LATCHO RAT!
Quem entende não lê, quem lê não entenderá, ainda mais que o título da crónica não faz parte de qualquer idioma fixado ou organizado em termos gramaticais. Construída no transcorrer dos séculos, é de todo conveniente que continue secretamente guardada por aqueles que a criaram, quais guardiães de um tesouro a conferir-lhe identidade e, tantas vezes, a livrá-los de perigos maiores. Tranquilize-se a comunidade que eu também não sei falar tal língua nem ninguém me irá ensinar… ouvi, simplesmente.
Ouvi hoje, pela vez primeira, o conceito de “racismo institucional” – expressão para a qual, confesso, nunca tinha olhado até ao momento em que o Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE o usou para se referir ao modo como as escolas portuguesas se relacionam com os alunos de origem imigrante. E, se tal se pode aplicar a todos, em geral, é dada particular ênfase à situação dos afrodescendentes que entram no sistema escolar mais tarde, acumulam mais reprovações e são, maioritariamente, encaminhados para percursos, ditos, alternativos onde se incluem os cursos profissionais e as variantes que foram criadas na década passada. Esta tese é, segundo os autores, validada por outros estudos onde se evidencia que o racismo é uma componente com forte dimensão que obstaculiza a democratização do ensino.
Estudos são o que são e valem o que valem, mas é a única forma de aceder à realidade, refletir sobre ela e de a configurar de modo a que se torne perceptível à capacidade de entendimento do ser humano; na certeza, porém, de que nunca se abarcará a realidade toda e a sua complexidade. Por isso, para no estudo emergir tal constatação, foram esquecidas outras realidades similares e que, por certo, irão aparecer noutros projetos de investigação, embora possam vir a ser enquadrados na mesma realidade e debaixo do mesmo rótulo de “racismo institucional”. Sem grande margem de erro, somos levados a afirmar que qualquer minoria étnica está sujeita ao racismo e preconceito institucionais num país que, desde sempre, galgou fronteiras e foi acolhido na diáspora.
Assim, e extrapolando este estudo, levou-me a curiosidade a consultar o Estudo Nacional sobre as Comunidades Ciganas de 2014, coordenado pela doutora Manuela Mendes para o Observatório das Comunidades Ciganas, onde se constata que, desde 1990, existiram diversos projetos para que estas comunidades fossem integradas no sistema escolar, estabelecendo uma ruptura com o passado, de forma a aumentar a escolarização. Efetivamente, africanos, ciganos e outras minorias foram chamadas à escola e gastou-se dinheiro para a implementação de programas como o Projeto de Educação Intercultural ou Programa Interministerial de Promoção do Sucesso Escolar (PIPSE), onde os agentes se sentiam realizados porque foi possível oferecer um bolo de aniversário ao menino que nem nunca tinha comemorado o dia em que nasceu. E viram que isso era bom mas não chegou para a promoção social e cultural.
O reverso ou inverso, é no entanto, apresentado no mesmo estudo de 334 páginas, quando aborda a questão das condições habitacionais dos ciganos e, por extensão, de outros grupos social e institucionalmente marginalizados: é que a este esforço do poder central para integrar minorias na escola, não corresponderam as autarquias, nem a tutela no que diz respeito às políticas de realojamento local. Nesta área, continuam a ser discriminados, seja no sector privado do mercado de habitação, seja no acesso à habitação social com base no preconceito e no estereótipo culturalmente veiculados. Por isso, concelhos houve em que nada se fez a este nível e, naqueles em que se fizeram intervenções tais não passaram de ténues apontamentos ou de realojamentos que afastaram as comunidades do acesso ao mais elementar: transportes, saúde, higiene e educação.
Por isto, não será de estranhar que as crianças ciganas ou os jovens afro não se enquadrem na escola ou cheguem a ela com roupas imundas e a tresandar a suores, quando se vem da barraca para o templo da sabedoria. Também não é de estranhar que não tragam cadernos quando a água entrou pela lona e a barraca tem mais buracos que um queijo suíço. Poderemos estar a assistir a um tempo novo, em que as autarquias reinterpretem o conceito de “políticas de proximidade” e se debrucem sobre aquilo que até hoje não quiseram ver e até ocultarem em larga medida – não aconteça que ciganos e negros ganhem consciência de que são povo e reivindiquem o que é por direito de qualquer ser humano. A miséria humana não se compadece mais com ideologias, é hora de agir.