Cronicando - Em setembro é tarde demais

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Conselhos avisados devem ser tidos em conta. Num texto publicado na revista VISÃO de seis de julho, Rentes de Carvalho plasma um aviso que lhe fora dirigido e peço licença para transcrever: “Bem me avisaram: se era meu intento escrever sobre Trás-Os-Montes, levasse em conta que o caminho seguro seria não me desviar dos trilhos, dos carreiros e atalhos de cabras que gente de nome tinha palmilhado”. Efetivamente este é o modo mais confortável de fazer caminho. Com toda a certeza que o autor não estaria a pensar na maré eleitoral que se avizinha nem nos que, por terras de Trás-Os-Montes, são notas dissonantes e assumiram como ideário o lema de D. António Ferreira Gomes, em tempos de feroz ditadura: “De joelhos diante de Deus, de pé diante dos homens.”; mas que no seu jeito de escrita acutilante, Rentes de Carvalho faz recomendações com sentido, sem dúvida que faz.  

O artigo centra-se na ideia de que esta região se acomodou a uma forma de estar que a impede de se queixar e a aceita ser discriminada perante o fausto de uma capital que a espezinha e a esquece. É de facto esta a realidade, mais revoltante ainda, quando, se quiséssemos pedir contas aos eleitos pela região sobre o que fizeram em defesa desta terra enquanto permanecem na Casa da Democracia, nos surpreenderíamos com as suas parcas intervenções e as reduzidas ações em prol dos que dizem defender. Tempos houve em que, esporadicamente, até as rádios locais faziam ecos de uma ou outra intervenção em defesa da terra transmontana; nos tempos que correm, os ventos da Europa trazem o esquecimento do torrão.

Silêncio, pacatez, acomodação, seguidismo podem ser atributos de um povo que cansado de lutar se resigna à sua condição. Até ao século XVII não houve guerra a sério em que os transmontanos não tivessem entrado, dois séculos depois, eram apenas um punhado de valentes, agora a guerra é outra mas ninguém ousa combater o bom combate. Há ainda os políticos de balcão que, servindo-se dos meios de que dispõem, parece quererem elaborar o programa eleitoral dos candidatos. É uma maçadora tentação. Em maré de autárquicas, e ao jeito desses políticos, se algo poderia acrescentar seria o respeito dos candidatos por três conceitos que tão arredados têm andado da concepção programática: Inovar, Integrar, Modernizar.

Inovar no sentido de ser capaz de apresentar projetos diferentes para uma região que continua imersa na ideia de que é periferia porque tem como ponto de referência Lisboa, quando deve olhar para a sua proximidade da Europa. Quem vier a ser eleito tem atrás de si um legado de gerações. Todavia, os séculos de História não podem ser grilhões para que se ouse e se lancem desafios em áreas que economicamente viáveis permitam potenciar o que já existe e trazer novidade em articulação com as escolas superiores da região.

Integrar. Provavelmente o conceito mais desafiador e mais difícil de concretizar porque ainda pensamos na ideia do uno quando na verdade nunca o fomos. Cresci a ouvir falar do “cigano” e do “aldeano”. Séculos antes acrescentava-se à coabitação o Evangelho e a Torah. Receio bem que, neste momento, se tenha apagado este percurso e pese embora cheguem cada vez mais nacionalidades e religiões a Trás-Os-Montes não me parece que se estejam a integrar devidamente. Veja-se por exemplo, que Bragança não tem ainda um Centro Local de Apoio à Integração de Imigrantes, quando só num agrupamento de escolas foram assinaladas cerca de vinte nacionalidades no curso de português para maiores de dezoito anos.

Modernizar em todas as áreas sobretudo na económica, cultural e social. Modernizar na agricultura, na indústria ou na área tecnológica afiguram-se como caminhos seguros para um futuro a curto prazo, devendo, por isso, dar-se os primeiros passos de forma coordenada, permitindo à iniciativa privada que também faça o seu percurso. Já em termos culturais, encontram-se municípios que começaram a desvendar novas sendas que lhe granjeia reconhecimento e dividendos. O Freixo Festival Internacional de Literatura realizado há mais de um mês, ainda recentemente foi comentado no Programa Hotel Babilónia da Antena 1 associado à uma referência à praia da Congida e às excelentes condições que oferece. Gastronomia e feiras de produtos podem ser entendidas como cultura, mas se já existe um ou dois eventos de referência na região na área da literatura e do teatro porque não diversificar e multiplicar as ofertas para um público igualmente diversificado? 

Os dias que correm são de regeneração e essa consegue-se com boas lideranças e atos de cidadania ativa; caso contrários poderá aplicar-se aos que se orgulham de viver para cá do Marão, aquilo que José Eduardo Agualusa diz sobre quem vive em Angola: “Muitas pessoas para sobreviver apuram a cegueira, por um lado, e a invisibilidade por outro. Como aquelas borboletas que para sobreviverem nas novas urbes industriais perderam a cor e se tornaram cinzentas. Dói ver, então ficamos cegos. É perigoso que nos vejam, que percebam a nossa singularidade, então confundimo-nos com as paredes.”(in Somos Livros n.º16; Bertrand). Pensemos em agosto porque em setembro já é tarde demais.

Raúl Gomes