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Pelo orgulho de gostar de música duvidosa

Quando as redes sociais começaram a ser uma constante nas nossas vidas, era muito comum partilharmos músicas. Agora, já é mais raro. E acho uma pena, porque as músicas de que gostamos dizem muito de nós. Mentira, não acho nada disso. Acho apenas que a música é uma arte que não se explica muito bem. Nem a música em si, nem o efeito que tem em nós. Já vos aconteceu estar a trautear uma música e pensar: “Porquê? Odeio-a, mas não me sai da cabeça”. Uma relação amor-ódio que não temos como evitar. É o mesmo sentimento de querer amar uma pessoa para sempre, mas, ao mesmo tempo, jurar nunca mais na vida lhe falar. Tenho imensas dessas na minha playlist. Neste momento em que escrevo estou a ouvir uma música que queria odiar. Só que tudo o que sinto por ela é um carinho indecente, que não consigo explicar. “Burbujas de amor”, do Juan Luis Guerra. Uma letra que foi escrita, claramente, depois de uma noite regada a álcool e produtos estupefacientes. Já a altas horas da madrugada, naqueles momentos de reflexão de “e se...” com os amigos, em que se acha que se vai descobrir a cura para o cancro e a fórmula para fabricar comida em cápsulas, um olha para o aquário ao fundo da sala e declara: “Meu, queria ser um peixe, para fazer bolhinhas de amor”. E aplaudiram todos os presentes. É, apesar da sonoridade de balada romântica, a letra faz tanto sentido como barrarem-se com mel e irem procurar um urso-pardo para Montesinho. Se, numa fase inicial, pensámos que o cantor está com os problemas cardíacos normais de alguém apaixonado, com sentimentos contraditórios - “Tengo un corazón/ Mutilado de esperanza y de razón” -, rapidamente caímos num non sense delicioso, para o qual somos mais ou menos avisados nos versos anteriores. Algo do género: “Ok, malta, estou mesmo apaixonado e isto vai ficar esquisito”. Chegando o refrão, Juan Luis Guerra atira, sem pudor, que quer ser um peixe...para tocar com o nariz dele no aquário do objecto da sua paixão e fazer, obviamente, bolhas de amor. Há grande possibilidade de, na verdade, esta música ter uma carga sexual muito forte. E aí, esta coisa de ser um peixe, das “burbujas de amor” e passar a noite “mojado en ti” passam a ser um piropo seriamente candidato ao posto de mais insólito do século. Daqueles que se fica na dúvida se tem algo de elogio ou se é só um insulto. Mas Juan Luis Guerra não quer fazer só “burbujas de amor”. Também quer decorar com corais a cintura da pessoa amada. E, mais tarde, troca-os por malaguetas, o malandro. Dos corais, ainda vá. Mas não sei onde um peixe (sim, ele ainda é um peixe) de aquário iria encontrar malaguetas. Nem outro qualquer. Ainda assim, de tão bizarro chega a ser romântico. Bom, agora é provável que daqui a uns dias acorde antes a cantar “Taras e Manias”, do Marco Paulo, à qual também não consigo ficar indiferente. A letra é mais fácil de entender, tirando a parte de tratar a moça por “você”. É sensualão? Tudo isto para vos dizer que a música é, de facto, uma arte. Podemos sentir-nos, por vezes, envergonhados pelo tipo de arte que nos desperta interesse. Mas, é uma arte que nos faz sentir felizes. E não me importo mesmo nada de ser feliz a cantar “você não tem um pingo de vergoooonha...”, agarrada ao cabo de uma vassoura, num mega- -concerto privado, com coreografia a condizer. Em público, vou continuar a fingir que não sei a letra toda de cor.

“Judeus” em Bragança: anos de 1700: Quadros Sociais- Mariana de Castro entre Agrochão e Bragança

Agrochão é uma freguesia do concelho de Vinhais, situada no limite sul do concelho, confinante com o de Mirandela. Nesta freguesia, no século de 600, havia 2 importantes famílias da gente da nação, ligadas entre si: a dos Almeida- -Castro e a dos Pimentel-Albuquerque. De modo algo simplista, pois que a gente da nação agarrava-se sempre ao que podia, atrevemo-nos a dizer que os primeiros eram, sobretudo, empresários agrícolas e mercadores e que, entre os segundos, ganhavam destaque os “ourives do ouro e da prata”. Só na família direta de Fernando Fonseca Chaves, um membro desta família cujo processo os autores estudaram e se preparam para publicar, contava- -se uma dúzia destes profissionais. (1) Obviamente que numa pequena aldeia como Agrochão não podiam sobreviver tantos ourives e que a generalidade deles nasceu já em Bragança, espalhando-se pelo país. E também os filhos e netos de um lavrador, por mais abastado que fosse, não ficariam numa pequena aldeia, limitados ao amanho da terra. A gente da nação dedicava-se a uma agricultura virada para o comércio mais do que uma agricultura de subsistência. O apelo da cidade, Bragança, era mais forte, pois havia ali empregos públicos e profissões mais atraentes e rentáveis, ligadas ao fabrico das sedas, nomeadamente. Situemo-nos em Agrochão, no mês de Junho de 1662, quando ali chegou o braço da inquisição e arrastou para as cadeias de Coimbra João Vaz Castro, a sua mulher, Pascoela de Santiago e os seus filhos António Almeida Castro e Manuel de Santiago. Vamos, antes de mais, apresentar esta gente. João Vaz Castro, (2) nascera na vizinha aldeia de Quintela, mas há mais de 30 anos que morava em Agrochão onde fora casar com Mariana da Paz, da família Albuquerque E foi deste casamento que nasceram António Almeida Castro, atrás citado, e Pascoal de Castro que, aos 20 anos, era alferes do corpo de auxiliares (milícias) do município e que depois se foi para Castela. Falecendo Mariana, João Vaz Castro, casou de novo, por 1645, com Pascoela de Santiago, nascida em Bragança, no seio de uma família muito ilustrada, de tabeliães / notários que, há 3 gerações, andava acertando contas com o santo ofício e que nem ela nem os seus descendentes acabariam por saldar, como se um trágico destino os guiasse. (3) João e Pascoela tiveram vários filhos e filhas, o mais velho dos quais se chamava Manuel de Santiago, (4) que contava 16 anos quando o levaram preso. Segundo confessou, foi doutrinado no judaísmo, em Bragança, em casa de sua parenta, Catarina Laines, onde vivera quando para ali foi enviado a frequentar a escola (dos jesuítas, certamente). Manuel de Santiago terá casado com Catarina Nunes e estes seriam os pais de Francisco de Almeida, que foi meirinho do assento e por 1730 se foi para Génova, segundo informações de sua tia, Mariana de Almeida, relaxada em 1708. (5) Voltemos atrás, a António Almeida Castro, filho de João Vaz Castro e Mariana da Paz, o qual nasceu em Agrochão, por 1632. (6) Quando o prenderam era já viúvo de Isabel Pereira, filha de Manuel Dias de Castro e sua mulher, Luísa Laines. Vivia em Agrochão e dizia-se lavrador. Depois, casou segunda vez, com Mariana de Almeida que, entre outros, lhe deu um filho, batizado com o nome de João de Castro, que viveu em Bragança, dedicando-se ao fabrico de sedas e exercendo também o cargo de meirinho do assento, ou seja: por ele passava o controlo do pão que era fornecido às tropas acantonadas em Trás-os-Montes e onde, em algum tempo, o assentista foi o primo de sua mulher, Fernando da Fonseca Chaves, atrás citado. Preso em Coimbra, António Almeida Castro confessou que efetivamente andara errado na lei de Moisés e que fora doutrinado “em casa de sua avó, Leonor Albuquerque, que era viúva de Francisco Serrão, e com Mariana da Paz, meia cristã-nova, mãe dele, defunta”. Tal como o pai e o avô, o meirinho do assento, João de Castro, foi preso pela inquisição de Coimbra, em Junho de 1711. Nessa altura era já casado com Josefa Henriques, oriunda de uma família de ourives e prateiros, como referimos. (7) Vamos olhar. Manuel de Santiago Pimentel se chamou o pai de Josefa e Isabel de Faro a mãe. Ambos se apresentaram em Bragança, em Março de 1661, perante o inquisidor Manuel Pimentel de Sousa, confessando culpas de judaísmo. Autuadas as suas confissões, ficaram os processos em aberto. 9 anos depois, foram chamados a Coimbra para serem sentenciados, no auto-da-fé de 26.4.1670. (8) Estamos então em Bragança, em 5 de Novembro de 1714, em casa de João de Castro, meirinho do assento e Josefa Henriques, sua mulher, ambos reconciliados pela inquisição de Coimbra, no auto- -da-fé de 6.8.1713, aquele condenado em sequestro de bens, cárcere e hábito perpétuo. Desta vez, o governador militar da cidade, em nome da inquisição, apresentou-se ali para levar presa a filha mais velha de João e Josefa, chamada Mariana de Santiago, de 22 anos. No mês seguinte haveriam de levar também preso o filho Manuel de Santiago e, 2 anos depois, seria a filha Filipa Henriques que iria voluntariamente apresentar-se em Coimbra. (9) Feita prisioneira, enquanto se organizava a leva para Coimbra, Mariana Santiago foi depositada em casa de Bento da Cunha, guarda da alfândega de Bragança. Durante os dois dias que ali esteve, Mariana foi visitada por seu pai, sua mãe e vários outros cristãos-novos que haviam estagiado nas cadeias da inquisição, naturalmente combinando com ela as pessoas que deveria denunciar, o comportamento e atitudes que devia adotar na prisão e a estratégia de defesa no decurso do processo.

Resistir é o que nos resta

Ter, 22/12/2020 - 01:34


Começou o Inverno, depois de longos meses de desgraças que nos secaram a confiança e nos deixaram de frente com a crueza da vida efémera, contingente, desamparada, apesar da ciência, da técnica, da economia sofisticada, da política que promete paraísos, do amor que nos tapa as misérias.