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NÓS TRASMONTANOS, SEFARDITAS E MARRANOS - José Rodrigues Mendes, aliás, Moisés Mendes Pereira (1705 – 1732)

Os 27 anos de vida que teve José Rodrigues Mendes antes de conhecer a Casa da Inquisição foram de verdadeira tempestade em Bragança, no que respeita à questão religiosa. A sociedade brigantina foi então varrida por vagas sucessivas de prisões. Repare-se: contando a cidade 500 fogos e uns 2000 moradores, (1) cerca de 500 pessoas compareceram naquele tribunal durante aqueles 27 anos!
Pois foi neste ambiente que se moldou a personalidade de José Rodrigues, como, aliás, a de todos os meninos e meninas nascidos “sem condição”. E frequentava a catequese onde lhe ensinavam que Jesus era misericordioso e bondoso e foi crucificado pelos malévolos judeus! Impossível imaginar como esta catequização cristã se conjugava com as vivências quotidianas, com os medos e as angústias que enchiam a casa de seus pais e dos mais familiares, bem como as conversas com todos os brigantinos da sua condição hebreia. Aliás, a lista de membros da família Gorjão, a que ele pertencia, era já mais comprida que a légua da Póvoa. Avós, tios… que quase todos eles tinham estagiado nas masmorras do santo ofício. E a lista haveria de continuar a crescer, com a sua própria prisão e a de 2 irmãos e muitos primos seus.
Impossível, pois, imaginar as dúvidas e angústias de sua alma quando, pelos 12 anos, lhe ensinaram que tudo o que aprendera na igreja dos cristãos era mentira, mas que tinha de viver com aquela mentira e continuar a frequentar a igreja dos cristãos “para contemporizar com o mundo”! Mais difícil ainda imaginar o ambiente de tragédia que viveu nessa altura quando todos os bens de sua família foram sequestrados e vendidos na praça, ao mesmo tempo que seu pai (Lourenço Rodrigues Mendes) e sua mãe (Luísa Pereira) regressavam a Bragança, infamados de judeus e vestidos de sambenito, expostos à irrisão pública. (2)
Chegado à maioridade, José R. Mendes abandonou Bragança e dirigiu-se a Lisboa. Dali embarcou para Inglaterra e, em Maio de 1727, encontrava-se em Londres. Aí, entre a “gente da nação” pontificava a família Costa Vila Real, originária de Bragança e a colónia de judeus trasmontanos era enorme e poderosa, em termos de economia e finanças. Amigos e conhecidos, como ele fugidos de Bragança, ter-lhe-ão disponibilizado toda a ajuda mas, antes, teria de frequentar a sinagoga, receber instrução da lei mosaica e circuncidar-se. Neste processo terá sido particularmente relevante a sua convivência com o porteiro da sinagoga de Bevis Marks, o brigantino Luís Sá, irmão de Alexandre (Isaac) de Morais, este casado com uma filha de João (Abraão) da Costa Vila Real. Foi o que aconteceu naquele mês de Maio. Vejam a narrativa feita pelo próprio:
- E logo ali foi conhecido, porquanto na mesma sinagoga viu alguns portugueses e entre eles conheceu José da Costa Vila Real, morador na cidade de Lisboa; e falando com o mestre da sinagoga, que era estrangeiro e não lhe sabe o nome, este lhe disse que era necessário que se circuncidasse; e com efeito, dali a 4 ou 5 dias, foi ele declarante circuncidar-se a casa de um homem que não sabe o nome, também estrangeiro, e 10 pessoas assistiram ao ato da circuncisão; e se lhe pôs o nome de Moisés Mendes Pereira. (3)

Foi curta a sua estadia em Londres. Por qualquer motivo que não conseguimos apurar, em Agosto seguinte, o nosso homem encontrava-se em Bayonne onde contactou também com muita gente da “nação de Bragança”, nomeadamente dois filhos do capitão Farrapa, natural de Chacim: Hilário (Abraão) Lopes Ferreira e Pascoal (Isaac Lopes Ferreira). Antes teria viajado pela Holanda, onde assinara o seu nome nos livros das sinagogas de Roterdão e Amesterdão.
Seria esta viagem por Londres, Amesterdão e Bayonne uma viagem de prospeção de negócios, muito em especial visando a colocação de produtos de seda, atividade em que laborava a sua numerosa família e a maioria das famílias hebreias de Bragança?
Conjuga-se esta hipótese com o facto de, em Dezembro seguinte, depois de ter regressado a Bragança por Madrid e Valladolid, se ter ido apresentar no tribunal da inquisição de Coimbra a confessar que judaizara e disso pedir misericórdia? Na verdade essa era a tática de muita gente e, de Bragança para Coimbra, chegariam a organizar-se verdadeiras peregrinações de marranos que iam apresentar-se. É que, com tal procedimento, evitavam que os bens lhe fossem confiscados e geralmente não ficavam presos. Apenas eram levados ao auto público da fé e condenados em ligeiras penas espirituais. E foi o que aconteceu com Moisés Mendes que, tendo regressado a Bragança, recebeu ordem para se apresentar em Coimbra em meados de Abril, para ser novamente examinado, posto o que, saiu condenado em penas espirituais no auto de 9 de Maio de 1728.
Regressou a Bragança e tudo parecia muito bem encaminhado, andando ele em perfeita liberdade. Porém, no dia 3 de Abril de 1729, o comissário da inquisição da cidade de Bragança escrevia para Coimbra uma carta do teor seguinte:
- Ilustríssimos Senhores. João Fernandes, criado de Manuel da Costa Silva, morador nesta cidade de Bragança, me deu parte que, haverá 2 ou 3 meses, estando ele em um quintal das casas de Manuel da Costa, ouviu dizer a José Rodrigues, solteiro, cristão-novo, filho de Lourenço Rodrigues, o Gorjão, desta cidade, que ele queria morrer pela lei de Moisés, o que repetira duas vezes, e que isto ouvira também António, solteiro, criado, o dito Manuel da Costa e Ana Henriques, viúva que ficou de Sebastião Pires, desta cidade, me deu também parte que, há 2 ou 3 meses ouvira dizer ao sobredito José Rodrigues o seguinte: - “Que ele cagava na Inquisição” e que “queria morrer queimado para ir para o céu”.
Era uma acusação muito grave e abonada de 4 testemunhas e, por isso, foi logo mandado prender, sendo metido nas masmorras do santo ofício em 27 de Outubro de 1729. Começava então a sua subida para o calvário. Uma subida que acabou em tragédia, com a morte na fogueira acesa no auto da fé de 6 de Julho de 1732 em Lisboa. Sim: no 1º de Março daquele ano, o réu foi transferido da cadeia de Coimbra para a de Lisboa, certamente para ser bem “espremido” e lhe sacarem todas as informações sobre as comunidades judaicas de Londres e Bayonne.
Em uma das audiências diria aos inquisidores que encontrou na Bolsa (“que é uma espécie de praça onde todos os dias há feira”) um homem que antes fora guarda da inquisição de Coimbra, “o qual segue a lei de Moisés, o que é público entre os judeus daquela cidade (…) e os mesmos judeus lhe estão assistindo com tudo o necessário, mas não o querem admitir no grémio da sinagoga, por este ser cristão e gentio”. Interessante também a narrativa que fez sobre um judeu de Bragança chamado Francisco Lopes Franco que “para entrar na sinagoga, o purificaram primeiro por meio de muitos banhos e cerimónias e está hoje um grande judeu”. Não caberá neste pequeno texto o tratamento daquelas informações, muito importantes, aliás, para o estudo da diáspora Marrana Trasmontana. Disso falaremos em outras ocasiões. Por agora ficamos com um dos argumentos de sua defesa:
- Disse que nunca tivera crença na lei de Moisés (…) e que se circuncidara por dinheiro, porque lhe deram 100 moedas de ouro, e lhe queriam dar muito mais se ele não tornasse a este reino.
NOTAS:
1-COSTA, António Carvalho da – Corografia Portugueza, Tomo I, p. 496, Lisboa, 1706.
2-ANTT, inq. Coimbra, pº 1563, de Lourenço Rodrigues; IDEM, pº 8486, de Luísa Pereira.
3-ANTT, inq. Coimbra, pº 4939, de José Rodrigues Mendes, sessão de 12 de Outubro de 1731.

Por António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães

Falando de… Combateremos a sombra, de Lídia Jorge

Conversa telefónica de ocasião, conduziu-nos a uma escritora que muito admiramos, mas para tanto livro e tão pouca vida, não nos temos dedicado à sua produção literária.
Lídia Jorge, nome maior das nossas letras, chegou às nossas mãos. Conhecíamos a sua escrita e com ela e por ela vimos representada no Teatro de Bragança, Adelaide Cabete, A Maçon, pelo grupo de teatro da Escola Abade de Baçal.
Como o tema da conversa era o livro epigrafado, não podíamos adiar a sua leitura. Com primeira edição em 2007, iniciámo-la por uma leitura preliminar e marginal. Já em Maio de 1994, em Cadernos de Lanzarote II, Saramago descrevendo uma ida a Praga, dá conta que Lídia Jorge estava a escrever um romance cujo título era O Homem do Poente. Saramago e comitiva, considerando o título fraco (sic) pediram outro título, ao que a autora, inicialmente, hesitante, pensou em Combateremos a Sombra, mas que o tinha posto de parte. Passados treze anos, surgiu ao público com todas as honras que merecem as grandes obras. Escritora bastamente premiada, viu este seu livro receber em 2008, o Prémio Charles Bisset, em Paris, da Associação Francesa de Psiquiatria.
Ao longo de três meses, percorridos através de cerca de 480 páginas, Osvaldo Campos, psicanalista, professor de Instituto, outrora oftalmologista, cidadão atípico, emotivo, solidário e experimental, algo instável, em luta constante contra o tempo, rico de palavras e silêncios, vai ultrapassando o mundo penumbroso onde gravitam os seus pacientes, ao mesmo tempo que vai enfrentando com êxito a sua vida em ruptura conjugal.
Com laivos de texto kafkiano, vamo-nos instalando e acomodando à medida que nos é percepcionado o universo dos pacientes de Osvaldo Campos, a braços com a solução para uma questão que lhe é posta “Quanto pesa uma alma”. Como se fosse um texto realista, o narrador vai fornecendo, de um modo disperso, argumentos que nos permitem retratar cada uma das personagens, bem como espaços por onde passam. A realidade contamina a ficção. À medida que a leitura se processa, menor a ambiguidade, melhor a legibilidade. O narrador atingiu o seu desiderato. O leitor não abdica dos seus propósitos e o texto vai ao seu encontro, conquanto a torrencialidade do léxico, simples, acessível e variado. A modernidade do tema capta-nos. Não abandonamos a leitura, feita entusiasmo. Apetece dizer, venceremos as dificuldades de interpretação, se acaso nos aparecerem.
No consultório, também local de habitação, coopera uma secretária: Ana Fausta. Pacientes muitos. Cada um com as suas mazelas. Elísio Passos, jornalista, o general Ortiz, o jardineiro Lázaro Catembe, Maria London, a sua paciente magnífica, a que lhe permite pôr à prova toda a sua capacidade de clínico, e equilibrar o seu deve e haver, tão depauperado.
Num mundo em declínio, de muitos a viverem na sombra, carentes de meios, de desigualdades, tentando sarar feridas de há muito herdadas, buscam na psicanálise a ajuda de que necessitam.
Um texto retratando a contemporaneidade, onde a utopia é a marca de água de um médico que não regateando preços, ainda se serve da sua generosidade para colmatar diferenças numa sociedade composta por aqueles que pagam e pelos que não pagam porque não podem, tarefa que compete a Ana Fausta.
Maria London, a paciente preferida. A que lhe ocupa mais tempo e a que lhe traz mais preocupações. Ele ouve-a. A verbosidade de Maria London, o seu distúrbio discursivo, a incoerência da palavra, constituem o laboratório, onde o enigma se constrói e que urge decifrar. Decifrar, completando o que não é dito, descodificando o que fica por dizer e o que é feito, nem que para isso tente vislumbrar o que é feito, certificando-se do que é afirmado. E é no silêncio, na introspecção e na reflexão que o Professor Campos descodifica toda a existência da sua paciente. Maria London, confitente primorosa, transporta o fio de Ariadne que fará do psicanalista a alma-mater que uma teia que deseja desmaterializada
O mistério, o dinheiro que perverte e suja entram na vida de Osvaldo Campos que há muito deixou de ser um homem só. A literatura policial a compor um tecido textual que se adivinhava, unicamente, de costumes. A surpresa a enriquecer e a inovar o romance em língua portuguesa.
Rossiana de Jesus Inácio, a que aparece na escuridão, que fuma desalmadamente, de vida sofrida, mulher escondida em apartamento não muito distante do consultório, entra na sua existência, sustentáculo e luz de vida. A Casa da Praia em Mar de Salgados, a 300 km a sul de Lisboa, marcará o momento do encontro adiado. Vítima de uma teia que Osvaldo tenta captar, verá nele o refúgio e o alento de um homem que augura um futuro que dificilmente alcançará.
Combateremos a Sombra é um livro novo, do nosso tempo, com uma história do que acontece no nosso quotidiano. Começa por fazer apelo à memória, para depois ir desenvolvendo uma trama que nos vai preocupando e está dentro da nossa vivência.
Osvaldo Campos não pára. Quer ser ele o descodificador daquela teia que o envolve. Pertence-lhe o fio da meada. É preciso ir mais além. Levar a cabo uma tarefa a que se propôs. O inspector Toscano e a jornalista Marisa Octaviano acompanham-no. Não com a astúcia própria de um psicanalista. O país é mais forte. O embuste, a desonra, a impunidade campeiam e dominam.
Osvaldo Campos, personagem principal, é movido pelo seu talento de bem fazer, misturado de alguma ingenuidade e romantismo que tenta evitar, soçobra face ao desvendamento da existência difícil de Rossiana, numa relação onde o amor encurta a distância. Se á verdade que perde numa luta desigual, a mediocridade não é capa que o cubra.
Fortalecido pela sua capacidade de ouvir, de suspender a comunicação criando hiatos de silêncio, interpreta o paciente agindo através da palavra. Da sombra são os seus pacientes e é a partir da sombra que ele arquitecta a sua vida privada, a sua vida profissional e a vida de combatente, embora lute contra forças desiguais. A palavra a quem sabe e deve com ela saber lidar, mesmo que o silêncio não seja mais do que abdicar da palavra inapropriada.
A leitura deste livro que vivamente aconselhamos, pese embora o seu volume, suscita-nos o regresso a um passado que configura um período de turbulência que nos foi legado pelo grande historiador Heródoto que viveu no século V A.C.
Xerxes, imperador persa, comandante de um exército de cerca de 250 000 homens invadiu a Grécia por volta de 480 A.C., deparando-se nas Termópilas com um exército de 7 000 gregos e de 300 espartanos, comandados por Leónidas. Do alto do seu comando, mandou Xerxes um mensageiro a Leónidas, exigindo a sua rendição, dada a diferença de efectivos, além disso, as flechas dos persas eram tantas que ao dispararem tapariam o Sol deixando tudo na sombra. Leónidas respondeu que poderiam ir buscar as armas e que os espartanos combateriam à sombra.
A exiguidade de meios não demoveu Leónidas que hoje, perpetuado, tem uma estátua nas Termópilas, aí permanecendo umas fontes de água quente onde o viajante aproveita para se banhar,
Osvaldo Campos, figura singular, tal como Leónidas, mostrou o seu destemor, a sua audácia e a sua intrepidez. Assim sejamos nós.

Não foi adoptado o Novo Acordo Ortográfico.

Por João Cabrita

Médicos ortopedistas de Bragança em campanha no Algarve - Eles trabalham no tempo que deveriam desfrutar de férias e da sua família

O  título deste artigo corresponde ao Jornal Nordeste, de 19 de Julho. Surpreendeu a algumas pessoas e parece ser que indignou a outras.
São muitos os doentes do nordeste transmontano que consideram que a medicina que se faz na ULSNE é pior que a que das capitais mais importantes como Porto, Coimbra, Lisboa, ... A prática demonstra o contrário.
Muita gente, muitos médicos a «tempo parcial» não são indicadores de eficácia e bom fazer. E, nesta ocasião em que o Sr. Ministro da Saúde visitou Macedo de Cavaleiros, ao verificar a boa organização do Serviço de Ortopedia, quer pelo bem-fazer, quer pela eficácia, solicitou ajuda para tentar resolver uma «emergência nacional» no Algarve e disse que ficaria em favor se tal se concretizasse...
A mobilidade médica está prevista por despacho ministerial desde o Governo de Passos Coelho. O atual Ministro da Saúde apenas se limitou a pô-lo em prática, clarificando que se aplica apenas nos meses de junho a setembro do corrente ano. Essa opção está aberta a todos os médicos dos Hospitais Públicos Portugueses. Ser generoso e solidário, ou não, depende de cada um! No caso do Serviço de Ortopedia da ULSNE a proposta de mobilidade foi apresentada e discutida com o Presidente do Conselho de Administração, o Diretor do Serviço e todos os médicos ortopedistas, de modo a causar o menor desarranjo possível na programação anual das atividades previstas, ficando assegurado o normal funcionamento do serviço e sem penalização do mesmo.
O Algarve para todos nos é familiar como região onde os ricos vão navegar e apanhar sol, mas também há pessoas que vivem ali todo o ano e outras não tão ricas que fazem férias na zona, pelo que durante o período de verão a sua população vê-se muito aumentada. Como não são apenas os ricos os que se põem enfermos e há que atender a todo o mundo, os doentes da zona têm que ser desviados para hospitais privados ou longínquos como os de Lisboa, com o inerente gasto para o Estado, isto é, para todos os que pagamos impostos. Este ano há previsão de um aumento do 25% do número de turistas, o que corresponde a cerca de 2,5 milhões de pessoas, que deixarão importantes divisas no nosso país. Houve «críticas políticas» a esta medida argumentando que ficava desatendido o serviço em Bragança por ir cobrir zonas com melhores condições. E quando os médicos vão de férias ou assistem a congressos, por que ninguém se queixa do desatendi mento no hospital? Pois porque os profissionais da medicina são responsáveis e não deixam o serviço sem resposta. Neste momento também não acontece.
Afirmou-se que não é justo que uma «zona desfavorecida» desde Lisboa tenha que ceder médicos a outra melhor situada. Estes críticos apenas se deram conta deste problema agora? Quanto farisaísmo! Se o Serviço de Ortopedia de Bragança está em condições de colaborar e fica perfeitamente atendido não se pode ajudar? É proibido ser solidário? Injustamente criticam-se os médicos que «fazem a campanha» porque consideram que se vão é porque lhes pagam bem. Que opinem assim deputados, que passam a vida na Assembleia da República cobrando ordenados elevados e ajudas de custo por fazer um trabalho nem sempre quantificado, é incrível. Um deputado quando sai do seu labor nem sempre se preocupa com as necessidades dos seus eleitores, enquanto o médico deixa ficar o doente no hospital, mas os problemas e a responsabilidade vão com ele para casa e o telemóvel não se desliga. Se é tão interessante desde o ponto de vista económico por que é que apenas 6 médicos da ULSNE se disponibilizaram para fazer este serviço, saindo da sua zona de conforto, e alguns renunciando à sua clínica privada? Além disto, estes médicos «em campanha» fazem o trabalho no tempo que deveriam desfrutar da sua família e das férias. Acham que há dinheiro que possa pagar isso? Vocações como as de médico ou de professor não se pagam com uns tostões! O pagamento a estes profissionais é feito no cumprimento rigoroso, e transparente, de acordo com as mesmas normas e implicações legais (% impostos) a que estão sujeitos na ULSNE e só olhos malévolos daqueles que vem nos outros o que eles próprios tem de pior poderão pensar que são movidos por «contratos fabulosos» para este trabalho.

F. Xavier Martins
Médico ortopedista

… Nice, Munique, muitos mortos, muitos feridos e muitas perguntas.

Então a carnificina recomeçou? Matam, mutilam, fazem-se explodir, fazem-se assassinar, e nós, pouco depois, convocados frente aos nossos televisores para apreciar a dimensão da desgraça, o balanço dos crimes. Seguidamente, a triste litania das testemunhas, as lágrimas, as imagens terríveis, temíveis e incompreensíveis.
Quantas sequências destas teremos ainda de partilhar antes de a paz regressar à terra, e a “segurança” à Europa. Estes indivíduos doentes que circulam com a morte a tiracolo, com os cintos de explosivos recheados de pregos e parafusos para dilacerar mais ainda, de donde é que saem? Parece que se desenvolvem na terra como a grama, que nada nem ninguém os pode parar, nem mesmo a morte.
O niilismo leva até ao fim a sua fúnebre lógica de morte. Já que aqui em baixo isto não tem interesse nenhum, na nossa sociedade putrificada, então o melhor é fazer o manguito ao sofrimento, aos nossos valores mesquinhos. Pelo menos eles têm um ideal, eles pelo menos têm um ideal do absoluto que lhes foi ensinado nesse oriente complicado, para os lados de Mossul, por ideólogos completamente derrubados pela nulidade intelectual ou cultural que em nada diminui a vitalidade do seu militantismo. Decidiram matar não os seus semelhantes mas sim as suas diferenças e todas as sociedades que os enfrentam.  
De cidade em cidade, semana após semana, variando o prazer sobre o modo das suas matanças- camiões minados, explosivos espalhados ou em stock, aqui metralhadoras, mais além punhais ou armas brancas, incêndios, tiros de snipers escondidos nos tetos, decidiram desesperar não somente o ocidente maldito, mas tudo o que se opõe à sua autossuficiência mental. Das praias tunisinas ao Egito antigo, passando pela Alemanha e França, da Costa do Marfim à Indonésia, a humanidade inteira coloca-se a mesma questão: onde é que se pode estar em segurança? Tornámo-nos todos o “elo fraco” da segurança colectiva, apesar do terror ainda não se ter insinuado perto de nós. O campo de batalha encontra-se efetivamente enraizado nas nossas mentes.
Seria preciso voltar algumas décadas atrás e perguntar-se qual terá sido o milagre para nos termos desembaraçado do terrorismo palestiniano dos anos 70 ou das loucuras do Exército Republicano Irlandês (IRA) ou da ETA em Espanha. Considerando o conjunto dos ciclos de violência gratuita que visam inocentes ou os supostos “traidores” à sua causa, pode-se arriscar uma previsão: esta loucura terá fim um dia. Esse dia, dia abençoado, marcará o fim do fanatismo, esta arma de destruição maciça das inteligências e dos corações. A sua fonte está claramente identificada. É uma certa necessidade de absoluto, um gosto desmedido pelo sagrado que leva para o “djihad” (guerra santa) os assassinos da bandeira negra.
Sim, os assassinos de Bruxelas, Paris, Nice ou Munique são fanáticos duma causa pela qual lhes parece ser legítimo morrer. Porque lhes é apresentada uma perspectiva de vida, do além, no meio de alamedas de flores brancas e de virgens submissas aos seus desejos de bestas. Aborrecem-se nesta terra e lá em cima encontrarão um prazer intenso, um poder multiplicado. Mas isso ganha-se com mérito, foi-lhes ensinado, com tantas mortes e sangue nas mãos, tantos anos de paraíso ganhos.
Que podemos nós responder a tudo isso ? Cair também no fanatismo? Já o tentámos, outrora, e não se pode dizer que tenha sido um grande triunfo. As cruzadas deixaram um sulco de péssima memória em todo o Oriente e as guerras de religião desonraram a Europa e as suas crenças. O imperialismo das potências ocidentais deixou fronteiras artificiais, duma geometria absurda, negando as comunidades locais. “Estamos em guerra”, repetem os dirigentes deste mundo. Não deixam de ter razão. Mas esta guerra dum novo género, guerra contra as sombras e fanáticos, como é que se pode conduzir eficazmente? Bombardear quem, onde? Para nós europeus, a identidade é uma interrogação permanente, para eles é uma religião. Cuidado.
É preciso contar talvez com as mulheres, com as mulheres muçulmanas, com as filhas. Elas tiveram um papel de relevo na primavera árabe. As mães e as irmãs mais velhas são as únicas a saber e poder encontrar o caminho da inteligência dos temíveis terroristas. É a elas que é preciso pedir ajuda e reforço, desde a escola primária. Para pôr um freio a esta virilidade desmedida que se afirma através destes crimes inaceitáveis, é preciso dar rapidamente a força e o lugar à legitimidade feminina como princípio social. Mais uma ingenuidade, dirão alguns. Sim, mas a doçura feminina, nunca foi experimentada. Dir-se-á que afinal há muitas raparigas nessas redes criminais, sim, mas é para fazerem como os homens, precisamente.

O RAPAZ QUE APANHAVA ENGUIAS COM A MÃO

Esverdeadas, colubriformes, masjestosas, nadavam, normalmente em águas pouco agitadas. Tempos houve em que as enguias apareciam entre as demais espécies piscícolas que habitavam os cursos de água nordestinos. Com a construção das barragens no Douro Nacional acabaram-se. Já não há enguias. Da sua pesca resta a lembrança.
Havia várias formas de as pescar.
Na mais frequente usava-se um garfo comprido, com dentes finos, redondos e espessos. Nem sempre resultava pois como era normal andarem em zonas com muito lodo, faltava terreno firme por baixo e com alguma frequência se escapavam, apenas com pequenos arranhões.
Mas também havia quem as apanhasse com a mão, como o Fernando, que para isso tinha a necessária  mestria e engenho.
Para além das águas serenas correntes, chegavam mesmo a aparecer em poços e noras para onde caíam e onde ficavam aprisionadas. Na minha aldeia diziam à boca cheia e com ar de entendidos que isso acontecia porque as enguias saiam à noite para pastar. Soube mais tarde que como eram muito resistentes e aguentavam muito tempo fora de água a humidade do orvalho era suficiente para lhes permitir viagens noturnas, que às vezes lhes eram fatais, pelo meio da verdura dos campos.
Quando se esvaziavam os poços de rega para limpeza era vulgar no meio do lodo aparecerem o apetecido petisco. Mas era na ribeira da Vilariça que o Fernando as pescava. Revejo-o, de calças arregaçadas até às virilhas, caminhando lentamente como um felino numa poça que a ribeira fizera por baixo de umas raízes de choupo, nas Olgas, a seguir à ponte velha. Era muita a sabedoria e experiência que na sua dúzia de anos de existência já tinha, na arte de bem apanhar os murenídeos que se atreviam a aparecer-lhe pela frente.
Não usava garfo. Uma folha de figueira, dizia, era mais eficaz. Desde que conseguisse apanhá-la a jeito. Para isso não podia ser sobre o lodo onde ela facilmente se enterrava e depois nunca mais lhe punha a vista em cima. Tinha de a empurrar para uma pequena cascalheira onde a água era mais limpa, onde a via melhor e onde, se fosse necessário, a podia apertar contra areia grossa do chão. Esse era o segredo e essa era a fina arte do Fernando. Encaminhá-la para a água corrente sem a espantar. Com paciência. Muita paciência. O olhar fixo nos seus movimentos serpenteantes e a mão pronta a cair-lhe em cima, quando chegasse o momento. A superfície áspera da folha da figueira servia para se agarrar à pele escorregadia do animal. Cravava-lhe todos os pequenos picos vegetais e já não a largava. Para isso tinha de a apanhar no meio do lombo e com um gesto único. Se lhe tocasse antes, em qualquer uma das partes, ela sentia a ameaça, fugia para um dos buracos por baixo das raízes ou enterrava-se no lodo e, pronto, não havia nada a fazer. Cada passo que dava servindo para a encaminhar para o local pretendido tinha de ser suficientemente calmo e suave para a não espantar.
Foram várias as vezes que o vi erguer o braço com o troféu a espernear na mão. Muitas se lhe escaparam, é certo, mas o saldo era-lhe largamente favorável.

Num jantar de velhos amigos e colegas de curso estava um jovem que entrara há pouco para a polícia judiciária. Descrevia, deslumbrado, fruto da novidade e do entusiasmo, sem concretizar, claro, a forma como alguma investigação tinha de ser conduzida, nomeadamente os avanços lentos, os recuos estratégicos e a paciência necessária para obter as provas absolutamente necessárias ao sucesso das operações. Ouvimo-lo interessados.
– Tenho de te apresentar o Fernando – disse-lhe eu. 
– Quem é o Fernando? –  perguntou-me ele.
– Um rapaz que apanhava enguias com a mão –  concluí, em jeito de despedida.

Empurrar com a barriga

A expressão título desta crónica estival ganhou espaço instalando-se nos miméticos vocabulários ditos chiques dos comentaristas bebedores de piadas servidas nas televisões estrangeiras. Sem qualquer sombra de recato, quanto mais de pecado, os nossos representantes nas Assembleias da República e Municipais enchem a boca de barrigas a empurrarem tudo e mais alguma coisa, a concederem razão ao antigo professor universitário Monarca Pinheiro, o qual escreveu um livro a glosar as barrigonas dos alentejanos.
O sociólogo é estrénuo contador de histórias tendo como pano (prato) fundo petiscos e vinhos das terras além Tejo, num enrolamento de demorados cantares e episódios burlescos em suspicaz mistura.
Ora, em Bragança também existiam barrigas rotundas, uma seria esférica, não por acaso o seu detentor carregava a alcunha de Bolinhas (Sr. Machado, funcionário do Governo Civil), mas não consta transformá-la em alavanca ou travessa empurradora, tal qual às usadas no metro de Tóquio no afã de empacotar as pessoas nas carruagens do Metro. Apesar de estarmos na estação maluca coíbo-me de descrever exercício de empurra nipónico porque podia ofender as pessoas sensíveis.
A expressão cimeira de grosso modo significará – varrer o lixo para debaixo do tapete – daí ao ouvir as bazófias de Maria de Luís Albuquerque, dado a presunçosa não exibir protuberante barriga, prefiro imaginá-la agarrada à vassoura a esconder o caso BANIF, a inaptidão na regulação da Caixa, sem esquecer o BES, entre o soalho e a carpete do seu outrora gabinete. O PSD vai perder uma carreta de votos em consequência das asneiras de Luís.
A rapaziada dos anos sessenta do século ido lembra-se, tal como os mais velhos, de um contínuo (chefe) do Liceu proprietário de imponente pança a qual ficou nos anais das extravagâncias comilonas porque numa clara demonstração de superioridade relativamente à do Senhor Augusto (também contínuo) alojou sem problemas uma carreta de batatas assadas no forno e apurada canhona.
No capítulo de barrigas quase rivais da de Gargântua, o meu prezado amigo Zé Monteiro (historiador José Monteiro) é testemunha e às vezes parceiro das proezas de Arquivista à força, dotado de invulgar apetite, certamente, inspirado no formidável Padre-Boi (Doutor José Antunes) são lendárias as suas mastigações de horas e horas. O Zé participou num exercício desses na casa de um sacerdote amigo, que os convidou a almoçarem com ele no dia de exaltação do orago. Foram, o padre ainda estava a presidir às cerimónias religiosas quando chegaram, mal franquearam a sala das refeições viram um leitão e um cabrito assados, luzidios, cheirosos, a fazer salivar bocas ressequidas.
Atiraram-se aos deleitosos assados, quando o amigo pároco voltou só viu ossos, exclamou, exclamou, referiu outros convidados, lastimou a gula dos manducantes. O amigo do Zé Monteiro, buliçoso, respondeu-lhe galhofeiro: olha que tivemos de empurrar a carniça com muito pãozinho…
As deputadas esquálidas aludirem a barrigas soa-me a blasfémia, ainda se fosso o deputado Carlos Abreu Amorim vá lá, o honorável revela volumosa volumetria ventresca, imita perfeitamente o deputado salazarista Pinto Barriga (exactamente) destro na palavra e no manejo de faca e garfo entre outros no já desaparecido Restaurante Paris onde podíamos apreciar esfusiante comida galega.
Ainda vi jogar o guarda-redes Barrigana, empurrava as bolas a soco, chamavam-lhe o mãos de ferro, às vezes as suas manápulas mereciam o epíteto de mãos de caca, o facto de a sazão ser doida uma palavra escatológica não borra a escrita, tal como aludir ao doutor Nalguinhas caso em vez da barriga fosse o sim-senhor a empurrar os desastres da governação de todos quantos nos vêm governando.
A elite política está a banhos (sem sabão-macaco) nas salsas ondas descansando das ingentes tarefas de memorização de graçolas e epítetos ingredientes considerados necessários aos despiques no Parlamento, rádios e televisões, seria grave intromissão eu sugerir-lhe leituras conducentes a elevar a qualidade dos ditos e contraditos. Eles não têm tempo, nem vontade para tal.
Já os leitores devem lardear o lazer lendo, muito, os múltiplos lucros grudam-se na mente sem a avolumarem qual Sancho Pança (o Dom Quixote vela releituras) depois de ter ingerido um pote de caldo manchego. As leituras concedem-nos a possibilidade de levarmos o nosso sentido crítico à eficiência dos bisturis no lancetar as disformidades pançudas de vitoriosos vendedores de ilusões porque gostamos de nos iludir ilustrando o mote: temos grandes desilusões devido a…isso mesmo.
Encher a barriga de leituras impede sermos empurrados. Percebem!

Desgostos de Agosto

Ter, 02/08/2016 - 09:55


Agosto ainda é celebrado como tempo das alegrias do retorno às origens de largos milhares de transmontanos. Há três, quatro décadas as aldeias, soturnas e já então cabisbaixas, enchiam-se de cor e som, as tascas iam passando a cafés manhosos e as festas foram sendo reprogramadas para o oitavo mês, originando uma fartura inaudita de todos os prazeres da mesa, dias a fio, quase até rebentar. Choviam francos e marcos.
 

Veículo capota na A4

Qua, 27/07/2016 - 15:57


Um veículo de matrícula suíça capotou na A4, junto a Podence, no sentido Bragança-Macedo de Cavaleiros, ao início da noite da passada sexta-feira. Segundo fonte dos Bombeiros de Macedo de Cavaleiros, tratou-se de um despiste de uma carrinha que estaria a rebocar o automóvel.