claro que o Governo, ainda que o seu Primeiro-ministro sempre se mostre sorridentemente receptivo, não vai pôr em práctica nenhuma das medidas elencadas, por maior bondade que elas possam ter. O mais certo é remetê-las para as calendas gregas ou directamente para o Museu das Descobertas.

O mesmo se não diria se do grupo proponente fizessem parte administradores da EDP ou da China National Petroleum, por exemplo, cujas directivas receberiam de pronto o beneplácito governamental, mesmo que implicassem o afogamento ou o envenenamento do Reino Maravilhoso, como aconteceu, com o vale do Tua.

Descoroçoado também porque, tanto quanto me foi dado saber, as 24 medidas propostas são meramente administrativas, avulsas, desenquadradas de um indispensável modelo de desenvolvimento, ao arrepio de princípios fundamentais garantes do respeito pela ecologia, cultura e tradições transmontanas.

 Visam, principalmente, trazer gente a granel para a região, sem ter em conta o óptimo populacional ajustado à capacidade das terras, dos rios e dos ares, salvaguardando os habitats e a qualidade de vida a que os “transmontansos”, ainda assim, é suposto terem direito.

Por certo, nenhum “transmontanso” que se preze, a si, à sua família e à terra, gostaria de ver ressurgir em Vila Real uma cópia do Casal Ventoso, uma imitação do Bairro do Aleixo em Chaves ou uma nova Reboleira em Bragança, para não falar em lixeiras orgânicas a céu aberto ou nucleares a céu fechado. Imagine-se o que seria se descobrissem petróleo no Vale da Vilariça ou na Veiga de Chaves!

Descoroçoado, sobretudo, porque nós, os “transmontansos” continuamos a não ser tidos em conta o que só demonstra que não é o nosso bem-estar que preocupa tais machuchos políticos.

 Havemos de concluir, ainda assim, que tudo não passa do usual fogo-de-artifício, foguetes de estalo e de lágrimas que animam as romarias partidárias. Mas que não estão livres de causar incêndios. Cuidado!

Este texto não se conforma com o novo Acordo Ortográfico.