Cinco de outubro é também o Dia Mundial do Professor. Durante séculos, os dias assinalados no calendário serviam para, em clima festivo, venerar a divindade e, em alegria, a comunidade esquecer-se dos trabalhos rotineiros. Já o século XX foi pródigo na criação de dias especiais não para que os cidadãos festejassem, mas para que tomassem consciência dos problemas e os transformassem em causas. Não será por acaso que o Dia Mundial do Professor foi criado pela UNESCO já no final do século (1994) para que as sociedades ganhassem consciência da importância desta profissão no desenvolvimento das sociedades.
No que a Portugal se refere, bastou uma meia dúzia de anos para que a imagem do professor fosse levada par as ruas da amargura: foram as passagens administrativas, os saneamentos, o desrespeito pela dignidade do professor enquanto pessoa que rapidamente o destronaram do pedestal. Se, antes de 74, era obrigatório qualquer um levantar-se à sua passagem e as crianças pedirem a bênção – o que seria excessivo, o sarcasmo que se seguiu em nada dignificava os intervenientes. Os anos passaram, e cada vez faz mais sentido que o dia cinco de outubro continue a ser o Dia do Professor: a populaça arvora-se o direito de mandar nas escolas, nos professores e impor regras; as sucessivas tutelas, numa onda de populismo balofo, acompanham-na e reforçam esse sentimento com políticas discriminatórias e intervenções pouco abonatórias. Não valerá a pena referir factos passados, basta olhar para o presente.
Ao congelamento das carreiras há mais de dez anos, ao imbróglio que têm sido os últimos concursos juntam-se agora as declarações da Secretária de Estado da Educação que, embora reconhecendo terem errado, deixa para o próximo ano a resolução de um problema criado pelo próprio ministério, sendo que a fundamentação do erro é ainda mais sui generis, dado considerar que os professores do quadro, já que recebem um salário completo, têm de ter um horário completo. Esqueceu-se a Secretária de Estado que os professores do quadro de que dispõe, são, na sua maioria, profissionais com mais de cinquenta anos, e que os horários completos que hoje lhe atribuem correspondem aos horários que há duas décadas eram dados aos professores em início de carreira. Como se tal não bastasse, a invenção da “componente não letiva” é mais um embuste usado para haver trabalho direto com alunos, seja por imposição das direções, seja porque a moda da “preparação para os exames” já chegou a todos os cantos e é preciso agradar.
Também o descongelamento prometido pelo governo para 2018, ao que parece, vai deixar de fora os professores porque o tempo de serviço prestado desde 2011 não irá ser contado para efeitos de progressão, o que, na prática, se traduz em mais uma desvalorização da carreira à luz da lei evocada. No entanto, e em abono da verdade, o artigo 38º da lei do Orçamento de Estado não poderá ser aplicado a uma classe onde a progressão não depende apenas do decurso de determinado período de prestação de serviço, na medida em que qualquer professor tem de apresentar um relatório anual da sua atividade, frequentar ações de formação, ter aulas assistidas e ser avaliado por uma comissão eleita entre os membros do Conselho Pedagógico.
A dignidade começa no reconhecimento, embora o mais relevante seja o modo como cada professor age na sua profissão. No Japão, o professor é o único que não tem de se curvar diante do imperador, em Portugal obrigam-no a curvar-se diante de tudo.
(IN)DIGNIDADE
Raúl Gomes