OUTRA VEZ NÃO!

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Na verdade, começa a fazer sentido pensar-se que os acontecimentos têm a importância que se lhe pretende dar, podendo, em alguns casos, deduzir-se que, mais do que o seu impacto na vida das pessoas e, consequentemente, das sociedades é a relevância atribuída que determina a dimensão do mesmo. Provavelmente, nem sempre foi assim. Tempos terão havido em que uma calamidade era mesmo calamidade porque vitimava milhares de pessoas ou uma guerra era mesmo uma guerra porque semeava o caos, destruía cidades e matava pessoas. Nos dias de hoje, continua a morrer-se, a haver catástrofes mas, ou são notícia de horário nobre ou nem sequer têm força capaz para mobilizar quem mais próximo se encontra dos factos.

O maior paradoxo da comunicação nos tempos que correm poderá ser precisamente a valorização que é feita da mesma, e, simultaneamente, as barreiras criadas aos princípios fundamentais, sobretudo à coerência do conteúdo e ao enfoque da mensagem. Num determinado nível dir-se-ia que é desta violação que nascem as “fofocas”; como seres limitados que somos, e porque não se pode abarcar o todo, a mente humana prega partidas que levam a comunicar apenas o que de mais prazeroso se pode apresentar ao entendimento do outro. O paradoxo adquire particular relevância porque, estando numa era de comunicação, e estando convencidos de que toda a sociedade é comunicacionalmente capaz, o cidadão é levado a aceitar como verdade o que não passa de um ligeiro apontamento do conceito, sobretudo quando se depara com espaços onde o critério de clareza e objetividade devem estar presentes: os serviços noticiosos. Em tais espaços informativos, cada vez mais se recorre aos artifícios linguísticos sem ficar claro se é para embelezar o discurso ou para escamotear a realidade. Realidade essa que, independentemente dos tons com que a pintam, continua a ser isso mesmo – realidade. Num noticiário curto, ninguém pode esperar grandes reportagens, porque se assim fosse em vez de notícias haveria outra coisa. Espera-se, isso sim, informação relevante e de interesse para o leitor/ ouvinte.

Pouco pode interessar à região transmontana os recentes acontecimentos que se têm vivido na Venezuela; transmontanos a residir nesse país serão uma minoria. No entanto, já das Beiras há comunidades significativas; seja em Caracas, seja noutros estados como Carabobo ou em Portuguesa com a capital em Guanare onde madeirenses são maioritários, e só pelo nome se fica a saber da importância dos portugueses nessa região.

Em abril, a conselheira das comunidades portuguesas nesse país, alertava na reunião do Conselho Permanente das Comunidades Portuguesas para a gravidade da situação: “Estamos a passar uma situação crítica de desabastecimento, tanto a nível de medicamentos como alimentar, e a insegurança que tem avançado dia após dia. Agora, as ruas estão incendiadas, dos dois lados, o que ainda é pior”. Falou ainda da fuga dos jovens e da expropriação de que os portugueses são alvo no sector da panificação e do comércio em geral. Disto nem ecos na imprensa televisiva nem na escrita. Mais recentemente, já o Público noticiava que a fuga de portugueses da Venezuela para a Madeira fizera aumentar as despesas de saúde em meio milhão de euros no erário da região autónoma. Os que chegam trazem uma ou duas malas, projetos de vida desfeitos e incertezas quanto ao futuro. Os pedidos para habitação social, rendimento social de inserção e emergência alimentar mais que duplicaram, tendo já sido gastos meio milhão de euros em medicamentos, desde janeiro.

Na Venezuela estarão a viver meio milhão de portugueses, sendo trezentos mil da região madeirense. A crise social e política, segundo os analistas, tende a agravar-se não só porque a tensão entre as partes não dá sinais de diminuir mas também porque há líderes da oposição presos, as forças militarizadas continuam a matar e, a única organização interna, a igreja católica, que poderia mediar o conflito foi afastada pelo governo de Nicolás Maduro. Perante isto, o cenário não poderá ser mais catastrófico.

Com as devidas distâncias, tal panorama traz à lembrança dos mais antigos os anos de setenta e quatro e seguintes, em cidadãos nacionais espoliados do ultramar faziam filas para receber alimentos e cobertores nas capitais de distrito e dormiam em palheiros e casas de terra batida um pouco por todo o país.  Ninguém quererá que este quadro se repita, até porque se deve aprender com os erros e ainda há tempo para preparar planos de contingência que vão para além da mera diplomacia ou da possível carreira aérea, Compete ao governo avaliar realisticamente a situação e planear a resposta adequada, é direito dos cidadãos serem devidamente informados do que realmente se passa e no mês em que se celebram as comunidades portuguesas, saibamos acolher quem teve de regressar à pátria na incerteza do dia seguinte.       

Raúl Gomes