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Triunfo caseiro mantém GDB na liderança

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Qua, 12/10/2016 - 15:30


Depois da tempestade a bonança. O GDB regressou aos triunfos, 4-3 frente a AD Oliveirense, após o desaire no terreno do Torcatense que, além da derrota, lhe deixou marcas na equipa já que Ximena e Corunha foram expulsos e falharam o encontro de domingo passado.

Fonógrafos e Gramofones

É conhecida a fórmula algébrica com que abre A Cidade e as Serras (1900): Suma ciência x Suma potência = Suma felicidade. Esta teoria de Jacinto, no seu 202 parisiense, exigia os últimos inventos da Civilização, ou seja, da Cidade, pois mais nada existia para o nosso Príncipe da Grã-Ventura. E qual a representação ideal de tanta invenção? É o próprio a responder: «– Aí tens tu, o fonógrafo!... Só o fonógrafo, Zé Fernandes, me faz verdadeiramente sentir a minha superioridade de ser pensante e me separa do bicho.» (Queirós, s. d.: 16)
Jacinto possuía outros «utensílios misteriosos» (p. 60), como o telégrafo e o telefone, máquinas de escrever e contar, o grafofone e o microfone.
“Telégrafo” está em título de jornais desde 1809, na senda do telégrafo óptico inventado por Claude Chappe (1793). Em 1844, Morse liga Washington e Baltimore; no final da década, a ligação Berlim-Viena inspira outras, desaguando na União Telegráfica Internacional (1865). As regatas de Kingston têm transmissão telegráfica sem fios em 1898. Os contactos multiplicam-se por milhões, anualmente (cerca de 30 milhões, em 1870), decuplicando na viragem do século. Folhetinista anónimo do Jornal do Comércio (25-II-1868), ao projectar “O jornalismo no ano 2000”, prenuncia a internet: «O telégrafo eléctrico generalizar-se-á, cada cidadão terá o seu telégrafo em correspondência mútua, de maneira que em um minuto se saberá o que se passa nos pontos mais afastados e, em Lisboa, se poderá saber, de instante a instante, até à vida caseira do mais boçal esquimó; com o que os povos hão-de folgar, deleitar-se e instruir-se.»
A cacofonia noticiosa, tal a massa de artigos vinda no telégrafo, obriga a ordenar as páginas por secções e colunas, fazendo do jornal um mosaico (Mosaico é título regular) ‒ imagem reforçada na televisão ‒ , à imagem de sociedade que, simultaneamente, molda. O medium é, também, mensagem, no reconhecimento de que «toutes les technologies créent petit à petit un milieu humain totalement nouveau». Já com as vias, meios de transporte e comunicação se percebia múltipla transformação: de quem expedia, recebia, tantas vezes da mensagem, do veículo e mesmo do transportador, se houvesse lugar a tradução. «L’usage de n’importe quel médium ou prolongement de l’homme modifie les modèles d’interdépendance des hommes, tout comme il modifie les rapports entre nos sens.» (McLuhan, 21977: 12; 113-114) No século do carril, comboio ou metropolitano, ia-se além da estrada, da roda de carroça ou diligência e do impresso. A era da electricidade tornaria tudo mais veloz ‒ no século XX.     
Entretanto, Bell e Elisha Gray correm a patentear (1876) o telefone, coqueluche de Paris-Bruxelas e bolsas de Paris-Londres em 1887 e 1890. Em finais de 1877, ensaiam-se comunicações entre Lisboa e Carcavelos e entre os observatórios meteorológico da Escola Politécnica e astronómico da Tapada da Ajuda, assistindo aqui o rei D. Luís. As primeiras redes só em 1882 são inauguradas no Porto e em Lisboa (26 de Abril, com 23 assinantes na capital, que falavam entre as 8 e as 21 horas).
Era, todavia, no fonógrafo que as senhoras convidadas desejavam ouvir uma ária da Patti. Jacinto respondeu: «– Ária da Patti... Eu sei lá! Todos esses rolos estão em confusão. Além disso o Fonógrafo trabalha mal. Nem trabalha! Tenho três. Nenhum trabalha.» (p. 67) Três fonógrafos, naturalmente inspirados pelo telégrafo e telefone. Luís Cangueiro (2008) tem mais.
Jacinto instalara, ainda, «prodigamente dois Teatrofones, cada um provido de doze fios», e as senhoras e senhores colavam um receptor ao ouvido, para «saborear» cançoneta. José Fernandes é o único alheado de tanto progresso. Observa que, «de cada orelha atenta, que a mão tapava, pendia um fio negro, como uma tripa». De pálpebras fechadas e meditabundo, certo historiador, «com o ‘receptor’ na ponta delicada dos dedos, [...] gravemente cumpria um dever palaciano» (p. 71). Certa madame sorria lânguidamente, «como se o fio lhe murmurasse doçuras»: «Então, ante aqueles seres de superior civilização sorvendo num silêncio devoto as obscenidades que a Gilbertte lhes gania, por debaixo do solo de Paris, através de fios mergulhados nos esgotos, cingidos aos canos das fezes – pensei na minha aldeia adormecida.» (p. 72) – confessa José Fernandes. Subitamente ‒ nessa expectativa, grave ou lânguida, mas acrítica, impossibilitados de interconexão ‒, percebem que não é a Gilbertte que canta, ouvem-se somente guinchos e zumbidos, todos largam os fios: este desastre sonoro anuncia outros – vai começar um jantar não menos atribulado – e levará Jacinto a trocar a Cidade pelas Serras.
Era um velho sonho: “Cyrano de Bergerac foi o inventor do fonografo no século XVI”, titulava O Século Ilustrado (Lisboa, n.º 148, 2-XI-1940: 3), exagerado. Thomas Edison, sim, inventará, em 1877, o fonógrafo de cilindro, ou graphophone, termo este que até os melhores dicionários, preguiçosos, datam somente de 1909. Luís Cangueiro lembra o precedente do engenheiro francês Charles Cros e estabelece dados curiosos sobre a polémica entre os adeptos de Léon Scott – o primeiro a gravar a voz humana, em 1860, num fonautógrafo – e Edison – «o primeiro a reproduzi-la» (p. 12), 17 anos depois. As vibrações produzidas por estilete num cilindro eram amplificadas por corneta; substituído o cilindro pelo disco de 78 rotações, no virar do século, o sonoro industrializa-se; The Gramophone Company e a Deutsche Gramophon são de 1898; a Victor Talking Machine, americana, de 1901. Enrico Caruso grava em 1902 e, com outra outra gravação operática de 1904, em Milão, vende um milhão de discos.
Peço uns segundos mais para o laboratório do também poeta Charles Cros, do grupo de Verlaine e Rimbaud. Em 1867, projectou um telégrafo eléctrico automático e um «processo de registo e de reprodução das cores, formas e movimentos», continuando a preocupar-se com a fotografia a cores e a invenção de um cromómetro, que medisse a coloração dos objectos. Meses antes de Edison, em 1877, descreve aparelho capaz de registar e reproduzir sons, que designa por paléophone.
No caso português, lembra Luís Cangueiro apresentações públicas em Lisboa e Coimbra, entre Outubro e Dezembro de 1879, bem como a paixão de D. Carlos pelo fonógrafo, que vira na Exposição Universal parisiense de 1889, dotando o iate oferecido à rainha, em 1894, de um fonógrafo. Seu pai, D. Luís, fora já o primeiro rei a ligar-se telefonicamente, um pouco depois de muitos particulares. Imitando o teatrofone de Eça, o monarca, na Ajuda, ouviu a ópera Lauriana, do São Carlos, por telefone.
Desde Novembro de 1893, o Salão do Phonographo, na Avenida da Liberdade, convidava a audição de 25 minutos a troco de 200 réis; desde 1894, Porto, Viseu, Coimbra e Figueira da Foz redobravam esse êxito, em sessões públicas. Enfim, lembra ainda Cangueiro, essa «Maravilhosa invenção» já comparece no conto queirosiano “Civilização”. Mas pouco portugueses o teriam lido, pois saiu em Outubro de 1892 na Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro. Conto desenvolvido em A Cidade e as Serras, só aqui o fonógrafo atinge a máxima representação. E menos leitores teve A Tribuna, de Lisboa, em 15-X-1899, com o soneto “Phonographo”, escrito em Macau, 1896, por Camilo Pessanha. 
Ora, a história entre nós pode recuar. Sempre atento a estas aventuras, Ramalho Ortigão será, talvez, o primeiro a tratar do fonógrafo, aquando de uma segunda visita a Paris. Veja-se o seu livro Notas de Viagem. Paris e a Exposição Universal (1878-1879), saído neste ano. Em Maio de 1879, a propósito de exposição portuguesa no Rio de Janeiro, critica n’As Farpas o nosso «regime industrial» (2007: 1550), e, entre inventos recentes, cita «Edison, o fonógrafo e, ultimamente ainda, o admirável teléfono electroquímico, no qual o som é mais intenso ao chegar ao aparelho receptor do que ao partir do aparelho transmissor» (p. 1551).
Em 25 anos, o fonógrafo substitui outros modelos e representações. Lembrarei uma personagem lengalengando no In Illo Tempore, editado em 1902, que leva Trindade Coelho a dizer: «Era um realejo! ¬ E digo um realejo, porque no tempo do Pedro ainda não havia o fonógrafo!» (Coelho, 1991: 206)
Sirvam estes breves subsídios para estabelecermos um quadro mental do que se entendia por progresso, aqui, em função de um objecto particular datado de 1877, embora o termo francês phonographe (‘aquele que transcreve a pronúncia das palavras’) seja de 1844.
‘Gramofone’, ou ‘fonógrafo para discos’, será um termo de 1901 – o vocábulo português é de 1923 –, e, sendo gramophone em francês e inglês, pode ser que o germano-americano Emile Berliner, que registou o termo, tenha procedido à inversão do inglês phonogram, ou ‘gravação de uma faixa de disco’. Inventado em 1887, o gramofone é comercialmente lançado em 1893. A Imprensa portuguesa do início do século XX publicita-o profusamente. Na literatura, Luís Cangueiro detecta um texto, “O País dos Gramofones”, em Aventuras de João Sem Medo, de José Gomes Ferreira. Datada de 1901 a primeira experiência radiofónica a grande distância, montada por Marconi, em breve se assistiria ao estancar de interesse pelo gramofone e sua portátil grafonola. Mas quantos não se lembram, ainda, de discos de 78 rotações?  
Aquando da edição de Instrumentos de Música Mecânica (duas tiragens, 2007), priorizando a sua notável colecção de caixas de música, Luís Cangueiro oferecia, já, colecção de postais com fonógrafos e gramofones, datando o mais antigo daqueles de França, 1879, com que abre este segundo volume. Foi um dos pioneiros, portanto. Outros provinham da Alemanha, Suíça, Estados Unidos, acrescendo cartazes humorísticos, franceses e ingleses. Essa amostra é, agora, para os mesmos países (com entrada de Itália e Rússia), muitíssimo acrescentada em exemplares – cronologizada em fonógrafo, grafofone, gramofone, grafonola, gramofone de viagem, gramofone de criança –, fazendo-nos desejar o Museu de Música Mecânica, no concelho de Palmela. Muitas peças são, além do mais, exemplos raros de mobiliário e sinalizam décadas de design. Os acessórios – dos cilindros e discos às agulhas, de iconografia variada à bibliografia – encerram esta notável colecção. 
Para surpresa minha, o professor do Liceu Nacional de Bragança e artista fotográfico que conheci em Outubro de 1972, sem abandonar o sentido do olhar, entregou-se decididamente ao prazer auditivo. Homem de gosto raro, detentor de uma colecção de mais de 600 peças, com que formou o primeiro Museu da Música Mecânica em Portugal, o qual vem historiar segmento importante da cultura material da Humanidade, Luís Cangueiro torna-se, assim, protagonista da nossa memória colectiva.

Bibliografia
Barbier, Frédéric; Lavenir, Catherine Bertho. 32009. Histoire des Médias. De Diderot à Internet. Paris: Armand Colin; Cangueiro, Luís. 2008. Fonógrafos e Gramofones. S. l.: Quinta do Rei – Lazer e Cultura; Coelho, Trindade. 1991. In Illo Tempore. Lisboa: Círculo de Leitores; Marshall McLuhan. 21977. Pour Comprendre les Médias. Paris: Mame / Seuil, 1977 [ed. americanas: 1964, 1976]; Ortigão, Ramalho. 2007. As Farpas Completas. Quinto volume. Ed. de Ernesto Rodrigues. Lisboa: Círculo de Leitores; Queirós, Eça de. S. d. A Cidade e as Serras. Porto: Lello & Irmão – Editores.
[Texto mais desenvolvido em Ernesto Rodrigues, Ensaios de Cultura. Lisboa: Editora Theya / Wook. pt. Ebook.]
 

Medicamentos genéricos: a diferença está no preço

O que são medicamentos de marca e medicamentos genéricos?
O medicamento de marca (ou original) é o medicamento que deu origem, através de investigação, a uma nova substância ativa. A substância ativa é o ingrediente do medicamento que tem ação terapêutica no organismo. Os medicamentos genéricos têm a mesma substância ativa, forma farmacêutica e dosagem que o medicamento de marca, tendo assim o mesmo efeito e benefício.

Costa de Lugo e Ponferrada - Viagem surpresa 2016

Ter, 11/10/2016 - 10:33


É surpreendente todos os anos a boa adesão das pessoas, porque esgota e fica muita gente em lista de espera.
Pagar uma viagem e não saber para onde vai, isso só com a confiança da Família do Tio João.
“Então desta vez para onde levou a família, tio João?”
“Brindei-a com a Costa de Lugo, no Golfo da Viscaia, na Galiza e a visita à cidade de Ponferrada (Castilha e León).

NÓS TRASMONTANOS, SEFARDITAS E MARRANOS - Luís (Abraham) Henriques Totta (c. 1694 – 1768)

Citando Mário de Sá, e avisando que “é pouco exacto nas suas informações”, o Abade de Baçal liga os banqueiros Totta a Bragança. (1) Na verdade a origem da família Totta deve procurar-se em Vinhais onde, em 1583, na sequência da visitação do inquisidor Jerónimo de Sousa foi preso e levado para Coimbra o torcedor de seda Afonso Manuel, juntamente com o filho Pero Manuel e a filha Isabel Álvares. (2)
De seguida, com base nas confissões feitas por estes e outros prisioneiros, chegaram às masmorras de Coimbra 3 irmãos de Afonso Manuel (3) e 5 outros filhos e filhas, (4) para além de quantidade de sobrinhos, que Vinhais foi então assolada por um vendaval medonho. Imagine-se: no curto espaço de uma década, entre 1583 e 1594, a inquisição fez ali pelo menos 150 prisioneiros!
No meio deste vendaval de prisões, escapou apenas o filho João Manuel “que andava por Castela”. Não cabe aqui analisar aqueles processos, que nos dão extraordinárias informações sobre a comunidade marrana de Vinhais naquela época e sobre a própria economia da terra onde sobreleva uma rota comercial muito intensa entre Vinhais e o porto de Vigo, na Galiza, onde ele ia vender sedas e cargas de “cânhamo” e comprar “londres” (tecidos ingleses).
Sobre o patriarca, diremos que ele foi batizado na igreja de S. Facundo e que esteve para ser padre, tomando ainda ordens menores que lhe foram conferidas pelo bispo de Dume D. André de Torquemada.
Da sua descendência, o primeiro que encontramos usando o nome de Tota foi o bisneto Manuel Henriques, filho de Isabel Henriques e Francisco Rodrigues, o abalroar, de alcunha.
Manuel Henriques Tota foi preso em 9.6.1660. (5) Dizia-se “tratante” mas a verdade é que ele tinha uma razoável exploração agrícola constituída por vinhas que lhe rendiam 140 almudes, um souto de castanheiros e 40 colmeias cuja “cera em pães” lhe rendia 12 mil réis. Podemos ainda incluí-lo na classe dos rendeiros, pois trazia arrendado o ramo da abadia de Quirás.
Era casado com Leonor Mendes e, de entre os seus filhos citamos dois: Francisco Rodrigues que foi casar com Ana da Fonseca, irmã de André Lopes da Silva, dono da quinta de Palhares, arredores de Bragança e António Henriques que casou em Vinhais com Francisca Henriques, natural da mesma cidade. (6)
António Henriques Tota e Francisca Henriques tiveram 9 filhos e vários estagiaram também nas cadeias do santo ofício de Coimbra. Um deles, chamado José Henriques Tota, acabou queimado pela inquisição de Lisboa, no auto da fé de 26 de Setembro de 1745. (7)
Outro de seus filhos chamou-se Luís Henriques Tota, o nosso biografado, nascido em Bragança, por 1694. Na sequência de mais uma investida da inquisição em terras de Vinhais e Bragança, antes que os prendessem, Luís, o irmão Francisco e as irmãs Ana Maria, Leonor e Isabel meteram-se a caminho de Coimbra e foram apresentar-se voluntariamente, em Agosto de 1716. (8)
Por 1723, Luís Henriques casou com Catarina da Costa, nascida em Rebordelo, Vinhais, filha de Luís Álvares Nunes, um rico estanqueiro do tabaco assistente na cidade do Porto e que também conheceu as cadeias da inquisição de Coimbra. (9) Em 1724 o casal morava em Lisboa, na freguesia de Santa Justa, onde nasceu o primeiro filho, que batizaram com o nome de Francisco. Ter-se-ão mudado depois para a freguesia do Socorro onde nasceu a filha Clara Maria Rosa, em 1734 e a Angélica, em 1739.
Luís Tota era rendeiro e Lisboa era o palco onde se andava ao par das arrematações. E talvez por ter arrematado a cobrança de rendas em Trás-os-Montes, o casal mudou a residência para a pequena aldeia de Peleias, termo de Nuzedo, Vinhais, onde teriam herdado alguns bens da família de Catarina da Costa. E em Peleias nasceram mais 2 rapazes (Alexandre e Rafael) e uma rapariga, Maria Rosa.
Por 1749, a sombra da inquisição foi pairar de novo sobre Vinhais e Bragança. E vendo prender familiares e amigos, Luís Henriques começaria a preparar o plano de fuga. Não apenas dele e da mulher e dos filhos, mas também dos sobrinhos, alguns dos quais estavam no Brasil e ele suspeitava que estariam na iminência de ser presos. Por isso se apressou a escrever a um deles (António Ribeiro Furtado) dizendo-lhe, em linguagem “criptada” que o tinham denunciado e devia apresentar-se na inquisição antes que o prendessem. Escrevia ele que “a miserável pátria está na maior consternação do mundo, que move a maior compaixão ver os desamparos que vão nela” e acrescentava: “o mais breve que for possível eu também me mudo para Lisboa”.
A carta foi escrita em Peleias, a 26 de Agosto de 1749. Em Janeiro seguinte escrevia de Lisboa a outro sobrinho, António Henriques França, ou Ferreira, que andava também pelas Minas do Brasil, recomendando-lhe o mesmo e informando: “cheguei a esta cidade com tua tia. E depois de 15 dias achei boas casas com vista para o mar”.  
A inquisição não dormia e, 1751, prendeu os dois sobrinhos, chegados do Brasil. (10) Seguiram-se outros familiares, nomeadamente a mulher de Luís Henriques Tota, o filho mais velho e duas filhas. (11)
Saídos da prisão, com penas mais ou menos leves, todos os membros da família de Luís Henriques Tota, incluindo os sobrinhos referidos, abandonaram a pátria em 1756 e foram ter a Bordéus. Ali abraçaram abertamente o judaísmo tomando nomes hebreus.
Luís (Abraham) Henriques Tota poucos anos gozou a liberdade bordelense. A mãe, Catarina da Costa, tomou o nome de Sara Henriques ou Mendes. A filha, Clara (Raquel) Maria faleceu solteira, em Bordéus em 1817. Também solteira ficou Maria Rosa, aliás, Rebeca, falecida em 1812. O mesmo se passou com Mariana, depois Lea, que “vivia de seus rendimentos” e veio a falecer em 1835. (12) Angélica (Ester) Maria Rosa foi a única filha de Luís Henriques a constituir família, casando em Bordéus, com Isaac Mendes Cardoso. Faleceu em 1813.
Os filhos, Francisco (Isaac), Alexandre (Jacob) e Rafael (Moisés) logo embarcaram para S. Domingos, o El-Dourado francês daquela época e ali prosperaram como proprietários e comerciantes. Vejamos uma notícia a eles referida:
- Jacob Totta, venu de Lisbonne avec ses frères Isaac et Moise vers 1756, est allé lui aussi à Saint-Domingue: le 26 mai 1784, il est négociant au Cap, rue Trois-Chandeliers, lorsqu´il conclut pour cinq ans, une société avec Isaac et il  mourra “propriétaire” en 1819. Il en va de même de son frère Moise, 63 ans, qui meurt en 1811 “négociant et propriétaire”. (13)

NOTAS E BIBLIOGRAFIA
1-SAA, Mário de – A Invasão dos Judeus, Imprensa L. da Silva, Lisboa, 1925. ALVES, Francisco Manuel – Memórias Arqueológico Históricas do Distrito de Bragança, V-CV.
2-ANTT, inq. Coimbra, pº 7512, de Afonso Manuel; pº 9322, Pedo Manuel; pº 10501, Isabel Álvares.
3-IDEM, pº 8546, de Francisco Álvares; pº 5146, Pero Manuel; pº 3260, João Manuel, que faleceu no cárcere.
4-IDEM, pº 2019, de Afonso Manuel; pº Henrique Manuel; pº 1043, Diogo Manuel; pº 10501, Beatriz Álvares; pº 551, Violante Álvares.
5-IDEM, pº 5299, de Manuel Henriques Tota.
6-IDEM, pº 9407, de Leonor Mendes; pº 6325, Francisco Rodrigues; pº 3602, Ana da Fonseca; pº 2900, Francisca Henriques; inq. Lisboa, pº 7630, André Lopes da Silva.
7-O processo de José Henriques Tota não foi encontrado e não consta dos ANTT, se bem que o seu nome conste da lista dos relaxados em carne no auto citado.
8-IDEM, pº 8482, de Luís Henriques Tota; pº 9058, Ana Maria; pº 8484, Leonor Henriques; pº 3610, Isabel Henriques.
9-IDEM, pº 9119, Luís Álvares Nunes.
10-ANTT, inq. Lisboa, pº 2801, de António Ribeiro Furtado; pº 2802, António Henriques França, ou Ferreira.
11-IDEM, pº 2622, de Catarina da Costa; pº 2627, Francisco Álvares Nunes; pº 2449, Clara Maria; pº 2457, Angélica Maria.
12-Mariana terá nascido em Alhandra por 1752.
13-Arch. France Outre-mer, notaires de Saint-Domingue, NeTach, nº 1620 ; Arc. Dép. Gironde, 4 E 935, fol. 15vº nº 159. Cit. CAVIGNAC, Jean – Dictionnaire du Judaisme Bordelais aux XVIII et XIX Siècles, Archives Départementales de la Gironde, Bordeux, 1987.

Por António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães

“SER FILÓSOFO”

Além dos alunos que iniciam o estudo da filosofia, ouve-se muitas vezes a expressão quando uma greve paralisa os transportes, quando o tempo nos surpreende ou quando a vida corre menos bem. Há os que se chateiam e discutem e os que se “mostram filósofos”, dizem também os comentadores de rádio e televisão.
Esta interferência mexe com os filósofos de profissão: a filosofia, apesar de tudo, é outra coisa, é Descartes, é Platão. É Kant! Não é uma moral superficial, do dia-a-dia, por favor! Tudo isto, é o fundo de comércio de práticas algo irritantes, um género de sofrologia. Porém, é Descartes mesmo que diz “preferir mudar os seus desejos à ordem do mundo”.
No fundo, se fosse isso mesmo, o papel da filosofia ? Uma sabedoria? O regresso ao sentido etimológico, o amor, filia, da sabedoria, sofia ? 
Os filósofos, em geral, nos seus textos e obras defendem esta ideia da filosofia, inspirada da antiguidade, essencialmente dos Estóicos: os filósofos da Antiguidade grega e romana não eram construtores de sistemas ou de conceitos. Para eles a filosofia, é o desejo de fazer pesar sobre o quotidiano e a vida as disposições de espírito descobertas através da análise e raciocínio científico ou filosófico.
Daí a tradição destes « exercícios espirituais », uma espécie de treino destinado a introduzir no quotidiano os princípios da doutrina. O sentido da palavra foi amplamente desviado pelo uso feito pelo jesuíta, Inácio de Loyola, que os orienta na direção exclusiva da salvação da alma. Contudo a tradição antiga tem um significado bem diferente não no sentido de salvar a alma mas sim de salvar a sua pele: sofrer menos aprendendo a modificar o olhar que nós consagramos aos acontecimentos da nossa vida. E isso vai bem mais além do mundo antigo, por exemplo com Goethe, “Não te esqueças de viver”.
Trata-se de desenvolver a nossa atenção em duas direções: a concentração e a atenção ao momento presente e o olhar do alto. De fugir ao medo do passado e à angústia do que está para acontecer. E de tomar a devida distância em relação aos acontecimentos para melhor os suportar.
Não é exatamente o que pretende pôr em prática conscientemente ou não o aluno que começa a filosofar, aquele que faz greve ou o que passeia solitário, que consegue mostrar-se “filósofo”?
Percebo perfeitamente a objeção. E sobretudo a objeção política. Mostrar-se filósofo face aos defeitos e vícios do mundo, não será finalmente aceitar que nada mude? Parar de se “indignar”, cessar de encontrar insuportável o estado do mundo? É uma verdadeira questão…
Era sem dúvida uma filosofia necessária antes das grandes possibilidades oferecidas pela ciência e a técnica. Recordemos no entanto que haverá sempre coisas que não podemos alterar: como por exemplo a passagem do tempo, a morte. Então, apesar de tudo, guardemos esta ideia da sabedoria quando ela nos diz: muda o teu olhar sobre as coisas se queres ser menos infeliz.

Bate soft, softemente

Ora bons dias, como têm passado, estamos todos presentes então vamos lá começar que não temos assim tanto tempo. O conceito da aula de hoje é soft power, que é como quem diz poder leve. Hoje em dia explica muito do que a China anda a fazer por aí. Digamos que soft power é a imagem que temos junto dos outros e é sobretudo chegar aos outros sem parecer que queremos alguma coisa deles ou que somos aquele amigo interesseiro que páginas tantas na hora de pagar repete sempre o mesmo truque do “epá, esqueci-me da carteira”. Esqueçam este último exemplo que não serve para o caso. O conceito de soft power surgiu de um economista americano já nos medievais anos 90 do século passado e significa levar os outros países a quererem o mesmo que nós, a quererem ser nossos amigalhaços e a abrirem-nos as portas de casa, mas sem ser a pontapé ou através do uso da força. Por contraponto com o poder duro, inflexível, do quero posso e mando surge agora este conceito mais floreado de poder. Vamos a exemplos práticos: Ultimatum inglês, invasões francesas, vinda da Troika = hard power, poder duro, onde só há duas hipóteses: sim ou sim. Como dizem os espanhóis “ou vai pelo civil ou vai pelo criminal”. Por outro lado, emerge um novo tipo de poder, não pela força ou pela imposição mas pela simples compra ou participação em empresas/instituições e sectores estratégicos. Mais baseado no dinheiro, no capital propriamente dito. Não me interessa que tipo de governo ou como vos governais, o que fazeis ou deixais de fazer é lá convosco, só vim aqui para comprar este bocadinho. E assim comprando, assim adquirindo um bocadinho aqui outro ali vou possuindo. Está à venda eu compro e assim vou aumentando a minha área de influência a nível mundial. Às vezes nem é que eu quisesse, mas o preço é uma ninharia, até é um favor que vos faço. Por isso também há quem diga que apesar de formalmente parecer mais discreto e mais bem-intencionado não deixa de ser imperialismo. Há posse e um domínio efectivo, mas quase parece que não. Não é necessário levantar grandes ondas. Ora, a este tipo de poder falta juntar a imagem e, infelizmente, o dinheiro nem sempre ajuda a compor a ideia que os outros constroem de nós. É por isso que a China nos últimos anos se tem empenhado fortemente em difundir uma imagem diferente fora de portas, mais leve e prazerosa, desligada dos vários preconceitos que muitas vezes lhe são associados. Aprender línguas estrangeiras para se aproximar do outro (o inglês é obrigatório desde o primeiro ano de escolaridade – antigamente era o russo), abertura a produtos e posturas ocidentalizadas, espalhar o Instituto Confúcio (centro de ensino da língua e cultura chinesa) por todo o mundo – Portugal tem três – ou difundir directivas para os turistas chineses – suplantaram os EUA como país com mais turistas no mundo – se comportarem segundo a conduta lá de fora e respeitarem as filas ou não cuspirem no chão... Tudo isso em prol de uma forte campanha centrada na imagem a transmitir para que os outros povos se tornem mais receptivos. Para que os países não se casem com os chineses só por amor ao dinheiro, mas que haja também algum amor envolvido. Só amor. Torna sempre tudo mais fácil. Aquela coisa de o mundo não ser de todo um lugar de equilíbrios assenta aqui como uma luva. Reparem. Nós portugueses andamos sem cobres para power, mas temos a imagem do nosso lado. Sol, bom tempo, praia e campo, comida boa e hospitalidade. Os portugueses são gajos porreiros que não se metem em confusões e ainda sabem dar uns pontapés na bola. A sério, somos um dos países do mundo cujo passaporte permite entrar em mais países sem precisar de visto, 172 – Alemanha em primeiro com 177. Num mundo de desequilíbrios este soft power é mais um produto meio sub-reptício dos tempos modernos, cheios de tiradas de bastidores, de coisas que não se descobrem, de papéis e panamás do lado de lá da cortina. Por isso talvez este poder leve seja um pouco como os produtos light. Nem sempre nos podemos deixar iludir. Temos de ler com atenção as letras minúsculas para ver se as calorias, os conservantes ou as gorduras causadoras de mau colesterol continuam lá. É que às vezes só muda a embalagem. Por hoje ficamos por aqui. Podem sair. Cuidem-se. Até para a semana.

GRATIDÃO

Mesmo nas lojas de curiosidades excêntricas, raras, a gratidão não se encontra à venda. Ao contrário a ingratidão oferece-se a granel, ao copo, a todo o tempo, a todo o momento. Sendo um fragmento escasso, quando leio ou ouço notícias a darem conta de nótulas de gratidão alegro-mo ao modo de menino esfomeado de carinho a quem mão suave faz afago na sua cabeça.
Neste Verão a Câmara de Vinhais expressou o seu reconhecimento ao musicólogo Jorge Lima Barreto levando a efeito a II Bienal a ele dedicada. Terem convidado Mário Vieira de Carvalho a dissertar sobre a obra do vinhaense foi uma boa escolha, no mais interessa-me o gesto da Autarquia, o acto de gratidão.
Também o Nordeste me informou ter a Câmara de Mirandela ter homenageado o seu famoso filho que ficou conhecido pelo nome corográfico da terra onde nasceu, Doutor Mirandela, entenda-se Francisco da Fonseca Henriques. No decurso de uma investigação centrada em documentos existentes na Academia de Ciências tomei conhecimento da existência do saliente facultativo, médico do rei Magnânimo, o qual abusava dos prazeres em especial das doçuras levando-o a ficar gotoso. Para lá do alargamento dos sapatos, as reais articulações rangiam provocando-lhe dores terríveis na companhia de remorsos ante o receio de ir parar às profundezas do Inferno.
Trazer o médico pioneiro no estudo do papel dos alimentos na obtenção de corpo saudável para a ribalta, além de prazenteiro ajuste cultural, é outro registo de gratidão.
Embalado pela feliz circunstância destes dois planturosos exemplos atrevo-me a enumerar quatro personalidades, duas de Vinhais, os Barahona Fernandes, uma de Bragança, o exímio pedagogo Carlos Silva, conceituado professor de Matemática.
Sobre os Barahona Fernandes, existem várias referências de realçar o facto de terem nascido em solo transmontano porque o pai, o médico António Augusto, a residir em Lisboa, ter feito questão de os filhos nasceram em Vinhais. Bonito! Ao tempo, dealbar do século XX, as comunicações eram precárias, as estradas más, piores ainda quando as viajantes estavam em adiantado estado de gravidez.
Na Marinha, na Medicina, na Universidade não escasseiam reputados Mestres dos que sabem, à altura de lhe formularem o panegírico. Deixo a sugestão, de resto neste e noutros jornais já aludi à figura do filho Enrique João eminente psiquiatra, catedrático e Reitor da Universidade a seguir ao 25 de Abril, não por acaso.
No tocante ao Dr. Carlos Silva pode parecer excessivo sugerir a sua exaltação na aura da gratidão. O leitor distraído ou pouco informado (invejoso?) pode confiar à sua camisa o resmungo sem ponto admirativo: era um professor como tantos. Engana-se o leitor. Redondamente.
O Carlos Silva detinha e expandia um fascínio particular no ensinar a gostar-se da matemática, explicável, pela facilidade na apreensão epistemológica da matemática clássica a escorar a matemática moderna. Não vou fazer citações, mas todos quantos conviveram ou partilharam afinidades electivas com o bem-humorado Carlos, nunca poderão esquecer quão arguto era nas formulações dos raciocínios sobre o assunto em discussão ou análise.
A diáspora impediu-me de melhor e mais íntimo convívio com ele nos últimos anos do seu viver, no entanto, em qualquer parte do Mundo onde topo transmontanos antigos estudantes em Bragança, de imediato recordam Carlos Silva. No Rio de Janeiro, um médico no decurso de um almoço regionalista elogiou o contributo de Carlos para ele ultrapassar as dificuldades de acesso à Universidade, em Moçambique e em Macau ouvi louvores ao professor despido de doutorice do mesmo teor.
Não ouso acrescentar aos ilustres acima referidos que no meu entender devem ser recordados os de personalidades vivas, a causa reside na certeza de granjear resmungos de estridência de maior volume porque o despeito é pulsão virulenta a enciumar os nossos corações. Agora, que há mulheres e homens de todas as condições a justificarem pública exaltação, isso há. 

A festa é sempre em Lisboa

Ter, 11/10/2016 - 10:24


Cento e seis anos depois do golpe republicano o ex-presidente da Fundação da Casa Real de Bragança, agora eleito primeiro magistrado da nação, festejou, entre o povo, mais uma obra grandiosa na margem direita do estuário do Tejo, cartão de visita da capital desde os tempos da Torre de Belém.

NÓS TRASMONTANOS, SEFARDITAS E MARRANOS - Francisco (Benjamim) Raba Junior (1743-02-26 – 1827-05-14)

O mais novo dos irmãos Raba nasceu em Bragança meses depois de falecer seu pai. Foi batizado com o nome de Francisco e mudou-o para Benjamim quando chegou a França e se fez circuncidar. Tinha 20 anos e logo depois, em 1765, abalou para as Antilhas. Regressou a Bordéus em 1781,com uma boa fortuna. No ano seguinte casou com Esther Félicité Henriques Azevedo, 20 anos mais nova do que ele, filha de Jacob Azevedo, “um modesto agente de seguros quando chegou a Bordéus em 1746” (1) e que se guindou a um lugar de destaque no seio da nação, construindo uma forte casa de câmbios e seguros.
No seguimento da revolução francesa, Benjamim Raba, então mais conhecido por Raba Junior, foi um dos 6 deputados judeus eleitos à Assembleia Nacional de França, facto bem revelador da sua influência e prestígio. (2)
A pouco e pouco o irmão mais velho (Abraham) foi deixando a direção da firma “Societé Raba Frères” para o irmão mais novo – o único que tinha filhos machos e, portanto, em condições de assegurar a continuidade do nome da família. Esta liderança foi bem aceite pelos irmãos. Veja-se, a propósito, como esta preocupação pela unidade da família e conservação da sociedade empresarial familiar animava o irmão Aaron quando fez seu testamento em 28.6.1810:
-Deixo ao meu irmão Henriques Raba Júnior a parte que eu tenho na propriedade de Talence, assim como os meus bens móveis que ali se encontram e na sua falta deixo aos filhos machos do mesmo. Desejo que meus outros irmãos disponham da sua parte a favor de Mr. Raba Júnior e seus filhos machos, a fim de que a propriedade à qual estamos muito apegados permaneça na propriedade dos seus filhos fazendo bom uso da mesma, tomando de seus tios o bom exemplo. No caso de qualquer dos meus 3 sobrinhos, filhos de Raba Júnior, ou os 3 pretenderem casar, devem ter o consentimento do pai e da mãe e dos outros dois irmãos que estejam vivos e neste caso os meus irmãos Jacob e Gabriel, devem dar-lhe, cada um 12 000 francos a cada um, os quais eu lhes entreguei. E também a Elisée, um dos meus sobrinhos, devem ser-lhe pagos 3 000 francos adicionais (…) e esta pequena soma adicional é a prova da minha afeição especial por ele… (3)
Em 1774, vivendo ainda Sara, a matriarca, os Raba compraram uma quinta denominada Coudourne, em Talence, arredores de Bordéus. A quinta albergava um velho e arruinado castelo que os Raba reconstruíram e transformaram num verdadeiro centro de atração, conforme anunciava um guia turístico publicado em 1803:
- Talence fica no caminho entre Bordéus e Bayonne. Aí existe uma das mais belas casas de campo existentes em todo o país. Os seus proprietários, diferentes de todos aqueles que apenas desejam para si a fruição das suas propriedades, permitem a sua visita pelo público em geral e o apreço de todos aqueles que o fazem encontra-se testemunhado pelas muitas inscrições de reconhecimento que por todo o lado podemos encontrar. À entrada dos jardins estacionam sempre muitas carruagens. No dia em que fiz a minha visita, era domingo de Páscoa, contei mais de 100… (4)
Obviamente que, em tempos de revolução, semelhante moradia despertava os mais diversos sentimentos. E se, em tempos de paz, os Raba ali recebiam graves figuras do campo da política, das artes ou das letras, (5) no tempo do terror e revoltas populares que faziam rolar cabeças a torto e a direito, os proprietários, judeus, não dormiriam descansados. Assim se explica um jantar oferecido pelos Raba no palácio de Talence a um grupo de 40 importantes revolucionários dos “sans-cullotes”, entre eles o célebre Jean Baptiste Lacombe, presidente da comissão revolucionária de Bordéus, falando-se também de uma oferta de 200 000 libras. (6)
Com o seu próprio trabalho e com o apoio dos 8 irmãos, que todos o fizeram herdeiro principal de seus bens, Benjamim teve a “sorte” de um morgado e tornou-se um dos homens mais ricos de Bordéus. Para além do comércio com as Antilhas, ele exercia atividades de banqueiro e armador de barcos.
Na rede de negócios da família Raba aconteceu, porém, uma rotura. Vamos explicar. O irmão António, aliás, Moisés que viveu em S. Domingos durante 24 anos, entre 1763 e 1887, casou na colónia com Maria Cecile Fromangeau que lhe deu duas filhas. Uma delas chamou-se Luísa Maria Celeste e casou com Daniel Lopes Pereira. (7) Obviamente que Daniel foi integrado na rede como parceiro comercial dos cunhados. Os negócios correram-lhe mal e “a sua fortuna teve um acidente fatal”. Valeram-lhe os cunhados. Jacob, por exemplo, emprestou-lhe 40 000 francos. Outro tando o Aaron. Todos os irmãos Raba se referem ao caso em seus testamentos, fazendo questão de que ele deve tentar pagar a dívida e respeitar a família. A sobrinha, Luísa Celeste, no entanto, é contemplada por todos. Veja-se, por exemplo, as disposições do testamento de Jacob Henriques:
-Deixo a Mrs. Luísa Celeste, mulher de Daniel Lopes Pereira, a quantia de 20 000 francos como compensação pelo acidente fatal que sofreu a fortuna do seu marido (…) No que diz respeito aos 40 000 francos que da minha conta emprestei a Mr. Lopes Pereira, ao tempo do pagamento do seu compromisso com os credores, pelo que me está devendo parte do pagamento, dou autorização aos meus herdeiros que lhe dêem um recibo do que me deve. E futuramente deve Mr. Lopes Pereira pagar ele próprio as suas dívidas e que não perca de vista ou não se esqueça que os meus irmãos são os seus benfeitores. Se, contra o esperado, Mr. Lopes Pereira, a mulher ou os filhos levantarem algum litígio contra os meus herdeiros, sob qualquer pretexto, autorizo os meus herdeiros a não desistirem das reclamações que eu tenho contra Mr. Lopes Pereira. Nessa situação, cancelo todas as disposições que tomei a favor de Mr. Lopes pereira e seus filhos…
Resta dizer que a descendência de Raba Júnior se perpetuou até aos nossos dias. De seus filhos (3) e filhas (1), referência para o já citado Elisée Henriques Raba que ficou gerindo os negócios da família e para Joseph Henriques Raba que foi cônsul de Portugal (como o tio Salomon) e agraciado pelo rei D. João VI em 24.11.1823. (8) Está enterrado no cemitério Père-Lachaise, Division 7, e a sua lápide ostenta a seguinte inscrição:
-Ici reposeJoseph Henriques Raba, né a Bordeaux le 25 décembre 1793, décédé le 7 août 1849.

1- CAVIGNAC, Jean - Dictinnaire du judaisme Bordelais aux XVIII et XIX sieceles, pp. 16 e 17.
2-– SCHWARZFUCHS, Simon - Le Registre des Deliberations de la Nation Juive Portuguaise de Bordeaux (1711-1787), p. 578.
3- The National Archives – Record Offi Will of Aaron Henriques Raba. O testamento foi traduzido para a língua inglesa em 18.2.1826.
4-BERNARDAU, M. – Promenade a Talence, Bordeaux, 1803. O autor do projeto foi o famoso arquiteto Victor Louis que em Bordéus projetou também o Grand Thêatre  e em Paris construiu o Palais Royal e o edifício da Comédie Francaise.
5-O dramaturgo Pierre-Augustin Beaumarchais, criador da personagem Fígaro foi uma das personalidades que estiveram do palácio dos Raba, tal como o imperador Napoleão e a imperatriz Josephine.
6-SZAJKOWSKI, Zosa – Jews and the French Revolutions of 1789, 1830 and 1848, p. 532, New York, 1970.
7-Um dos filhos de Daniel e Celeste camou-se Joseph Emille Lopes Pereira e foi médico, com um cargo muito importante: inspetor dos banhos de Arcachon. Era casado com Maria Cardosa. Outros dois filhos do casal, Gabriel e Aristides, casaram na família Lopes Dubec, uma das mais importantes da “nação” de Bordéus. Lopes Dubec foi com Raba Junior, deputado à Assembleia nacional.
8-ANTT, Registo geral das mercês, li, 17, fl 232.

Por António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães